Por Alysson B. Mascaro, via Margem Esquerda
“A atual crise brasileira é, ao mesmo tempo, uma crise do capitalismo mundial, uma crise das experiências de centro-esquerda latino-americanas do início do século XXI e, mais especificamente, uma crise de um modelo político nacional e de suas instituições correspondentes.”
A atual crise brasileira é, ao mesmo tempo, uma crise do capitalismo mundial, uma crise das experiências de centro-esquerda latino-americanas do início do século XXI e, mais especificamente, uma crise de um modelo político nacional e de suas instituições correspondentes.
Sobrepondo-se várias camadas nessa crise, os entrelaçamentos resultantes permitem vislumbrar múltiplas tramas, atravessadas na contradição da própria reprodução econômica, política e social capitalista. O visível em tal tessitura é a crise capitalista mundial e a fragilidade política local. O oculto é a intermediação geopolítica do capital e a operacionalização das instituições estatais. O invisível é a maquinaria da ideologia, lastreada nas práticas do capitalismo, constituindo subjetividades, horizontes de compreensão e articulações sociais que reiteram seus próprios termos, mesmo nas condições em que a crise é estrutural e a ação política busca se legitimar como uma vontade de contestação progressista.
Nesse sentido, as camadas da crise no Brasil são um espelho privilegiado do que acontece, com variações, em modelos políticos como os da América Latina e mesmo da Europa de esquerda, patentemente a Grécia. O peso econômico do Brasil, sua condição peculiar entre a periferia e o centro do capitalismo mundial, sua sociabilidade ao mesmo tempo universalista e insigne e sua disputa política e ideológica bastante reflexa de uma média discursiva internacional tornam a crise brasileira um caso exemplar da crise mundial presente.
DA CRISE BRASILEIRA
Qual crise brasileira?
A natureza da crise brasileira exige, de início, uma identificação do que se pode chamar por crise. Isso porque, tomando-se um histórico recente, estamos diante de uma narrativa de algum sucesso. Os anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva tiveram destacadas etapas de crescimento econômico capitalista e de inclusão social, em especial pelo consumo. Mesmo o governo de Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato, manteve um ritmo de inclusão social, ainda que permeado por uma dificuldade de crescimento do PIB. Já no presente, tal quadro dá lugar a uma crise político-econômica. A começar porque, estando o país baseado em um modelo de crescente exportação de produtos primários, quando ocorre a baixa dos preços no mercado internacional a crise econômica é internalizada. No entanto, cabe ressaltar que a crise política instalada não começa agora, embora esteja se tornando cada vez mais intensa, a ponto de inviabilizar o atual governo. Ela remonta já ao primeiro mandato de Lula, que enfrentou dificuldades de apoio no Congresso Nacional e acusações de corrupção, que deram então a pauta do combate das oposições e de setores amplos dos meios de comunicação. Assim, a crise política presente é apenas uma amplificação extrema da mesma plataforma de contradições em que se baseou a experiência dos governos do PT.
No torvelinho dos sucessos e fracassos que se deram em conjunto, não é possível estabelecer um marco geral de crise para o Brasil. As datações e balizas são variáveis. Mesmo economicamente a crise do país é relativa. Mirando-se o panorama internacional, a maré da recessão de 2008 foi enfrentada, pelo Brasil, com um pacote de políticas anticíclicas; apenas depois houve uma perda de fôlego mais consistente. Após o estouro da crise mundial, vemos que o final do governo Lula foi de crescimento alto, o primeiro governo Dilma foi de baixo crescimento e o segundo, de recessão.
Tomando-se a crise pelo plano político, as práticas de governo petistas são basicamente iguais desde o tempo em que começaram as acusações de corrupção do assim chamado mensalão, em 2005. Com o sucesso econômico e social do governo Lula, as dificuldades políticas chegaram até a diminuir, diante do aumento da base aliada no Congresso Nacional, mesmo após a crise política do Mensalão. Já na metade do primeiro mandato de Dilma, tais dificuldades aumentaram relativamente, agravando-se no início de seu segundo mandato. Assim, no plano político, não se pode datar um evento de virada da experiência petista brasileira para a crise. No que tange ao suporte político, as fissuras de franjas mais à esquerda advêm do começo do primeiro mandato de Lula, em razão da continuidade das políticas econômicas neoliberais do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. No caso de grupos de direita, um combate mais consistente tomou corpo e definiu uma pauta já no tempo das denúncias do escândalo do Mensalão1.
Quanto à coesão social que perdurou pelos anos de sucesso dos governos petistas, os primeiros grandes eventos simbólicos de contestação de massa e deterioração do modelo de amplo apoio se deram apenas em 2013, e desde lá se intensificaram2. Um sentimento de que a crise econômica enfim chegava ao país e de que a experiência dos governos petistas se fragilizava surge exatamente nesse período, de manifestações de rua e de ampla crítica de setores de classe média. O governo Dilma sai, rapidamente, de altos índices de aprovação para patamares baixos, até chegar, em seu segundo mandato, a níveis baixíssimos. Assim, no quadro geral de tais influxos, temos: uma intermitente crise política desde 2005, sopesada pela sequência de vitórias eleitorais; uma crise econômica mundial com reflexos nacionais a partir de 2008, contrastando com um forte crescimento em anos anteriores; uma crise social a partir de 2013, com uma correspondente narrativa de crise a partir de então; e, depois, uma somatória de todas essas crises que chega a momentos agudos a partir do final de 2014.
O Brasil na geopolítica da crise latino-americana
Comparado a outros países no plano internacional, o Brasil, com um ciclo de crescimento econômico capitalista, arranjo político de centro-esquerda e sucesso geopolítico que teve seu auge na primeira década dos anos 2000, está pari passu com o movimento havido em outros países da América Latina de distintas experiências de esquerda, o que revela uma dinâmica comum a essa região do globo, da qual, inclusive, o Brasil não é apenas caudatário, mas agente decisivo3. Se é verdade que os governos de esquerda latino-americanos do começo do século XXI variaram entre um grupo daqueles que enfrentaram mais setores conservadores da burguesia nacional e internacional, como Venezuela, Equador e Bolívia, e outro daqueles mais destacadamente inseridos na lógica capitalista, como Brasil, Argentina e Chile, sua derrocada geral e, ao mesmo tempo, por engendramentos particulares de cada país não torna por enquanto possível alinhar as experiências nacionais específicas e suas correspondentes crises em modelos mais amplos. Há países de maior enfrentamento de esquerda mantendo ainda coesão social (Bolívia) e outros com coesão menor (Equador), e há países de maior inserção no quadro geral do capitalismo nacional e internacional nos quais a resiliência cultural de esquerda parece maior que em outros – Argentina em comparação com o Brasil. Tanto o bolivarianismo, como símbolo de uma esquerda politicamente mais aguerrida, quanto o lulismo, como símbolo de uma esquerda de consumo integrada ao capitalismo, têm sofrido processos de crise, mas no seio de cada especificidade nacional.
Ainda na geopolítica dos governos de esquerda latino-americanos, o quadro social das oposições é bastante similar, baseado, em especial, em burguesias nacionais mais próximas econômica e culturalmente dos EUA, em grandes meios de comunicação de massa agindo em conjunto, em maiores influxos conservadores dos setores médios da sociedade e, por fim, em poderes judiciários protagonistas de e especificamente refratários a ilegalidades e corrupções de governos de esquerda. O caso de Honduras e do Paraguai é exemplar dessa oposição sendo levada ao extremo contra governos de algum modo nacionalistas ou mais à esquerda. O direcionamento da opinião pública e o direito são centrais para a condução de tal dinâmica. O relativo esquecimento da América Latina pela política internacional dos governos George W. Bush e Barack Obama não significa que os EUA não tenham algum papel – que o futuro poderá quantificar – nos combates aos governos de esquerda da região.
