Por Karl Marx, via Crítica Marxista, traduzido por Fausto Castilho
O presente texto, que constitui o terceiro dos quatro tópicos da “Introdução à crítica da economia política” (1857), oferece uma das mais aprofundadas sínteses de Karl Marx sobre o método do materialismo dialético – e merece estudo cuidadoso.
Ao considerar a economia política de um dado país, começamos por sua população, sua divisão em classes, distribuída pela cidade, campo e mar; os diversos ramos da produção, a exportação e a importação, a produção anual e o consumo anual, os preços das mercadorias etc.
É que parece correto começar pelo real e pelo concreto, pela pressuposição efetivamente real e, assim, em economia, por exemplo, pela população: fundamento e sujeito do ato todo da produção social. A uma consideração mais precisa, contudo, isto se revela falso. A população, por exemplo, se omito as classes que a constituem, é uma mera abstração. Estas últimas, por sua vez, são uma expressão vazia se não conheço os elementos sobre que repousam, a saber, o trabalho assalariado, o capital etc. E esses pressupõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc., de sorte que o capital, por exemplo, nada é, sem o valor, o dinheiro, o preço etc. Se começasse pela população, haveria de início uma representação caótica do todo, e só através de determinação mais precisa eu chegaria analiticamente, cada vez mais, a conceitos mais simples. Partindo do concreto representado, chegaria a abstratos sempre mais tênues, até alcançar, por fim, as determinações mais simples. Dali, a viagem recomeçaria pelo caminho de volta, até que reencontrasse finalmente a população, não já como a representação caótica de um todo, e sim como uma rica totalidade de muitas determinações e relações. O primeiro caminho é aquele que a Economia percorreu em sua gênese histórica. Exemplo: os economistas do século XVII que sempre começam por um todo vivo – população, nação, Estado, vários estados etc. –, mas sempre terminam por algumas relações gerais, abstratas, determinantes – divisão do trabalho, dinheiro, valor etc. – que eles descobriram por análise. Tão logo esses aspectos individuais isolados achavam-se mais ou menos abstraídos e fixados, os sistemas econômicos começavam a elevar-se a partir dos elementos simples – o trabalho, a divisão do trabalho, as necessidades, o valor de troca, até o Estado, o intercâmbio entre as nações e o mercado mundial. É manifesto que este último caminho é o método cientificamente correto.
O concreto é concreto por ser uma síntese de muitas determinações, logo, uma unidade do múltiplo. Eis a razão por que aparece no pensamento como processo de concentração (síntese), como um resultado e não como um ponto de partida, embora ele seja o ponto de partida efetivamente real e, assim, também, o ponto de partida da intuição e da representação.
No primeiro caminho, toda a representação se desvanece em determinação abstrata, ao passo que, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto no plano do pensamento. Foi o que levou Hegel a extraviar-se na ilusão de conceber o real como resultado de um pensamento que, em si mesmo se concentra, em si se aprofunda e por si se move, enquanto o método de se elevar do abstrato ao concreto é apenas a maneira de o pensamento apropriar-se do concreto e o reproduzir como concreto espiritual, mas de maneira nenhuma se trata do processo da gênese do próprio concreto. Por exemplo, a categoria econômica mais simples, digamos o valor de troca: ele já pressupõe a população, uma população que produz sob relações determinadas; pressupõe igualmente certa espécie de família ou de comuna ou de Estado etc. Ele jamais pode existir a não ser como uma relação abstrata, unilateral de um todo vivo, concreto, já dado. E, sem embargo, como categoria, o valor de troca tem, ao contrário, uma existência antediluviana. Por isso, para a consciência – e isto determina a consciência filosófica –, para a consciência, só o pensamento conceitual é o homem efetivamente real e somente o mundo conceituado possui, como tal, efetiva realidade. De sorte que, para a consciência, o movimento das categorias assume a aparência de um ato efetivamente real de produção – recebendo de fora apenas um empurrão, aliás, deplorável –, cujo resultado é o Mundo. Isto é correto – trata-se, porém, novamente de uma tautologia –, mas correto somente na medida em que a totalidade concreta é tomada como totalidade pensada, como um concreto pensado, in fact, como um produto do pensamento, do conceito. De modo algum, porém, como produto de um pensamento alheio à intuição e à representação ou que se lhes sobreponha, como produto de um conceito que, pensando, a si mesmo se gera, mas como produto da elaboração conceitual da intuição e da representação. O todo, tal como ele na cabeça aparece – um todo de pensamento –, é o produto de uma cabeça pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível e que difere dos modos de apropriação do mundo que são o artístico, o religioso ou o do espírito prático. Enquanto a cabeça procede de modo somente especulativo, isto é, teoricamente, o sujeito real, tanto antes como depois, subsiste, em sua independência, fora dela. Assim, no método teórico também, é preciso que o sujeito, a Sociedade, esteja sempre presente enquanto pressuposição.
