Por Karina Yef
Era uma vez um operário que tinha um sonho: um mundo em que capitalistas e trabalhadores se amassem e fossem felizes para sempre. O operário virou presidente. E nunca antes na história desse país os banqueiros ganharam tanto e pobre andou de avião.Por uns anos parecia que seu sonho tinha se efetivado. Fim de mandato com sentimento de missão cumprida. Sua substituta mantinha o mesmo sonho, parecia caminhar bem, apesar do menor sucesso e simpatia, até que um dia a contradição capital e trabalho explodiu e se mostrou imperativa. Acabou o amor e prevaleceu o ódio de classe. Não havia mais espaço para conciliação. Mas, na ótica petista o lobo mal responsável por estragar a eterna felicidade que reinava nesse mundo colorido de conciliação foi as Jornadas de Junho de 2013.
1- 2013: O paradigma brasileiro
Após as Jornadas de Junho de 2013 não há análise sobre o cenário brasileiro que não aponte junho como um dos momentos determinantes para os desdobramentos dos últimos anos. Diversos setores, desde a extrema-direita a extrema-esquerda, reconhecem a relevância desse momento e em alguma medida reivindicam-no. De negação absoluta de Junho só a narrativa petista que anunciava aos gritos desde o começo das movimentações que aquilo era um movimento fascista contra o PT, acusação que virou corriqueira frente a qualquer oposição aos petistas.
A história oficial trata o início das Jornadas como as mobilizações em São Paulo, mas isso é um equívoco. Além de São Paulo e Rio de Janeiro, três outras cidades cumpriram papel fundamental: Porto Alegre, Teresina e Goiânia. Já em Janeiro havia mobilizações em Porto Alegre contra o aumento da tarifa e em abril conseguiram reverter o aumento, inspirando as demais cidades. Goiânia começou suas mobilizações em maio e também conseguiu a reversão — por meio de liminar da justiça num primeiro momento, tal como em Porto Alegre — no começo de Junho. Nessa mesma época, por recuo do prefeito, Teresina também conquistou a redução da tarifa. Todos eram vitórias ainda parciais, já que podiam ser derrubadas a qualquer momento, mas, ainda assim, eram inspiradoras. O clima das lutas contra o aumento da tarifa, luta anual nas diversas cidades brasileiras, começava com um ânimo e esperança diferenciado, diferentemente dos demais anos não se tratava meramente de acúmulo de força. Derrubar o aumento era realmente possível e ir para a luta realmente acreditando na possibilidade de vitória leva a uma entrega apaixonante que é pura potência. Potência que se realizou.
Porto Alegre já deu o tom dos protestos antecedentes e constitutivos do primeiro momento das Jornadas de Junho, seguidos por Goiânia e Teresina: mobilizações contra o aumento da tarifa, predomínio da juventude, ação direta resultando em ônibus quebrados e queimados — em especial a tática Black Block, intensa repressão policial, fortalecimento de valores como horizontalidade e apartidarismo, uma certa desconfiança em relação a partidos e sindicatos. Ademais, tais mobilizações romperam com a disciplina, estética e controle típicos dos desfiles cívicos promovidos pelas grandes centrais sindicais cooptadas, domesticadas e esvaziadas na base pelo Partido dos Trabalhadores. Elas eram uma clara ruptura com a esquerda institucional hegemonizada pelo PT, quem estava ali eram outros agentes políticos, tanto na organização, como na base das manifestações.
Mais cidades foram entrando na luta e se iniciou uma articulação pragmática de marcar atos nos mesmos dias, aquilo poderia ter sido o embrião de uma nova articulação nacional de extrema-esquerda, mas não foi. Em meio a isso se inicia a luta em São Paulo, promovida pelo Movimento Passe Livre -São Paulo, e daí as mobilizações começam a tomar proporções grandiosas, em especial após a brutal e generalizada repressão policial que atingiu inúmeros jornalistas no da 14 de junho. As diversas mobilizações nacionais forma puxadas predominantemente por um MPL local ou por coletivos ou frentes marcados pelos valores e práticas citados acima.
Na inviabilidade de isolar o movimento, que ganhava cada vez mais adesão mediante a repressão policial, a mídia começa um processo de captura. Assim, o movimento massificou-se e teve suas pautas difundidas – como mais saúde, mais educação, contra corrupção, contra o aumento da tarifa – levando a um segundo momento de Junho. O caráter mais homogêneo das manifestações se esvaiu, aparecendo inúmeras bandeiras do Brasil, pautas conservadoras (até a volta da ditadura militar) e da própria extrema-direita. Surgiu um sentimento cívico que se opunha a tática black block com pessoas de branco tirando fotos com a polícia, o que criava tensões entre os próprios manifestantes e separava os Junhos.
No dia 19 a tarifa caiu em mais de 100 cidades. No dia 20 de Junho tiveram mais de um milhão de pessoas nas ruas em mais de 27 cidades. Foi o ápice da captura da direita, mas, apesar da difusão, confusão e contradição, predominava ainda um caráter popular das pautas que giravam em torno de maiores investimentos públicos em direitos sociais.
Assim, as Jornadas de Junho foi um monte de coisa em uma só. Um ascenso de movimentos de extrema-esquerda, um marco para mobilizações de enfrentamento e ação direta de setores populares, um movimento de massa com pautas difusas e predominantemente populares, o começo da derrocada petista, abertura para uma capilarização social da direita e extrema-direita, dentre outros tantos elementos difusos e contraditórios.
Após o dia 20 de Junho houve manifestações mais localizadas, longe daquela grandiosidade. Mas ficou o ímpeto. O problema foi que esse ímpeto foi generalizado. Da direita por conseguir capturar parcialmente uma grande mobilização inicialmente de extrema-esquerda e por voltar às ruas, da extrema-direita em conseguir mostrar sua cara e gritar seus valores conservadores sem ser rechaçada, da extrema-esquerda que conseguiu iniciar uma mobilização desta dimensão e conseguiu difundir seus valores e práticas, da esquerda partidária que tentava entender como os movimentos alheios e hostis a seu modelo organizativo conseguiram tal feito, e da esquerda petista que tentava retomar seu controle sobre a classe trabalhadora e todo o campo de esquerda.
A esquerda petista — e sob a hegemonia petista — foi a primeira a fracassar. Reduziram a tarifa, mas naquela altura já não era suficiente. Suas promessas foram insuficientes para satisfazer uma classe trabalhadora em ascensão de lutas que reivindicava cada vez mais uma vida mais digna, e no limite, tensionava com os próprios limites do capital; para acalmar os capitalistas que buscavam manter e aumentar suas taxas de lucros e para satisfazer a pequena burguesia ressentida com a ascensão da classe trabalhadora e com suas perdas de privilégios. Nas Jornadas de Junho de fato começou o declínio petista, mas foi pelo próprio limite de sua política conciliatória.
2013-2018: A economia vai mal…: o movimento dos de cima
2013-2014: Acabou o amor
Apesar de um crescimento menor que em 2012, em 2013 a economia ainda ia muito bem. O PIB cresceu 2,3%. O consumo familiar, que até então puxava a economia, as exportações e investimentos também cresciam. A inflação estava controlada e havia até melhorado em relação ao ano anterior. Apesar da redução no ritmo de criação de postos de trabalho, quando comparado aos anos anteriores, as taxas de desemprego estavam nas mínimas históricas[1] Ou seja, tinha-se um cenário de expansão econômica, com uma classe trabalhadora majoritariamente empregada — o que valorizava sua força de trabalho, por conseguinte, seu poder de negociação frente aos capitalistas — e que sentia melhoras na vida. Ao contrário dos ideólogos do quanto pior melhor, a conquista de uma vida mais digna pode impulsionar a organização da classe trabalhadora e o fez, como veremos no tópico sobre os de baixo.
A economia brasileira crescia, mas em níveis desacelerados comparados aos anos anteriores e mostrava certa volatilidade. Havia uma certa preocupação com isto, mas o cenário não mostrava qualquer alteração brusca de melhora ou piora¹. As coisas iam bem, mas não iam incríveis. Mas o cenário foi só piorando. No primeiro trimestre de 2014 a economia brasileira entrou em recessão dado sua “fase cíclica marcada pelo declínio na atividade econômica disseminada entre diferentes setores econômicos”[2]. Isto é, o Brasil estava crescendo a níveis inferiores aos anos anteriores, mas isto não era ainda uma crise econômica e ainda não refletia diretamente e profundamente na perda de qualidade de vida. Mas, era um alerta.
Os capitalistas esperavam que a Copa do Mundo no Brasil em 2014 melhorasse a economia; maiores investimentos, construções de inúmeras obras, turismo, especulação imobiliária. Mas, de reais legados da Copa ficou[3]o aumento da criminalização da pobreza e extermínio da juventude negra, aumento da criminalização da luta popular, construções elefantes brancos, corrupção e inúmeros protestos com características similares ao início da Jornada de 2013, apesar de menores.
Tinha-se um cenário conturbado que apontava para uma crise política. O desenvolvimento da Operação Lava Jato somado a retração da economia foi suficiente para mobilizar a pequena-burguesia ressentida contra o PT. Já antes da reeleição de Dilma surgem vozes clamando pelo impeachment. Imediatamente após os resultados eleitorais os aecistas saem em manifestação na paulista clamando por impeachment e a oposição abre processo de impeachment tentando cassar a chapa Dilma-Temer. Aécio – e aecistas – recusaram-se a aceitar a própria derrota e assim começa a ganhar força um decadente processo de polarização social. Já em 2014 o PT apostava na polarização como forma de manter o seu poder. Inclusive, uma das respostas mais incisivas do PT a 2013 foi apostar na política do medo com a chantagem do menos pior e a ameaça de um suposto golpe militar.
Após a redescoberta da direita das mobilizações de rua, em novembro de 2014 surge o Movimento Brasil Livre (MBL). Com uma sigla oportunamente semelhante ao MPL, uma estética e linguagem jovem, um papo de renovação e retórica de independência a partidos. Buscava dialogar com parte daqueles que estiveram nas ruas em 2013. Apesar da aparência de novo é nada mais que o velho liberalismo econômico acompanhado do velho conservadorismo nos costumes (o pior de dois mundos) sob roupagens novas. A extrema-direita também gostou de ocupar as ruas e começou a organizar atos próprios defendendo a ditadura militar, com quantidade não desprezível de pessoas[4]
Todas as forças buscavam dar continuidade e radicalizar seu próprio Junho.
2015-2016 – Fudeu: crise, polarização e ofensiva do capital
Em 2015 o Brasil entrou em recessão técnica (quando há dois trimestres seguidos de queda do PIB)[5]. As agências internacionais retiraram do Brasil o selo de bom pagador, o que reduz investimentos (um dos principais fatores para alavancar a economia) e aumenta os juros cobrados pelos investidores para investir, ou seja, a crise aprofunda a crise [6].
A retração da economia já passa a ser sentida na pele. Inflação em alta, fechamento de 2,8 milhões de empregos com carteira assinada, o que aumenta a informalização do trabalho. Crescimento de 27,3% de desemprego – afetando principalmente mulheres, jovens e negros[7] – a renda média dos ocupados diminuiu em 0,2%[8]. O governo fechou o ano com rombo recorde de 114,9 bilhões em suas contas. O período de 2015-2016 marca a segunda maior recessão da história brasileira, tendo queda acumulada do PIB de 7% (Dieese, 2016).
Com crise econômica vem a ofensiva dos capitalistas para retomarem suas taxas de lucro, o caminho encontrado foi a intensificação das políticas liberais, ou seja, redução de direitos trabalhistas e sociais, aumento de extração da mais-valia absoluta, redução do Estado em direitos sociais, mas aumento em seu papel policialesco, aumento de privatizações, desmantelamento do funcionalismo público e por aí vai. Em outras palavras, intensificação da ditadura do capital. O governo federal fez estelionato eleitoral e colocou em voga o projeto liberal derrotado nas urnas. A câmara começa a discutir terceirização da atividade-fim e o governo anuncia ajuste fiscal. Isto é, o governo anuncia arrocho para classe trabalhadora[9]
A recessão só terminou no quarto trimestre de 2016, e foi mais a longa das nove datadas desde 1980, empatada com a de 1989-1992. Nesses 11 trimestres o PIB perdeu um total de 8,6%, também a maior desde 1980[10]. Contudo, a saída da recessão caminha lentamente com um crescimento econômico pífio perto das perdas dos anos anteriores e que ainda não dá segurança e estabilidade para a retomada da economia. Ademais, o fim da recessão também não foi significativamente sentido no dia a dia das pessoas.
A polarização iniciada em 2014 seguiu firme em 2015 e se acirrou em 2016. Manifestações pró e anti-Dilma aconteceram durante os dois anos, em que as manifestações anti-Dilma/pró-impeachment eram absurdamente maiores. Apesar da polarização, as pesquisas de levantamento de perfis dos manifestantes indica que eram perfis bem semelhantes, maioria com nível superior e renda majoritária de 5 a 50 salários mensais, perfil bem destoante da média da população brasileira[11]. Ou seja, os setores mais precarizados da classe trabalhadora — permaneceram fora dessa polarização.
Nas manifestações de 2015, Bolsonaro já aparecia como o político mais confiável nas manifestações pró-impeachment10 e o envolvimento de Aécio nos escândalos de corrupção varreu os aecistas e deixou um campo ainda mais aberto para Bolsonaro.
Ao longo dos anos mais petistas foram presos em envolvimento com corrupção e foi crescendo uma politização do judiciário. Nesse cenário ninguém quer ficar próximo do PT — exceto a esquerda crítica ao petismo que foi se aproximando dele. O partido vai perdendo sua base aliada, com destaque para Eduardo Cunha que permitiu a abertura do impeachment, e setores do capital (como Fies e Ciesp), que começam a apoiar um possível impeachment.
Segue também a direita organizada e organizando uma massa em torno do antipetismo e a favor do impeachment. No dia 13/3 o governo Dilma é alvo do maior protesto nacional da história[12] Outros inúmeros atos aconteceram ao longo do ano. Algo constante nesses atos, desde o seu começo em 2014 (ano de 50 anos do golpe militar), foram pedidos de retorno da ditadura e intervenção militar.[13] Tal pauta se não foi incentivada pela direita foi ao menos sempre tolerada por ela, assim, direita e extrema-direita caminhavam lado a lado, sem qualquer problema.
A pacífica convivência com a extrema-direita já indicava que o antipetismo tomava formas muito além de uma aversão ao PT. A direita conseguiu tornar a aversão a corrupção como sinônimo de antipetismo e o combate ao PT como sinônimo de qualquer coisa progressista e revolucionária. PT virou sinônimo de esquerda, comunismo, feminismo, extrema-esquerda, direitos humanos, sindicatos e sindicalistas, movimento negro, LGBTs. Tudo que não fosse conservador o bastante foi jogado na panaceia “petista”. As manifestações antipetistas foram tomando um caráter cada vez mais conservador. Não coincidentemente, ganharam força propostas de leis conservadoras como a Escola sem partido e o projeto de lei do Eduardo Cunha que dificultava atendimento a mulheres vítimas de estupro, projeto derrubado pela mobilização das mulheres.
A extrema-direita perdeu a vergonha de se mostrar em Junho de 2013, mas naquele momento era irrelevante, mas sempre medonha. Ainda assim foram utilizadas pelos petistas para propagarem medo e deslegitimar as manifestações de Junho. Foi nos anos seguintes que em meio ao conservadorismo das manifestações pró-impeachment em um contexto de crise política e econômica que a extrema-direita, notadamente proto-fascista, conseguiu força. E é justamente nesse contexto amplo de conservadorismo que a extrema-direita fascista se legitima, enraiza e se amplia.
“Partimos da definição do fascismo embasada no fascismo clássico. Foi possível encontrar aí um campo político estruturado por dois eixos. Um é o interno, o das instituições, organizações e movimentos criados pelos próprios fascistas, via de regra construído em torno de uma retórica e de uma ação radical. O outro é o externo, o das instituições, organizações e movimentos que apesar de não haverem sido criadas pelos próprios fascistas representam o campo mais conservador da sociedade. É no campo externo que os fascistas encontram um campo aliado e igualmente um campo de legitimação de sua radicalidade e de sua contenção aos limites da ordem vigente.” (Manolo, 2018)[14].
Apesar de não ter conseguido unificar os diversos elementos próprios ao fascismo (descréditos nas instituições representativas, surgimento de grandes líderes, irracionalismo, ressentimento, crise econômica e social, anticomunismo, forte confiança nas instituições militares) em um movimento fascista de massas, a extrema-direita conseguiu disseminar amplamente suas práticas e valores conservadores, o que nos permite falar de um processo de fascistização no Brasil.
Com um mesmo governo de esquerda nos últimos 12 anos, foi fácil a extrema-direita tornar a oposição ao PT algo antissistema. PT significava comunismo que significava poder. A direita ganhou ares de rebeldia. Contra o politicamente correto, a ditadura da esquerda e a corrupção do PT. Contra tudo que estava posto. Foi ganhando forças uma paranoia social bizarra, PT, rede globo, ONU certos empresários, todos comunistas membros do Fórum de São Paulo. Fatos e racionalidade não são suficiente para combater tal paranoia, principalmente em uma realidade de fakenews na qual se perdeu critérios de credibilidade, tornando o critério a mera conveniência.