A experiência da esquerda latino-americana no início do século XXI representa uma novidade diante de um cenário político mundial marcado, ao mesmo tempo, pelo esvaziamento de lutas e progressistas. A derrocada do mundo soviético também gerou uma baixa inclusive em setores marxistas e socialistas que não lhe eram afins. De modo similar, os modelos de centro-esquerda de bem-estar social também naufragaram desde as crises capitalistas da década de 1970 e, depois, com a ascensão do neoliberalismo como política econômica de impacto mundial, capitaneada pelos EUA desde Ronald Reagan. De forma peculiar, na América Latina, que saía de ditaduras e agudas contradições anteriores e que colheu diretamente o resultado dessas novas crises, os movimentos sociais e políticos e até os setores de inteligência persistiram à esquerda, mesmo com o apogeu do neoliberalismo na década de 1990.
Os anos 2000 encontraram, em solo latino-americano, um passo político relativamente progressista em face da crise capitalista instalada no mundo todo. No entanto, tal experiência está assentada em uma plataforma de distribuição atrelada à reprodução capitalista, que termina por aumentar o poder de frações das burguesias nacionais, dando mais eco aos setores consumistas e de classe média. Hugo Chávez, na Venezuela, baseia-se em um nacionalismo de esquerda de retomada do controle do petróleo. O lulismo, no Brasil, com o peso de ser a maior economia latino-americana, reorganiza a dinâmica nacional mediante a forte expansão do consumo de massa. Assim, as experiências de esquerda latino-americanas estão diretamente condicionadas a uma expansão capitalista internacional e nacional, sendo, portanto, opositoras de maneira apenas relativa a setores da burguesia e do capital. Por causa do formato em que se assentaram, nenhum desses governos tem o condão de superar as contradições capitalistas e de dar passos estruturais de chegada a sociabilidades socialistas4.
Quando assumem governos latino-americanos, no entanto, as esquerdas têm horizontes já relativamente enfraquecidos em função de seu próprio passado. A raiz de seu progressismo foi gestada, quase sempre, contra ditaduras militares e/ou regimes de alta exclusão que remontam à Guerra Fria. A partir em especial da década de 1980, o combate a tais regimes deu força maior a grupos políticos e movimentos sociais de esquerda, legalizando partidos e fazendo-os avançar eleitoralmente em uma época em que a esquerda mundial entrava em refluxo. Mas logo em seguida, na década de 1990, tempos de retrocesso neoliberal fizeram com que a dinâmica das lutas sociais de esquerda arrefecesse. É só depois disso, no quadro contraditório das exasperações trazidas por governos neoliberais, que se dão, por fim, as vitórias eleitorais majoritárias de forças de esquerda. Para tanto, porém, no Brasil a novidade contestadora de Lula de 1989 deu lugar, em 2002, a uma espécie de reformismo amainado, de que é exemplar a divulgação de sua Carta aos brasileiros, garantindo a manutenção da dinâmica capitalista em caso de vitória eleitoral5. Enfim, quando a esquerda sobe ao poder na América Latina, isso se dá no rescaldo das tragédias neoliberais – Néstor Kirchner, na Argentina, administra grave situação advinda dos tempos de Carlos Menem. A plataforma da esquerda transforma-se então, quase sempre, em resistência contra o retrocesso6. O avanço se revelará mais em sentidos de luta por inclusão política ou social de consumo. Em sentido próprio, diferente do movimento conservador empreendido pelo PT no Brasil, o chavismo, na Venezuela, foi primeiro uma experiência particular nacionalista advinda de setores militares para, depois, avançar para uma plataforma de esquerda em busca de horizontes socialistas. Mas seu lastro em uma economia capitalista dependente da exportação de petróleo dá também limites a tal projeto. O que se conheceu como alternativa de esquerda, na América Latina do início do século XXI, paira sobre a sombra de um capitalismo inclusivo.
Crise e capitalismo
A crise brasileira não é distinta da sorte geral da crise no capitalismo. Suas especificidades revelam padrões estruturais de contradição. Os termos que a geraram são os que a corrigem. No mundo, a acumulação orientada pelo capital financeiro, já assentada por décadas neoliberais e responsável pela crise de 2008, não sofreu abalos posteriores. Do mesmo modo, no Brasil, a primazia de bancos e rentistas, majorada nos anos 1990, manteve-se inalterada nos anos 2000. Seus ganhos não se alteraram com o aumento da renda relativa de setores marginalizados e mesmo com o direcionamento de investimentos para a produção, o consumo e os investimentos sociais – aquilo que se poderia chamar de um novo desenvolvimentismo brasileiro, vivido nos anos Lula. Personagens simbólicos dessa condução financista da política econômica nacional, como Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos dois mandatos de Lula, e Joaquim Levy, ministro da Fazenda do segundo governo Dilma, vêm de núcleos importantes do sistema bancário nacional e internacional. Guido Mantega foi um suspiro nessa dinâmica.
Para estabelecer os marcos da crise brasileira, é preciso indagar sobre o grau de distinção dos governos Lula e Dilma em relação ao modelo neoliberal mundial e sua contraface anterior brasileira7. É verdade que, em grande medida, os governos petistas geraram um maior grau de estabilização da reprodução do capitalismo nacional. A década prévia à de Lula, patentemente neoliberal, agravou o desarranjo produtivo e o desmonte da economia nacional lastreada em estatais. A estabilização econômica dos anos de governo do PT também contrasta com uma longa trajetória de desarranjo social anterior, colhida com a somatória do arrocho salarial da ditadura militar e de décadas subsequentes de ausência de crescimento econômico, que tiveram no neoliberalismo da década de 1990 seu momento crucial. Diante desse passado imediato, a experiência econômica do PT permitiu tanto algum fortalecimento de setores da burguesia nacional8 quanto um arrefecimento parcial das contradições sociais9.
A relativa estabilização capitalista brasileira da primeira década dos anos 2000 deu-se em um modelo econômico mantido estruturalmente igual, sem alteração inclusive na correlação de forças entre classes e grupos sociais. A distribuição de renda não afetou os grandes rentistas e capitalistas nacionais. Ocorreu, ainda, um processo de desindustrialização e de concentração de capital nas finanças, nos serviços e no agronegócio. Nesse sentido, a experiência brasileira é similar ao padrão reiterado do capitalismo pós-fordista. A economia mundial, desde a década de 1970, apresenta uma dinâmica de maior concentração de capital em um circuito liderado pelas finanças. A dificuldade de acumulação em padrões de controle estatal da economia gera uma crescente fraqueza das políticas nacionais contra as estruturas de reprodução autorreferenciadas do capital. Em termos de distribuição de renda, as décadas de pós-fordismo são de exacerbação da concentração de capital e de falência de vetorizações políticas progressistas10.
O Brasil parecia se notabilizar, junto com a China e outros países ditos emergentes (alguns reunidos sob a alcunha Brics), por deixar entrever a hipótese de uma exceção à dinâmica geral do modo de acumulação e do regime de regulação do pós-fordismo. Retardatários em relação ao capitalismo central, até para a crise presente o Brasil e a China tiveram uma reação distinta, contando com induções governamentais para a expansão de seus mercados internos de consumo, o que permitiu um processo derradeiro de acumulação, no caso brasileiro assentado em exportação de commodities, no caso chinês, em produção industrial. Tendo em vista os variados momentos de estagnação, declínio, recessão e crise no capitalismo central, em especial a experiência chinesa e, subsidiariamente, a brasileira permitiam vislumbrar ainda alguma primazia da política estatal diante do capital.
