Por Douglas Rodrigues Barros[1]
A conversa a seguir é verídica. Trata-se de um diálogo travado entre duas posições antagônicas e só possível de serem compartilhadas graças ao laço de amizade que une amigos de infância. Os personagens cresceram praticamente juntos, mas pelos revezes da vida se separaram. Anos depois, com a invenção de um aplicativo que passou a mediar a vida do mundo inteiro, retomaram a amizade.
Um tornou-se motorista de caminhão, é filho de operário e mãe doméstica, aqui seu nome será X. O outro tornou-se editor e doutorando em ciências sociais, filho de mãe doméstica e pai desconhecido, seu nome será Y. Há ainda um terceiro de esquerda moderada que é empregado em alguma dessas empresas uberizadas, filho de mãe cabeleireira e pai vendedor em lojas de atacado, que chamaremos de Z. A conversa passou-se no aplicativo do WhatsApp. Peço que o hipotético leitor não leve a mal os palavrões, ironias e sinceridades expostos por ambas personagens. Segue o perigoso diálogo:
X diz:
– Educação vem de casa!
– Pois é! – Ironicamente responde Y – nem precisamos mais de escolas!
– Se for pra ir aprender ideologia marxista… prefiro pagar mesmo! – Devolve X.
– Você nem sabe o que é marxismo mano! Isso é o mais cômico! Diz aí o que é marxismo? O marxismo é tão odiado porque é até hoje a única teoria revolucionária que mostra que a exploração do homem pelo homem pode ter fim! É isso que teus camaradas seguidores de Bolsonaro odeiam! Saiba que eu tenho orgulho de ser marxista e comunista!
– Tenho orgulho de você também, mesmo não apoiando – diz X e conclui – Vejo que têm princípios e os defende!
– Pois é mano! Nisso acho que somos iguais! Batemos de frente! E ainda acredito que se um dia você visse uma galera organizada em prol do bem comum, de armas na mão, pronta para acabar com essa corja miserável de políticos de aluguel e fundar uma sociedade cuja economia fosse baseada na socialização dos bens produzidos, você mudaria de lado!
(Nesse momento dois outros amigos enviam fotos em um churrasco com uma legenda: vão tomar no cu de vocês!)
Y prossegue:
– Acho também que seus motivos são fortes contra a esquerda e alguns estão certíssimos. A porra de defesa do PT e Lula é foda!
– Cara… um dia me apresenta algo que eu goste na esquerda. Porque odeio vagabundo. A esquerda defende tanto vagabundos políticos. Odeio essa política nojenta instalada no poder de nosso país. Odeio esses caras de pau. Filhos da puta. Safados defendidos por essa legislação lixo.
– Você mente! Porque sou vagabundo e você me ama! – ironicamente devolve Y.
– Mano! – Intervém Z – os políticos aí são só reflexo do povo! Se tombar um caminhão vão roubar a carga, se puder ter gato na TV a cabo vão ter, vão comprar jogo pirata, baixar música, filme… corrupção nos forma! Só prestar atenção no que houve no Espírito Santo quando teve greve da polícia, um monte de gente comum saqueando as lojas!
– Vamos lá X! – Por sua vez redarguiu Y – primeiro que a esquerda é bem abrangente! Vai desde “progressistas” – que hoje em dia é qualquer coisa – até anarquistas!
Enquanto digitava, Y se deu conta, entretanto, que o debate entre X e Z mudava o curso…
– Se o sistema não muda – diz ainda Z – nada vai mudar!
– Esse sistema. Essa máquina corrupta se arrasta desde 1985! – Conclui X.
– Tem razão! – Interfere Y e continua – só que esse sistema é um pouco mais velho, vem desde a traição burguesa da Revolução Francesa! Mas, o próprio pacto “democrático” na nossa transição foi marcado por acordos sinistros!
– Empresa dando “doações”! – Disse Z e arremata – Ninguém doa nada de graça!
– Empresas doando e recebendo nosso dinheiro via BNDES! – Conclui X – por isso que cara, fala sério! Só uma ditadura nos tira dessa!
– Afff! – diz Z.
– Quer saber, cara… –pausadamente digita Y – concordo contido!
– O que? – Digita Z.
– Fodeu! – Alguém digita de algum lugar e expõe o GIF do Michael Jackson comendo pipocas.