A direita conseguiu se apropriar das redes sociais com muito maior propriedade e inteligência que nós – além de claro, dinheiro. O uso de whatsapp e youtubers têm sido uma importante fonte de propagação de notícias, formação, além de fakenews. A página do MBL é uma das maiores do facebook do Brasil, eles a movimentam constantemente com notícias e memes, usam o youtube para defender ideias liberais e contra-argumentar ideias de esquerda, Olavo de Carvalho, o grande guru da extrema-direita, usa e abusa do facebook e de youtube. Utilizando de distinto instrumentos, linguagens e uma estética atual a direita têm sido efetiva em alcançar e dialogar com crianças a idosos e distintas classes sociais.
Nessa crescente organização da direita e resposta de setores da esquerda, é inevitável que a polarização se acirre, se alastrando para toda vida social, com destaque para a violência de setores pró-impeachment. Pessoas apanhando por usarem a cor vermelha[15], até mães apanhando por vestirem seus filhos de vermelho. A irracionalidade e ódio dos comentadores dos portais de notícias começa a ganhar materialidade no dia a dia. Mesmo que não se tome lados, a polarização atinge a todos. O Brasil virou uma panela de pressão que ninguém conseguiu controlar e prever.
Se no dia a dia a polarização já estava a mil, em contexto de luta social ela se intensifica. Com as ocupações das escolas em 2015 e principalmente em 2016 contra a Pec do teto dos gastos a direita mostrou que não sabia somente fazer atos com milhões de pessoas e boa propaganda. Ela também fazia um trabalho de base de formiguinha. O Movimento Desocupa é expressão disso. Em 2015 ele apareceu em algumas escolas, sendo um movimento de pouca expressão e muitas vezes influenciados por diretores e docentes avessos a mobilização.
Em 2016 o Desocupa já é mais forte e organizado. Muitos movimentos desocupas eram locais e autônomos, mas muitos foram influenciados ou mesmo formados pelo MBL, que fazia intensa campanha em suas redes sociais contra as ocupações e se dispunha a fazer formação e trabalho de base. Isso marca uma mudança de cenário nas lutas cotidianas até então pouco existente: a disputa com a direita organizada. Em 2016 ficou explícito que a esquerda não tinha mais o monopólio das organizações políticas de base, já não disputava mais somente entre si. Se antes bastava uma assembleia esvaziada para definir os rumos de uma mobilização estudantil, hoje isso já não é suficiente. A direita organizada questiona – e com certa razão – a legitimidade de assembleias totalmente esvaziadas e organiza assembleias ela própria, disputas eleições de CA’s, DA’s e DCE’s e se dispõe até a ação direta, como nas desocupações forçadas que protagonizou em 2016. Não é uma direita burocratizada, com esvaziamento da base e fortalecimento de uma direção, como têm sido majoritariamente a esquerda nos últimos anos. O cenário das lutas já é bem diferente de 2013.
Em meio a crise política a crise econômica segue forte: queda na renda família, nível de desemprego inédito nos últimos 15 anos, redução da produção. Nesse cenário, Dilma vai se isolando cada vez mais, perdendo sua base política aliada e com mais setores do capital se posicionando favorável ao impeachment. E assim se desenvolve todo o processo de impeachment.
Temer aparece no cenário com a promessa de radicalizar as políticas liberais como saída da crise, dito em outras palavras, para intensificar o arrocho a classe trabalhadora para garantir o retorno das altas taxas de lucro dos grandes capitalistas. Traz duas medidas radicais que mudam mesmo o poder do Estado e o cenário da luta de classes pelas próximas décadas: A PEC dos gastos públicos e a Reforma Trabalhista. Esses foram os verdadeiros golpes sofrido pela classe trabalhadora nos últimos anos. A primeira, aprovada no final 2016, congela em 20 anos os gastos em investimento público, com base nos gastos em 2016 e a segunda, aprovada em meados de 2017, retira e flexibiliza diretos trabalhistas.
O teto dos gastos reduz bruscamente a diferença entre os governos, pois a já pequena margem de atuação de um governo é abruptamente reduzida, uma vez que ele terá que governar em uma realidade de ajuste fiscal, assim, independentemente da disposição para investimentos na esfera pública, ele têm um limite prévio que inviabiliza tais investimentos. A sua continuidade torna a privatização algo praticamente inevitável, uma vez que o recurso limitado com os gastos públicos com o passar dos anos torna inviável o funcionamento de certos aparelhos públicos.
O governo não é obrigado a fazer convenção coletiva com seus trabalhadores e trabalhadoras, o que o torna um patrão mais intransigente que o privado, o que se intensifica nesse contexto. A continuidade do teto de gastos é a garantia de privatização, de desmonte do SUS, das universidades públicas e do funcionalismo público, entre outras desgraças. A sua não derrubada é garantia de que a luta da classe trabalhadora nas próximas décadas se centrarão em lutas defensivas orientadas para combater as consequências nefasta dessa política. Ou seja, as lutas se centrarão na não redução de direitos bastante básicos e ainda que algumas sejam vitoriosas, a redução de direitos sociais e trabalhistas será efetiva e intensa.
2017-2018 – Que que tá acontecendo?
Em 2017 e 2018 o Brasil continua no processo de recuperação de sua economia, mas a passos lentos, inseguros e muito aquém do esperado. O crescimento e as taxas observadas estão muito longe ainda dos números anteriores a recessão econômica. O que não permite afirmar que o Brasil retomou o seu crescimento econômico[16]. O Brasil ainda se encontra na mesma avaliação de risco de em 2018 nas agências internacionais. Elas estão receosas com a instabilidade política do país, os déficits fiscais e a ausência da reforma da previdência e outras medidas que arrocharão a vida da classe trabalhadora.[17] Ou seja, para o Brasil voltar a receber altos investimentos o mercado internacional pressiona para o avanço das políticas liberais.
A qualidade de vida continua caindo, desemprego atinge a maior taxa desde 2012 com 12,3 milhões de pessoas desempregadas. Além dos níveis recordes de desalentos – pessoas que desistiram de procurar emprego – em que só no primeiro trimestre de 2018 quase 5 milhões de pessoas desistiram de procurar empregos, categoria na qual se destaca mulheres, jovens, população da região do nordeste, pessoas com baixa escolaridade e que não são chefes de família.[18]
Em 2017 foram fechados 20,8 mil postos formais de trabalho (Dieese, número 4, 2018). Novamente, as mulheres foram as mais atingidas, no total elas tiveram 42,5 mil postos de trabalho destruídos e os homens tiveram 21,7 mil novos postos de trabalho. Ou seja, as mulheres foram especialmente afetadas pela crise. Os novos trabalhos não vem acompanhado de aumento de renda e nem qualidade, eles são mais precários e com salários menores que os postos que foram destruídos.
A informalização do trabalho, apesar de reduzir o ritmo em comparação aos anos anteriores também prossegue firme.
“Embora positivo, o acréscimo entre os ocupados está longe de corresponder ao necessário para alterar o quadro crítico do mercado de trabalho e se dá em bases bastante frágeis, devido à baixa qualidade das vagas abertas. De fato, na comparação interanual, foram destruídos 557 mil empregos com carteira assinada, de um lado, e criados 647 mil empregos assalariados sem carteira, de outro, além de ter havido aumento de 747 mil ocupados como trabalhadores por conta própria. Comparando, em igual trimestre de 2014, havia quase 4 milhões a mais de empregos formais no setor privado.” (Dieese, junho 2018)[19].
Ou seja, a redução do desemprego está vindo acompanhada do aumento de informalização e, por conseguinte, de precarização da força de trabalho. Com isso também cresce o número de trabalhadores intermitentes, basicamente trabalhadores bico. Somente em janeiro de 2018 foram contratados 2.461. (Dieese, boletim da conjutura número 5, 2018).
Nos encontramos nessa realidade de lenta e incerta retomada da economia, com crescente informalização e precarização do trabalho e com condições de vida muito piores que a de 2014. Mesmo com uma retomada do crescimento econômico do início de 2014 a perspectiva de qualidade de vida da classe trabalhadora – especialmente para seus setores marginais politicamente, tais quais, mulheres,LGBT’s e pessoas negras – continuará pior do que 2014. Pois, o Teto dos gastos e a reforma trabalhista impõe tal piora.
A reforma trabalhista legitima e agudiza uma realidade já existente no Brasil. O desmonte da CLT e a informalização do trabalho com sua flexibilização ou mesmo ausência de direitos trabalhistas. Essa é uma tendência internacional na qual o Brasil se integra[20]. Tal realidade de trabalho informal foi um dos motivos da fraca mobilização em torno da reforma trabalhista.
A reforma muda o cenário da luta de classes no país em vários sentidos. Ela dificulta o uso da Justiça do Trabalho por parte da trabalhadora ou trabalhador. A negociação mediada pelo Estado têm sido estimulada nos últimos anos dado a atuação extremamente recuada (pelega) e institucionalizada da absurda maioria dos sindicatos, que optam por negociações amigáveis em detrimentos de lutas de enfrentamento. Mas, ainda que estimulada por tal perspectiva burocrática a justiça do trabalho era uma ferramenta útil que agora o trabalhador dificilmente pode contar, sobrando a ele ou saídas individuais de negociações diretas – na qual sairá inevitavelmente prejudicado – ou saídas coletivas de lutas e solidariedade, que terá como um dos entraves a própria ausência de direitos trabalhistas, já que a demissão é facilitada, e por vezes os próprios sindicatos. Outro entrave para qualquer luta organizada é a crescente fragmentação imposta pela reforma trabalhista ao regulamentar certos acordos individuais entre empregado e patrão, ao criar categorias empregatícias com regimes de trabalhos distintos, como o teletrabalho e trabalho intermitente e por o negociado prevalecer sobre o legislado. Assim, a já fragmentada classe trabalhadora se fragmenta ainda mais, o que dificulta lutas amplas e unitárias[21]. Isso fortalece uma realidade em que as grandes lutas de categorias tendem a se enfraquecer cada vez mais, realidade já presente e dominante na esfera privada, como veremos logo mais.
Os sindicatos também são diretamente afetados, sendo dispensados em certas negociações e com uma drástica redução em sua receita dado a mudança do critério de arrecadação de imposto sindical A possibilidade de negociação por representantes próprios da fábrica poderia ser um fomentador de organizações locais de fábricas, no entanto, ao já nascer institucionalizada e controlada dificilmente fomentará tal processo. A perda de receitas prejudica todos os sindicatos, dificultando idas a Brasília, apoio financeiro em lutas tocadas por outros segmentos e dificulta mobilizações em geral. Afetando também negativamente lutadoras e lutadores que não constroem lutas dentro dos sindicatos. Por outro lado, ela obriga os sindicatos caso queiram manter um nível alto de receita, a se aproximarem, ainda que superficialmente e na aparência, dos trabalhadores de base, instigando novas sindicalizações, podendo com isso reduzir a alto nível de burocratização presente nos sindicatos. Mas, ainda assim, mediante o novo regime de trabalho fragmentado e mais precarizado é provável que aumenta as greves selvagens e formas de luta embrionárias que deem conta dessa nova realidade do trabalho. De todo modo, a vigência da reforma trabalhista é a garantia da predominância das lutas defensivas em torno das consequências mais imediatas da reforma trabalhista, com lutas cada vez localizadas e mais fragmentadas em torno de direitos elementares. Ou seja, a PEC do tetos dos gastos e a reforma trabalhista jogam a luta da classe trabalhadora num papel permanentemente defensivo e em torno de demandas mais imediatas, o que tende a reduzir o caráter propositivos da luta, recuando suas pautas.
Não é de se estranhar que nesse conturbado e lastimável contexto as instituições representativas perdessem credibilidade. É o que mostra as pesquisas do Ibope de Confiança Social do Ibope. [22]
Desde o início da pesquisa em 2009 há uma tendência de descrédito na maioria das instituições, o que muda um pouco em 2014. Há dois picos de depressão nos níveis de confiança: 2013 e 2018, sendo 2018 o indice mais baixo em toda a série histórica. Nesses dois anos diminuiu a confiança em todas as instituições (permanecendo constante o congresso nacional em 2018). A pesquisa é realizada sempre em julho, ou seja, em 2013 foi realizada um mês após as Jornadas. As reivindicações nas ruas ajudou a reduzir a confiança nas instituições, especialmente a da presidência da República (-23 pontos). Mas, isso não trouxe uma maior confiança nas organizações da sociedade civil, instituição que pouco oscilou ao longo dos anos e teve maior elevação em 2017, um ano após o impeachment, mas no ano seguinte caiu 6 pontos. Algumas diferenças de 2017 para 2018 são notáveis, como a redução da confiança nos meios de comunicação (-10), banco (-9) e sindicato (-9). Ou seja, num ano eleitoral de extrema polarização em que as fakenews e a paranoia se generalizaram, os meios de comunicação sofreram a quebra mais brusca de confiabilidade em toda a série, os sindicatos que hoje são automaticamente relacionados ao PT cairam bruscamente e as denúncias de corrupção da lava jato envolvendo grandes empresas devem ter reduzido sua confiabilidade juntamente com os bancos.
Os elementos próprios da democracia representativa são as instituições que maios sofreram quedas de confiança ao longo dos anos, com ênfase na presidência da república que continuou caindo mesmo após o impeachment. Mesmo as empresas gozam de maior confiabilidade que o governo e das seis instituições de maior confiabilidade 4 são militares (ainda que os bombeiros possam ser civis), o que é um indicativo de conservadorismo e crise das instituições democráticas.
Em média as pessoas confiam mais em famílias e amigos do que em qualquer instituição, mas mesmo esses índices foram reduzidos em 2018, o que pode ser uma base para construção de solidariedade, mas também de propagação de fakenews.
A redução de confiança nas instituições representativas do Estado são um indício de tendência a ações mais extremas, tende-se a construir saídas alternativas para resolver os problemas sociais, um campo aberto para a extrema-direita e a extrema-esquerda. Nesse caso concreto a crise política e econômica intensificou o descrédito em todas as instituições, especialmente nas instituições representativas, mas justamente as instituições não representativas ainda sustentam alta confiabilidade, especialmente as militares e a religiosa, e não houve aumento de confiança nas organizações civis, o que poderia indicar uma confiança na auto-organização. Tudo isso em um contexto de esfacelamento das organizações da classe trabalhadora, forte sentimento anti-esquerda, com uma direita e extrema-direita organizada e em um forte contexto moralizador de luta contra a corrupção. O cenário perfeito para o avanço da extrema-direita por meio figuras extremistas messiânicas antissistema (anti-tudo). Em outras palavras, terreno fértil para o fascismo. Não suficiente, com a percepção de falência e descrédito do Estado com a concomitante confiança nas empresas surge também um terreno fértil para o impregno de ideias econômicas liberais. Desgraça pouca é bobagem.
Como se não bastasse, com o aumento da miséria veio o aumento da criminalidade, com a pauta de segurança pública se tornando cada vez mais relevante. A partir da noção que o Estado é incapaz de resolver tal problema, parte da população quer ser responsabilizar por sua própria segurança e ao mesmo tempo quer aumentar a punição aos bandidos, além da máxima “bandido bom é bandido morto”, ganham força propostas de pena de morte e redução da maioridade penal. A questão de fundo não é a efetividade de tais medidas, mas o ressentimento, o desejo de vingança em relação ao bandido, o que bem se expressa em através da seguinte fala:
Entrevista EBC[23]
Nessa conjuntura é de se esperar que os militares e práticas militarizadas ganhem espaço. As candidaturas de militares só vem crescendo desde 2014[24]. O vice de Bolsonaro, e o próprio Bolsonaro, são militares. O General Mourão, que tal como Bolsonaro, também cresceu por meio das redes sociais, é hoje presidente do Clube dos Militares. Tal clube consta com 38 mil associados, maioria militar de reserva, ou seja, cheio de senhores viúvos da ditadura militar. Tal clube chegou até a intimidar Dilma[25], declarou apoio as manifestações pró-impeachment em tom alarmante e agora fortalece a campanha de Bolsonaro e Mourão[26]. A relevância dos Clubes militares não é desprezível, tanto que em setembro de 2015 os Comandantes da Marinha, Aeronáutica e Exército se reuniram com os presidentes dos Clubes para abordar a ação dos militares naquele contexto político, optando pela saída democrática. Além desses elementos, a notoriedade da pauta de intervenção militar na greve dos caminhoneiros, o assassinato de Marielle e a ascensão de Bolsonaro com seu vice Mourão não deixa dúvidas sobre uma ascensão do militarismo.
A execução de Marielle Franco deixou um claro recado: as milícias estão fortalecidas e seguras a ponto de matar uma parlamentar no centro do Rio de Janeiro e não tolerarão enfrentamentos. Nem parlamentares estão imunes, ninguém está imune. Quem manda é a polícia.