No entanto, as recentes dificuldades chinesas e o esgarçamento político do arranjo econômico brasileiro nos últimos anos mostram um padrão de enfraquecimento estatal que, ressalvados as peculiaridades locais e um eventual voluntarismo político maior, dá a dimensão de uma dinâmica estrutural do capitalismo mundial. A crise brasileira é uma prova tardia – e, junto com uma possível crise chinesa, a demonstração derradeira – de que a presente crise do capitalismo mundial não comporta excepcionalidades nem se nega por virtuosidades locais isoladas.
O capitalismo traz crises. Além disso, sua reprodução, assentada em termos de exploração, conflito e antagonismo, está lastreada em tendências de crise econômica, política e social que, por mais que encontrem contratendências, fazem com que as dificuldades de estabilização sejam cada vez mais proeminentes. Acresce-se a esse quadro a ideologia como constituinte dos horizontes de compreensão da própria inteligibilidade capitalista. A crise recente, dados seu impacto e sua dimensão, foi a primeira das grandes quebras do capitalismo que não permitiu ensejar um pensamento crítico e contestador no seu seio. O Brasil, que no imediato do pós-2008 gerou uma pauta de discursos capitaneada por Lula em favor da indução estatal, não teve coesão mínima suficiente para continuar a sustentá-la. A lógica dos mercados, reforçada pelos aparelhos ideológicos dos meios de comunicação de massa, mais uma vez penetrou na argumentação política brasileira, de modo exatamente igual a uma visão internacional média sustentada por financistas e seus porta-vozes. A crise do capitalismo presente, assim, não foi capaz nem de gerar um alto estoque de energias contestadoras.
O DIREITO E A CRISE
A vetorização da crise
O direito não é causa nem é o único vetor da crise brasileira, mas é seu solo estratégico, condensado e simbólico, que permite extrair consequências para o jogo político, para as correlações econômicas e para derivações ideológicas. No palco da crise brasileira, o direito entra como reputado remédio para a corrupção. É nesse campo, de uma legalidade dos negócios públicos ou dos atos administrativos, que surge um horizonte no qual o direito é o restaurador da moralidade governamental e, portanto, condutor de alguma ordem de redenção nacional.
Para que o direito assuma tal papel, é preciso uma larga cadeia social de construção da corrupção como mazela icônica e insuportável, galvanizando a sensibilidade do imaginário coletivo nacional. O direito só logra assumir proeminência como combatente da corrupção e ativador de uma dinâmica social “ética” se estiver ao lado de uma articulação ideológica imediata que com ele conflua, empreendida por meios de comunicação de massa. Para tanto, a crise brasileira também encontra, além de uma histórica resistência a governos de esquerda pelos meios tradicionais de comunicação – televisão, rádio, jornais, revistas –, a sua consolidação em um bloco de visão política quando da assunção dos governos petistas. Como novidade, dá-se um alinhamento de conteúdo e estratégia de empresas que até então concorriam pela diferença de visões, por alguma respeitabilidade, pela vanguarda de noticiário ou, simplesmente, pelo mercado. Em um processo de poucos anos, o discurso de imparcialidade e a parcimônia diante de distorções da imprensa tradicional dão lugar a uma cadeia de bombardeio ideológico e a uma radicalização de posições ainda mais à direita por parte de tais órgãos de comunicação.
Os governos petistas, assumindo mandatos depois de uma longa etapa de propaganda ideológica neoliberal para o público formador de opinião no Brasil, impõem-se a partir de soluções políticas de dosagens menos regressivas dentro desse espectro neoliberal, sem romper com seus paradigmas e chegando mesmo a perseguir dissidências à esquerda11. No primeiro mandato de Lula, o discurso político é claramente de rendição ao capitalismo e ao neoliberalismo como estruturas inexoráveis. No segundo mandato, troca-se parcialmente o discurso de neoliberalismo pelo de algum desenvolvimentismo, mantendo-se o capitalismo como horizonte legitimado. Nesse contexto, o petismo eleva, ao máximo, contradições gestadas desde sua origem, quando se assume como partido de esquerda mas operante nas estruturas do capitalismo e defensor da democracia, da cidadania e dos direitos humanos, carregando ainda consigo a bandeira de certa autenticidade da luta social – contra o velho trabalhismo de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola12. Além disso, assenta-se em uma plataforma de defesa da ética, da legalidade e de combate à corrupção. Foi justamente esse discurso que empreendeu um acoplamento parcial do PT, nas décadas de 1980 e 1990, com alguns órgãos de imprensa. Tal visão, que prestigiava a liberdade de expressão da mídia e a defesa das opiniões divergentes, somou-se à ausência de disputa ideológica quando do início do governo Lula. Nos termos consolidados da prática política do PT, os meios de comunicação de massa não poderiam ser cerceados. A crença em uma imparcialidade do noticiário – ou no triunfo social da verdade ao cabo das perseguições da imprensa – guiou a política petista nos anos de poder, em que pese todo o longo histórico de combates sofridos pela esquerda brasileira, como o golpe contra Jango, Brizola nas eleições de 1982 e, de modo simbólico, Lula nas eleições de 1989.
O processo de acomodação ao horizonte ideológico de neutralidade ou de indiferença em face das modulações políticas dos meios de comunicação de massa também se dará, de modo igual, no que tange às esferas do direito e das instituições estatais. Os governos petistas armam-se com uma estratégia de imobilismo ou de indiferença à tecnicidade de tais esferas, vangloriando-se, inclusive, da não intervenção em suas práticas e costumes, sob argumentos de republicanismo e respeito à legalidade. Além disso, o histórico de nomeações a tribunais superiores revela uma ausência de estratégia política dos governos petistas e mesmo de entendimento sobre horizontes ideológicos a serem disputados. A esfera do direito, os tribunais e órgãos como Polícia Federal são, assim, naturalizados, e sua operação respeitada como imparcial por estar lastreada na técnica jurídica. Assim, uma ideologia política liberal burguesa e jurídica permeou, de ponta a ponta, os governos petistas.
A corrupção e o caso brasileiro
A corrupção é estrutural do capitalismo. A mercadoria atravessa a tudo e a todos, e a intermediação dos vínculos jurídicos por estratégias de favorecimento pessoal não é uma negação da natureza desses mesmos vínculos, mas uma de suas possibilidades, sendo, inclusive, em modelos médios de reprodução capitalista, sua possibilidade central e provável. Nesse nível estrutural, o capital, podendo a tudo e a todos comprar, apenas se confirma quando a corrupção é dada. Não há limites éticos, morais, culturais ou sociais ao moto-contínuo da determinação econômica capitalista – a acumulação não reconhece fronteiras.
Há uma especificidade da corrupção no capitalismo, na medida em que ela é, em alguma medida, uma negação da legalidade, que, por sua vez, é sustentada pela forma jurídica e pela forma política estatal, que são espelhos da própria forma mercantil. A corrupção, assim, é uma contradição necessária da reprodução capitalista, na medida em que revela que as formas sociais pelas quais o capitalismo se estrutura não estabelecem um circuito lógico ou funcional de acoplamento. O capital só existe com o direito e o Estado – sendo a legalidade a resultante da conformação dessas formas13 –, mas, ao mesmo tempo, toda ordem estatal e legalidade só existem em função do capital. Com isso, o poder do capital e as estratégias da acumulação atravessam negativamente o solo da legalidade que é, também, sua própria condição de existência. A forma de subjetividade jurídica arma-se como derivada da mercadoria, a forma política estatal do mesmo modo, e a legalidade, derivada secundária dessas formas quando conformadas, arranja-se em uma tensão constante entre limitar o poder do capital e/ou da força bruta ou apoiá-lo.