Mas, acaso essas categorias simples não têm também uma existência independente, seja histórica, seja natural, anterior à existência das mais concretas? Ça dépend. Por exemplo, Hegel começa de modo correto a Filosofia do Direito pela posse, que é a relação juridicamente mais simples de um sujeito de direito, embora não haja posse antes da família e das relações de domínio e servidão, muito mais concretas do que ela. Seria, assim, correto dizer, pelo contrário, que existem famílias, grupos tribais que ainda só possuem e não têm propriedade. No que se refere à propriedade, a categoria mais simples aparece, então, como relação entre comunidades simples de famílias ou de tribos. Na sociedade superior, ela aparece como a relação mais simples de uma organização mais desenvolvida. O substrato mais concreto, cuja relação é a posse, está, porém, sempre pressuposto. Podemos nos representar um indivíduo silvícola isolado que possui. Mas a posse, no caso, não seria uma relação jurídica. É incorreto dizer que a posse desenvolve- -se historicamente até a família, quando, ao contrário, ela sempre pressupõe esta “categoria jurídica mais concreta”. Continua, no entanto, a ser sempre uma verdade que as categorias simples são uma expressão de relações sob as quais o concreto não desenvolvido pode realizar-se, sem ainda ter posto a relação mais multilateral, que é expressa espiritualmente na categoria mais concreta, ao passo que o concreto mais desenvolvido conserva a mesma categoria como uma relação subordinada. O dinheiro pode existir e existiu historicamente, antes de existirem o capital, os bancos, o trabalho assalariado etc. Por esse lado, é também lícito dizer que a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de um todo não desenvolvido ou relações subordinadas de um todo mais desenvolvido que já existiam historicamente antes de esse todo se desenvolver por esse lado expresso numa categoria mais concreta. Em tal medida, a marcha do pensamento abstrato, ao se elevar do mais simples ao complexo, corresponderia ao processo histórico efetivamente real.
Por outro lado, pode-se dizer que há formas de sociedade muito desenvolvidas e que são, no entanto, historicamente imaturas, como o Peru, por exemplo, onde ocorrem formas superiores de economia – cooperação, divisão do trabalho etc. –, mas onde não há nenhuma forma de dinheiro. Nas comunidades eslavas, do mesmo modo, o dinheiro e a troca por ele condicionada não aparecem ou aparecem pouco dentro de cada comunidade isoladamente, e sim em suas fronteiras, nas relações de uma comunidade com as outras, de sorte que é falsa, em geral, a tese que faz da troca no interior da comunidade individual, o elemento que originariamente a constitui. Ao contrário, ela surge inicialmente na relação entre as comunidades diversas antes que entre seus membros, no interior de uma única e mesma comunidade. E mais: embora o dinheiro exerça desde muito cedo um papel multilateral, na Antiguidade ele só tem o papel de elemento dominante em nações unilateralmente determinadas, a saber, nas nações comerciantes. E, mesmo na parte mais adiantada da Antiguidade, entre os gregos e os romanos, o seu pleno desenvolvimento – um pressuposto da moderna sociedade burguesa – só se manifesta no período de sua desagregação. Assim, essa categoria totalmente simples, no que diz respeito à sua intensidade, não aparece historicamente, mas nos estádios mais desenvolvidos da sociedade. De modo nenhum, porém, ela atravessa facilmente todas as relações econômicas, e o exemplo é ainda o Império Romano que, mesmo depois de alcançar seu maior desenvolvimento, continua a ter no imposto in natura e na prestação in natura o seu fundamento. O dinheiro propriamente dito só se desenvolve completamente no exército e nunca se apoderou da totalidade do trabalho. Embora a categoria mais simples possa ter existido historicamente antes da mais concreta, em seu pleno desenvolvimento intensivo e extensivo, ela pode pertencer precisamente a uma forma de sociedade complexa, enquanto a categoria mais concreta se havia desenvolvido plenamente em uma forma de sociedade pouco desenvolvida.