A greve (ou paralisação) dos caminhoneiros é de uma complexidade única. Unia em um mesmo movimento trabalhadores autônomos, pequenos empresários e trabalhadores assalariados a mando dos patrões (o lock-out), reunindo pautas de interesses comuns de ambos, mas também pautas eminentemente trabalhistas. Conseguiram em alguns dias de greve causar um estrago generalizado, afetando significativamente até as previsões do PIB para o ano. Foi o movimento mais significativo contra o Temer. A tentativa de atropelos e deslegitimação da luta pelos sindicatos fomentava um sentimento generalizado anti-sindical. Mesmo com todo o caos generalizado (falta de comida, alta nos preços, falta de combustível) contou com um intenso apoio popular e conforme foi avançando – em conjunto com a inserção da extrema-direita enquanto a esquerda titubeava entre apoiar ou acusar de fascismo – os caminhoneiros foram politizando sua pauta até defender o Fora Temer e a Intervenção Militar.
Os diversos relatos da época explicitavam que o pedido de intervenção militar era um grito de basta. Já não acreditavam no governo e queriam uma medida mais extrema e radical para melhorar de vida, encontraram na intervenção militar uma forma de expressar esse desejo. Mas tal direcionamento não foi espontâneo, a extrema-direita fez o seu dever de casa. Acompanhou de perto esse movimento, ajudando e criando laços no cotidiano, foi assim, de mansinho inserindo suas próprias pautas e fez um trabalho de agitação e propaganda respeitável por meio de grupos de wpp e facebook, fazendo transmissões ao vivo, seus próprios vídeos, soltando fakenews (essa parte nada respeitável), trazendo acontecimentos históricos, como a queda de Allende por uma greve de caminhoneiros. E assim, inserida numa das categorias mais precarizadas de trabalhadores do Brasil, e formada majoritariamente por homens, a extrema-direita conseguiu dar uma enorme notoriedade a pauta de intervenção militar e fortaleceu o seu lastro social e nível organizacional.
Ainda que o apoio a Bolsonaro não tenha ficado no cerne da greve, ele aparecia na rabeira. Bolsonaro, uma figura carismática e populista que apesar de ser um político profissional não se porta como um, foi ao longo dos últimos anos ganhando proeminência por conta de suas polêmicas fundamentada em extremo preconceito, seu anti-esquerdismo e antipetismo, presente em suas entrevistas e principalmente nas redes sociais[27]. Isso constituiu a criação de uma militância de base ao seu redor. O mapeamento dos discursos de Bolsonaro explicita como ele foi centrando tais discursos conservadores para ampliar sua base, que num primeiro momento constituía-se de militares. Palavras ideológicas como: “PT”, “tortura”, “Cuba”, “esquerda” e “gays” foram crescendo ao longo do tempo e sua pauta em defesa dos militares caindo[28]
Com essa tática de alimentar o ódio a minorias políticas e a esquerda (que virou sinônimo de PT) ele foi extrapolando sua base a ponto de em 2014 se tornar o deputado mais votado pela câmara. O seu minúsculo partido vem crescendo consideravelmente após a sua candidatura.[29]
A campanha de Bolsonaro centra-se não no que ele é, mas no que ele não é. O espectro de mito constitui-se não por seis feitos, mas por seus combates a opositores específicos. Isso pode ser visto no levantamento sobre os temas mais compartilhados em suas campanhas [30].
O cerne de sua campanha está nas mídias sociais e as páginas de apoio cumprem maior papel que a própria página oficial. O levantamento acima é das páginas de apoio. Em tais páginas os destaques não são suas propostas políticas e as pautas econômicas nem aparecem. Os destaques são para os anti(petismo,esquerda,partido,globo, feminismo e mídia). Ou seja, o aspecto unificador da campanha de Bolsonaro não é em torno de um claro projeto, mas a aversão a determinados aspectos da realidade. É uma campanha pautada inteiramente na aversão e ódio, irracional por si só. Mais uma vez, aspecto constitutivo do fascismo.
Há uma certa diferença em sua página oficinal, mas deve-se salientar que o vídeo sobre a urna eletrônica foi o primeiro vídeo do candidato após a facada que levou. De toda forma, é notável que há uma ênfase no questionamento da credibilidade das urnas, ou seja, uma negação da validade do processo eleitoral, o que abre possibilidades para caminhos perigosos. Após tal pauta aparece as “anti” com 20% to total de compartilhamento.
A temática da sexualização da infância é um post “denunciando” um suposto material que seria distribuído nas escolas no kit anti-homofobia. O livro usado para a denúncia é falso. O cerne da questão é que ele trata de misturar a discussão sobre respeito a sexualidade com sexualização infantil. Assim, Bolsonaro cresce e se enraiza não pelo que ele diz ser, mas pelo que combate. Se fortalece frente a um inimigo que o PT sintetiza, mas que vai além do próprio. São as feministas, LGBT’s e esquerda em geral. Ou seja, ele criou uma base conservadora – não necessariamente fascista – que a partir do ódio e a aversão a determinados segmentos legitima e fortalece um candidato fascista. Tal característica é própria ao fascismo brasileiro, pois, como alguns já vem colocando, tal como Ester Solano[31], diferentemente do fascismo clássico e do atual presente na extrema-direita europeia, o inimigo da “nação brasileira” é interno, são LGBTs, feministas, petistas e esquerda em geral que em tese vem destruindo o país por dentro. “Brasil acima de tudo” não se centra no combate a imigrantes, aumento de assaltos e redução de desemprego por conta destes, mas em determinados segmentos que estão destruindo tradicionais instituições e costumes do país, como a família e a (tóxica e frágil) heterossexualidade. Os inimigos da nação não são os de fora, mas os de dentro que não deveriam estar dentro. São categorias de brasileiros menos brasileiros que os demais, pois não são cidadãos de bem.
Assim, parece que estamos diante de um fenômeno novo que somente as categorias do fascismo clássico não dão conta, criativo como é, o brasileiro está inventando um fascismo próprio. Mantém o mesmo conservadorismo e populismo, mas não defende o Estado forte, ao contrário, defende o Estado mínimo. De todo modo, vale reafirmar que ainda que exista diversos e intensos elementos tipicamente fascistas no momento atual, eles ainda encontram-se difusos. Bolsonaro não têm um partido grandioso e de massas e não há qualquer organização fascista que tenha conseguido unificar esses elementos em uma organização de massas. Assim, falar de fascismo no momento atual não é falar de um Estado fascista e nem mesmo de um movimento de massas fascistas, mas apontar a possibilidade presente disto e o processos de fascistização social atual.
Como umas das maiores atacadas e ameaçadas as mulheres têm sido a grande resistência a Bolsonaro, tanto nos votos quanto nas ruas. Não é um acontecimento desprezível que o ascenso da intervenção militar e Bolsonaro tenha se fortalecido intensivamente num movimento hegemonicamente dominado por homens, que a base dos votos e de militância de Bolsonaro seja homens brancos, que no cerne de suas pautas esteja questões referentes a sexualidade e feminismo e que a a base da oposição a Bolsonaro seja as mulheres. Há uma percepção que enquanto mulheres trabalhadoras a vida já piorou consideravelmente com a crise e um claro entendimento que a vitória de Bolsonaro traria anos – se não décadas – de retrocesso dos próprios direitos. Os homens encontram-se muito mais pré-dispostos a fortalecer tais políticas fundamentadas na virilidade, pois há ganhos imediatos ao retomar o controle sobre mulheres, além de um processo psíquico de auto-valorização. Gênero é uma das categorias fundamentais para entender a atual conjuntura.
Num momento de crise, a miséria da vida se alastra para todos da classe trabalhadora, mas seus setores já marginalizados são especialmente atacados, por serem atingidos mais intensamente por demissões, redução de salário e precarização do trabalho, por terem seus direitos sociais específicos retirados ou ameaçados e também pela intensificação dos conflitos intraclasse. Nesses momentos que a escassez aumenta, os setores historicamente oprimidos tornam-se alvos também entre a própria classe, seja em disputas por migalhas ou como bode-expiatório da crise – e sua raiva, desespero, ansiedade – e fonte de depósito do mal-estar.
Como o grande representante do mal aparece o PT, sendo o anti-petismo o mais forte combustível do bolsonarismo. O PT cresce por meio do anti-Bolsonarismo. São uma polarização, mas não são face da mesma moeda, o PT, longe de qualquer extremo, é um centro-esquerda que vai cada vez vai mais a direita enquanto Bolsonaro é extrema-direita. Ainda que o PT fosse extrema- esquerda, isso não o faria idêntico a Bolsonaro, extremos não são ruins por si, deve-se analisar o que são na prática e os produtos que geram. Mesmo passando longe de qualquer extremo o PT foi colocado nesse papel e hoje no imaginário social é o polo oposto e antagônico a extrema-direita.
O PT jogou, e ainda joga, nessa polarização e em alguma medida gostou dela. Foram os petistas que logo em 2013 começaram a enfatizar as pequenas manifestações da extrema-direta em 2013 e anunciar que havia um golpe em curso. Assim, iam dando notoriedade para setores marginais de extrema-direita. Com isso foram se distanciando mais das ruas. Desde então o PT intensificou a sua política do medo, já nem mais prometia a mítica guinada a esquerda, mas reafirmava o quanto os outros eram terríveis. Não é que o PT era bom, é que os outros eram piores. Já foi assim em 2014, o menos pior. Não se tratava de uma intensificação nas políticas de esquerda, mas de não ter uma plataforma tão ruim quanto Aécio. Ao longo dos anos foram fortalecendo a perspectiva que qualquer oposição ao PT era o fortalecimento do fascismo, comumente destacando Bolsonaro. E assim, o próprio PT foi escolhendo o seu arquirrival. Bolsonaro representava o anti-petismo e todos os que se opunham ao PT eram tais como ele e defensores dele. Antipetistas foram colocados numa saco só de “conservadores classe média fascistas bolsonaristas”. Enquanto Bolsonaro alimentava o ódio, o PT alimentava o medo. Casamento trágico perfeito.
O PT hoje vai se sustentando por meio de sua política do medo com sua chantagem do menos pior, agora fomentada com o combate ao fascismo, além da figura carismática de Lula que também virou um mito e dono do PT que decide as coisas sozinho. Além disto, insiste em seu papel de vítima de golpe como meio de unificar distintos setores da esquerda, no entanto, já se aliou com os ditos golpistas em vários estados[32] [33] e acena cada vez mais a direita. O PT nunca levou a sério a narrativa de golpe, somente usou isso para desgastar a figura de Temer, retomar o controle sobre parte de esquerda e principalmente, construir a eleição de 2018. O PT virou um partido fisiológico, usando para isso todos os meios para permanecer no poder, mesmo que isso signifique intensificar uma polarização na qual todos perdem. Superar e isolar o PT é uma condição para qualquer reorganização da esquerda.
O resultado dessa polarização não é outro que não a derrota. Uma vitória de Bolsonaro significaria políticas ultraliberais, reduzindo ainda mais os direitos sociais e trabalhistas, um mercado financeiro conturbado ameaçando a continuidade da retomada econômica, fortaleceria a ala conservadora no congresso intensificando o surgimento de políticas conservadoras, afetando especificamente as mulheres, LGBTS e pessoas negras, além da intensificação a perseguição a professores por meio de projetos de lei e da atuação do Ministério Público, intensificação das instituições militares, dentre outras tragédias. Dependendo do congresso poderia haver um tensionamento permanente com Bolsonaro e sua inviabilidade de governar, levando a uma instabilidade política e econômica, o que seria intensificado pelos protestos anti-Bolsonaro. Bolsonaro não precisa romper com o Estado democrático de Direito para efetivar medidas de Estado de exceção, o Estado de Direito prevê e regulamenta tais medidas.
Extra-institucionalmente a tragédia está também anunciada. Um presidente notadamente racista e LGBTfóbico em um momento de polarização de direita e esquerda significaria uma vitória concreta e simbólica da extrema-direita, isso instiga, legitima e autoriza sua base social a colocar suas manguinhas de fora, tal como em 2015, provavelmente se veria agressões a pessoas de vermelho e opositores de Bolsonaro (o que já está acontecendo[34]). Tal como o efeito Trump, muito provavelmente teria um aumento de violência contra LGBT’s e negros (numa realidade em que o número de feminicídios, assassinatos de pessoas negras e LGBTs já crescem nos últimos anos e são uma das maiores taxas do mundo), violência escolar, além de aumento de assassinatos por milícias. Se veria um fortalecimento das práticas mais nojentas e repulsivas, em que a esquerda, feministas e LGBT’s seriam perseguidos. Não suficiente, nesse cenário, como o PT sendo a força polarizante contra Bolsonaro seria provável que a esquerda se submetesse de vez ao PT, com ele resgatando todo a influência que perdeu e mantendo e intensificado seu domínio sobre os movimentos sociais e centrais sindicais.
Contudo, a vitória do PT não é de maneira alguma algo positivo. Além das políticas militaristas que o próprio PT já fez, dos ajustes fiscais já feito por Dilma em 2015, além de vários outros ataques, é certo que o que vem aí são também políticas liberais. Uma vitória petista, com a rejeição gigante que tem, teria instabilidade insititucional, sendo alvo de grandiosas manifestações, isolamento de parte do legislativo e tensionamento de setores do capital. Tal como Bolsonaro, coloca em risco a continuidade do crescimento econômico do país. No entanto, por ainda ter o domínio sobre as organizações históricas da classe trabalhadora somado a uma possível ampliação e fortalecimento de seu poder por se tornar o partido que derrotou Bolsonaro e que por isso está ameaçado por bolsonaristas, a resistência a suas ofensivas liberais tenderia a ser menor, uma vez que qualquer instabilidade a seu governo seria acusada de um fortalecimento da direita. Nesse cenário, a classe trabalhadora fica refém do PT, o que garantiria a sua não reorganização por décadas. Os antipetistas de direita tenderiam a extremar suas ações, uma vez falhada a via institucional, usariam da ação direta, legitimados ainda pelo questionamento a própria idoneidade do processo eleitoral. Agressões físicas, justiça com as próprias mãos, perseguições de instituições e indivíduos é uma realidade bastante provável. Os derrotados, tal como em 2014, não aceitariam sua derrota para seu arquirival. O cenário seria caótico e com uma classe trabalhadora domesticada por interesses do partido no poder.
Apesar da vitória dos agentes protagonistas dessa polarização ser pior, é certo que o governo que virá será liberal, a questão é se mais ou menos, se fará concessões pra classe trabalhadora ou não. A PEC de teto de gastos torna isso uma realidade inevitável, fora o mercado que não apoiará ninguém que não se comprometa com a continuidade de ajustes fiscais e como se sabe não se governa sem capitalistas.
Essas eleições são totalmente diferente das demais. Nunca antes torcidas organizadas começaram a se posicionar, artistas foram constrangidos a se posicionarem e outros foram ameaçados por se posicionarem, apoio até de artistas internacionais, cartas de artistas e empresários contra um candidato, manifestações contra um candidato, debates acirrados nas redes sociais, setores da extrema-esquerda defensores do voto nulo sendo constrangidos, pessoas antes adeptas ao voto nulo defendendo voto útil, uma disputa acirrada entre os presidenciáveis. É uma eleição com características únicas. Vive-se um momento de guerra psicológica. Não se trata meramente de uma disputa de projetos e poder, mas uma conquista de mentes e corações a candidatos e seus símbolos. Busca-se envolver toda a população nessa disputa, ou seja, a opinião pública passa a estar no centro da disputa. Opinião potencializada não por projetos, mas por figuras carismáticas, medos e paixões. São os afetos no centro da política (irracionalismo orientando política ganha os fascistas). A disputa se orienta muito mais por manipulações de visões e afetos. É um movimento duplo em conquistar apoio e a repulso ao inimigo (Martín-Baró, 1988).
Com a generalização da guerra psicológica no cotidiano há, ao menos, dois processos psicossociais produzidos: polarização social e institucionalização da mentira (Martín-Baró, 1988). A polarização social expressa uma fissura crítica produzida nos marcos da convivência social, as pessoas são dividas entre “nós, os bons” e “eles, os maus”. Uma vez que os setores polarizados exigem o posicionamento de todos a não identificação como nós é automaticamente entendida como a identificação com eles, ou seja, não há como fugir dessa polarização. As pessoas passam a serem classificadas nessa dicotomia e os comportamentos são orientados por ela. A capacidade analítica e crítica é reduzida, legitima-se a priori as próprias ações por serem expressão da luta do bem contra o mal e julga-se de antemão a ação do outro como essencialmente mal. A complexidade da realidade é reduzida a esquemas simples e pobres de pensamento. Vai se criando uma forte identidade de grupo, pois a repulsa ao outro e sua colocação como representação de todo o mau é ao mesmo tempo auto-afirmação e auto-valorização como bom, assim, mesmo que se cometa práticas semelhantes e com resultados semelhantes elas não são analisadas criticamente, pois já nascem em um marco dicotômico empobrecido.
A institucionalização da mentira aparece como discursos públicos falsos, corrupção das instituições, acobertamento das próprias opiniões e na atualidade podemos acrescentar fakenews e edições falsas. A mentira se torna cotidiana, criando uma sensação de insegurança permanente. Na incerteza de quem confiar as pessoas reduzem suas crenças a seus esquemas dicotômicos ou recorrem a um mundo imaginário. Nesse contexto há um inevitável um empobrecimento das relações humanas.