Com essa necessária e estrutural natureza da corrupção no capitalismo, sua contradição com a legalidade se resolve sempre na casuística, que tem no direito apenas um ponto de condensação, mas não seu núcleo de resolução estrutural. Quantos e quais capitais, capitalistas, atos e negócios jurídicos serão acusados e combatidos como corruptos é uma decisão do campo das relações concretas de força econômica, política, ideológica e cultural no seio das sociedades e de sua história. São luzes e sombras lançadas por fatos, notícias, reações sociais e decisões jurídicas e institucionais individuais e de grupo que sensibilizam variadamente a percepção das corrupções e de seus respectivos combates. É certo que uma dosagem minúscula de combate à corrupção não instaura condições suficientes à reprodução capitalista e que uma dosagem máxima desse mesmo combate enfrentaria tamanha reação contrária que inviabilizaria a estabilidade do poder de classe e das próprias explorações e opressões arraigadas. Mas no vasto campo possível entre os governos de Papas Bórgia e de Savonarolas está a múltipla dosagem da corrupção no capitalismo.
Em termos de limitação, seria possível vislumbrar, no grande capital determinante do processo de acumulação de uma sociedade, o teto do combate às ilegalidades e à corrupção. Mesmo assim, há variantes de sensibilidade social do tempo e dos agentes jurídicos em específico que podem fazer com que o combate ultrapasse as determinações arraigadas do poder econômico para se materializar, ocasional e parcialmente, no direito. Além disso, o teto do combate à corrupção pode ser ultrapassado por hipóteses de incitação ensejadas por razões concorrenciais – por exemplo, mesmo grandes capitalistas brasileiros podem ser submetidos ao direito e penalizados por corrupção, e disso se aproveitam capitalistas estrangeiros, em um processo contraditório de atuação de forças múltiplas no seio da burguesia, o que ocorre justamente em função de sua natureza concorrencial –, daí suas correlatas estratégias geopolíticas.
A quantidade variável de práticas de corrupção e as distintas modulações de seu combate no solo do capitalismo não negam o papel central de tais práticas na própria reprodução do sistema, perpassando empresas, governos, agentes privados e públicos. Dentro desse quadro, a reiteração da corrupção estabiliza formas médias de interação e vínculo social. No caso brasileiro, o Estado materializa-se e orienta sua dinâmica permeado diretamente por acordos entre empresas e agentes públicos. Não é o Estado a única fonte de corrupção, dado que esse modelo é social, indo desde pequenas corrupções quotidianas a acordos de compras nos escalões gerenciais das empresas privadas. Mas, de modo geral, o alvo da crítica à corrupção costuma circunscrever-se ao Estado e, com isso, considera-se razoável uma ordem privada de pequenos favores. Mesmo em se tratando da questão da corrupção no seio do Estado, há uma preponderância de crítica e perseguição aos governantes e agentes públicos, menos presente no caso dos corruptores, via de regra grandes empresas. Na sociabilidade capitalista, os vínculos sociais corruptos quotidianos – que a todos perpassam – não são assim considerados pelas pessoas; a corrupção empresarial, dado justamente seu poder econômico central, não é denunciada nem muitas vezes compreendida como tal. Daí que a corrupção se circunscreve ao Estado e seus agentes; ela é tida como tal de forma privilegiada – ou exclusiva – no campo da política.
A repetição do governo e da administração do Estado pelas classes e pelos grupos que costumam dominar faz com que suas práticas recebam chancelas institucionais de legalidade, reservando-se o controle, a denúncia e a penalização de crimes a instrumentos eminentemente políticos. Quase sempre, a incidência jurídica contra a corrupção ocorre em desfavor apenas de governantes frágeis ou de grupos opositores novidadeiros ou de menor inserção nas instituições estatais e sociais. Nos casos brasileiro e latino-americano, o combate à corrupção é historicamente um mote que serve de arma a classes e grupos tradicionais, a serviço da restauração de velhas dominações políticas. Assim se fez o combate a Getúlio Vargas pela direita de seu tempo, encabeçada pela UDN. O mesmo se dá contra o PT, em campanhas dos partidos à direita. Nesses dois momentos, a imprensa teve papel fundamental na construção de uma sensibilidade contra os governos combatidos. O grau de seletividade dessa moralidade é espantoso – no passado udenista e na atualidade dos variados partidos de direita que combatem a corrupção grassam as mais variadas experiências do mesmo tipo, quiçá em grau até maior. Alta dose de cinismo preside as campanhas éticas no plano da política14. Ética é arma de disputa.
O caso das práticas de corrupção nos governos brasileiros do PT revela, inclusive, a capitulação final da esquerda brasileira tanto ao modelo de política arraigado, de domínio do capital em conluio com o favorecimento dos detentores de cargos públicos, quanto ao horizonte da legalidade e da eticidade correspondente que ajudou a gestar e que não foi capaz de superar. Entre outros aspectos, a crítica à ditadura militar brasileira fez-se também com a denúncia de sua corrupção e do uso do Estado, na época, para negociatas com interesses privados, de que as construtoras são o caso notório. O PT, em sua alvorada na década de 1980, encampou o discurso da ética pública nos termos de uma legalidade a ser plenamente cumprida. Os governos civis brasileiros posteriores – José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso –, baseados no mesmo modelo ditatorial anterior de corrupção por simbiose com grandes empresas e acrescidos de um jogo constante de costura de acordos políticos nas casas legislativas, foram simbolizados pela esquerda brasileira naquele momento como falência de um republicanismo legalista idealizado.
Quando o PT ganha o poder federal, insere-se exatamente no mesmo quadro de governabilidade por práticas políticas de ganhos corruptivos ao grande capital e de construção de apoio político por favorecimentos estatais, nomeação a cargos públicos, porcentagens de contratos em licitações etc. As práticas de governo revelam um fio condutor único que vai da ditadura militar ao governo do PT, estabelecendo-se, do mesmo modo, nos demais níveis de governo da federação – estados e municípios. A corrupção por pressão de grandes empresas e como estratégia de favorecimento econômico imediato de políticos é o modelo específico de armação política do Brasil há décadas, podendo-se, se não se quiser remontar a uma longínqua sequência, estabelecer a ditadura militar brasileira como marco de sua nova estruturação junto às empresas privadas e o governo Sarney como padronizador da dependência corruptiva entre os poderes Executivo e Legislativo15.
A tomada de poder no plano federal pelo PT fez-se com a estratégia de composição política para a obtenção de maioria legislativa. Dos pequenos e médios partidos conservadores que de início entraram na base aliada até chegar, posteriormente, ao PMDB, a política dos governos petistas em nada diferiu dos hábitos arraigados da dinâmica da política brasileira16. No entanto, sua condição novidadeira em face do manejo das instituições jurídicas e policiais e seu proclamado respeito ao republicanismo dessas mesmas instituições tornaram tais governos reféns de uma reação jurídica respaldada e consequente, mas que não ocorreu contra os demais. A luz da sala da corrupção acendeu-se principalmente na hora em que o PT nela entrou. Somando-se a esse quadro, a natureza conciliadora dos governos petistas, a ausência de disputa ideológica e a inação diante do controle da opinião pública avultam a desfiguração do balanço político daí resultante, na medida em que a sociedade se levantou com ódio contra a comprovada corrupção petista, mas não consegue estender seu mesmo ódio aos partidos mais à direita.
