Por Nicole-Edith Thévenin, via Période, traduzido por Rodri Villa
Por trás da “pessoa jurídica” está a mercadoria e o Estado: é antes de tudo o sujeito privado da troca mercantil, aquele que “possui” e tem o direito de vender ou alienar sua posse; é então o aparato do Estado, combinando coerção e ideologia, para implementar a lei, inculcá-la em seus sujeitos.
Este texto, publicado pela primeira vez em 1973 na revista “La Pensée”, ilustra essa questão através do prisma dos direitos autorais. Através de uma revisão detalhada do trabalho de Bernard Edelman “O direito captado pela fotografia”, Nicole-Edith Thévenin descreve a crise do capitalismo avançado e as limitações intrínsecas da lei em face da crescente socialização do processo de produção artística.
O estudo da ideologia e das ideologias apenas começou. Com o artigo de Althusser, “Ideologia e aparelhos ideológicos do estado” [1], uma primeira pedra foi colocada: A delimitação de um certo campo de pesquisa, a análise do funcionamento de toda ideologia como “interpelação” e do conteúdo como a forma concreta em que essa interpelação se dá.
Já surge um conceito: o conceito de sujeito, mas ainda tomado no interior de um certo empirismo [2].
A publicação do livro, “O direito captado pela fotografia” [3], de Bernard Edelman, nos permite avançar na teoria, e ver se constituir o conceito de sujeito como categoria ideológica/jurídica tendo uma “história” própria e que estrutura verdadeiramente todo discurso da ideologia (em todos os seus níveis).
Gostaríamos aqui, portanto, não apenas de analisar e discutir um livro (fazendo uma “leitura”), mas sobretudo de extrair as consequências teóricas e em seguida as vias de investigação abertas pelo aparecimento desta nova “região” histórica tão ignorada e, no entanto, fundamental: o direito.
Qual é o propósito de Edelman? Fazer “o discurso teórico da prática jurídica”, desmascarar a ideologia jurídica em sua prática e a prática como efeitos práticos de uma ideologia. Desmontar assim o funcionamento e a função do direito; mais ambiciosamente ainda, mostrar as relações entre a ideologia jurídica e a ideologia burguesa, mostrar como o direito assegura a eficácia dessa ideologia, qual é a especificidade dessa “eficácia”.
A duplicidade de toda ideologia, mais precisamente aqui, da ideologia jurídica, não se dá como simples “consciência”, ela se dá em uma prática, que a implementa e a reproduz. É por isso que Edelman nunca dissocia ideologia e funcionamento prático dessa ideologia. “O conhecimento concreto do seu funcionamento é o próprio conhecimento teórico da ideologia” [4]. A prática desvela, assim, a duplicidade da ideologia jurídica e, ao desvelá-la, mostra seus fundamentos e, da mesma forma, a essência de sua necessidade e de seus limites naturais. Sua necessidade, digamos, como produção ideológica necessária de um modo de produção (neste caso o modo de produção capitalista) que só pode se reproduzir elaborando uma ideologia “correspondente”; seus limites, como expressão dos limites históricos de todo modo de produção.
O conhecimento concreto do funcionamento da ideologia jurídica em sua prática permite portanto demonstrar o porquê e o como de sua necessidade, a necessidade das categorias refletindo o processo de um certo modo de produção e a necessidade da coerência de sua prática que o faz cair em todas as incoerências: reflexo das contradições de um modo de produção que, aumentando as forças produtivas, torna ao mesmo tempo, obsoletas as categorias jurídicas nas quais ele está, portanto, obrigado a se mover para sobreviver e permitir a reprodução das relações de produção.
Esta é, em um primeiro momento, a demonstração que queremos fazer, demonstração que nos levará a formular novas teses em continuação (aprofundamento) às teses de Edelman.
Não separar teoria e prática é, portanto, superar a divisão do trabalho que permite a ideologia, de um lado, e a prática, de outro, funcionar impunemente. De um lado, a logorreia professoral, de outro, a “defesa de interesses” dos advogados e dos magistrados. Pois o direito tem uma prática de sua ideologia. Uma prática que é, ao mesmo tempo, uma técnica de sua prática: a organização da regulamentação da liberdade. Em nome de quê? Como veremos, em nome da propriedade privada, e é em nome dessa propriedade privada que o direito é chamado a organizar, e, portanto, ao mesmo tempo, a coagir, Pachukanis escreveu: “A ideia de constrição exterior e não apenas esta ideia, mas, também, a organização da constrição exterior são aspectos essenciais da forma jurídica. Uma vez que a relação jurídica não pode ser construída de uma maneira puramente teórica, como avesso da relação de troca, sua realização prática exige então, a presença de modelos gerais razoavelmente fixados, uma consulta elaborada e, finalmente, uma organização particular que aplique estes modelos aos casos particulares e que garanta a execução coativa das decisões” [5] . A ideologia jurídica não vai sem a sua prática (coercitiva) que exige todo um aparelho de repressão [6].