O trabalho parece ser uma categoria de todo simples; além disso, sua representação, na universalidade do trabalho como tal, é, também ela, antiquíssima. Entretanto, concebido economicamente nessa simplicidade, o “trabalho” é uma categoria tão moderna quanto as relações que produzem essa abstração simples. Por exemplo, o sistema monetário ainda põe a riqueza, de modo inteiramente objetivo, como coisa fora de si, no dinheiro. Em face desse ponto de vista, há um grande progresso na transposição da fonte da riqueza do objeto para a atividade subjetiva, feita pelo sistema comercial ou manufatureiro, se bem que uma atividade ainda sempre concebida como limitada a fazer dinheiro. A esse sistema, o fisiocrático opõe uma forma determinada de trabalho – a agricultura – como criadora de riqueza, deixando, assim, o objeto de ser um disfarce do dinheiro, para se tornar produto enquanto tal, como resultado geral do trabalho. Esse produto, dados os limites dessa atividade, é ainda sempre um produto determinado da Natureza: produto agrícola, produto da terra par excellence.
Houve um imenso progresso, quando Adam Smith afastou todo determinismo da atividade criadora da riqueza: o trabalho pura e simplesmente e não já o manufatureiro ou o comercial ou o agrícola, mas tanto um quanto o outro. Paralela a essa universalidade da atividade criadora da riqueza aparece agora também a universalidade do objeto da riqueza, determinado como produto como tal ou, de igual modo, como trabalho enquanto tal, só que trabalho passado, trabalho objetivado. Um passo difícil e importante, pois o próprio Adam Smith às vezes regride ao sistema fisiocrático, como se o que foi encontrado fosse apenas a expressão abstrata da relação mais simples e mais antiga em que os homens sempre ingressam enquanto produtores, qualquer que seja a forma de sociedade. Isto é, de um lado, correto, de outro, não. A indiferença em relação a uma espécie determinada de trabalho pressupõe a existência efetiva de uma totalidade muito desenvolvida de espécies de trabalho, onde já nenhuma delas predomina sobre todas as outras. Assim, as abstrações mais gerais só surgem como tais no desenvolvimento concreto mais rico, onde o que é comum a muitos aparece como comum a todos. Desaparece, então, a possibilidade de se pensar em uma forma particular. Por outro lado, essa abstração do trabalho como tal não é apenas o resultado espiritual de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação a uma forma determinada de trabalho corresponde a uma forma de sociedade em que os indivíduos passam facilmente de um trabalho a outro, tornando-se-lhes fortuita e, portanto, indiferente a espécie determinada de trabalho.
O trabalho, aqui, não está somente na categoria, tornou-se uma realidade efetiva como meio de criação da riqueza em geral e deixou de ser uma determinação vinculada ao que os indivíduos têm de peculiar. Estado de coisas que se encontra mais desenvolvido, na mais moderna forma de existência das sociedades burguesas, nos Estados Unidos. Apenas ali, a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho sans phrase, ponto de partida da economia moderna, torna-se praticamente verdadeira. Assim, a abstração mais simples – que a Economia moderna coloca acima de todas e que exprime uma relação antiquíssima, válida para todas as formas de sociedade – somente se manifesta, porém, nessa abstração praticamente verdadeira, como categoria da mais moderna sociedade. Dir-se-ia que o que se manifesta nos Estados Unidos como um produto histórico – a indiferença em relação ao trabalho determinado – aparece, por exemplo, entre os russos, como uma disposição natural. Só que há uma diferença dos diabos entre, de um lado, bárbaros dispostos a aceitar que os empreguem em tudo e, do outro, civilizados que em tudo se empregam por si mesmos. Essa indiferença dos russos diante da determinabilidade do trabalho corresponde, na prática, à sua tradicional sujeição a um trabalho totalmente determinado, de onde só são retirados por uma influência externa.