A corrupção é a prática recorrente e estrutural do modelo do capitalismo brasileiro, mas seu combate se aproveita em favor de frações do grande capital nacional e estrangeiro e em benefício dos agentes políticos tradicionalmente poderosos, mais conservadores e à direita. O discurso jurídico, o moralismo e o republicanismo, como ideologias de direita, têm, ao fim e ao cabo, apenas o proveito político que é de sua natureza.
No caso dos governos petistas, a corrupção não é seu problema central, mas é derivado de sua materialidade político-econômica. Justamente porque são governos de larga composição com o capital – ainda que com algum direcionamento de inclusão consumerista distinto da mera evolução inercial de sua dinâmica tradicional –, são reféns das próprias práticas do capital. Não podem enfrentá-lo em momentos de crise, dado que não se armaram discursiva e efetivamente para uma posição de combate, tampouco forjaram uma disputa ideológica que gerasse mobilização progressista de massas. Como a reprodução capitalista requer alguma sorte de corrupção em sua acepção jurídica e visto que os governos petistas se forjaram em simbiose com o capital – e isso nos seus termos econômicos, políticos e jurídicos já dados –, sem criar forças sociais de crítica e combate, eles pagam por si os custos das práticas gerais da contraditória e inexorável legalidade corruptiva que move, nos espaços da forma estatal, esse mesmo capital.
A esquerda e o direito
O caso brasileiro das últimas décadas é exemplar da assunção da ideologia jurídica como ideologia de esquerda, em quadrantes chapadamente normativistas, institucionais e ditos republicanos. Em meu livro Filosofia do direito17, aponto para a existência de três horizontes do pensamento jurídico contemporâneo: juspositivismo, não juspositivismo e crítica, sendo esta a perspectiva extraída do marxismo, cuja leitura mais profunda está em Evgeni Pachukanis18. A esquerda brasileira – e, em alguma medida, boa parte da esquerda mundial recente – não é marxista, mas, pelo contrário, se afirma como juspositivista, reconhecendo nisso o espaço privilegiado da luta política e social. As considerações cada vez mais defensoras da Constituição Federal de 1988 no Brasil pela esquerda dão mostras de seu legalismo derradeiro.
Ocorre que tal visão desconhece, materialmente, a realidade fenomênica do direito. Ao se ultrapassar o juspositivismo, chega-se ao entendimento de sua natureza reflexa e necessária das formas de sociabilidade capitalista. Mas, ainda que não se alcance tal grau de crítica, a esquerda brasileira e mundial recente carece mesmo de passos de avanço para horizontes primários de não juspositivismo – a ausência de compreensões básicas, como a de que auctoritas, non veritas, facit legem [é a autoridade, não a verdade, que faz a lei], é responsável pela chegada dos governos a um sonhado éden de instituições que comprova, por fim, apenas o descompasso profundo entre legalidade e realidade jurídica. Os não juspositivismos atentam para o fato de que presidem o direito manifestações de poder. Tal visão é um corolário necessário de governos em estratégia de poder. Os EUA sustentam o juspositivismo para o comezinho mas, para além disso, também alimentam um vasto grau de não juspositivismo para ações políticas e econômicas ilegais, como escutas telefônicas, artimanhas de inteligência e mesmo guerras não respaldadas pelo direito internacional. Quanto mais importante o peso capitalista de um país, mais práticas não juspositivistas avultam como mecanismo necessário para a acumulação, a concorrência e o empoderamento19.
Em um longo processo de séculos de penetração da ideologia burguesa nas classes trabalhadoras e nas esquerdas, a legalidade apresenta-se como o imediato da defesa de direitos individuais e sociais, ensejando mecanismos institucionais de proteção dos explorados e oprimidos. Do habeas corpus aos direitos do trabalho, dos direitos políticos ao direito de greve, o campo jurídico apresenta-se como confortável para as lutas, chegando a ser considerado marco civilizatório inextrincável. Daí a melhoria das condições sociais sob o capitalismo em termos ideológicos, de modo que as estratégias até mesmo de chegada ao socialismo seriam apenas somatórias de conquistas. Quantitativamente, o máximo de direitos no capitalismo levaria ao socialismo. Tal visão de mundo não consegue alcançar a natureza da forma jurídica como determinada pela forma mercadoria. Quanto mais direitos, mais circulação mercantil, mais propriedade, mais acumulação. Nos séculos de capitalismo, no crescente universo da sociedade da mercadoria, a ilusão da ideologia jurídica ganha papel central.
A esquerda latino-americana pós-ditadura apostou no direito, na democracia e nas instituições. Seus marcos de compreensão vão desde considerar a democracia como valor universal e a cidadania como solo básico da civilização até insistir no direito como instrumento de transformação social. Tal aposta, ao se desconhecer a natureza do direito, do Estado e seus aparelhos, arma estratégias de ação no solo da sociabilidade capitalista que apenas a reforçam e em função das quais as esquerdas, os trabalhadores, explorados e oprimidos sofrerão, necessariamente, maiores revezes. Sem um mínimo de enfrentamento das contradições do capitalismo, sua sociabilidade traga avanços pontuais e engendra, inclusive, variada gama de retrocessos. A ausência de uma estratégia crítica às instituições e ao direito, ainda que de não juspositivismo, não logrou dar mecanismos simples de mera sustentação às esquerdas quando nos governos latino-americanos. Desde João Goulart e Salvador Allende, chegando a Manuel Zelaya e Fernando Lugo, a experiência governamental da esquerda não encontra no direito um respaldo quando chega a ocasiões extremas.
Nas últimas décadas, enquanto algum grau de conquista política das esquerdas latino-americanas se fez com ideias, debates, justificativas públicas e disputa de sensibilidades e votos, o direito armava-se como conhecimento ainda mais fechado e técnico, em um louvado horizonte de reconhecimento interno de seus agentes. Um saber jurídico tornou-se até mais esparramado – dada a explosão de faculdades de direito e a tradicional cultura bacharelesca de países como o Brasil –, mas, ao mesmo tempo, sua condução intelectiva se tornou mais centralizada. O direito brasileiro deixou de se escorar nos grandes tratadistas nacionais e se tornou, cada vez mais, poroso às referências teóricas anglo-saxãs, em um processo que acompanha a dependência da economia brasileira de empresas e capitais norte-americanos.
Tal ampliação teórica é, ao mesmo tempo, uma sofisticação de seus argumentos, uma tomada de posição por uma universalização de direitos individuais e, em especial, um afastamento do direito das lutas por transformação social. Nessa deriva jurídica recente, a revolução e superação de contradições sociais acabam em políticas públicas. A exploração obnubila-se pela opressão. Justiça social transmuta-se em segurança jurídica. Preceitos ideológicos capitalistas são anunciados sem variantes nem subterfúgios como sentidos imediatos do direito. A quantificação econômica do direito é o corolário último dessa sofisticação teórica do saber jurídico brasileiro.
Soma-se a isso o fato de que a cultura jurídica é cada vez mais um conhecimento transnacional. Alcançando agora fenômenos econômicos e políticos capitalistas que perpassam países – como operações financeiras e fusões e aquisições de empresas –, essa materialidade jurídica internacional acarreta, também, a necessidade de uma prática jurídica para além do campo nacional, com um correspondente saber que se internacionaliza e que quase sempre é polarizado pelos agentes do direito dos países de capitalismo central. Operações de combate à corrupção fornecem ferramentas jurídicas hauridas de experiências internacionais e que passam a orientar práticas dos direitos nacionais. A autorreferência para a consecução dos direitos pátrios dá lugar, quase sempre, a uma heterorreferência. A analogia faz-se baseada em um tipo de cultura capitaneada pela visão norte-americana e anglo-saxã. A ponderação de princípios impõe-se sobre a decisão maiúscula entre princípios. Tais procedimentos jurídicos de hermenêutica principiológica amenizam eventuais escolhas político-jurídicas angulosas ou transformadoras. Com isso, um ativismo judicial baseado na common law estende-se como modelo ideal para o direito da periferia do capitalismo.