Se elas já são empobrecidas em um contexto de guerra psicológica isso é ainda mais greve quando ela se encontra em uma situação de um país que ainda vive uma realidade social de crise econômica. Crise e suas políticas de austeridade são sempre crise da vida social. Cresce o aumento de adoecimentos, ou seja, aumenta a procura por saúde pública, que por sua vez reduz sua oferta por cortes orçamentários. Aumenta-se o número de suicídios, depressão e ansiedade, dificuldade pra dormir, uso de drogas lícitas e ilicitas.[35] Aumenta também os números de violência contra a mulher[36] (as mulheres se ferram de todas as maneiras possíveis)
Ou seja, crise econômica é também miséria psicossocial, o que é aprofundado em uma realidade de guerra psicológica. A tendência é a barbárie, a intensificação de medidas individualistas,a guerra de todos contra todos, mas a solidariedade de classe manifesta nas lutas é também uma possibilidade e felizmente uma realidade nos últimos anos e só ela será capaz de nos tirar desse buraco. Só as lutas dos debaixo é capaz de derrotar o fascismo na raíz e criar um novo horizonte histórico.
República louca: lutas de classes no Brasil (2013-2018):
Os de baixo
Enquanto uns sonham com a conciliação de classes, a classe trabalhadora vai mostrando no seu dia a dia a impossibilidade de tal projeto. A luta por vezes se manifesta a olhos nus em gigantescas manifestações, mas comumente acontece silenciosa, longe dos grandes holofotes, em meio a pequenas greves e mobilizações.
2013-2018: … e o povo também: Os de baixo
2013-2017: Um novo ciclo de greves
Havia muitas poucas greves nos anos 2000 quando comparado aos anos 80 e 90, o que começou a mudar em 2011. Naquele ano houve 554 greves — o maior número desde 1997, quando houve 631 paralisações — um crescimento de 24%[37] em relação a 2010. Em 2012[38] foi registrado o maior número de greves dos últimos 16 anos com 873 greves. Um aumento de 58% em relação a 2011.
Dieese, 2013²
Surpreendente mesmo foi 2013. Apesar de ser lembrado somente pelas Jornadas de Junho, tal ano foi também marcado por um aumento vertiginoso de greves. Foi o ápice de toda série histórica levantada pelo Dieese desde 1984. Foram 2.050 greves (47% da esfera pública e 53% da esfera privada), um salto de 134% em relação a 2012.
Tal marco não foi só quantitativo, foi também qualitativo, pois houve mudanças em relação as greves anteriores que permite afirmar que nos encontramos diante de um novo ciclo de greves. Tais marcos são: a maior participação de funcionários do município, o predomínio do setor de serviços no setor privado, destaque de greves em setores mais precarizados, greves predominantemente curtas (finalizadas no mesmo dia que são deflagradas), pequenas (com até 200 pessoas),crescimento das greves por local de trabalho (unidade ou empresa) e um elevado número de greves [39].
“Do ano de 2012 em diante, e progressivamente, trabalhadores de categorias profissionais mais vulneráveis, tanto da perspectiva remuneratória, quanto de condições de trabalho, vão se destacando como grandes protagonistas do ciclo grevista: os terceirizados que atuam em empresas contratadas pelo setor privado – como vigilantes, recepcionistas e encarregados de limpeza – e os terceirizados de empresas contratadas pelo poder público, como trabalhadores em coleta de lixo e limpeza pública, rodoviários do transporte coletivo urbano, enfermeiros e outros profissionais das Organizações Sociais de Saúde – OSS. Também tiveram notoriedade as paralisações promovidas por trabalhadores da construção envolvidos em grandes obras e por professores municipais na luta pelo pagamento do Piso Nacional do Magistério.” (Dieese, 2018)[40]
De 1984 até 2002 as greves no setor privado eram maiores que a do setor público (funcionalismo público + estatais),a única exceção foi o ano de 1992. Desde 2002 os números de greves nas esferas privadas mantêm-se predominantemente abaixo do setor público ou próximas a ele.
Dieese, 2013[41]
Percebe-se que tal aproximação dos valores não se deve a um aumento das greves no setor público, mas a um declínio absurdo das greves no setor privado, o que demonstra como nas últimas décadas governos e empresários foram efetivos no controle, represália e assimilação das lutas nessas esferas. Percebe-se também que já no governo de Lula, desde 2007, o funcionalismo público vem num ritmo ascendente de greve e atingiu seu ápice em 2013, tal como o setor privado retomou seus tempos áureos de greve. Assim, o salto das greves em 2013 se dá pelo brusco e inédito salto do funcionalismo público e das estatais e da retomada do elevado índice de greve do setor privado, ou seja, novos protagonistas grevistas entraram em campo.
Segundo o próprio Dieese[42] houve uma expansão de greves para além dos setores tradicionais sem que tenha diminuído a paralisação desses setores. É defendido a tese de um “desbordamento”, isto é,
“uma expansão do centro para a periferia, um movimento em duas etapas em que o reforço da agitação do núcleo (isto é, o incremento das greves deflagradas por metalúrgicos, por trabalhadores da construção, por bancários e por servidores das redes de Educação e Saúde, categorias usualmente dispostas à mobilização) observado em 2012, passa a dirigir-se para outros segmentos (trabalhadores da indústria da alimentação, da limpeza urbana, vigilantes privados e funcionários das redes municipais de Segurança Pública, categorias em que as mobilizações eram, até então, mais raras, ou mais difíceis de serem empreendidas).”
Tal mudança levou a um aumento de pautas defensivas, tanto pelas novas categorias em greve serem mais precarizadas, fazendo com que se centrem em pautas mais defensivas, quanto porquê em um período de maior valorização da força de trabalho é possível que pautas antigas, que por si só não levam a uma greve, sejam retomadas (Dieese, 2013).
O levantamento não inclui o período das greves. Assim, não dá para identificar se houve um aumento de greve nos períodos próximos a Junho. No entanto, admitindo que as lutas fortalecem a realização de outras lutas é pertinente afirmar que as lutas vitoriosas contra o aumento da tarifa, no que virou as Jornadas de Junho, inspirou a realização de greves em setores até então pouco mobilizados. Luta potencializa luta.
Contrariando os adeptos do quanto pior melhor, foi em meio ao movimento de expansão econômica brasileira que as lutas foram aumentando. Segundo o Dieese (2013):
“Em alguma medida, esse aumento no número das greves relaciona-se com a situação do mercado de trabalho nos últimos anos. O crescimento do número de ocupados e do emprego formal influencia a disposição e as motivações do trabalhador. A combinação de um ambiente de maior segurança econômica com a percepção de que os ganhos salariais, apesar de expressivos, não são ainda suficientes para dirimir as perdas salariais de anos anteriores, reforça as mobilizações.”
Reafirmaram depois
“E, mais que indicadores favoráveis, foi a percepção de futuro que condicionou o ritmo de deflagração de greves no período – que, grosso modo, vai de 2012 a 2015 -, uma percepção de que a segurança proporcionada pelo baixo desemprego deveria permanecer por longo tempo e de que, do ponto de vista dos rendimentos, uma rápida reversão de perdas havia se tornado possível. Os trabalhadores se organizaram apostando na permanência do cenário favorável a conquistas e avanços de seus direitos.” (2017)[43]
Ou seja, as baixas taxas de desemprego valoriza a força de trabalho, o que aumenta o seu poder de pressão e reivindicação, e tende a aumentar as conquistas das lutas. A percepção que é possível conquistas conjuntas — ao invés, da competição e luta por sobrevivências impulsionadas pela escassez — pode fomentar lutas e a solidariedade. Percebe-se e acredita-se que é possível mais, muito mais.
Mas, isso não significa que o desenvolvimento e avanço do capitalista é bom para a classe trabalhadora e necessariamente positiva para impulsionar suas lutas. A questão é que melhores condições de vida agem também como impulsionador de lutas sociais, não havendo leis (nem quanto pior melhor, nem quanto melhor, melhor) para a mobilização.
Na crise as lutas sociais também acontecem e podem se ampliar. No Brasil, as taxas elevadas de greve também se mantiveram na crise. Ou seja, tanto o crescimento econômico e suas altas taxas de emprego quanto a crise com suas altas taxas de desemprego estão fomentando lutas, o que fortalece a tese que estamos diante de um novo ciclo de lutas grevistas no país. Mas, apesar das lutas ferverem em ambos momentos, o caráter das reivindicações transformou-se significativamente, como veremos logo mais.
Em 2016 as greves aumentaram, sendo o novo recorde da série, foram para 2.093 (53% no setor público e 47% no setor privado), o que indica a permanência e crescimento de setores antes desmobilizados. É relevante afirmar que teve um crescimento surpreendente no setor de serviços, que passou a hegemonizar as greves no setor privado e não coincidentemente, foi nesse setor que se concentrou os novos postos de trabalho criados no governo Dilma[44].
Em 2017 foram contabilizadas 1.566 greves, uma redução em relação aos últimos anos, mas um número que se mantém nas taxas elevadas de luta. Apesar da pouca diferença entre a quantidade de greve dos setores (52% pública, 47,6% esfera privada e 0,4% na esfera pública e privada), 65% das horas paradas foram do setor público, especialmente do funcionalismo público que contabilizou 61,7% do total de horas paradas. Isto é, o setor público tem parado mais e por mais tempo. Mesmo com a greve geral de 2017 prevaleceu o caráter das greves curtas e pequenas. As greves pequenas cresceram 13,3% em relação a 2013.
Além de pequenas, as greves também estão sendo mais curtas, o que acontece tanto no setor público quanto no privado. Em 2013, o número de greves encerradas no mesmo dia que foram deflagradas foram 49%, um crescimento de 19% em relação a 2012, e as greves de mais de 10 dias corresponderam a 16%, enquanto em 2012 elas eram 28%, em 2016 não se alterou muito e em 2017[45] as greves de um dia tornara-se majoritárias, correspondendo a 54%, e as greves de mais de 10 dias ainda estão na média dos 16%.
Em inúmeros fatores as greves da esfera privada e pública diferenciam-se significativamente, mas não é o caso da duração de dias. Os românticos do século XIX que não consideram greve de um dia como uma greve real “combativa e revolucionária” e admitem somente as nostálgicas imensas e duradouras greves de outrora terão que se adaptar a essa realidade de movimentações pequenas e efêmeras sob o risco de perecerem em seu romantismo anacrônico e sectário.
No entanto, apesar do predomínio das greves curtas quando o setor público não finda a greve no mesmo dia que a deflagrou a tendência são greves mais longas que no setor privado, uma tendência que é histórica. Mesmo quando a quantidade de greves são próximas ou mesmo quando a do setor privado é maior, como em 2013, verifica-se que há muito mais tempo de paralisação no setor público.
Parte deste encurtamento de duração das greves se relaciona com um aumento de greve de advertência no funcionalismo público em relação a 2012. Naquele ano as greves por advertência no funcionalismo público eram de 28%[46], em 2013 esse número subiu para 47% e as de tempo indeterminado reduziram de 70% para 53,5%. Em 2016 as greves de advertência no funcionalismo público foram 37% e de tempo indeterminado 59% e em 2017, 47% e 49% respectivamente. Com as estatais também aumentando as greves por advertência e reduzindo as de tempo indeterminado, em comparação com 2012. Enquanto isso o setor privado mantém uma margem constante desde 2012, entre 20%-24% de greve por advertência e 73%-78% de greve por tempo indeterminado.
Isso mostra que nesse novo ciclo de greves o funcionalismo público vem apostando em greve por advertências em detrimento de greves por tempo indeterminado, o que indica uma dominante disposição a ameaças para forçar negociações em detrimento das lutas e acirramento do conflito, mesmo diante de uma intensificação de ataques ao funcionalismo público pelo governo Temer (e também nos governos estaduais e municipais com a crise e suas reformas). Mesmo com a redução da disposição de negociação do governo, o que era de supor que levaria a uma maior disposição ao embate, isso não mudou. Tal realidade indica ao menos três coisas: há um desgaste das greves no funcionalismo, os governos têm sido efetivos em combater tais lutas e há uma burocratização sindical.
As greves no setor público são majoritariamente por categorias, portanto, com um número maior de pessoas do que as localizadas, e costumam ser mais longas que as greves do setor privado e empresas estatais, ademais, em inúmeras categorias, como servidoras(es) da educação, as greves têm sido uma realidade constante, o que desgasta subjetivamente e objetivamente as/os grevistas, reduzindo sua disposição ao conflito. Tal desgaste é agravado em um contexto de crise econômica em que além da maior indisposição do governo para negociar têm um empobrecimento econômico e também das relações sociais, que leva a adoecimentos físicos e mentais, dificultando a energia e disposição para encarar conflitos, ameaças e desgastes oriundos das lutas, ainda mais quando são lutas que vem se repetindo quase como um roteiro ano após ano. Nesse contexto, a negociação imediata em detrimento de uma greve por tempo indeterminado aparece como mais atrativa. Principalmente porquê os governos vêm adotando principalmente dois meios para lidar com o funcionalismo público: repressão policial e vitória pelo cansaço, ou seja, inicia-se uma greve por tempo indeterminado sabendo que será desgastante, potencialmente longa e com riscos reais de violência física e não conquista das reivindicações, junto com a constância das greves isso tende a esvaziá-las cada vez mais. Além disto, a burocratização dos sindicatos, que promove um esvaziamento da base e um distanciamento imenso entre base e direção, é muito presente em inúmeros sindicatos nessa esfera, fazendo com que o sindicato domestique as(os) trabalhadoras(es), impedindo mesmo de surgir ações mais combativas, criativas e diferentes, enfim, ações que fogem ao roteiro de paralisação + negociação que garantem a perpetuação do domínio da direção sindical. Ou seja, o sindicato burocratizado intensifica o desgaste e indisposição a luta ao garantir que as coisas aconteçam de forma ordeira, controlada e previsível, impedindo qualquer ação nova e diferente ( que pode mesmo ser distinta de uma greve), inviabilizando qualquer nova vida a mobilização, garantindo o controle da base e sua legitimidade frente aos governos. Assim, diferentemente do vigor que novas lutas dão a seus(suas) participantes, tais lutas permanentes e previsíveis tendem a sugar cada vez mais.
Apesar dessa realidade, o funcionalismo público[47] ainda têm mantido uma constante efetividade em suas greves. O atendimento das reivindicações ao funcionalismo público se manteve em 69% em 2013 e 2016, indo para 63% em 2017. O atendimento integral mantêm-se na média de 13-17%, os parciais caíram (55% em 2013 para 46% em 2017) e também a continuidade das negociações (43% em 2013 para 33% em 2017) e a rejeição aumentou, (9% em 2013 para 16% em 2017). Apesar de ainda efetivas, tal efetividade está diminuindo. Os governos estão negociando menos, rejeitando mais, mantendo a pequena média de atendimento integral. É importante destacar que não houve reduções bruscas em meio a crise e a vigência do Teto de gastos. As reduções mais bruscas foram de 2016 para 2017, em que se reduziu 6% as negociações e os atendimentos parciais e as rejeições cresceram 6%. Tais resultados só tendem a piorar conforme for passando os anos da vigência da Pec de Teto dos gastos e as reformas federais, estaduais e municipais.
Tal realidade demonstra que é o momento de uma renovação das lutas nesse setor, é necessário desenvolver e ampliar formas de luta além de greve — seja por advertência ou tempo indeterminado — e manifestações da própria categoria. Seguir nesse roteiro é a garantia que as lutas seguirão nessa tendência, cada vez mais recuadas, desgastantes e derrotadas. O Estado mudou o seu caráter com a Pec de Teto dos gastos e fez uma aposta de risco com ela, está na hora das lutas também sofrerem transformações e começaram a arriscar mais, até porque cada vez menos há o que se perder.
Em termos de efetividade as greves nas empresas privadas têm tido melhores resultados. Em 2013, 87% das greves foram atendidas e 3% foram rejeitadas. Em 2016 foram respectivamente, 92% e 2% e em 2017, 89% e 2%. Com o prosseguimento das negociações sendo reduzidas, 20% em 2013 para 12,7% em 2016 e aumentando para 16% em 2017. É extremamente significativo que mesmo em meio a crise econômica e com alta taxa de desemprego, portanto, com uma classe trabalhadora com menor poder de negociação, que as greves nas empresas privadas tenham melhorado seus resultados em comparação a 2013, ano de crescimento econômico. Inclusive, a média do resultado dos dois setores (público e privado) em 2016 foi próxima a de 2013.
2013
Tais números explicitam que com crescimento econômico ou recessão, no setor público ou privado, a luta coletiva é sempre a melhor saída e tende a garantir conquistas para o conjunto das(os) trabalhadoras(es) mobilizados. Somente ela consegue garantir uma segurança mínima contra as ofensivas do capital.