O exemplo do trabalho mostra, de modo convincente, que, embora possuam validade em todas as épocas – em virtude justamente de sua abstração –, mesmo as categorias mais abstratas, na determinidade de sua abstração, são um produto de relações históricas e só possuem plena validade para tais relações e no seu interior.
A sociedade burguesa é a organização histórica da produção mais desenvolvida e a mais múltipla. As categorias que exprimem suas relações e a compreensão de sua articulação garantem, ao mesmo tempo, uma percepção que penetra na estrutura e nas relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, com cujas ruínas e cujos elementos a sociedade burguesa foi edificada e que nela em parte subsistem, como restos invictos, meros sinais que se desenvolveram para constituir significações completas etc. A anatomia do homem é uma chave para a do macaco. Os indícios que, nas espécies animais inferiores, apontam para o que é superior a elas, só podem ser entendidos quando a própria espécie superior já é conhecida. Assim, a economia burguesa fornece a chave da Antiguidade etc. Mas, de maneira nenhuma, à maneira dos economistas, que cancelam todas as diferenças históricas e em todas as formas de sociedade enxergam a forma burguesa. Pode-se entender o tributo, o dízimo, quando se conhece a renda fundiária. Mas não há que identificar uns com os outros. Além disso, a sociedade burguesa, ela mesma, não é senão uma forma antagônica de desenvolvimento, as relações de formas de sociedade anteriores com frequência nela se encontram, ou já de todo estioladas ou mesmo travestidas, caso da propriedade comunal, por exemplo. Por isso, se é verdade que as categorias da Economia burguesa possuem uma validade para todas as outras formas de sociedade, trata-se de uma verdade que deve ser aceita só cum grano salis. Elas podem conter as outras formas ou desenvolvidas ou estioladas ou caricaturadas etc., mas sempre segundo uma diferença essencial. O chamado desenvolvimento histórico repousa em geral sobre o fato de que a última forma considera as formas passadas como degraus que a ela conduzem. E, sendo raro e só sob condições bem determinadas que ela seja capaz de criticar-se a si mesma – não falamos naturalmente dos períodos históricos que a si mesmos se consideram épocas de decadência – sua percepção é sempre unilateral. A religião cristã só foi capaz de contribuir para uma compreensão objetiva das mitologias anteriores quando terminou, em certo grau, por assim dizer, dynamei (potencialmente) sua autocrítica. De igual maneira, a Economia burguesa só chegou a compreender a feudal, a antiga, a oriental assim que se iniciou a autocrítica da sociedade burguesa. Na medida em que a Economia burguesa não mitologizou, identificando-se com o passado, sua crítica das sociedades anteriores – nomeadamente da feudal, contra a qual ainda tinha de lutar diretamente – foi comparável à crítica do cristianismo ao paganismo ou mesmo do protestantismo ao catolicismo.
Do mesmo modo que em toda ciência histórica ou social, em geral também no que se refere à marcha das categorias econômicas, é preciso ter presente e de modo firme que o sujeito, a saber, a moderna sociedade burguesa, é dado tanto na realidade efetiva como na cabeça; que as categorias são, assim, formas de existir, determinações de existência, e com frequência só exprimem aspectos particulares e isolados dessa sociedade determinada, desse sujeito; e que, também do ponto de vista científico, de maneira nenhuma ela só começa no momento em que se trata dela como tal. É preciso ter isto presente, porque põe de imediato em nossas mãos o que há de decisivo na divisão da matéria. Por exemplo, nada parece mais natural do que começar pela renda fundiária, pela propriedade do solo, dada a sua ligação com a terra, fonte de toda produção e de toda existência e, pois, com a primeira forma de produção de todas as sociedades que, de alguma maneira, tornaram-se estáveis – a agricultura. Entretanto, nada seria mais falso. Em todas as formas de sociedade há uma determinada produção que designa a posição respectiva e a influência de todas as outras e de suas relações. É como que uma iluminação geral a banhar todas as cores, modificando-as em sua particularidade, um éter particular determinando o peso específico de toda existência que ganhe relevo. Por exemplo, entre os povos pastores (os meros caçadores e pescadores ficam fora do ponto em que principia