Os agentes de cúpula do direito – magistrados, promotores, delegados etc. –, ao se firmarem como fórum de racionalidade técnica, confluem para um mesmo conhecimento, o que dá a seu horizonte de mundo uma unidade singular. Haurem todos das mesmas fontes de inteligibilidade – respeito à legalidade, louvada neutralidade jurídica, direito como instrumento de cidadania etc. Como consequência, juristas clivam-se como grupo social de referências específicas e bastante uníssonas, operando uma plataforma política comum, lastreada na legalidade como escopo necessário da ação. Tal bloco de compreensão transborda e afeta diretamente a sociedade, que não consegue opor crítica a essa ideologia jurídica reinante.
Por outro lado e de forma peculiar, o conhecimento jurídico autorreferenciado dos juristas não é distinto de uma visão geral de mundo correspondente à sua classe. O campo jurídico é estruturado por uma gama de agentes quase sempre de classe média. Suas balizas de mundo são as mesmas de seus conviventes – status, símbolos, níveis e focos de consumo, valores e compreensões. Em particular, juristas, como médicos e outros profissionais de classe média, são atravessados pelo discurso moralista dos meios de comunicação de massa de um modo muito mais sensível. A transformação dessa sensibilidade em ação, no caso dos juristas, é quase imediata20.
O campo jurídico e os judiciários brasileiros e latino-americanos, sensibilizados, operam, então, contra as esquerdas, insolitamente respaldados em uma lógica que foi e é também das próprias esquerdas.
A IDEOLOGIA JURÍDICA
A naturalização da ideologia jurídica
O direito não é periférico no conjunto da reprodução capitalista. Uma medida de sua presença central na sociabilidade da mercadoria se dá, exatamente, no seu alto grau de naturalização ideológica. O sujeito é constituído, em sua materialidade e seu horizonte de compreensão de mundo, como sujeito de direito. Assim se percebe e é percebido. Variam as quantidades e os arranjos de direitos subjetivos, mas nunca a forma social necessária de subjetividade jurídica.
As lutas de esquerda, no mundo, têm dificuldade em se abeirar dessa crítica estrutural ao direito que é, por sua vez, um corolário inexorável da crítica ao próprio capitalismo21. A subjetividade portadora de mercadorias, juridicamente respaldada para tanto a partir da propriedade privada, transacionando mediante vínculos de vontade autônoma, é justo o motor da reprodução capitalista. Sem o enfrentamento a tal núcleo, as políticas de esquerda são necessariamente uma administração do capitalismo: novos arranjos de distribuição, nas exatas estruturas já dadas, passam a ser seus pisos e tetos.
A presença da ideologia jurídica é tanta que as experiências presentes de esquerda, no mundo, operam sem conseguir romper com a naturalização de seus termos. Na Europa, o recente caso grego dá demonstrações de que a propriedade privada, os contratos e a segurança jurídica são suas balizas. Na América Latina e no Brasil, nas décadas recentes, a esquerda acomodou-se à ideia de que direito e cidadania são emancipatórios.
A crítica ao direito é um elemento central para o desarme dos impasses da esquerda mundial no presente. Enquanto houver sustentação ideológica do direito, da cidadania e da democracia como dados naturalizados, as lutas de esquerda administrarão o capitalismo, e o farão mal, na medida em que há, na experiência política e de poder das variadas direitas, algum grau de sabedoria de que o direito não opera no nível institucional e normativo, mas sim nas variadas entranhas do poder, que é não juspositivo.
O direito estrutura-se de modo técnico, a partir de formas sociais estabelecidas, mas em um processo contínuo de perfazimento político22. Se é verdade que grandes aparatos normativos e institucionais são levantados nas sociedades capitalistas contemporâneas, não menos verdade é que tais núcleos institucionais operam de acordo com uma multiplicidade de interesses concretos, de tal sorte que os constrangimentos sociais atuam violentamente na constituição da multiplicidade de atos do mundo jurídico.
No campo estatal, tal processo dá-se de forma mais patente. Seus agentes são diretamente influenciados tanto pela ideologia jurídica como espelho da ideologia da mercadoria quanto pelas injunções ideológicas imediatas e variadas da sociedade, assim como pelas pautas dos meios de comunicação, pelos afetos médios que operam no tecido social, pelos valores pessoais e pelas relações sociais que estruturam as subjetividades. Em todo esse espectro de concreção jurídica, a pretensão de um direito técnico e puramente normativo é abstrata e desconhecedora da realidade social.
Mas não se pode compreender a realidade microfísica do mundo jurídico e dos poderes judiciários apenas pelas insignes relações intersubjetivas, como se elas fossem obra de mero acaso ou pendor exótico de indivíduos. Há grandes estruturas que perfazem a própria subjetividade, além de conexões sociais profundas de classe, ideologia, valores e interesses, que estão sobre os indivíduos. Entender tais conexões é fundamental para se saber, inclusive, a respeito das luzes e das sombras que são lançadas sobre as informações do mundo jurídico, cujos proveitos políticos são notórios.
A concreção jurídica nos tempos atuais
Tenho insistido, em obras como Estado e forma política23, que as formas sociais se erigem como determinantes necessárias das sociabilidades específicas. No capitalismo, a partir do núcleo da forma mercantil – todas as coisas, as pessoas e suas relações tomam forma de mercadoria –, a forma de subjetividade jurídica e a forma política estatal se fazem acompanhar como seus espelhos e correlatos necessários.
O campo processual judiciário e mesmo os campos administrativo e policial, ligados tanto ao próprio poder Judiciário como também aos poderes Executivo e Legislativo, operam a partir de uma conjunção da forma jurídica com a forma política estatal. Chamo esse fenômeno – de imbricação de formas – de conformação. Assim, para que o direito se realize em termos processuais e procedimentais, ele, que é diretamente advindo da sociabilidade capitalista na sua forma, é também estatal, não porque o Estado seja seu constituinte principal, mas porque o mesmo encadeamento de relações sociais do capitalismo demanda um terceiro em relação aos agentes sociais individuais, como controlador do sistema de julgamento, politicidade e força física de tal tipo de sociedade.
No seio de tais relações estruturais das formas sociais do capitalismo, cada momento histórico constitui específicas redes de valores, interesses, forças políticas e ideologias. Tais redes, antes de serem derivações lógicas, são relações materiais e, portanto, contraditórias. Entre Estado e direito operam relações de conformação que não necessariamente garantem racionalidade ou plenitude funcional. Assim, diante da política, da economia, dos poderes e campos de luta social, o mundo jurídico e judiciário atravessa fases de resistência, submissão, alheamento ou mesmo de combate. Em Crítica da legalidade e do direito brasileiro24, aponto para algumas dessas fases no caso do Brasil das últimas décadas, que constituem movimentos tendenciais majoritários dos operadores do direito.
Se é verdade que o direito brasileiro sempre formou uma elite jurídica tradicionalista, avessa a uma abertura maior aos interesses sociais, os tempos de ditadura militar e a transição para a democracia operaram relativas contradições nesse quadro. Breves e pontuais experiências de juristas progressistas foram vistas nas décadas de 1970 e 1980, em movimentos como o chamado direito alternativo. Diante das legislações duras da ditadura, no campo judicial tentou-se flexibilizar a crueza normativa.