Voltando ao setor privado, é significativo também que metade (49,5%) dos atendimentos em 2016 foram integrais e que em 2017 esse número tenha aumentado para 56%. Isso seria algo a se comemorar se não viesse acompanhado de um profundo recuo das pautas nesse setor.
Os anos de crise mudaram significativamente o caráter qualitativo das pautas, em especial no setor privado, onde se foi praticamente abandonado as pautas propositivas, voltando-se para as pautas mais imediatistas das reivindicações defensivas. Apesar do setor público também se voltar para pautas defensivas nele ainda mantêm-se um número significativo de pautas propositivas. Ou seja, o setor privado têm se voltado para pautas básicas de sobrevivência, tentando se defender de ataques mais imediatos dos capitalistas, coisas que o setor público também tem feito, mas sem deixar de contra-atacar, buscando também conquistas, ao menos no tocante a pauta. Assim, apesar do caráter das greves no setor privado serem tendencialmente mais conflitivas do que no setor público, em termos de pauta o setor público é mais avançado que o privado. Mas, na medida em que tais pautas não se realizam efetivamente em lutas, realizando-se mais como mobilizações previsíveis que visam pressionar negociações, as pautas propositivas acabam ficando como acessório, sendo conquistada somente as pautas defensivas, tal como no setor privado. A inclusão das pautas propositivas constituem uma cultura sindical de politização das pautas e amplas demandas, mas que defendidas mais como marcação política do que efetivamente por uma construção de luta em torno dessas pautas, mobiliza-se sabendo que vai perder, mobiliza-se mesmo para perder. Assim, as pautas propositivas acabam ficando como acessório e mesmo entre as defensivas espera-se e foca-se em conquistas somente em algumas, em especial a salarial. As pautas propositivas não se materializam e não se vinculam a lutas mais radicais, ao contrário, acabam entrando em uma cultura burocratizada de greve. Além disso, reivindicações conquistadas com pouca adesão da própria categoria não avançam na construção de solidariedade de classe e construção de consciência de classe, sendo conquistas extremamente frágeis que podem ser revogadas a qualquer momento sem grande oposição.
Já em 2013 as pautas defensivas começaram a crescer e as propositivas diminuíram, mas naquele momento isso se devia especialmente ao boom de novas categorias precarizadas em greve. Naquele ano, as reivindicações propositivas recuaram de 64% para 57% e as defensivas cresceram de 67% para 75%. É importante frisar as diferenças do funcionalismo público (excluído as estatais) e do setor privado. O funcionalismo público aumentou suas greves propositivas de 64% para 69% e as pautas defensivas de 74,5% para 76%, com uma mudança significativa, um grande crescimento dessas pautas defensivas em relação a manutenção das condições vigentes (58,7% em 2013 contra 39,9% em 2011) em detrimento das lutas por descumprimento de direitos, que caiu quase 20%. Ou seja, apesar do crescimento econômico já naquele momento havia ameaças aos direitos do funcionalismo público. Já no setor privado as mobilizações propositivas caíram de 63% em 2012 para 49% em 2013 e as defensivas subiram de 61% para 73%, com as pautas de manutenção das condições vigentes e descumprimento de direitos praticamente empatadas. Esse caráter defensivo permaneceu e se intensificou com a crise. O funcionalismo público, mesmo em meio a crise mantém pautas propositivas (48% em 2017), mas também se foca nas pautas defensivas (76% em 2017), com manutenção de condições vigentes e descumprimento de direitos bem próximos (48% e 42%). Em 2017, o número de reivindicações propositivas no setor privado foi de apenas 18% (mesmo número de 2016), com as pautas defensivas ocupando quase 87% das mobilizações, com maior foco no descumprimento de direitos (73,5%), que é uma pauta mais imediata que a manutenção das condições vigentes (30%). Percebe-se que as mobilizações do funcionalismo público têm sido em três vias: ampliação de conquistas, oposição a propostas de retirada de direitos e pelo cumprimento dos direitos já conquistados e as do setor privado têm sido bem mais imediato, centrando-se na defesa do cumprimento de seus parcos direitos e é esse um dos motivos importantes das lutas nas esferas privadas estarem sendo mais efetivas. Além disso, tal setor ao entrar em greve têm um impacto mais imediato e direto na economia, exercendo maior pressão, e também a mobilização de categorias sem tradição de luta assusta os capitalistas que ainda possuem menor repertório de assimilação e enfrentamento destas lutas.
Importante notar que a greve por protesto (“por motivos que ultrapassem o âmbito das relações trabalhistas. Consideram-se de protesto as greves assim declaradas pelo comando.”[48]) vem crescendo no setor privado, isto é, está havendo uma sensível politização nesse setor. Em 2012, eram 1,3%, em 2016 eram 3,9% e em 2017 foram 5,5%. Os números no funcionalismo público são extremamente maiores e seu ápice, ao contrário do que poderia imaginar, não foi em 2016 (ano do impeachment), mas em 2013. Naquele ano 32% das greves foram por protesto, em 2016 foram 22% e em 2017, 20%. É bastante curioso que enquanto no setor privado esse número cresce, no funcionalismo público esse número cai. No conjunto da classe esse item foi praticamente constante em 2012, 2013, 2016 e 2017. Em 2012 elas representaram 12,7%. e em 2017, 13.9%. Assim, a crise econômica e política contribuiu para uma leve politização das greves de setores mais precarizados, mas reduziu a do funcionalismo público. De modo geral, mais do que qualquer politização, a crise fez com que a classe trabalhadora se voltasse mais para pautas econômicas e defensivas, centrando-se mais em itens básicos de sobrevivência. Principalmente, porquê uma das táticas dos capitalistas para o retorno de sua taxa de lucro, além de demissões massivas, aumento de extração de mais-valia relativa por meio de inovações tecnológicas e da mais-valia absoluta por meio de aumento do tempo de trabalho e reduções salariais, mudanças no regime de trabalho, troca de gestores públicos, retirada de direitos sociais e transformações do próprio caráter do Estado, os capitalistas também adotam o calote como tática, como podemos ver pelas mudanças nas pautas dos últimos anos.
Pagamento de salários aparecia em 10% das pautas em 2013 do funcionalismo público, caindo 7% em relação a 2012, saltando para 27% em 2017 e 26% em 2017. Reajuste salarial pouco mudou, explicitando que a ausência de mobilização no setor público leva a perda salariais reais por conta da inflação, um dos motivos do desgaste de tal setor. Conforme as questões salariais vão se tornando mais prioritárias, questões referentes a condições de trabalho caem e, mesmo no funcionalismo público em que se tem estabilidade empregatícia, a perspectiva de futuro também é reduzida, como explicita a queda intensa da pauta de Plano de cargos e carreiras e participação nos lucros e resultados das empresas no setor privado. Mas, apesar de comumente aparecer mais como pauta simbólica que qualquer outra coisa é relevante a permanência da pauta pelos serviços públicos e as pautas políticas no funcionalismo público.
A mudança na esfera privada é ainda mais profunda. A luta por reajuste salarial caiu drasticamente, aparecendo em 2016 a luta contra o atraso dos salários, que nem aparecia em 2012 e 2013, em mais da metade das mobilizações. Ou seja, a luta deixou de ser por reajuste salarial, que garante a recomposição inflacionária do salário e mesmo um possível aumento acima da inflação, e passou a ser em torno do direito elementar de receber o próprio salário. Pauta contra demissões nem aparecia em 2012 e 2013. Seu baixo número expressa o quanto a classe trabalhadora têm sido derrotada na luta pela garantia de empregos para o conjunto da classe, pois nem mesmo se mobilizar por isso temos conseguido, o que em conjunto com a ausência de uma organização de desempregados deixa a classe extremamente vulnerável. Tal pauta é fundamental para manter e radicalizar uma rede de solidariedade – e na crise ela seria ainda mais fundamental, questão quase que de sobrevivência e mediante a ausência dela cresce saídas individuais e se fortalecem igrejas, ONG’s e afins – e também para lutar pela valorização da força de trabalho, que têm seu valor reduzido com o desemprego generalizado.
As reivindicações das greves elucidam que quem paga a crise é a classe trabalhadora, o arrocho vem tanto pelo Estado quanto pelas empresas. As empresas dão calote no Estado, nas empresas menores e nas(os) trabalhadoras(es), as empresas menores dão calote nos(as) trabalhadores(as), o Estado dá calote nas(os) trabalhadores(as).
“Nesse novo contexto, a ênfase defensiva da pauta das greves continua, mas observam-se algumas rupturas, algumas descontinuidades. Pode-se dizer, de modo breve, que o aspecto civilizatório das greves defensivas passa a ser relativizado. Ou seja, sem deixar de abordar aqueles direitos historicamente descumpridos, as greves passam a ocorrer, cada vez mais, no campo das reações imediatas, urgentes: contra a realização de demissões e contra o atraso no pagamento de salários (Dieese, 2018).”[49]
Assim, as grandes vitórias da classe trabalhadora em 2016 e 2017 foi conseguir continuar vendendo a sua força de trabalho e continuar garantindo a própria sobrevivência por meio do salário. A reforma trabalhista e a PEC do testo dos gastos garantem que essa seja a realidade da classe trabalhadora, mesmo que retorne o crescimento econômico do início de 2014, pois elas expressam o acirramento das políticas liberais, agudizando a desigualdade e a ditadura do capital. A vigência dessas duas políticas transforma as lutas pelas próximas décadas, fazendo com que se centrem em suas consequências e que as lutas propositivas sejam cada vez mais raras, simbólicas e relacionadas ao retorno de direitos destruídos. Derrubar tais políticas é uma necessidade. Nesse sentido, é benéfico um presidente que se contraponha a elas, trazendo-as para o centro do debate, não que qualquer presidente tenha força, condições e efetivamente disposição para derrubá-la, não é um presidente que derrubará tais medidas. Somente a classe trabalhadora organizada é capaz disso. No entanto, é extremamente difícil construir mobilizações em torno de pautas já derrotadas,a reversão de uma derrota é ainda mais difícil de conseguir do que impedir o avanço de projetos políticos. Comumente, só se retorna a pautas passadas quando há um novo acontecimento em torno delas que traz a tona o conflito, acirrando-o e instigando novas agitações. É nesse sentido que um presidente que traga novamente a PEC do Teto dos gastos e reforma trabalhista para o centro do debate, especialmente como oposição, que é relevante para a classe trabalhadora.
Uma virada na curva a essa realidade de lutas imediatas é o funcionalismo público federal, campo onde se centra significativa parte da esquerda organizada. Ou seja, justamente em um dos focos da esquerda não há uma realidade compartilhada com o conjunto da classe. O funcionalismo público federal é de longe o que mais se mobilizou por protestos. Em 2017, 64%, e em 2016, 33% de suas greves eram de protesto, metade incluía luta contra reforma da previdência, privatização e reforma trabalhista. Mas o funcionalismo público federal representa apenas 3% das greves e suas greves são marcadas pelo roteiro de greves esvaziadas e longas. Logo depois vem o funcionalismo estadual e o municipal. São justamente os(as) trabalhadores(as) com melhor qualificação, com estabilidade, melhores condições de trabalho e maiores salários, que representam uma parcela ínfima do conjunto da classe e não atuam nos setores estratégicos do capital, que conseguem se mobilizar contra propostas políticas, e por isso mesmo a derrota é certa. O conjunto da classe se centra em questões defensivas e imediatas de sobrevivência e somente com as consequências dessas mudanças políticas isso pode mudar.
A permanência dessa cisão, funcionalismo público atuando em pautas políticas e setores privados voltado somente para questões imediatas, é a garantia da permanência das derrotas nos grandes projetos políticos e de lutas centradas em reivindicações cada vez mais imediatadas, pontuais e isoladas entre si. Já era um imperativo antes, mas com as mudanças ocorridas no período de crise econômica e política torna-se ainda mais importante desenvolver novas táticas que rompam com essa cisão. Isto é uma necessidade imperativa para a mudança desse cenário catastrófico para a classe trabalhadora. Claro, tal unidade não deve se dar com todo funcionalismo público, a alta camada pertencente a burocracia estatal com seus exorbitantes salários que os colocam como aristocracia da classe trabalhadora e aproxima os seus interesses com os do Estado deve ser excluída, havendo unidade com as baixas e médias camadas do funcionalismo público.
A contradição está dada, é justamente no momento de intensificação da fragmentação da classe trabalhadora que se aumenta a fragmentação das lutas, mas é justamente nesse momento que a unidade da classe adquire caráter de urgência. Como mencionado antes, não há nenhum roteiro possível para isto, o cenário é novo e pede novas formas de lutas, é o cenário de experimentação, entendendo que é uma construção histórica que não se dará do dia para outro. Um gigantesco campo de possibilidades está aberto.
Voltando aos dados. A participação na justiça tem aumentado desde 2012, era 27,1% e foi para 31,6% em 2017 e na maioria dos casos, 87%, ainda opta-se pela negociação. O Estado segue sendo mais intransigente que as empresas privadas e vem diminuindo a negociação e aumentando a intervenção judicial, 90%-32%,(2013) 82%-34%(2016) e 80%-45% (2017). O número de negociações nas esferas privadas prevalecem na maioria absoluta dos casos, mais de 90% desde 2013, e o uso da justiça de 2013 para 2016 diminuiu quase 9%, mas voltou a crescer em 2017, chegando a 22%. Em 2012, as decisões eram maiores que os acordos, 12% e 10%, esse quadro se reverteu desde 2016 e em 2017 foi 9% e 10%, apesar de 5,8% não informarem o resultado. Ou seja, a greve na esfera privada, apesar de mais curta têm sido mais efetiva na conquista de suas reivindicações e também têm tido menor uso da justiça enquanto o Estado têm usado mais a justiça, mostrando que as táticas de greves de aviso para pressão de negociação não estão sendo muito efetivas, sendo que dado a PEC do Teto dos gastos elas tendem a ser ainda menos efetiva, já que o Estado aumenta sua intransigência para negociação. Além disso, a reforma trabalhista dificulta o uso da justiça pelo(a) trabalhador(a), o que vem sendo uma medida fortalecida por sindicatos burocratizados, mas, ainda assim, era um instrumento que por vezes favorecia o nosso lado, na sua ausência a classe trabalhadora fica ainda mais fragilizada. Ou as(os) trabalhadoras(es) do setor público alteram radicalmente o caráter de suas greves, optando por greves por tempo indeterminado e mais radicalizada, buscando apoio e unidade com outros setores ou ela terá cada vez mais derrotas com perdas de direitos básicos e perdas salariais reais. As lutas recuadas e previsíveis que até aqui mantiveram uma efetividade considerável, mediante a permanência da política de ajuste fiscal, independente do governo, tornam-se cada vez mais inócuas mediante um Estado que busca cada vez mais reduzir seus gastos. O funcionalismo público é o primeiro a rodar, como já está rodando com a ampliação da terceirização para atividades fins. O que foi suficiente antes já não é mais.
Um dos desafios do funcionalismo público é um forte apego ao PT, principalmente o funcionalismo das universidades. É necessário romper definitivamente com o petismo para conseguir avançar com essas lutas. No entanto, uma vitória petista, ainda mais sobre o Bolsonaro, alguém que definitivamente expressa um movimento protofascista, tende a apassivar e a intensificar o poder de domesticação petista sobre a classe trabalhadora, em especial o funcionalismo público, sob o fantasma do medo. A tendência é isso fragmentar ainda mais o funcionalismo público que para conseguir se mobilizar vai ter que superar os petistas — e os não petistas assumidos, mas que se encontram em seu campo de influência — em um cenário em que qualquer movimento contra o um governo petista, em especial o governo federal, vai ser tachada de um fortalecimento do fascismo. Ao mesmo tempo, a vitória de Bolsonaro com seu economista ultraliberal intensificará os ataques ao funcionalismo público em um momento que o funcionalismo público já está sistematicamente sendo derrotado. Tais derrotas seriam agudizadas. Vencer o Bolsonaro, e o movimento que ele representa é necessário e urgente, mas vencer o petismo com sua burocratização e apassivamento das lutas, também é.
Outro desafio é a oposição entre funcionalismo público e privado e empresas estatais, mesmo em suas formas de luta, no primeiro predomina as greves por categorias e nos segundos as greves por unidades/empresas. Têm-se quase que uma proporção inversa das mobilizações do setor privado e empresas estatais com o funcionalismo público. O funcionalismo público, que apesar dos diversos ataques que vem sofrendo nos últimos anos, ainda goza de melhores condições, salários e direitos que parcela majoritária da esfera privada ainda detém capacidade de mobilização, conseguindo unir a categoria, mantendo uma unidade mínima que os torna mais fortes para pautas propositivas e também de protesto, apesar de não conseguirem vitórias em tais reivindicações. Suas estruturas sindicais gigantescas cria um campo fértil para a burocratização desses movimentos, esvaziamento das mobilizações de base e negociações de cúpula. Já na esfera privada, o cerne da luta se dá nas unidades, demandando uma mobilização diária e com algum enraizamento mínimo naquele local de trabalho. A ausência de tradição sindical deixa um campo de possibilidades de atuações mais abertas, com lutas mais espontâneas e menos engessadas, fazendo com que se tenha greves autônomas que acabam por pressiona o sindicato a fazer algo. No entanto, as greves locais acabam sendo fragmentadas ao isolar os(as) trabalhadores(as) a uma só empresa, não construindo contato e redes de luta com outros(as) trabalhadores(as) de empresas, ao mesmo tempo, elas têm um potencial de engajamento proporcionalmente maior, pois tocam em questões imediatas cotidianas e são construídas no próprio local de trabalho, incidindo diretamente na rotina e relações diárias no trabalho. Dado a instabilidade e fragilidade dos funcionários privados, somado a fragmentação, isso pode favorecer que unidades mais combativas de uma mesma empresa possam ser penalizadas com piores serviços. No entanto, é notável, que mesmo com maior fragilidade, as greves nas esferas privadas têm uma taxa maior de números de greves indeterminadas e menor de advertência do que o setor público, mostrando uma maior disposição para o conflito. Há clara potencialidade e limites em ambos setores com suas formas de luta, como então unificar lutas de grandes categorias, com trabalhadoras(es) com maior segurança e melhores condições e salários, com lutas locais de trabalhadoras(es) mais precarizadas(os)?
