Le Capital, de Costa-Gavras

Por Daniel Fabre

O filme Le Capital (2012) do diretor Costa-Gavras é uma daquelas raras obras que lhe gera um misto de inveja e repulsa. Nele o mestre grego, autor de “Z” e “Estado de Sitio”, retrata a vida de um jovem banqueiro, com origem na classe média, cuja carreira decola meteoricamente ao aceitar assumir a presidência de um banco para executar um plano de demissões em massa sem precedentes.


Trata-se de fina trama sobre a vida da elite e sua podridão, sobre a expropriação ilimitada da “poupança popular”, sobre as fraudes do mundo financeiro, a total corrupção e toda e qualquer especie de falcatruas, que esta mesma elite, via de regra, não considera nada mais que os ossos de seu oficio, como fica bem entendido em inúmeras passagens do filme. O diretor é meticuloso ao nos apresentar isso da perspectiva da própria elite, em silêncio, no realismo das cenas e da cinematografia.

O mais sublime é a forma como Costa-Gavras expõe e articula a trama em torno do desejo dos capitalistas, no caso, banqueiros na maioria das vezes. Trata-se de desejo, isso fica bem claro. Não é por mais dinheiro para viver ou para comprar algo, para desfrutar da vida num impulso hedonista, para tratar uma doença, para comprar um avião, por qualquer coisa que seja. No nível da elite propriamente capitalista o que importa é o desejo de respeito, desejo de reconhecimento do Outro capitalista.

Isso fica claro quando o personagem principal, já no fim da trama, é questionado por sua esposa por qual razão queria mais dinheiro, apesar de tudo o que já tem, em um momento de inflexão da trama que pode passar desapercebida. Sua resposta é impagável: se não quiser mais, não será considerado como igual pelos outros banqueiros, pelo contrário, será tido como um fracassado, não será reconhecido.

É interessante notar como não se trata de ser cordial, ou de conseguir qualquer beneficio material almejado, mas de, precisamente, ser reconhecido pelo outro capitalista. Como na dialética do mestre e escravo de Hegel, para ser mestre é preciso ser reconhecido como tal, sem esse alguém que reconhece, não há mestre. Portanto, o reconhecimento tem um papel fundamental no estabelecimento do lugar do mestre, e na articulação de seu desejo. No fundo, o que o filme de Costa-Gavras demonstra é que não se trata de dinheiro, mas de desejo, ou seja, deste desejo de reconhecimento, de ser reconhecido como mestre.

Isso deve ser acompanhado da compreensão de que na sociedade capitalista há uma pequena “disfunção” no lugar do mestre, uma pequena diferença em relação ao lugar do mestre, nos modos de produção predecessores. Tal qual aponta Lacan em Estou Falando com as Paredes, se trata da operação da Verwerfung, da foraclusão da castração para fora de todos os campos do simbólico:

“O discurso do mestre, este se sustenta, ainda e sempre. Vocês podem examiná-lo à vontade para que eu não precise lhes indicar o que poderia ter feito, se isso me divertisse, ou seja, se eu buscasse popularidade. Eu lhes teria mostrado a viradinha de nada, em algum lugar, que faz dele o discurso do capitalista. É exatamente a mesma coisa, só que é simplesmente mais bem-feito, funciona melhor, vocês são ainda mais engambelados. De toda forma, vocês sequer pensam nisso.

(…)

Mas a história mostra que ele viveu durante séculos, esse discurso (do mestre), de maneira lucrativa para todo mundo, até um certo desvio em que, em razão de um ínfimo deslizamento, que passou despercebido aos próprios interessados, tornou-se o discurso do capitalismo, do qual não teríamos a menor idéia se Marx não se houvesse empenhado em completá-lo, em lhe dar seu sujeito, o proletário, graças a quê o discurso do capitalismo propagou-se por todas as regiões em que impera a forma do Estado marxista.

O que distingue o discurso do capitalismo é isto: a Verwerfung, a rejeição para fora de todos os campos do simbólico, com as conseqüências de que já falei – rejeição de quê? Da castração.

Toda ordem, todo discurso aparentado com o capitalismo deixa de lado o que chamaremos, simplesmente, de coisas do amor, meus bons amigos. Como vocês veem, não é pouca coisa, certo?” (p. 61 e 88)

É por isso Costa-Gavras apresenta sua personagem como um típico capitalista, uma pessoa “sem-limites”.

https://youtu.be/opfTKrqjApc

  


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