Mas, entre as décadas de 1980 e 1990, maiores ganhos institucionais foram conseguidos por meio de legislações de conteúdo social e mesmo com a Constituição Federal de 1988. Nesse momento, a proeminência jurídica progressista esteve também no campo legislativo, e não apenas no judiciário. Ocorre que tais ganhos surgiram em um momento de véspera da chegada do neoliberalismo no cenário político, econômico e social nacional. A partir da década de 1990, tal contradição se tornou explícita: há um direito relativamente desenvolvimentista e de bem-estar social em face de uma política econômico-governamental implantada, de tipo neoliberal.
Nesse quadro de contradição, desde a década de 1990 algum desmonte dos relativos ganhos do direito operou-se na base de revogação normativa, via legislativo. Mas os custos de tal caminho são altos, tendo em vista o desgaste político que envolve o retrocesso nos direitos. Então o campo judiciário, cujo conservadorismo latente sempre existiu, mesmo em momentos de pontuais experiências progressistas, torna-se o espaço proeminente para realizar uma conjugação conservadora entre um direito de potencial bem-estar social e uma demanda econômica, ideológica e valorativa neoliberal.
Esse cruzamento vem sendo realizado desde a década de 1990 até os dias de hoje. No campo dos costumes, há um tenso balanço entre conservadorismo e progressismo moral, como se vê em questões de família, minorias ou laicidade do Estado. No campo econômico, há a tentativa de compatibilizar a impossível arte de cumprir os princípios constitucionais sociais com a demanda neoliberal por ainda maior proeminência do capital. No campo político, dá-se o levante da moralidade pública com seu acoplamento à seletividade dos castigos.
No caso da moral, há prevalência, na base dos tribunais, de vieses conservadores, na medida em que o jurista, indivíduo de classe média, tem por leitura ideológica típica a importância da ordem e dos valores morais estabelecidos, quase sempre teológicos. De modo contraposto, eventualmente se nota algum grau de progressismo nos tribunais superiores, muitas vezes no STF. No caso da economia, o peso da lógica econômica neoliberal é altíssimo, menos em julgados quotidianos e mais, em especial, em grandes decisões. No caso da política, o controle do que é pauta jurídica se faz externamente ao mundo jurídico e judiciário, em especial pelos meios de comunicação de massa.
A política da informação jurídica
É verdade que, no estabelecimento do direito contemporâneo, a técnica determina ao jurista que esteja adstrito a atos e competências previstos pelas normas. Mas não se deve olvidar sua constituição subjetiva, visto ele ser atravessado ideologicamente por valores, informações e horizontes de mundo que são externos a si e mesmo a muitas das normas jurídicas com as quais lida. O jurista age no contexto de uma ideologia que o perfaz.
A ideologia apresenta-se, nas sociedades capitalistas, não apenas como uma construção ocasional ou de relações idiossincráticas. Pelo contrário, ela opera a partir de grandes aparelhagens, cujo controle permite uma plena e quase imediata constituição das subjetividades. Louis Althusser chamava tais mecanismos de aparelhos ideológicos de Estado, na medida em que se baseiam diretamente em campos estatais ou que organizam a ordem social pública, como no caso da escola25.
Nas sociedades contemporâneas mais arraigadamente capitalistas, que já perderam muitas das referências tradicionais como família, vizinhança ou religião, os meios de comunicação de massa tomam primazia no talhe das subjetividades. São onipresentes, na medida em que a informação sobre o que se passa no mundo – e mesmo sobre o que o mundo é – só existe justamente porque tais meios a anunciam. O grau de aderência aos seus horizontes ideológicos é altíssimo, dado que a desconstituição daquilo que se vende como fato, verdade, boa opinião, bom senso ou melhor valor exige outra estrutura de informação e de visualização de mundo, o que demandaria outra totalidade. Nas sociedades contemporâneas, de multidões de classes e massas exploradas e sem capacidade de crítica, tal desconstituição é na prática inexistente ou insignificante.
Os mecanismos ideológicos, controlados por meios de comunicação de massa, penetram todos os campos da vida social, sendo o direito um deles, com práticas exemplares e eminentes nesse sentido. O jurista é afetado diretamente pelas pautas, pelos valores, interpretações e horizontes daquilo que é notícia. Inclusive também porque sua informação sobre os fatos é, via de regra, a mesma informação dos meios de comunicação de massa. Até o jurista que opera mais na base dos fatos concretos – como o do mundo policial ou do Ministério Público – não consegue acesso maior ou distinto aos fatos, ou então, mesmo que o consiga, não resiste em sua leitura à interpretação bombástica da imprensa e do espetáculo correspondente à narrativa desses mesmos fatos.
Duas grandes vertentes se abrem nessa imbricação de ideologia, aparelhos de comunicação de massa e prática jurídica. A primeira delas advém do próprio mundo do direito: a incorporação de tal conjunção como prática política do jurista. Um caso jurídico tem mais peso e ganha ares de importância quando a imprensa o anuncia. Isso faz com que haja um pendor por bons acessos dos operadores do direito aos meios de comunicação de massa. Essa política, que a princípio pode parecer útil aos próprios fatos em tela, pela razão de serem divulgados e levados a conhecimento público, faz também com que se perca uma isenção necessária diante de outros fatos semelhantes, obriga a alcançar pressões sociais que são, de início, desconhecidas dos fatos e, em especial, torna a maquinaria jurídica, acoplada aos meios de comunicação de massa, um jogo de sombras e luzes. O poder do arbítrio jurídico se majora quando amplificado, iluminado ou ocultado pela imprensa.
Ao mesmo tempo, uma segunda vertente se abre de forma peculiar: a captura do mundo jurídico e judiciário pelos meios de comunicação de massa. O mesmo jogo de sombras e luzes da simbiose entre juristas e imprensa faz com que a segunda se torne a ultima ratio da opinião pública, do julgamento “apropriado” e da constituição do que seja escândalo ou normal. Com isso, o mundo jurídico não resiste a ser um terceiro diante dos aparelhos de comunicação. Trata-se de um processo pleno de sua captura por ideologia.
Como tantas outras áreas, a política da informação jurídica é constituída na atualidade por uma imbricação entre afazer jurídico e interesse dos meios de comunicação de massa. Lutas progressistas precisam, portanto, vencer duas barreiras – a do interesse dos juristas e a do interesse dos órgãos da imprensa – que se prestam quase sempre a mesmos fins. É de se perguntar qual o poder do direito e do jurista, constituídos pela ideologia de massa, contra esse mesmo controle ideológico. O poder autônomo e técnico do direito nessa hora se esvai.
Para além de um pretenso avanço confinado ao mundo jurídico, a luta é ideológica, passando pelos próprios controles sociais dos meios de comunicação de massa. É de fora para dentro que o mundo jurídico se torna progressista. Nessa luta, ainda muito pouco enfrentada, passa a definição de horizontes transformadores para nosso tempo.
Summum jus, summa injuria
A crise brasileira é exemplar de um mesmo processo de crise mundial. Em uma vasta gama de países centrais e periféricos, o capitalismo contemporâneo, pós-fordista e neoliberal, ensejou governos conservadores e reacionários e levou populações ao esgotamento de forças de resistência ou de enfrentamento. Nesse quadro, o Brasil constituía-se como um caso peculiar, junto com alguns países da América Latina e de outras regiões do mundo, no qual a última década trouxe esperanças e um reagrupamento de energias de luta. Mas a chegada da crise brasileira é reveladora dos impasses estruturais do capitalismo presente, que também não conseguem se resolver nos frágeis caminhos de uma centro-esquerda reformista de mercado.