Essa diferença tão significativa entre pautas e formas de organização coloca sérias dificuldades de mobilização conjunta entre tais esferas. O que se expressa nas mobilizações chamadas pelas centrais sindicais que são aderidas basicamente pela esfera pública, sendo incapaz de fazer uma efetiva oposição aos sistemáticos ataques ao conjunto da classe. Os setores mais precarizados, e onde se centram os setores estratégicos da economia, permanecem alheios as grandes mobilizações, restringindo-se a significativas lutas no próprio local de trabalho, mas que permanecem isoladas e voltadas para realidades imediatas. A superação deste isolamento das lutas é uma tarefa imposta as (os) revolucionárias (os) atuais. Não há receita e nem é algo que será construído rapidamente, provavelmente ainda apanharemos um tanto nos próximos anos, mas o início da reorganização de todo campo da esquerda – como expressão da reorganização da classe trabalhadora – é algo que deve ser forjado desde já.
Aquelas e aqueles que não apostam nas eleições e disputas de cúpulas como via dessa transformação – o que não quer dizer que as eleições não interferem nos rumos dessa reorganização – têm a tarefa de ir construindo experimentações, forjando novas experiências, adotando novas táticas que criem desde já um embrião dessas novas lutas e organizações. Isso não quer dizer abandonar e negar as formas tradicionais de lutas, mas ir além delas e não se restringir a elas, tentando fugir de roteiros e dando asas a ousadia e imaginação. Das organizações burocratizadas não têm porque esperarmos quaisquer coisas diferentes, tudo mostra que continuarão fazendo o que sempre fazem.
A ascensão de lutas nos últimos anos mostra que diferentemente do senso comum da esquerda a classe trabalhadora no Brasil não está desorganizada. Ela está se organizando, mas de um modo diferente. Não está protagonizando grandes e duradouras greves, mas está se organizando longe dos holofotes, em seus locais de trabalho em torno de pautas imediatas. Não está se organizando majoritariamente por sindicatos [50] e partidos políticos (que é hoje uma das instituições de menor credibilidade do país), mas por ela própria sem a mediação de instituições, está se auto-organizando. Os seus instrumentos clássicos como sindicato e partido estão se esfacelando, mas as lutas não.
O Brasil já não é mesmo de 2013, os ciclos de greve também não, o cenário político e econômico também mudou. A realidade contém elementos radicalmente distintos que colocam novos desafios. O caminho parece ser o de experimentar – e com isso, arriscar – tatear novas formas de lutas, sem que com isto se torne uma espécie de ativista freelancer que fique apagando fogo correndo atrás de luta sem esboçar qualquer estratégia e encerrando o sentido da luta na própria luta imediata. Apesar que de fato a transformação do mundo do trabalho leva a transformação das lutas, devemos admitir essa nova realidade de intensificação da fragmentação e perdas de direitos, sem que isso signifique nos submetermos a ela sem construir caminhos para uma outra realidade. A precarização do trabalho não pode significar uma precarização militante, uma espécie de militante informal que faz bicos conforme aparece demanda. Temos que ser a contratendência da fragmentação, construir brechas para que em meio a fragmentação construa-se redes de solidariedade que possam ser o embrião de novas articulações. A cultura, o lazer e a solidariedade do dia-a-dia (ajuda em questões de casa, empréstimo de dinheiro) é um campo fértil. Não há um cenário dado para isso e apesar das experiências históricas sempre serem relevantes para nos apontar caminhos estamos em um novo ciclo de greves e em um novo momento do capitalismo brasileiro. Nesse contexto, novas formas de atuação revolucionária devem ser gestadas a partir dessa nova realidade das greves no Brasil, potencializando as greves nos locais de trabalho, buscando articular e radicalizar as lutas e construindo formas de unidade entre os setores privados e públicos. A dificuldade em unificar lutas e organizações autônomas é uma dificuldade histórica da classe trabalhadora que sempre que fracassou deixou um espaço para as grandes organizações centralizadoras e/ou assimilação e combate pelo Estado e empresas, logo, é uma tarefa árdua, desafiadora, mas necessária.
As esquerdas
O Movimento Passe Livre, um dos grandes protagonistas das Jornadas de Junho, era naquele momento a grande expressão de um campo significativo da extrema esquerda autônoma[51]. As Jornadas, ao menos no seu primeiro momento, foi a realização da tática que tal setor vinha apostando até então: a revolta[52], manifestações grandes e explosivas marcadas pela perda de controle. Conseguiu. A construção de Junho foi de revoltas generalizadas e espalhadas em que as organizações dos atos perderam o controle, mas com sua massificação acabaram tendo que disputar sua direção com a mídia. A eficácia da tática explicitou o seu limite
“Se a tática é eficiente, o salto organizativo já nasce castrado e vai existir apenas como vislumbre. A breve perda de poder sobre as ruas permite entrever outro poder, um poder popular, tão palpável quanto inalcançável naqueles dias. Ao existir justamente na tensão entre uma minoria altamente organizada e uma maioria não organizada, a revolta popular limita a si mesma. Pois ao mesmo tempo que na luta contra o aumento de São Paulo a população agiu diretamente sobre sua vida, não é menos certo que existia um comando que decidia o que fazer. Se depois de junho uma parte da esquerda avaliou que o problema no processo era a carência de uma “direção revolucionária”, nos parece o contrário: nas revoltas contra o aumento, o que falta – e por isso se trata de revoltas – é horizontalidade, ou seja, poder direto dos que estavam nas ruas sobre o que estavam fazendo, algo que depende da existência de estruturas enraizadas no dia a dia dos trabalhadores.”16(Caio e Leo, 2014).
Na ausência de organizações populares sólidas enraizadas no dia a dia da classe trabalhadora a distinção entre dirigentes e dirigidos era inevitável. E como foi visto, tal direção podia mesmo ser capturada pelo inimigo. Após sua grande realização, o MPL foi se dissolvendo. Além de conflitos internos e uma federação que efetivamente não funcionava, ao realizar sua grande façanha e constatar seus limites os grupos ficaram sem horizontes. Não só o MPL, mas todos aqueles que apostavam nessa tática. Não seria mais possível repetir 2013 e se fosse, seu limite já estava evidente. Desde então esse campo político entrou numa crise política profunda e têm tido dificuldades de se reinventar.
Há os quem insistentemente investem permanentemente nessa mesma tática, continuam centrando-se na tentativa de construção de grandes manifestações diante de certos ataques — muitos das quais já pertencentes a um roteiro, como o aumento anual da tarifa — sem inserção de base, em que se têm esperança de que elas se massifiquem, mesmo que ano após anos elas só diminuam, e que isso será efetivo para a conquista da pauta. É comum que neste processo se tente uma trágica repetição de Junho e ao fazer isso, matam esse mesmo Junho que teve como uma de suas marcas a criatividade e ousadia que caracterizavam a fuga do roteiro e seus riscos. Com isso, vão ficando cada vez menores, mais caricatos e mais derrotados. Não é que se deva abandonar as ruas e as manifestações, mas ficar insistindo unicamente nesse modelo de grandes manifestações e revoltas, sem trabalho se base, e ainda tentando repetir um Junho de 2013, é contraproducente na medida em que a história não se repete e que essa tática já mostrou o seu limite.
Outros criticaram o MPL-SP por pararem de chamar os atos em 2013 e insistem na intensificação da violência como a saída, alegando que o que faltou foi principalmente uma maior combatividade, e assim, insistem em um fetiche da violência. Para estes, o que define a radicalidade de uma luta não é seu enraizamento social, saldo organizativo e construção popular, mas a estética do fogo e os vidros quebrados. Não que um se oponha ao outro, de modo algum, certamente a violência e auto-defesa são passos constitutivos da radicalização da luta, mas quando se privilegia o segundo em detrimento do primeiro surge um vanguardismo pseudorrevolucionário que inviabiliza a massificação e enraizamento social.
Já outros estão tateando experiências e buscando criar raízes nos locais de estudo e trabalho. É a saída mais promissora por se inserir no novo ciclo de greve e também por buscar uma reinvenção deste campo, no entanto, ainda está em experimentações e facilmente se perde em meio as lutas, adentrando nelas por elas mesmo, sem avançar na construção de redes entre elas, caindo fácil numa assessoria militante ou mesmo assistencialismo. E têm ainda mais dificuldade em atuar orientados por uma perspectiva revolucionária que consiga unir as táticas das lutas a uma estratégia revolucionária. A propósito, este é um problema constante nesse campo e que não se restringe somente a quem está apostando nessa tática.
A Copa do Mundo deu um respiro pra esse campo, que acabou por repetir a mesma tática da revolta, mas nesse caso foi positivo e era efetivamente o que dava para fazer. No entanto, pós Junho e pós Copa do Mundo as forças repressivas se reorganizaram, incrementando a vigilância, suas tecnologias de controle, consolidando novas leis e mesmo mudando as táticas de controle das manifestações de rua. Como consequências, após a Copa do Mundo, têm-se uma maior criminalização das lutas sociais, em especial para esse campo, com a lei anti-terrorismo e investigações locais que enquadram grupos políticos como quadrilha, como a Operação R$2,80 em Goiânia em 2014, que serviu como laboratório para a repressão, e a operação contra os 23 no RJ e um aumento e sofisticação dos infiltrados, como o caso Balta[53], e uma polícia mais preparada para controlar as manifestações sem necessitar de violência física, como o uso da tática do envelopamento. A prisão decretada para os 23 no Rio de Janeiro neste ano em conjunto com a ausência de mobilizações significativas em solidariedade é uma das maiores derrotas da esquerda nos últimos anos e certamente será um marco para uma intensificação da criminalização da luta popular, pois a esquerda mostrou sua debilidade em defender os seus. É uma prévia do que está por vir, principalmente pela crescente politização do judiciário, com até docentes sendo perseguidos por seus trabalhos. Os que não percebem tal mudança de cenário e insistem nas mesmas táticas de 2013 e 2014 sem qualquer renovação, serão um dos primeiros a cair e ficarão cada vez mais isolados. A repressão daqueles anos é diferente da atual, o que era facilmente possível de fazer lá, já encontra novos desafios, o que demanda uma reinvenção do lado de cá também.
As ocupações das escolas foram um pouco esse momento de reinvenção, mas, mesmo com seu caráter amplo e radical, princípios de horizontalidade e dessa vez construído ali na base, no campo do cotidiano, os saltos organizativos foram poucos. De maneira geral, não se aprofundou e nem se manteve aqueles laços construídos na luta. Novamente, se construiu grandes e importantes lutas, sem que isso significasse uma intensificação das organizações de base. No máximo, formou novos militantes, o que é relevante, mas muito pouco perto das potencialidades dessas lutas.
Um das grandes fraquezas e dificuldade desse campo têm sido, além da dificuldade de articular as lutas, o momento de ressaca das lutas. Diferentemente dos partidos e sindicatos que possuem uma estrutura consolidada, ampla e com recursos financeiros, tal campo é dominantemente composto por coletivos, indivíduos que não se organizam ou por frentes pragmáticas. Estes comumente se mostram muito mais frágeis para permanecer após o fim da luta e falham em oferecer apoio para as(os) lutadoras(es) após as lutas, que constantemente sofrem com repressão, adoecimento e mesmo demissões. Além disso, num momento de crise, intensifica-se os adoecimentos mentais, drogadição e o tempo e energia gastos para garantir a própria sobrevivência, e na ausência de qualquer organização para contribuir para isto, a militância (e esses coletivos) acabam aparecendo como um empecilho para a própria reprodução individual. Isso faz com que boa parte das pessoas abandonem a militância e os grupos sejam efêmeros, permanecendo majoritariamente aqueles com mais recursos financeiros e capital político que têm que permanentemente se reorganizar.
Tal realidade se constitui como uma grande deficiência organizativa, dificultando uma continuidade geracional. O acúmulo de experiências históricas vai se perdendo com aqueles que estiveram na luta, fazendo com que as lutas comecem sempre do zero. Isso também dificulta uma formação teórica, fazendo com que facilmente militantes desse campo acabem numa espécie de voluntarismo e anti-organização. Este conjunto de deficiências inviabiliza construções estratégicas, fazendo com que esse campo constantemente se centre em táticas pelas próprias táticas. Com isso, comumente as lutas tocadas e protagonizadas por esse campo acabam tendo um salto organizativo principalmente para os partidos políticos que conseguem angariar novas(os) militantes em meio a luta enquanto os já poucos grupos autônomos vão se dissolvendo. Na ausência de uma estrutura organizativa alternativa a partidos, aqueles que se negam a entrar nessas instituições acabam se isolando, entrando em partidos ou ONG’s, atuando sozinho, virando espécie de militantes freelancers ou mesmo abandonam a militância, principalmente ao sairem da universidade/escola.
A geração desse campo formada em 2013, e nas ocupações de escolas, estava acostumado a uma hegemonia ideológica nas lutas, a protagonizar grandes e importantes mobilizações com relevantes vitórias e a estar no centro dos conflitos políticos, mas o fim das ocupações contra a PEC do Teto dos gastos marca a redução desse campo. Suas mobilizações até então estavam sendo efetivas e protagonizadas por jovens estudantes centrando-se em atuações locais. Com a saída dos estudantes da cena principal e de ataques que demandam articulação nacional, estrutura e um mínimo enraizamento em diversas categorias de trabalhadoras(es), a crise política desse campo se aprofunda. Percebe-se que na ausência de estruturas organizativas e articulação nacional este setor fica inexpressivo e refém dos sindicatos e partidos políticos mediante ataques que envolvam diretamente o conjunto da classe. Em alguns locais até tentam apostar na tática da revolta nos atos das centrais, mas na ausência de inserção nas categorias em luta não obtém sucesso. A propósito, conseguiu dois momentos de sucesso em Brasília nos atos contra a Pec.
O encontro desse campo e com a esquerda em geral em Brasília resultou em algo que não se via a um certo tempo por lá nos atos das centrais. Uma ruptura com os desfiles ordeiros, previsíveis e praticamente inúteis das centrais sindicais. Estudantes, já exaustos de meses de ocupação de escolas, e parte de trabalhadoras e trabalhadores, conscientes do quão nefasta seria a Pec do tetos dos gastos, não estavam para brincadeira, não era para ser um ato simbólico, mas para realmente impedir a votação da PEC. Era tudo ou nada. Assim, rompeu-se o controle da burocracia sindical e mediante a repressão policial deu-se início a quebra de ministérios e confrontos com a polícia[54]. A burocracia sindical se retirou, mas parte de sua base mais radicalizada e as (os) estudantes permaneceram durante horas.
Estava claro que os “golpeados” não estavam dispostos a se movimentar, após 12 anos no poder já se tornaram fisiologistas e seus interesses era o desgaste ao Temer para posterior eleição de Lula. Se ainda havia alguma dúvida de que lado jogavam as direções das grandes centrais sindicais, naquele momento já não havia, estavam do lado do poder. Os petistas já naquele momento apostavam no quanto pior melhor, pois entendiam que só assim, mediante tal chantagem, poderiam retornar em 2018, sem qualquer projeto a esquerda, mas, ainda assim, se consolidar como a alternativa popular nas eleições.
Mas independente da vontade dos setores ligados ao PT aquele ato foi mais que isso. Foi bonito, foi combativo e foi solidário. Rompeu com a previsibilidade das manifestações em Brasília e provavelmente assustou os de cima. Mas, ainda assim, foi só um ato. A realização do segundo ato já foi uma vitória, mesmo com a retirada das centrais sindicais na votação no senado – quando percebem que não têm o controle, elas se retiram – esse campo se organizou autonomamente e conseguiu ir a Brasília, ainda que com um número beeeeem menor de pessoas. Mas, aquilo já foi um marco, pois foi a primeira manifestação local dos últimos anos articulada sem contar com a participação sindical. E novamente Brasília ficou em chamas. O acontecimento do ato era uma mostra que uma articulação independente aos sindicatos e partidos era possível, foi importante por si e havia muita potência, mas novamente, acabou ali, com uma unidade pragmática, sem saldos organizativos, nem nada. Percebe-se que esse campo em meio a luta consegue construir articulações nacionais extremamente pontuais e pragmáticas por meio da ação, mas há uma dificuldade em construir mais que isso. A unidade morre na ação pela própria ação, sem construir nada mais sólido e permanente, dificultando acúmulos e saltos organizativos, fazendo com que fique sempre na unidade improvisada.