– Precisamos mesmo de uma ditadura… só que uma ditadura do proletariado! – Conclui Y com as gargalhadas estéreis (Hehehehehe) do aplicativo.
– Especifique isso! Vai prender corruptos?Vai repatriar os bens deles? Vai caçar os direitos políticos deles? – Indaga X.
– Isso e muito mais! Algo que o teu Bosalnaro jamais faria! – rebate Y.
–Bolsonaro é um cusão fascista! – completa Z.
– Lá vão vocês – interrompe X e continua – Mas me diga será possível expulsar eles do país? Vai, por exemplo, tomar a Samarco e fazer dela uma estatal? Vai expulsar os gringos dela?
– Os bancos também serão estatizados, mas não expulsaremos os gringos pelo fato de serem gringos e sim aqueles que são capitalistas – retruca Y.
– Olha só! Outra pergunta! Vão tomar a JBS do Joesley…? Porque aquela porra é nossa né! Sou a favor disso mano! Sou radical! – diz X.
– Se o governo revolucionário decidir, a gente toma aquela porra! As organizações serão municipalizadas por meio de conselhos participativos e deliberativos. Governos descentralizados e políticos sem salários!
– 33 mil de salário! Vai se foder! – exaltado digita X.
– Então veja só uma coisa X – diz Y – temos mais coisas em comum do que pensa nossa vã filosofia!
– Cara desperdício da porra de dinheiro público com esses caras! – diz X.
– Também acho, e você já viu quanto que vai para pagar a dívida pública? Isto é, para pagar caras como esse tal de Joesley? Metade do que o governo federal arrecada mano! Para isso não mais ocorrer o que a gente precisa fazer? Planejar a economia por meio de conselhos deliberativos que ajam diretamente no orçamento! Mas, além disso, é preciso também tomar os meios de produção e socializar os bens produzidos sem perder de vista a busca pela inovação tecnológica! Precisamos pensar uma sociedade da abundância e ela só existirá a partir do momento em que a riqueza não ser monopólio de pouquíssimos! – diz Y.
– Porra, você já tá viajando! Como a gente constrói isso mano? Sem armas? – pergunta X.
Risos histéricos na tela (Hehehehe).
– Você é um revolucionário X, só que nem sabe… sabe o que você detesta? O que eu também detesto! Essa conversa mole da esquerda que diz que vai resolver as coisas, mas na verdade só pensa em resolver-se a si mesmo no pleito eleitoral! Já se esqueceram que a Dilma antes de cair estava aprovando as reformas! Mas, eu não me esqueço mano! Nesse sentido estamos com o mesmo cansaço velho! E como você tem milhares de trabalhadores zangados com toda essa palhaçada! – desabafa Y.
– Então, só que estamos desarmados mano! Se a galera tivesse armada, essa porra já tinha ficado séria! – diz X – as vezes me pergunto: será que não tem nenhum franco atirador com coragem para dar um tirinho nesses caras?
– Talvez isso nada resolvesse se não tivéssemos organizados! Na Rússia muito antes da revolução tinha uns caras alcunhados de populistas, eles promoviam atentados, matavam políticos! Mas, era infrutífero. Em todo caso, muitos revolucionários só o foram porque tinha acesso as armas, por exemplo, os Panteras Negras andavam armados fazendo a defesa dos bairros contra a polícia. Chegaram a ocupar o capitólio, salvo engano. Foi depois disso que os caras proibiram o porte de armas na California, mas os Panteras lutaram contra a proibição até o fim![2] (risos)
– Porra cara não sabia dessas coisas não! Mas gostei! Óh só! Vou ter que carregar o caminhão agora, foi bom falar contigo! É noiz!
– É noiz mano! E vê se desiste desse Bosalnaro aí!
– Vou pensar! Só não me peça para votar no Lula!
– Jamais!
[1] Como o leitor notará a positivista teoria do pêndulo perde de vista especificidades importantes para o entendimento de qualquer posição antagônica e se revela como uma teoria do status quo.
[2]http://operamundi.uol.com.br/conteudo/reportagens/42475/panteras+negras+foram+vanguarda+dos+anos+60.shtml
2 comentários em “Uma conversa sobre Bolsonaro”
Discutimos e muitas vezes nem sabemos pelo que…
hehe
Acredito que o fato de ambos terem sido amigos facilitou o diálogo.
Essa disponibilidade em um ouvir o outro é comumente muito difícil de se obter.