A economia capitalista brasileira perdeu sua pujança por razões estruturais do mercado mundial – baixa no preço dos produtos primários de exportação – e, ainda, porque o exato modelo político nacional é contraditório em seus termos. As classes burguesas e as elites políticas tradicionais não têm horizonte de inclusão social nem conseguem um grau de estabilização suficiente para permitir uma expansão econômica sustentável. Por sua vez, as forças mais à esquerda, que poderiam empreender tal papel, sofrem um combate violento de tais classes e grupos poderosos tradicionais, revelando incômodos ideológicos arraigados – desde paranoias anticomunistas até infames preconceitos – que são cultivados socialmente e, em especial, pelos meios formadores da opinião nacional.
Como a crise brasileira tem uma plataforma de sensibilização advinda da corrupção, o direito é seu ponto de condensação imediato. Em tal campo, estão desde procuradores a magistrados e tribunais que, com investigações seletivas e delações premiadas, estabelecem uma agenda afinada com os meios de comunicação de massa, chegando até à assunção de filigranas jurídicas que colocam em pauta o próprio impeachment de Dilma Rousseff.
Justamente por a esquerda brasileira estar contida nos horizontes ideológicos capitalistas, cuja média de reprodução presente é sua base e seu fim, todas as formas sociais necessárias a essa reprodução são sua prática e também seu arcabouço de discursividade, valoração e entendimento de mundo. Não se fincando em mobilização social nem em disputa ideológica, os recentes governos brasileiros estão reféns de uma lógica que lhes dá teto e que, no limite, os destrói. Como especificidade da sociabilidade presente, a crise brasileira não consegue lograr nem sequer energias contestadoras. Quanto mais ela se aprofunda, mais o horizonte de mundo dos que a combatem é entregar-se aos próprios fundamentos da crise – acalmar mercados, negar apoio popular, costurar apoio político nas elites, tornar-se refém dos meios de comunicação de massa tradicionais. Nesse sentido, do Brasil à Grécia, a fórmula é a mesma. As formas sociais do capitalismo, como ideologia, estão no horizonte constituinte da política presente.
A crise brasileira passa pelo direito, mas não é só jurídica. Ela passa também pelos meios de comunicação de massa, mas não só da mídia. Passa pelo governo, mas não é só política. Passa pelo regime de acumulação e pelo modo de regulação, mas não é só econômica. A crise brasileira é mais um caso da crise geral da reprodução da sociabilidade capitalista. Ela passa, sim, pela exata composição de todos esses fatores, o que perfaz justamente o estrutural de tal sociabilidade. Não se trata de uma exceção. O capitalismo impõe a crise, que se manifesta de modo específico e com arranjos variados em sociedades e momentos históricos distintos.
Uma crise capitalista é necessariamente uma crise econômica e, por derivação, uma crise política e jurídica. O direito não é elemento de sua resolução, mas sim de sua constituição, na medida em que a reprodução capitalista é conflituosa, com o capital e os poderes estatais se assentando na e ao mesmo tempo se sobrepondo à legalidade. O direito não resolve tal quadro, apenas transforma ou encaminha seus termos. A contradição é a marca da crise capitalista.
Só é possível a superação da crise brasileira criando-se caminhos de superação das determinações gerais do capitalismo. O direito entra na crise presente como último reflexo da sagração da democracia, da cidadania e da política eleitoral. Estas, por sua vez, entram como reflexo da sagração do capitalismo como horizonte único das ações. A esquerda, ao entrar nesse luxuriante e opressor templo do capital e nele reconhecer a imagem mitológica do direito, de olhos vendados e colocada num altar, reconfortou-se: imaginou aí uma imparcialidade que deveria respeitar e que a salvaria. Mas, mesmo sem precisar ver, a Justitia tem materialidade, lado, história, práticas e ideologia. Sua espada não faz outra ação que não seja a do comando de suas mãos: summum jus, summa injuria [excesso de direito, excesso de injustiça].
NOTAS
1 Cf. Danilo Enrico Martuscelli, Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil (Curitiba, CRV, 2015).
2 Cf. David Harvey, Ermínia Maricato et al., Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (São Paulo, Boitempo, 2013), col. Tinta Vermelha.
3 Cf. José Luís Fiori, História, estratégia e desenvolvimento: para uma geopolítica do capitalismo (São Paulo, Boitempo, 2014).
4 Cf. André Singer, Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador (São Paulo, Companhia das Letras, 2012).
5 Cf. Ricardo Antunes, Uma esquerda fora do lugar: o governo Lula e os descaminhos do PT(Campinas, Autores Associados, 2006).
6 Cf. Emir Sader, A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana (São Paulo, Boitempo, 2010).
7 Cf. Emir Sader (org.), 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma (São Paulo/Rio de Janeiro, Boitempo/Flacso, 2013).
8 Cf. Armando Boito Jr., “Governos Lula: a nova burguesia nacional no poder”, em Armando Boito Jr. e Andréia Galvão (orgs.), Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000 (São Paulo, Alameda, 2012).
9 Cf. Walquíria Leão Rego e Alessandro Pinzani, Vozes do Bolsa Família: autonomia, dinheiro e cidadania (2. ed., São Paulo, Editora Unesp, 2014).
10 Cf. Ruy Braga, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (São Paulo, Boitempo, 2012), col. Mundo do Trabalho, e A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais (São Paulo, Alameda, 2015). Ver também Marcio Pochmann, Desigualdade econômica no Brasil (São Paulo, Ideias e Letras, 2015) e O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social (São Paulo, Boitempo, 2014), col. Mundo do Trabalho.
11 Cf. Luciana Genro e Roberto Robaina, A falência do PT e a atualidade da luta socialista (Porto Alegre, L&PM, 2006).
12 Lincoln Secco, História do PT (4. ed., São Paulo, Ateliê, 2015) e Valter Pomar, A metamorfose (São Paulo, Página 13, 2014).
13 Cf. Alysson Leandro Mascaro, Estado e forma política (São Paulo, Boitempo, 2013).
14 Cf. Vladimir Safatle, Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008), col. Estado de Sítio.
15 Cf. Pedro Henrique Pedreira Campos, Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 (Niterói, Editora da UFF, 2014). Ver também Larissa Bortoni e Ronaldo de Moura, O mapa da corrupção no governo FHC (São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2002), col. Brasil Urgente.
16 Marcos Nobre, Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma (São Paulo, Companhia das Letras, 2013).
17 Cf. Alysson Leandro Mascaro, Filosofia do direito (4. ed., São Paulo, Atlas, 2014).
18 Cf. Evgeni Pachukanis, Teoria geral do direito e marxismo (São Paulo, Acadêmica, 1988) e Márcio Bilharinho Naves, A questão do direito em Marx (São Paulo, Outras Expressões/Dobra, 2014).
19 Cf. Gilberto Bercovici, Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar (2. ed., Rio de Janeiro, Azougue, 2012).
20 Alysson Leandro Mascaro, “A propósito da situação jurídica atual”, Blog da Boitempo, 11 ago. 2014.
21 Cf. Marildo Menegat, Estudos sobre ruínas (Rio de Janeiro, Revan, 2012), col. Pensamento Criminológico, n. 18, e Paulo Arantes, O novo tempo do mundo e outros estudos sobre a era da emergência (São Paulo, Boitempo, 2014), col. Estado de Sítio.
22 Incorporo aqui reflexões apontadas em meu artigo “A política jurídica hoje e sua captura pelos meios de comunicação”, Carta Maior, 3 jun. 2014.
23 Cf. Alysson Leandro Mascaro, Estado e forma política, cit.
24 Cf. idem, Crítica da legalidade e do direito brasileiro (2. ed., São Paulo, Quartier Latin, 2008).
25 Cf. Louis Althusser, Aparelhos ideológicos de Estado (2. ed., trad. Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Graal, 1985).
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