Após tais momentos esse campo vem sendo jogado a irrelevância no tocante aos ataques políticos, estando a reboque da esquerda institucional e da extrema-esquerda que disputa eleições. É incapaz de ter papel relevante mediante ataques ao conjunto da classe trabalhadora. Mas, afirmar isso não implica admitir que essa é uma realidade insuperável, assumir tal limite é condição para sua superação histórica e parte desse campo vem apostando nisso. Tal realidade aponta que para reverter tal quadro, e hoje mesmo como condição de existência, é necessário que esse campo se centre no trabalho de base, se (re)acostume a atuar longe dos holofotes, da grandiosidade e mesmo da combatividade que se via nas ruas e escolas, atuando em locais de trabalho, moradia e estudo, com um trabalho a médio prazo. Isso não significa abandonar as grandes mobilizações e mesmo a revolta, mas em centrar em novas táticas.
Uma parte faz desse novo contexto limitador uma virtude. Caiu no idealismo e no essencialismo identitário mais trágico. Nega a própria realidade, com seus próprios limites e atual insignificância, colocando “alternativas” imaginárias as apresentadas pelo resto da esquerda. Na inviabilidade de oferecer alternativas reais imediatas – que de fato não existem – se apegam a fraseologias com sua aparente radicalidade (Esfaqueie todos os candidatos! Revolução!). Poderia ter algo de positivo nessa inutilidade no sentido que ela dá uma liberdade de radicalização da crítica que os setores que têm um papel determinante nesse momento não possuem. Isto é, a distância de qualquer pragmatismo possível dá liberdade analítica e crítica. No entanto, ao se apegar ao identitarismo revolucionário parte desse setor é incapaz disso. Explicita as contradições não para aprofundar na crítica e construir alternativas reais, ainda que incipientes e pequenas, mas para fazer uma valoração revolucionária moral. “Vocês fazem isso, eu não, logo, sou revolucionário e vocês não”. Usa e abusa de frases dos pensadores do século XIX sem fazer esforço de pensar o momento atual e o quanto elas elucidam o contexto atual. Jogam retóricas aparentemente radicais totalmente descoladas da realidade e que só tem apelo aos próprios militantes desse campo, é uma retroalimentação identitária. A crítica a realidade se limita a aparência, então tem que defender a palavra de ordem mais radical, mesmo sem qualquer compromisso com a efetivação real de suas propostas. Usa ressentimento como justificativa para certos posicionamentos (“foda-se que o Bolsonaro levou facada – e como isso vai atuar nos desdobramentos da vida social e política – o que importa é que ele é um fascista”). Assim, não atualiza e aprofunda análises e nem leva a sério suas próprias críticas, discursos e análises e se engessam, sendo o exatamente mesmo diante de qualquer conjuntura política. O que importa para estes é se auto-afirmar como revolucionário, os únicos ṕuros e verdadeiros. Esse foco na fraseologia só alimenta ego, não a luta. Esse é o mais vil identitarismo, o que corrói a militância por dentro e praticamente não é debatido.
Há uma dificuldade em compreender que a realidade mudou após 2013. Naquele ano o campo autônomo conseguiu difundir parte de seus princípios de negação, tais como anti-partidarismo/anti-sindicato, em parte porquê isso tinha um apelo na materialidade por conta de práticas oportunistas dessas instituições e em parte porquê isso também ia ao encontro de uma perspectiva conservadora. Mas, tal campo não conseguiu difundir seus aspectos afirmativos, tais como auto-organização, solidariedade e horizontalidade. Tais aspectos afirmativos se viram presente nas ocupações de escolas, mas fora desse perfil jovem, eles não se difundiram. Não estamos mais em um momento de mera oposição em que é necessário nos centrar em denúncias e ataques, o momento atual é principalmente o de afirmação, com valores, alternativas reais e práticas. Como já disse, a resolução dos problemas não existem a curto prazo, e no limite são insuperáveis no capitalismo, mas é necessário medidas paliativas. Ao não aprofundar na análise da realidade, restringindo-se ao identitarismo revolucionário, parte desse campo não foca em questões de curto prazo, jogando “soluções” aleatórias a esmo, como auto-organização e ação direta, sem se defrontar com as condições e contexto histórico, isto é, como efetivamente tais questões podem vir a se realizar e como são efetivamente alternativas reais e possíveis não só a longo, mas também a curto prazo. Olham para daqui 100 anos, mas não conseguem olhar para o hoje. A construção de alternativas reais para o futuro só se efetivarão com a construção presente destas, numa unidade indissociável entre meios e fins, para isso assumir a realidade presente, com suas contradições e limites, é uma condição. A propósito, essa é uma dificuldade do conjunto da esquerda, um dos motivos pelos quais a direita vem crescendo em cima da questão de segurança pública.
É bem curioso que na dificuldade em aceitar a própria crise e pequenez nesse momento político parte desse campo centra-se no voto, atribuindo a ele um papel primordial, levando-o mais a sério até que parte da esquerda que disputa o Estado. O voto, no caso o voto nulo, aparece como algo sagrado e os hereges que se negam a fazê-lo são expulsos do paraíso revolucionário. Enche-se de fraseologias para advogar uma suposta moral superior por se negar a fazer parte do processo eleitoral, trata-se não das lutas, mas da consciência limpa. “A desgraça aconteceu, mas eu não fiz parte”. Não é que campanhas pelo voto nulo são essencialmente isso, elas podem cumprir um papel de propaganda e de diálogo com a população, potencializando o vislumbre de alternativas outras que não a disputa eleitoral, mas quando se engessam e não constroem uma campanha dialogando com a realidade presente, elas caem em palavras de ordem pobre e uma questão moral e identitária, além de inútil. Esses identitários revolucionários bradam como todos os políticos são iguais, mas comumente não fazem análises históricas e conjunturais sérias que mostram a semelhança dos projetos e/ou como a conjuntura inviabiliza determinados projetos de se realizarem. Se satisfazem com palavras de ordem, ataques morais e citações em que independente de qualquer contexto eles dizem as mesmas coisas. Com seu identitarismo se negam a admitir realidades óbvias, tais quais, a especificidade dessa eleição de um país ainda com instabilidade econômica e política que têm um candidato fascista que têm chances reais de vitória, em que sua vitória é expressivamente pior que uma vitória de outros candidatos, pois ele trará um retrocesso de anos ao conjunto da classe trabalhadora em especial para mulheres, LGBT’s e pessoas negras, inflamará um movimento conservador – protofascista – de base e fortalecerá os militares, entre outros ataques. No caso específico dessas eleições há uma distinção significativa entre esse candidato e os demais, e em seguida, vem a trágica vitória do PT que garante o domínio e apassivamento da classe trabalhadora pelos próximos anos e fortalecimento da extrema-direita na base, etc. Assumir isso não é fazer campanha eleitoral para ninguém, é só uma análise da realidade. Mas, são tão puros que não podem afirmar isso, e prosseguem agindo como se a política institucional estivesse totalmente alheia a vida e as lutas sociais. Pra eles é mais importante defender a própria identidade revolucionária que a própria realidade, um papel contra-revolucionário, diga-se de passagem. Tal comportamento trágico isola esse setor – mas, quanto mais isolado mais se sente o verdadeiro revolucionário — pessoas que orbitam próximas a ele ou mesmo que se consideram dele, mediante a ausência de alternativas reais e práticas ou mesmo de análises minimamente sérias acabam facilmente sendo engolidas pelo petismo ou outras forças políticas que se mostram ao menos mais realistas e sabem que estão no Brasil em 2018. Identitários que são fetichizam o voto, e coloca o voto nulo realmente como uma saída. Nada contra defesa do voto nulo ou boicote eleitoral, reafirmo que a depender de como são feitas elas podem atuar como boa propaganda e conscientização, mas no máximo é isso, ela é tão inútil para a construção de lutas como qualquer outra campanha eleitoral. Não têm nada de revolucionária como qualquer outra campanha eleitoral. Eleição e revolução não tem proximidade em qualquer sentido. Boicote, voto nulo, voto branco ou em candidato X são medidas institucionais, previstas e que não tem nenhuma relação direta com construção ou disposição para luta. Boicote as eleições ou voto nulo podem ser expressão da luta, resultado de uma classe trabalhadora organizada que constrói práticas alternativas, mas elas não produzem e não são lutas. A única luta que pode produzir é a de ego. Em vez de assumir tal limite e contradição é comum que esse campo atue como se estivesse realmente propondo uma alternativa real, e não jogando conforme o jogo, e agem como juízes morais identificando quem é e quem não é revolucionário a partir do voto ou mesmo de análises que assumam que certos candidatos são expressivamente pior que outro. Eleição é escolha de inimigo, nada mais que isso, você pode se propor a escolher ou negar. Geralmente não há distinções significativas entre eles, mas por vezes há, como na atualidade. De todo modo, revolução e lutas estão em outros lugares, não nas eleições.
Não suficiente, crise e ressaca de lutas fomentam o fratricídio, é bem comum que nesse momento na ausência de um projeto de médio e longo prazo esse setor se desoriente e vá se destruindo por dentro, aprofundando a crise política na qual se encontra.
Mas, apesar de todas as críticas pontuadas, isso não reduz as conquistas e relevância desse setor. As críticas são justamente no sentido de avançar, já que na minha aposta esse é o único campo efetivamente capaz de construir saídas revolucionárias que não acabem na construção de novas burocracias e formas de domínio e exploração. Esse setor tem o mérito de ter construído práticas alternativas de ruptura com o domínio petistas, burocrático e pelego em parte hegemônica da esquerda. Experimentou, ousou, combateu, renovando as lutas – ainda que se encontre nessa dificuldade de renovação atual – e nunca parou de lutar. Suas potencialidades existem, mas para se realizar deve conseguir superar inúmeras deficiências e dificuldades atuais agudizadas por sua crise. A construção das pequenas lutas nos locais de trabalho e estudo apontam como uma das melhores saídas para tal renovação, elas são a nova realidade de greves no Brasil, algo que a atuação de um pequeno grupo permite, uma tentativa de superar os limites de 2013 e uma tentativa de construção de um trabalho a médio e longo prazo, mas que se assenta nas demandas presentes, buscando dar respostas reais e efetivas a elas, não respostas meramente discursivas.
A crise não se restringe a tal setor. A esquerda que disputa eleições, esquerda e extrema-esquerda[55], também estão. E estão numa crise muito mais aguda que a esquerda autônoma, pois encontram-se numa crise estrutural. A falência internacional do Estado de bem-estar social com a intensificação de políticas liberais, reduziu a relevância do Estado, instrumento no qual as forças dessa esquerda atuam e mesmo dependem para sua existência. Mesmo sua forma de organização clássica, partido e sindicato, vão perdendo relevância com essa nova realidade. E as políticas mais progressistas pelo Estado vão ficando cada vez mais inviável. Não bastasse a crise estrutural, encontram-se também com uma crise política – extremamente relacionada com a crise estrutural – que é uma aversão generalizada ao PT e o retorno de partidos críticos ao PT, como PSOL e PCB para o braço do petismo. Se tem alguém que levou com alguma seriedade o discurso do golpe foram os segundos, ainda que comedidos.
O impeachment de fato estava além de um ataque ao PT, foi um instrumento usado para intensificar a ofensiva do capital. Todos sabiam disso, era uma reorganização do capital para intensificar seus ataques. Tal constatação poderia levar a uma necessidade óbvia de se lutar contra o impeachment. Mas, como defender o “golpeado” que está jogando o jogo do “golpe?”. Possuindo ainda uma base social considerável o PT optou por fazer o jogo institucional (falei mais disso aqui (http://passapalavra.info/2016/04/108151) e o fez porque acreditava num retorno em 2018 e/ou acreditava que conseguiria fazer negociações com os demais partidos políticos e distintos setores do capital, ou seja, conseguiria continuar jogando o jogo ao negociar nossas cabeças. A partir do momento que optou por isso já era, em ditado popular, “se ficar o bicho pega se correr o bicho come”. Dilma só ficaria pelos rearranjos com os de cima para cortar as cabeças dos de baixo, servindo os atos de rua somente como instrumento para forçar essa negociação, se saísse entraria Temer radicalizando com as reformas liberais. Era uma luta perdida independente do resultado.
Ao fazer esse jogo do PT, PCB e PSOL tornaram-se cabos eleitorais petistas e continuaram nesse papel ao defender o Lula Livre. Novamente, é verdade que há uma preocupante politização do judiciário, que o processo envolvendo Lula foi totalmente atípico quando comparado com os demais, que o PSDB se livrou de denúncias absurdas, que falta prova e tudo mais. A questão são as implicações dessas lutas. Qualquer unidade, por mais pontual e pragmática em torno do PT, que virou um partido fisiologista, torna-se praticamente inviável. Ele não aponta para qualquer guinada à esquerda, longe disso, toda vez que é atacado se aproxima mais da direita sem qualquer pudor. O único interesse do PT é capitalizar em cima das lutas para conseguir retornar ao poder, as lutas hegemonizadas pelos petistas são somente moedas de barganha para os capitalistas e base aliada. Já nascem derrotadas.
Ao não negar tal ruptura, tal setor está totalmente a reboque do petismo. Dá até pena como Boulos é o único dos candidatos que leva a sério o Lula Livre, sendo o único que promete indulto a ele, algo que nem Haddad tem coragem de dizer, além dos seus trágicos desejo de boa noite a Lula. Com isso não consegue ganhar a simpatia dos petistas, nem da esquerda mais radical, mas conseguem se afundar junto com o PT. Não suficiente, ao retornar a órbita de influência direta do PT eles atuam ativamente para a manutenção do controle do PT sobre diversas categorias e instrumentos de organização da classe. Ou seja, garantem a permanência da domesticação e cooptação desses setores por um partido do poder, assim, inúmeras lutas se orientam não por interesses da classe, mas por interesses partidários, garantindo a permanência das derrotas frente aos ataques do capital. Conseguir respostas a altura frente a tais ataques só será possível, se não por agora, a médio prazo, com uma ruptura total com o petismo. Se ele quiser agir no campo de esquerda que o faça a partir das lutas de base, subordinando-se a tal dinâmica.
O mote fora Temer[56] expressou bem o quanto permanecer na órbita petista é sinônimo de falência da esquerda. Desde o começo ficava aquela questão, Fora Temer e aí? Mas isso não deslegitimava a pauta, limites fazem parte, é comum que a construção de perspectivas vão se dando com a própria luta. O problema mesmo foi que tal luta não se desvinculou ao PT, garantindo que ela fosse uma continuidade direta da luta contra o impeachment, seduzindo somente a órbita petista, não se popularizando e restringindo-se aos desfiles cívicos. Tal como a luta contra o impeachment, o Fora Temer não seria uma luta pra valer, de tudo ou nada, mas de um acúmulo de forças, mas, claro, não para a classe, mas para o PT. Desgastar Temer explicitando suas nefastas políticas pra o retorno petistas triunfal em 2018. Esse mote nunca foi levado a sério. Se tivesse um golpe em curso era o momento de meter o louco, e o PT é o único que possui ainda alguma inserção capaz de impulsionar isto, mas optou fez questão de apelar exclusivamente para a via institucional, confrontando qualquer ameaçada de uma maior combatividade. A luta por esse mote foi tão surreal que acabou virando um fetiche bizarro, aparecendo quase como mantra em shows, bundaços, cachoeiras e bons dias. Só a esquerda good vibe descolada sem lutas efetivas. Com a subordinação ao PT tal pauta nasce não como um interesse social que relacionava Temer as reforma, mas a um interesse partidário que relacionava o Fora Temer ao retorno do PT. Isso garantiu que tal pauta, que até poderia ter um apelo social, ficasse restrita a base petista, distante do cotidiano da classe trabalhadora. O primeiro momento que o Fora Temer ganhou uma força real foi nas manifestações contra as reformas em que de fato tal pauta ganhou uma materialidade para além da disputa político-partidária. Mas foi por pouco tempo. Repito, as lutas em torno do PT já nascem mortas, sua única possibilidade de vida é com a ruptura a seu controle e influência.
Nessa perspectiva os petistas adotavam nas seguintes táticas: desgaste ao governo Temer, isolamento dos setores mais radicais (seja por criminalização direta ou tentando isolá-los politicamente acusando-os de fascistas, de fazer jogo da direita), aprofundar a unidade da esquerda sob seu domínio em torno da narrativa do golpe e da política do medo ao repetir incansavelmente a narrativa do crescimento do fascismo personificado em Bolsonaro que somente o PT conseguiria derrubar. Foram efetivos em todos os seus movimentos.
E agora, com a possível vitória petista, é certo que a classe trabalhadora será apassivada por meio da simpatia, discursos emotivos, defesa do menos pior, controle e recuo das centrais sindicais e inúmeros sindicatos vinculados ao PT, medo do embate com o PT fortalecer o fascismo, e contará com a tutela de partidos como PSOL e PCB. O PT tem que sair de cena para a classe trabalhadora entrar com tudo.