o desenvolvimento), ocorre certa forma esporádica de agricultura e a propriedade fundiária é por ela determinada: ela é comum e conserva mais ou menos essa forma, dependendo de que esses povos mantenham mais ou menos a sua tradição, por exemplo, a propriedade comunal dos eslavos. Entre povos de agricultura firmemente assentada – o assentamento já constitui uma fase de grande importância – onde ela predomina, como entre os antigos e os feudais, a própria indústria, sua organização e as formas respectivas de propriedade têm, mais ou menos, o caráter de propriedade fundiária. A indústria depende totalmente da agricultura, como entre os romanos antigos, ou imita nas cidades e nas relações urbanas a organização do campo, como na Idade Média. Na Idade Média, o próprio capital – na medida em que não é puro capital em dinheiro – como instrumento do artesanato tradicional etc., possui caráter de propriedade fundiária. Na sociedade burguesa ocorre o inverso: cada vez mais a agricultura se torna mero ramo da indústria e é dominada inteiramente pelo capital. O mesmo com a renda fundiária: em todas as formas em que a renda fundiária domina, predomina ainda a relação com a natureza, e onde o capital domina, prevalece o elemento social e historicamente criado. Sem o capital, a renda fundiária não pode ser compreendida, ao passo que, sem ela, o capital pode sê-lo muito bem. O capital é a força que tudo domina na sociedade burguesa. Deve constituir tanto o ponto de partida como o de chegada e sua exposição deve ser desenvolvida antes da propriedade fundiária. Após a consideração particular de um e outra, é preciso considerar a relação recíproca de ambos.
Seria, além de impossível, falso ordenar as categorias econômicas na sucessão em que foram historicamente determinantes. Sua ordem é antes determinada pela relação que elas mantêm entre si, na sociedade burguesa moderna, precisamente o inverso do que parece ser a sua ordem natural ou a correspondente sucessão do desenvolvimento histórico. Não se trata da relação que se estabelece historicamente entre as relações econômicas na sucessão das diversas formas de sociedade e menos ainda da sua ordem “na ideia” (Proudhon) (uma representação confusa do movimento histórico), e sim de sua articulação no interior da sociedade burguesa moderna.
A pureza (a determinidade abstrata) com que os povos comerciantes – fenícios, cartagineses – surgem no Mundo Antigo ocorre, também ela, mediante o predomínio dos povos agricultores. Como capital comercial ou capital em dinheiro, o capital manifesta-se precisamente nessa abstração, onde ele ainda não é o elemento dominante da sociedade. Os lombardos, os judeus, ocupam a mesma situação diante das sociedades agrícolas medievais.
É mais um exemplo da situação diversa que as mesmas categorias assumem em etapas diversas da sociedade: uma das últimas formas da sociedade burguesa, a forma das sociedades por ações aparece, no entanto, também no início da sociedade burguesa, nas grandes companhias comerciais, privilegiadas e monopolistas.
O próprio conceito de riqueza nacional só lentamente penetra na ciência econômica do século XVII – representação que subsiste, em parte, entre os economistas do século XVIII –; a riqueza é produzida meramente para o Estado e seu poderio é proporcional a ela. Era a fórmula, ainda inconscientemente hipócrita, em que se anunciava que a própria riqueza e sua produção são a meta dos Estados modernos, considerados exclusivamente como meios de produzir riqueza.
É manifesto que a matéria deve ser dividida como segue:
1. As determinações gerais abstratas que convêm, por isso, mais ou menos, a todas as formas de sociedade, porém no sentido exposto anteriormente.
2. As categorias constitutivas da articulação interna da sociedade burguesa, sobre as quais as classes fundamentais repousam. O capital, o trabalho assalariado, a propriedade fundiária. Suas relações recíprocas. A cidade e o campo. As três grandes classes sociais. O intercâmbio entre elas. A circulação. O crédito (privado).
3. A concentração da sociedade burguesa na forma do Estado. Considerado na sua relação consigo próprio. As classes “improdutivas”. O imposto. A dívida do Estado. O crédito público. A população. As colônias. A emigração.
4. A relação internacional de produção. A divisão internacional do trabalho. A troca internacional. A exportação e a importação. O curso do câmbio.
5. O mercado mundial e as crises.