Por Douglas Rodrigues Barros
A deposição de Dilma Rousseff trouxe atona diversas questões sobre a política nacional. De certa forma, estamos de volta à republica das bananas, tomada por interesses escusos das velhas elites familiares. No presente artigo o autor aborda como a farsa jurídico-parlamentar de 2016 nos demonstra os limites da democracia representativa e a necessidade de romper com seu fetiche.
Tornou-se lugar comum a frase irônica de Marx que diz que a história se repete; a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Podemos pensar que 1964 foi a repetição trágica do Estado Novo. Agora podemos pensar que o golpe de 2016 foi a farsa burlesca do golpe civil-militar de 1964. Na farsa predominam situações ridículas somadas a gracejos, uma caricatura liberta de todo e qualquer valor ético. Ora, nada diferente disso se viu no julgamento de Dilma Rousseff. Um espetáculo caricatural cujo deus invocado na representação, chamada julgamento, atende por duas palavras: interesses privados.
As cenas de um espetáculo jurídico, transmitido em tempo real, deixam claro a desfaçatez da estupidez com ares de inefável inteligência típica de um lugar em que inteligência denota cabedal, isto é, recursos obtidos por herança. E a estupidez toma o lugar da norma sob o massacre da unanimidade servil. Esta uma debilidade que se identifica plenamente com o senso comum e corresponde maquinalmente suas inclinações.
Aquele foi um espetáculo próprio de um país cujo alicerce estrutural de sua política está vinculado ao núcleo de poder “familiar” que se acha, por consequência, estreitamente preso à ideia de escravidão. Foi o que nos demonstrou Sergio Buarque de Hollanda em seu Raízes do Brasil. Um lugar cujos filhos da “pátria”, aqueles que são reconhecidos como “homens de bem”, são apenas membros inteiramente subordinados aos [des]mandos do patriarca. Democracia se reduz aí, a quem pode pagar mais e ter os capangas mais bem posicionados.
Em 1947, um mulato baiano dizia essas palavras na câmara federal: “É um absurdo extinguir mandatos, já que a cassação do registro eleitoral de um partido político não pode significar o desaparecimento automático do eleitorado que sufragou os candidatos registrados sob sua legenda”. Recebeu a seguinte resposta de um homem da alta cúpula oligárquica instalada na Câmara à época: “Não permito que elementos de cor como vossa excelência se intrometam no meu discurso”.
O mulato baiano tratava-se de Marighella. Um negro revolucionário ante uma câmara conservadora que, dentre pouco, retiraria seu mandato na ilegitimidade, historicamente perpétua, de uma lei. A esquerda não aprendeu com o PCB e com o PT voltou a creditar na democracia liberal suas forças e erguer uma espécie de neodesenvolvimentismo tacanho. Tragédia e Farsa aí também coexistem.
Com efeito, ontem e hoje se encontram sob uma mesma rubrica, qual seja: o Brasil vive um eterno presente. Em outras palavras, a elite no Brasil conserva tudo de mais obsoleto, clerical, dogmático e carcomido. Aquilo que impede a saída da condição de subserviência no jogo do mercado global. E, essa é a defesa das grandes elites; partilhar dos lucros oferecidos pelo Estado e subjugar esse mesmo Estado sob a condição, histórica, de ter para si os melhores mercados de commodities e a instauração do mesmo.
Não à toa, o Brasil segue sendo a vanguarda da volubilidade política que prega a liberdade democrática oferecendo em troca a polícia com direito a bala de borracha nas vistas e Spray de pimenta na cara. O grande laboratório de gestão da barbárie e agora, como um teste, da barbárie sem gestão.
Quando abro esse texto com um título polêmico de República das Bananas quero lembrar um célebre pensador brasileiro que anteviu as formas de exploração sofisticadas exercidas nesses trópicos. Não nos esqueçamos, com Ruy Mauro Marini que: “a intensificação do trabalho, a prolongação da jornada de trabalho e a expropriação de parte do trabalho necessário ao operário para repor sua força de trabalho — configuram um modo de produção fundado exclusivamente na maior exploração do trabalhador, e não no desenvolvimento de sua capacidade produtiva. Isso é condizente com o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas na economia latino-americana, mas também com os tipos de atividades que ali se realizam”.
Isso demonstra a parte que nos cabe no latifúndio do mercado financeiro global. O que demonstra, também, que no período de recrudescimento econômico a potencialidade de nossa elite caseira em exercer a força bruta para aumentar o seu lucro vai ao ato. Ato esse que pouco se importa, em momentos de crise, com as formas de contenção social impresso na dominação chamada democracia. A democracia é para estes somente uma palavra vazia que pode ser estampada nos grandes jornalões para adornar os canhões da foto.
Desse modo, o que fica claro com a destituição de Dilma Rousseff é a demonstração de que o rei está nu. Ou seja, a demonstração estupida, porque evidente, de que não há nenhuma legitimidade possível sob essa forma democrática. Todo o espetáculo dessa democracia representativa tem, nesse ponto, sua demonstração mais efetiva, a saber: a democracia representativa é só esse mero espetáculo mesmo. Distorcido ao prazer e desprazer dos editorias das mesmas famílias que montaram a tragédia e a farsa histórica.
O que fica claro com a destituição de Dilma Rousseff é, além disso, a demonstração daqueles que estão por trás desse espetáculo: uma elite conservadora e obsoleta que julga a política reduzida aos seus ganhos. Evidenciando, a partir disso, que o espetáculo da própria democracia representativa deixou de ser representado. Agora ele é apresentado para qualquer um que tenha um mínimo de reflexão. E tudo é posto tão as claras que o horror é monopólio dos mais sensíveis. Ou aqueles que não foram brutalizados por uma imprensa hegemônica – cujo jargão construído em doses homeopáticas visando a destituição de todo e qualquer um que não se dobre a sua pauta de sempre – que permanece tendo a liberdade de implantar seus golpes.
O PT foi a esquerda que conseguimos – afirmou um grande historiador – entretanto, foi insuficiente e tornou-se (ou já era?) um vendilhão que agora está sendo expulso do templo. O campo democrático popular afirmou-se na ilusão de um capitalismo democrático-parlamentar que doravante demonstra com clareza bruta seus limites. No mundo inteiro é sintomático que aquela teologia liberal-democrática acabou e o totalitarismo – que, diga-se de passagem, sempre teve a ver com a cultura do trabalho defendida pelo PT – se tornou a norma no Estado de exceção.
A crítica tem que se a ver agora com a perspectiva de uma alternativa radical ao fetiche democrático-parlamentar que sob o governo petista se tornou hegemônico em grande parte da esquerda. Tristemente hegemônico; como se o Capital aliado ao Estado admitisse – ainda mais se tratando do lado sul do globo – algum tipo de conciliação entre classes. Nunca houve e não haverá argumento que vença a sede de lucro das elites globais. O que nossa elite caseira quer é lucrar vendendo banana Nothing More. Afinal de contas como diz o pútrido slogan dessa mesma elite: Agro é Tech! Agro é Pop!
Obras citadas:
Raízes do Brasil – Sergio Buarque de Hollanda
Dialética da dependência – Ruy Mauro Marini
A citação do discurso de Marighella é de sua deliciosa biografia escrita pelo talentoso Mário Magalhães: Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo.
A frase de Marx se encontra no legendário 18 Brumário de Luís Bonaparte, artigo dos mais bem escritos na história da consciência ocidental.