Por Thomas Pikketty via Social Europe, traduzido por Daniel Fabre.
No despertar de uma surpreendente reeleição de Alexis Tsipras e do Syriza, Thomas Piketty (recém-nomeado conselheiro econômico do Labour Party) discute a necessidade de uma atuação mais ativa dos líderes europeus quanto à questão grega – e para o estabelecimento de um parlamento da eurozona.
A vitória de Tsipras veio como uma surpresa para alguns. O que mudou para a Grécia?
Normalmente, nos esperaríamos alguma estabilidade nos próximos anos. Mas acima de tudo, a Grécia e a Europa precisam retomar o tempo perdido. Até agora, a Europa recusou obstinadamente conversar seriamente sobre reestruturar a dívida grega. Isso foi causado pela queda do ultimo governo.
A Europa tinha implicitamente dito que reconsideraria a dívida tão rápido quanto os gregos administrassem o balanço do orçamento público com um pequeno superavit primário – que significava que a Grécia teria mais receitas que gastos públicos. Mas quando os gregos apelaram por ajuda em dezembro de 2014, a Europa disse “não”. Isso é o que por fim abriu o caminho para Alexis Tsipras.
E a situação continuou. Entre janeiro e julho de 2015, a Europa recusou-se a reabrir o diálogo. Agora é setembro e o novo pacote de suporte que foi discutido esse verão levou ao adiamento das negociações da dívida. Se a Europa insiste em pagamento da dívida, haverão novas crises e o problema não será resolvido.
Porque o diálogo entre a Europa e a Grécia precisa mudar?
A Europa tem outros problemas para lidar. Há a crise dos imigrantes e uma situação econômica ainda mais ampla. A Europa, Alemanha, e França não podem existir em um estado permanente de crise. Os europeus necessitam ajustar sua posição. E para que isso aconteça, a França tem que ter mais coragem – e os outros também. Talvez as eleições na Espanha no fim deste ano mudará as coisas. Todos esses elementos podem se combinar para influenciar políticas majoritárias na Europa que impliquem a questão grega.
Quais deveriam ser as prioridades econômicas de Tsipras de agora em diante?
Modernizar o sistema tributário é claramente a prioridade. É preciso ser mais justo e mais eficiente. Mas isso pode apenas realmente ser feito com a cooperação europeia – e se a Europa dar o exemplo.
Nós temos que lembrar que as grandes empresas na Europa costumam pagar menos impostos que as pequenas e médias empresas. Isso ocorre porque os governos fazem acordos que levarão a condições mais favoráveis a sua própria indústria nacional. E o fazem sem nem mesmo considerar que a Comissão Europeia tem um presidente que, como um primeiro ministro de Luxemburgo, assina acordos com corporações multinacionais que os permite pagar uma taxa de somente 1% à 2%.
A Europa não pode sair dando conselhos sem se comprometer ela mesmo com a transparência fiscal. E isso vai ao coração do sistema – os bancos alemães e franceses estão muito felizes para manusear os fundos de gregos ricos.
O que o presidente francês François Hollande deveria fazer sobre a Grécia?
Esse verão, François Hollande começou a fazer sugestões sobre como fazer a eurozona mais democrática. Em particular, ele falou sobre estabelecer um parlamento para os países da eurozona. Mas isso é ainda muito tímido e vago. Se ele quer mesmo fazer algo para salvar seu segundo mandato, e sobre tudo melhorar a governança da eurozona, ele precisa fazer propostas mais acuradas.
Eu acredito que teria havido menos austeridade na Grécia, e mais soluções teriam emergido se tivessem ocorrido discussões democráticas e públicas em um parlamento da eurozona, composto com representantes de cada parlamento nacional.
O problema é que a eurozona é atualmente governada como uma tecnocracia. Os chefes de estado se encontram à portas fechadas. Eles enviam propostas inacreditáveis no meio da noite – como privatizar 50 bilhões de euros dos ativos gregos – enquanto todo mundo sabe que isso será uma verdadeira queima de estoque. Como se a economia grega pudesse vender seus ativos nessas condições!
Isso aconteceu sem a deliberação legal e sem os motivos por trás da decisão serem interrogados. Nós precisamos colocar um fim nessa Europa e começar de novo com um parlamento da eurozona que permita que a motivação de todos seja tornada publica. O que é importante agora é que a França – e todos os países que querem fazer progresso – apresente propostas claras para reestruturar democraticamente a eurozona.
Ainda deveríamos temer uma saída da Grécia?
Sim. O risco é que retardando as discussões sobre a reestruturação da dívida, nós compreenderemos que em um ou dois anos que os termos da pacote de ajuda à Grécia não será respeitado.
Nós queremos que a Grécia mantenha um superavit primário gigantesco de 20 à 30 anos, que significará um enorme corte no orçamento para pagamentos.
Como você justificará isso para os jovens gregos? Seria razoável dizer que até a economia grega seja reconstruída, somente um reduzido superavit primário, próximo do nível do PIB, terá de ser feito. Que isso é normal e não excessivamente punitivo.
Eu me preocupo que algumas pessoas continuam a apostar em uma saída da Grécia da UE, estabelecendo objetivos que são tão impossíveis de cumprir, que quando a Grécia falhar, ela poderá ser defenestrada da União. Isso ainda é um risco, que é porque precisamos de objetivos claros e realísticos – e rápido.