Por fim, têm a dificuldade de toda a esquerda em combater o crescimento da direita. O crescimento da direita se deu, em parte, por uma fissura já existente na esquerda, em torno das questões referentes a opressão. Durante e após as mobilizações do impeachment a direita liberal tinha um desafio, a sua base era antipestista, mas não era liberal[57], como tornar um no outro? No meio disso, Bolsonaro, até então um intervencionista[58], para se aproximar do mercado foi adotando cada vez mais um discurso ultraliberal. Em algum momento aconteceu o casamento de ambos. O combate as pautas progressistas referentes a opressão foi a base de tal casamento, se as políticas liberais não seriam conscientemente defendidas, que elas fossem escondidas no porta-mala, ofuscadas pela unidade em torno do ódio anti-petistas, anti-feministas e anti-LGBT.
Acontece que tal questão já era uma fissura dentro da própria esquerda. Nas últimas décadas cresceu e continua a crescer dentro da esquerda perspectivas nefastas, comumente de base pós-moderna, que negam a exploração de classes, ou a coloca como um mero recorte, não como algo estruturante. Elas centram-se em pautas de opressão, mas as fragmentam da exploração, colocando como algo auto-determinado, ahistórico e essencializado. Tais perspectivam caminham com lutas fragmentadas e supraclassistas que fomentam a renovação do capitalismo com rosto mais humano. Não buscam construir novas relações sociais, mas invertê-las. Não se trata se superar a exploração, mas de dar o direito a mulheres de também explorarem. Negam a universalidade e solidariedade e torna o isolamento algo positivo.
A esquerda agiu predominantemente de duas formas a essa nova tendência. Assimilando-as acriticamente, como se não houvesse tensionamento e mesmo antagonismo entre tais políticas e a emancipação da classe trabalhadora, ou caindo em um conservadorismo que joga por água abaixo séculos de debate dentro da própria classe trabalhadora em temas como sexualidade, corpo, gênero, negritude, cultura e afins e coloca tais pautas necessariamente como inimigas. Os primeiros, legitimam e fortalecem perspectivas antagônicas a um projeto emancipatório, ocultando o antagonismo existente entre tais propostas, e os segundos negam a necessidade e relevância do combate as opressões como uma necessidade para superação do capital, fortalecendo um conservadorismo a esquerda. Ambao, por caminhos distintos, fortaleceram tais perspectivas nefastas.
A esquerda que negou tais lutas caiu em um conservadorismo, negando a realidade, caindo numa paranoia em que falar sobre feminismo, LGBTfobia, sexualidade e negritude, é sinônimo de pós-modernidade, portanto, uma esquerda revolucionária deveria passar longe dessas pautas. Com isso, fomentaram um conservadorismo e retrocesso dentro da própria esquerda, dificultando solidariedade intraclasse nestas questões e evitando apropriações críticas de diversas teorias e lutas, em que se conserva o que de fundamental têm nessas lutas históricas.
A solidariedade e unidade nesse aspecto é fundamental e uma condição sine qua non de renovação da esquerda[59]. Não se trata de assimilar tais perspectivas pós-modernas, mas de combatê-las continuando e avançando nos debates históricos da classe trabalhadora, reconhecendo a exploração comum a todos que vendem a força de trabalho, sem que isto signifique negar a especificidade da opressão e exploração que acomete setores dessa classe. A ausência disso acaba por criar fissuras dentro da própria classe, fissuras que a direita se aproveita. O avanço da luta feminista, LGBT e do movimento negro é uma realidade de nosso tempo, além de uma urgência.
O feminismo vem se consolidando como um dos maiores movimentos do país, sendo um dos únicos movimentos que consegue colocar facilmente milhares as ruas. Foi o movimento feminista que iniciou as lutas contra a Reforma da Previdência no dia 8 de março e foi o único movimento que conseguiu mobilizar em meio as eleições. Além disso, é um movimento totalmente diverso que em muitos lugares se organiza de modo autônomo, sem cooptações partidárias. Consegue com facilidade a construção de unidades pragmáticas, mantendo a independência a partidos e sindicatos, como se viu nas gigantescas e históricas manifestações Contra Bolsonaro, em que o momento era extremamente propício para a cooptação de partidos políticos, o que não aconteceu e em parte pelo caráter descentralizado de sua organização, algo comum no movimento feminista brasileiro. Não tratar com seriedade, não travar diálogo, não construir seriamente medidas práticas de combate a violência contra a mulher – dentro dos movimentos e na sociedade como um todo – vai levar setores da esquerda a se perderem em sua irrelevância. Levar com seriedade tais pautas é uma das tarefas de nossos tempos.
Outra tarefa é a construção de lutas em meio a uma realidade de um adoecimento mental assustador. Estamos diante de uma realidade de uma classe trabalhadora adoecida, em que depressão, ansiedade, tendências suicidas e o próprio suicídio é uma realidade, assim como a excessiva medicalização. Isso acomete jovens, idosos e até crianças. Parece ser mesmo uma realidade de nosso tempo, o que coloca novos desafios para as lutas. Seja em construir lutas com pessoas extremamente desmotivadas, adoecidas e descrentes, seja por garantir redes de solidariedade e relações dentro das lutas que promovam saúde sem que isso torne os grupos espaços de terapia. É um problema novo que provavelmente iremos nos delongar até encontrarmos formas efetivas de combate, mas temos que começar desde já.
É complicado tentar sistematizar um texto enorme desse, o que acho que dá pra reafirmar é que o contexto brasileiro mudou muito de 2013 para cá, os inimigos se renovaram, a classe trabalhadora se renovou construindo um novo ciclo de greve, mas isso não veio acompanhado de uma renovação das forças de esquerda. Há mesmo uma dificuldade em aceitar que o contexto teve expressiva mudanças. Como alguns dos possíveis apontamentos de necessidades revolucionárias para o nosso tempo, têm-se ao menos: enfrentamento a extrema-direita, não somente pela via institucional, mas principalmente em sua base social; ruptura com o PT; potencialização de lutas em locais de trabalho; articulação entre camadas baixas e médias do funcionalismo público com trabalhadoras(es) do setor privado; construção de políticas de saúde dentro dos movimentos; avanço e unidade com lutas feministas, movimento negro e LGBT, mantendo uma base classista; se defrontar com o presente e medidas paliativas de curto prazo com a construção a longo prazo de saídas revolucionárias; solidarizar com os 23 no RJ e criar mecanismos de solidariedade cotidiana que correspondam a uma realidade de crise e desemprego, entre inúmeras urgências. Longe de mim apontar qualquer caminho mágico para isso, mas parece certo que uma nova realidade exige experimentações, riscos e necessita de reinvenção. Novas medidas, novas experiências, novas táticas. Se for pra resgatar as Jornadas de Junho de 2013 que seja pela sua organização, ousadia e criatividade presentes em seu primeiro momento. As medidas de outrora já não são suficientes para os ataques de agora, nossos inimigos se renovaram, e nós também precisamos, nos afastando de qualquer fetiche, engessamento e medo de arriscar, sem que isso signifique perder nossos princípios e horizontes revolucionários.
Martín-Baró, Ignacio. (1988c). De la guerra sucia a la guerra psicológica: El caso de El Salvador. Em A. Aron (Org.), Fuga, exilio y retorno: La salud mental y el refugiado (pp. 02-22). San Francisco: CHRICA.
[1] http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/cc21_completa.pdf
[2] http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/brasil-entrou-em-recessao-partir-do-2-trimestre-de-2014-diz-fgv.html.
[3] As UPPs no Rio (defendidas por Dilma), incêndios em favelas, remoção de comunidades, internação compulsória, regulamentação do emprego das Forças Armadas em Operações de Garantia e Lei e Ordem, a lei antiterrorista proposta e sancionada por Dilma, reorganização e aperfeiçoamento das forças repressivas, Operação R$2,80 em Goiânia, prisão dos 23 no Rio de Janeiro, entre outros inúmeros exemplos trágicos
[4]https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/03/23/marchas-reunem-defensores-e-opositores-da-ditadura-militar.htm
[5] http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/08/entenda-recessao-tecnica-do-brasil.html
[6](https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/01/fitch-mantem-nota-do-brasil-e-pais-segue-sem-grau-de-investimento.ghtml ).
[7] https://g1.globo.com/economia/noticia/numero-de-jovens-que-nao-estudam-nem-trabalham-cresce-20-em-4-anos-e-chega-a-258-em-2016-diz-ibge.ghtml
[8](https://www.valor.com.br/brasil/4481626/taxa-de-desemprego-alcanca-85-em-2015-mais-alta-em-tres-anos )
[9] Como redução do tempo mínimo para conseguir seguro-desemprego e cortes na educação (http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/05/veja-como-sera-o-ajuste-fiscal-do-governo-e-em-que-ele-afeta-sua-vida.html ).
[10] https://g1.globo.com/economia/noticia/recessao-brasileira-acabou-no-fim-de-2016-diz-comite-da-fgv-que-estuda-ciclos-economicos.ghtml
[11](https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/politica/1439928655_412897.html ).
[12]Mais de 3,6 milhões de pessoas, segundo a PM, em 300 municípios (http://especiais.g1.globo.com/politica/2016/processo-de-impeachment-de-dilma/da-eleicao-a-votacao-do-impeachment/ ).
[13](https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2015-03-15/manifestacao-no-rio-mistura-impeachment-e-golpe-militar.html ).
[14](http://passapalavra.info/2018/07/120146)
[15](https://outraspalavras.net/alceucastilho/2016/03/19/casos-de-agressao-por-uso-de-vermelho-se-multiplicam-por-que-autoridades-se-calam/ / https://www.geledes.org.br/5-maes-sao-agredidas-por-vestirem-seus-bebes-de-vermelho-vejam-os-relatos/ ).
[16] https://www.dieese.org.br/boletimdeconjuntura/2017/boletimConjuntura012.html /https://www.dieese.org.br/boletimdeconjuntura/2018/boletimConjuntura015.html
[17]https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/08/01/fitch-mantem-nota-do-brasil-e-pais-segue-sem-grau-de-investimento.ghtml ).
[18] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-09/ipea-confirma-tendencia-ao-desalento-no-mercado-de-trabalho ).
[19] https://www.dieese.org.br/boletimdeconjuntura/2018/boletimConjuntura015/index.html?page=1
[20] Desde 2008, só na União Europeia, foram feitas mais de 400 mudanças nas leis trabalhistas ” (http://cemflores.org/index.php/2018/01/28/a-atual-reforma-trabalhista-e-a-luta-de-classes-no-brasil/#_edn17 )
[21] http://cemflores.org/index.php/2018/01/31/a-atual-reforma-trabalhista-e-a-luta-de-classes-no-brasil-2a-parte/
[22] http://www.ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/confianca-do-brasileiro-nas-instituicoes-e-a-mais-baixa-desde-2009/
[23] http://justificando.cartacapital.com.br/2018/07/24/simpatizantes-de-bolsonaro-ja-foram-eleitores-de-lula-revela-pesquisa/
[24] Em 2018, 25 militares concorrem a cargos executivos, como número absoluto não é muito, mas quando analisado a dinâmica o crescimento é alto. Em 2014 haviam somente 13 candidatos militares, ou seja, houve um aumento de 92% em 4 anos. Comparado com 2010 essa porcentagem chega a 257%. (https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/candidaturas-de-militares-dobram-em-quatro-anos,e616f3b335fffd0c339445459b668d46i3nrq329.html ). Mas quandoanalisado todos os cargos o aumento é consideravelmente menor, há um aumento de 10% de 2014 para 2018, indo de 1.044 para 1.154. Um total de 4,2 do total elegível( https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/17/aumentam-pedidos-de-candidaturas-de-policiais-e-militares-ativos-e-inativos.ghtml ).
[25] Já em 2012 eram opositores de Dilma, fizeram junto com o cluba da Marinha e Aeronautica um manifesto de repúdio a Dilma dado a sua omissão frente a crítica de uma ministra a ditadura e ao questionamento da lei da Anistia. O ministério da Defesa manda tirar o manifesto de circulação e ameaça punição, como resposta os militares lançam novo manifesto intitulado “Alerta à Nação – “ELES QUE VENHAM. POR AQUI NÃO PASSARÃO!”. Após a ameaça de punição a carta passou de 98 para 386 assinaturas, das quais 42 oficiais-generais, sendo dois deles ex-ministros do supremo tribular militar (13)
[26] Hoje declara apoio a Bolsonaro e usa suas estruturas para fazer campanha, mesmo sndo proibido por lei (https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/08/26/clube-militar-atua-em-campanha-eleitoral-mesmo-proibido-por-estatuto-e-lei.htm ).
[27]Em 2017, foi considerado pelo instituto FSB Pesquisa o parlamentar mais influente nas redes sociais (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/01/1948499-bolsonaro-e-petistas-sao-mais-influentes-nas-redes-diz-pesquisa.shtml )
[28] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42231485
[29]http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2018/08/15/interna_politica,760126/partido-de-bolsonaro-ganha-4-vezes-mais-filiados-que-pt-e-rede.shtml
[30]http://www.monitordigital.org/wp-content/uploads/bolsonaro40dias.pdf
[31] https://www.facebook.com/esther.solanogallego/posts/10156759475584901
[32] https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/eleicoes/2018/08/08/em-15-estados-pt-se-alia-a-partidos-que-apoiaram-impeachment.htm
[33] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/empresarios-pro-alckmin-prometem-apoio-mas-dizem-preferir-bolsonaro-a-pt.shtml
[34] https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,organizadora-de-grupo-contra-bolsonaro-no-facebook-e-agredida-no-rio,70002518555 / https://claudia.abril.com.br/noticias/marilia-mendonca-familia-ameacada-bolsonaro/
[35](https://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/boletim/edicao/8/)
[36]https://www.jcnet.com.br/Geral/2016/11/violencia-contra-mulher-cresce-na-crise.html / http://jornalmulier.com.br/crise-aumenta-casos-de-violencia-as-mulheres/)
[37] Os valores serão arredondados em todo o texto
[38] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2012/estPesq66balancogreves2012.pdf
[39] O Dieese ainda não soltou os dados sobre 2014 e 2015, o que coloca limites a análise. Além disto, a análise de alguns fatores é baseada em uma mostra parcial, pois não se obtém informações sobre todas as greves, o que coloca limites na comparação entre os anos. Apesar de tais limites uma comparação entre os anos é possíveis. Para a leitura fluir melhor não colocarei a mostra de todos os dados mencionados
[40] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2017/estPesq87balancoGreves2017.html
[41] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2013/estPesq79balancogreves2013.pdf
[42] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2013/estPesq79balancogreves2013.pdf
[43] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2016/estPesq84balancogreves2016.html
[44] https://veja.abril.com.br/economia/setor-de-servicos-foi-o-que-mais-criou-emprego-em-2011/ / http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2014/08/pais-cria-1-49-milhao-de-empregos-formais-em-2013-diz-ministerio-do-trabalho
[45] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2017/estPesq87balancoGreves2017.html
[46] Os valores serão arredondados em todo o texto
[47] Mas pegarei somente o funcionalismo público por ser o setor mais expressivo.
[48] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2017/estPesq87balancoGreves2017.html
[49] https://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2017/estPesq87balancoGreves2017.html
[50] Em 2015, 19,5% dos trabalhadores brasileiros eram sindicalizados. A pesquisa destacou ainda que a grande maioria (81,2%) dos trabalhadores sindicalizados não participavam de nenhuma atividade promovida pelo sindicato. https://g1.globo.com/economia/noticia/menos-de-20-dos-trabalhadores-sao-sindicalizados-no-brasil-aponta-ibge.ghtml
[51] Estou adotando esse termo genericamente como o conjunto da esquerda que se opõe e a ocupação das instituições, em especial do Estado como estratégias de luta, defendendo a autogestão
[52] http://passapalavra.info/2014/05/95701
[53] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/29/politica/1530293956_036191.html
[54]http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/11/ato-contra-pec-no-df-termina-com-placas-arrancadas-e-predios-pichados.html ).
[55] Até agora não defini o que to chamando de o quê, eu to assumindo essas definições aqui http://passapalavra.info/2018/09/122782
[56] http://passapalavra.info/2016/09/109360
[57] https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/18/politica/1439928655_412897.html
[58] https://jornalggn.com.br/noticia/em-7-mandatos-bolsonaro-nao-foi-um-deputado-liberal-nem-totalmente-anti-pt
[59] https://www.entranhas.org/o-identitarismo-dos-homens-brancos-e-heteros/
1 comentário em “República louca: luta de classes no Brasil (2013-2018): Os de cima”
nossa. um esforço impressionante de resumo dos últimos 5 anos no país que ainda soma um balanço do “campo autonomista”. É difícil tomar um ou outro ponto do texto para debater, acho que o texto mesmo não serve muito para isso senão para montar uma fotografia grande e uma linha de análise. Parabéns, companheira! Precisamos de muitas e muitos mais com a teu fôlego de análise e escritura!