Entre a dependência e a independência: desafios de um projeto de desenvolvimento nacional soberano

Por Cecilia Vuyk, via Rebelion, traduzido por João Guilherme A. de Farias

Cecilia Vuyk, militante do Movimento 15 de Junho, apresenta um balanço da situação de dependência econômica do Paraguai – e as perspectivas de sua superação, no fim da concentração de terras e do tratado antinacional de Itaipu.


Independência, recolonização e dominação estrangeira

A história do Paraguai é a história de um povo pequeno em número, mas grande em dignidade, como escrevia o paraguaio Oscar Creydt em sua famosa obra Formación Histórica de la Nación Paraguaya. Após a conquista da independência política, dos governos patrióticos do Dr. Francia e dos López, a Guerra da Tríplice Aliança entre 1865 e 1870 interrompe o desenvolvimento deste projeto autônomo, iniciando um período de recolonização no país (Creydt, 2007).

Os capitais argentinos – aliados aos capitais ingleses – e os capitais brasileiros – aliados aos capitais norte-americanos – se expandem sobre o Paraguai, controlando grandes extensões de terra e outros recursos naturais. Neste marco é que nascem, como resultado da aliança entre paraguaios proprietários de grandes porções de terra e capitais estrangeiros, os dois principais partidos alinhados aos latifundiários do país: a Associação Nacional Republicana (Partido Colorado) e o Partido Liberal (atual Partido Liberal Radical Autêntico), o primeiro, aliado aos capitais brasileiros e o segundo, aos capitais argentinos.

Com as leis de venda de terras de 1883 e 1885, promulgadas pelo governo colorado e pró Brasil-Estados Unidos de Bernardino Caballero, reconfigura-se a estrutura latifundiária semifeudal. Sobre esta base se expandem os capitais internacionais, sobretudo por meio de grandes empresas estrangeiras como Carlos Casado S.A., La Industria Paraguaya, Mate Larangeira, etc., que foram anexando economicamente territórios, transferindo os lucros para os respectivos países de origem. Tal estrutura mantem-se ainda hoje.

A anexação econômica e a integração imperialista

Com a primazia do projeto de desenvolvimento associado dependente, Paraguai transforma suas relações de produção em função das necessidades do imperialismo norte-americano [1] e do subimperialismo brasileiro [2], e avança de uma estrutura principalmente agrária fundada na pecuária extensiva, para uma estrutura agropecuária orientada à exportação (com o ingresso massivo de monocultura extensiva, principalmente de soja) financeira (com a importação massiva de capitais estrangeiros e o crescimento do crédito) e extrativista (de energia hidroelétrica principalmente).

Esse modelo “soja-pecuária-energia-créditos-bancos” se consolida a partir da década de 1970, aprofundando-se ainda mais na atualidade. No início do século XXI, a expansão imperialista e subimperialista é potencializada, e a dependência paraguaia passa a adquirir novas formas, deixando de se caracterizar apenas pelo controle dos recursos naturais e a expansão de capitais e manufaturas, dando lugar à integração imperialista e subimperialista de setores da produção e à anexação econômica.

Na integração imperialista e subimperialista de setores da produção os capitais estrangeiros controlam setores estratégicos da produção, desnacionalizando-os. No Paraguai, os casos mais relevantes podem ser percebidos nos principais ramos produtivos: na produção agrícola, na indústria de carne, no setor financeiro, no comércio de combustíveis, no transporte e nas as manufaturas.

Agronegócio

A produção agrícola e agroindustrial, controlada pelos capitais norte-americano e brasileiro, é o principal setor da produção no Paraguai. De toda a cadeia produtiva, os capitais norte-americanos controlam a maior parte do processo de produção e reprodução agrícola no país – principalmente no setor de soja –, com atividades de provisão de insumos, armazenamento, industrialização e exportação. Somente as duas principais armazenadoras e exportadores de soja e derivados, Cargill e ADM – de capitais norte-americanos –, representaram o equivalente a 49,9% do total das exportações do país em 2012, entre as 10 principais exportadoras. Ainda em 2010, esse índice já estava na casa dos 31,5% da totalidade das exportações.

Somando as principais empresas transnacionais norte-americanas nesse setor no país – Cargill Agropecuária Saci, ADM Paraguay S.A., Bunge Paraguay S.A., Noble Paraguay S.A. -, o controle das exportações elevar-se para 65,47% sobre as 10 principais empresas (Aduanas, 2013). Longe delas se encontra Agro Silo Catalina, pertencente ao Grupo Favero, de capitais brasiguaios, representando 4,6% do total das exportações num universal de 10 principais exportadoras também em 2012.

Todavia, o controle do cultivo e da produção de soja é exercido sobretudo pelos capitais brasileiros e brasiguaios, bem como por capitais paraguaios, desenvolvido por meio de empresas e cooperativas (Rojas, 2009). Poucos dados públicos demonstrem o nível de controle do capital brasileiro sobre a produção de soja, mas alguns deles nos permitem uma aproximação entre 65% e 90% (Caccia Bava, 2009, ABC, 2011, UH, 2012).

Indústria de Carne

A indústria de carne representa o único setor que realiza todo o ciclo de produção industrial internamente, sendo um dos poucos que contou com a prioridade de capitais nacionais até poucos anos atrás, quando perdeu espaço para a expansão, cada vez mais fortalecida, dos monopólios brasileiros, no marco da abertura do mercado europeu à entrada da carne paraguaia, em 2008.

A principal empresa de capitais brasileiros instalada no Paraguai é o Frigorífico Concepción S.A., que além de estar entre as principais exportadoras do país, é o principal no setor de proteína animal. Em 2012, o Frigorífico Concepción S.A. atingiu um valor total de 248.952.735,32 dólares FOB em exportações. A segunda colocada no ramo de produção de carne do país é a Quality Meat S.A., anteriormente denominada Industria Frigorífica Paraguaya S.A. (IFPSA), adquirida pelo monopólio brasileiro Bertin S.A., em 2007.

Um dos últimos episódios de aquisição de indústrias paraguaias por monopólios brasileiros foi o caso do ex-frigorífico de Maris Llorens, Frigomerc, adquirido em 2012 por Minerva Foods -o maior monopólio de alimentos brasileiro.

À exceção do Frigorífico Concepción, cujo proprietário está radicado no Paraguai, os demais frigoríficos são controlados, em sua maioria, a partir de São Paulo (Brasil), onde se encontram as matrizes dos monopólios brasileiros.

Em novembro de 2012, a Câmara Paraguaia de Carne afirmava que 90% dos frigoríficos eram controlados por capitais estrangeiros, dos quais 60% eram capitais brasileiros (ABC, 2012). Com a venda de Frigomerc em 2012, a porcentagem aumentou, e, nesse sentido, uma publicação de novembro de 2012, registrava o nível de controle do capital brasileiro sobre a produção de carne próximo a 67% (UH, 2012).

Anexação econômica: maquilas

O outro formato da nova fase de dependência no Paraguai traduz-se pela anexação econômica por meio do regime de maquila, que instala plantas no território nacional para terminar ou montar partes recebidas de plantas estrangeiras, devolvendo-as para o processo final, extraindo a força de trabalho do país dependente (Marini, 1977).

O regime de maquila se instalou no país a partir da Lei 1064/97, o que possibilitou a criação até 2012 de um total de 51 empresas submetidas a esse regime (Secretaria Executiva CNIME, 2013). Os principais ramos de produção e exportação são: couro, calçado, plástico, têxtil e suas manufaturas, além dos serviços intangíveis como o call center. Em dezembro de 2012, a exportação em cifras chegava a 140.914.577 dólares, dos quais 72,5% tinha o Brasil e a Argentina como destino final, e o restante, 27,5%, repartido entre países como Tailândia, China, Estados Unidos, Francia, Indonésia, Itália, Índia y México.

Das 51 empresas maquiladoras, 18 são de capital brasileiro e 3 de capital paraguaio-brasileiro, e um total de 23 maquilas possuem matrizes no Brasil. 15 de 21 maquiladoras de capital brasileiro e paraguaio-brasileiro se encontram situadas em zonas de fronteiras, localização estratégica do processo de anexação econômica, já que a produção recebe insumos e provisões dos monopólios brasileiros e, em grande medida, é novamente exportada para o Brasil.

A explicação do presidente da Fujikura-Paraguay, nessa perspectiva, é bastante esclarecedora: “O mercado deles – referindo-se ao  Brasil – está aqui, e enquanto aos custos, atualmente o Brasil tem um linha de crescimento impressionante. O grande ativo do Paraguai a nível industrial – entenda-se, maquila – é que está à porta do Brasil. Eu produzo geograficamente no Brasil, mas, juridicamente e com custos do Paraguai” (ABC Color, 2013).

Projeto de dependência e atraso versus Projeto de desenvolvimento independente

Os dados expostos até aqui fornecem um rápido panorama da situação atual de aprofundamento da dependência. Contudo, é importante analisar que a dependência e a dominação estrangeira não são ações exercidas pelos capitais e monopólios internacionais “a partir de fora”. Ao contrário, contam com atores locais, nacionais, aliados de maneira dependente ao projeto imperialista de expansão.

Diante de um projeto de dominação solidificado no latifúndio, no controle da produção e no capital financeiro, os principais beneficiados deste projeto são a burguesia latifundiária (produtora de soja e pecuária, precipuamente), a burguesia financeira (vinculada aos grandes bancos e à especulação financeira) e a burguesia industrial (hoje principal responsável por impulsar o regime de maquila). Todos esses setores da burguesia propõem, tanto em suas expressões político-partidárias como através do governo e dos meios de comunicação a seus serviços, que seu projeto de atraso e dependência (desnacionalização dos setores produtivos e a anexação econômica) seja encarado como o único e possível modo de desenvolvimento para o Paraguai.

O governo Cartes: “usem e abusem”

O governo encabeçado por Horacio Cartes, produto do golpe de Estado de 2012, impulsiona o aprofundamento do projeto de desenvolvimento dependente.

Atualmente, neste marco, quatro são os principais pontos da agenda de Cartes em relação ao Brasil e aos Estados Unidos: 1) a manutenção da atual situação do controle brasileiro sobre Itaipu; 2) aprofundar o controle imperialista por meio do capital financeiro a partir do endividamento do Estado paraguaio adquirindo créditos internacionais – BID, Banco Europeu, CAF, entre outros – e os chamados “bônus soberanos”; 3) fomentar o ingresso de capitais e monopólios, principalmente por meio das finanças, do regime de maquila e da integração imperialista de setores da produção; 4) legalizar as terras ocupadas por brasileiros e brasiguaios no Paraguai, com a possibilidade de realização de um cadastro de terras financiado pelo governo brasileiro.

Os desafios do projeto de desenvolvimento independente

Apesar do crescimento do governo e das facções da burguesia associada ao projeto dependente, o aprofundamento da miséria, a pobreza e a exploração que se expressa cada dia com mais força, e demonstra as limitações deste projeto vigente, e a impossibilidade de avançar rumo a um desenvolvimento nacional sem a superação das bases que o mantém: o latifúndio, a dominação estrangeira que se levanta sobre ele e o Estado que está a seu serviço.

O desafio se encontra em unificar as forças dos diversos setores patrióticos – camponeses, indígenas, trabalhadoras e trabalhadores, estudantes, setores empresariais – por um projeto de desenvolvimento nacional, que vise superar as travas do desenvolvimento expressas, entre outros, na concentração de terras, no tratado antinacional de Itaipu, nos créditos e nos bônus antinacionais e, principalmente, no governo antinacional encabeçado por Horacio Cartes. A unidade e a mobilização de todos os setores permitirá superar esses entraves e avançar rumo a um projeto de desenvolvimento nacional livre, independente e soberano.


Artigo originalmente publicado na Revista Acción Nº 334, Mayo 2014, Centro de Estudios Paraguayos “Antonio Guasch”, p. 18-22

Notas:

[1] O imperialismo é a fase superior do desenvolvimento capitalista. Consiste na chegada das economias centrais à fase dos monopólios e do capital financeiro, momento em que a expansão destes países para outras regiões torna-se necessária para a própria subsistência da economia, evitando a queda da taxa de lucro que detêm. Isso significa que o imperialismo não é uma “política exterior” de um país que pode ser combinada por um governo, já que não passa de uma fase objetiva e própria do desenvolvimento capitalista. Falamos de imperialismo norte-americano em razão de ser a expansão dos capitais e dos monopólios dos Estados Unidos da América mais desenvolvidos na atualidade e que se expandem com maior necessidade e agressividade sobre os demais países.

[2] O subimperiaismo é a chegada de economias dependentes à fase dos monopólios e do capital financeiro, mantendo a mesma necessidade de expansão para outros países para evitar a queda de sua taxa de lucro. São subimperialista em razão de seguirem, como economias dependentes, subordinadas às economias centrais, porém, já numa fase superior. Falamos de subimperialismo brasileiro porque, na América Latina, o Brasil é a única economia dependente que atingiu a fase subimperialista, e sua expansão sobre o Paraguai configura e determina a dependência do Paraguai, junto com o imperialismo norte-americano.

Referências Bibliográficas:

ABC Color 2011 (Asunción) 23 de marzo;

ABC Color 2012 (Asunción) 27 de noviembre;

ABC Color 2013 (Asunción) 09 de abril;

Aduanas 2013 Ranking de Mayores Exportadores 2012;

Caccia Bava, S. 2009 “Gigante pela própria naturaleza” en Le Monde Diplomatique Brasil (Sao Paulo);

Creydt, O. 2007 Formación Histórica de la Nación Paraguaya. Pensamiento y vida del autor, tercera edición revisada y ampliada (Asunción: Servilibro);

Marini, R.M. 1977 “La acumulación capitalista y el subimperialismo” (México DF: Era);

Secretaria Ejecutiva CNIME 2013 Datos maquila (Asunción: CNIME);

Última Hora 2012 (Asunción) 29 de noviembre.

Vuyk, Cecilia 2014 Subimperialismo brasileño y dependência del Paraguay: los interesses económicos detrás del golpe de Estado de 2012 (Asunción: Cultura y Participación)

 

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