A prática, então, é o lugar do qual o marxista fala. A prática desloca o formalismo e, historicamente enraizando a ideologia, revela seu funcionamento e sua função. Partir da prática é dar a si mesmo os meios para seguir as articulações. Mas essa leitura da prática não é empirista, imediata. Ela não faz da prática um ponto de partida absoluto, mas um ponto de chegada. A leitura do real deve ser uma leitura engajada. O discurso marxista sobre a prática parte de uma abstração prévia dessa mesma prática. Retornar à prática depois de um longo desvio pela prática teórica evita a cegueira e a esterilidade das evidências. Não há evidência. A evidência é sempre o deslumbramento da banalidade. Ela não explica nada. É necessário, disse Engels, estabelecer as evidências. Leva tempo, leva um longo desvio: o mesmo da abstração. Hegel já havia dito isso de maneira admirável: separar-se do imediato para retornar a ele. De uma outra maneira. Da evidência a evidência, é esse momento de pesquisa que aprofunda as relações. Marx dizia dos economistas vulgares que eles se sentiam à vontade na aparência, no fenômeno, e assim as relações pareciam óbvias para eles “tanto mais óbvias quanto suas ligações internas permaneciam mais dissimuladas”. É assim que tudo está na prática e que tudo não está. Você tem que saber ler, senão a prática é muda, parece neutra mesmo fazendo estragos.
A divisão do trabalho teórico/prático tem assim seu efeito ideológico e prático imediato: o de permitir a perpetuação da ideologia em sua prática. O que Edelman faz é uma leitura comprometida. Decifra e desenha uma linha de demarcação que permite articular o dito da ideologia em seu não-dito, ver “por trás” do discurso, ou melhor, no próprio discurso o que faz esse discurso, porque e como ele faz isso. A relação entre o que é dito e o que está oculto é a própria prática que o designa” [7]. Desvelamento/ocultação. Essa é a relação entre o visível da ideologia (aparência), o que a ideologia permite e parece reger: liberdade, igualdade e o invisível da realidade das relações, em outro lugar: produção onde as relações de produção são dadas como relações entre aqueles que possuem os meios de produção e aqueles que possuem nada além de sua força de trabalho. A demonstração prática e teórica de Edelman é de uma cientificidade sem par: as categorias legais da liberdade, da igualdade, propriedade são lidas em seu “avesso” (a produção) como escravidão, exploração. Esta é a relação que estabelece e, ao mesmo tempo, revela a duplicidade do Direito: a relação entre produção/circulação. É através de uma reflexão sobre esta relação que revelou a própria prática do direito que Edelman nos oferece uma teoria das ideologias.
Levar as categorias jurídicas a sério significa mostrar sua articulação sobre uma relação econômica específica, sua “correspondência necessária” e, assim, sua verdade objetiva como produzida, necessariamente gerada por um modo de produção. Também, a prática jurídica não se dissocia “de certas formas de raciocínio” [8], que devem, por sua coerência, permitir a eficácia da coerção. A lógica jurídica é, portanto, uma lógica que deve ser capaz de se materializar, se executar. É ao mesmo tempo para mostrar que o funcionamento da lei e, portanto, das categorias jurídicas é definido apenas por sua função: a reprodução das relações de produção, que ao mesmo tempo requer um papel de mistificação (vamos falar da duplicidade das categorias e o papel da lei em geral) e da coerção.
Essa é, portanto, a demonstração de Edelman: partindo da produção capitalista do cinema e da fotografia, para apreender o processo da necessária constituição de uma ideologia em suas categorias e a função que ela cumpre.
Para isso, ele apresenta dois conceitos: o de “Forma de sujeito de direito“, o de “Sobre-apropriação do real“.
A categoria do sujeito e a constituição do real no e pelo direito
Tomar a ideologia jurídica ao pé da letra é levá-la ao pé do que ela diz, o que ela designa em categorias, ou melhor, pelo que ela “interpela”, constituindo essa interpelação o próprio funcionamento do direito. O que designa é a realidade que o constitui e que, em contrapartida, ela constitui: propriedade privada. Qualquer propriedade juridicamente constituída refere-se a uma propriedade de fato que se dá nas relações de produção. As relações de produção capitalista, ao separar definitivamente o trabalhador de seus meios de produção, isto é, instituindo o trabalhador livre, liberaram o princípio jurídico /ideológico dessa liberdade: a propriedade privada. O direito irá assim “constituir” a realidade social e econômica, regulando a troca dos proprietários sob a categoria constitutiva universal do Sujeito, o sujeito do direito pelo qual interpela cada indivíduo.
Se qualquer atividade do sujeito só pode ser a atividade de um proprietário, o “real jurídico” aparecerá como um real sempre-já investido pela propriedade, um real sempre-já-apropriado.
A propriedade então dá significado ao homem, e o homem não pode se definir, Não pode existir pelo direito, somente como proprietário. Sua existência jurídica passa necessariamente pela definição de seus “poderes”, sua “capacidade”, que são os poderes, a capacidade de um proprietário: aqueles de vender e comprar, e também de se vender. Não há “alma” do sujeito, diz Edelman, ou melhor, a alma do sujeito é a propriedade, a liberdade do sujeito é a de um comerciante que não tem escolha a não ser se vender pela melhor oferta.
Continuando o trabalho realizado por Pachukanis e Althusser, baseado em Marx-Engels, bem como na experiência de Brecht, Edelman demonstrará, a partir do processo de constituição do real pelo direito no cinema e na fotografia, como a ideologia burguesa do direito, resultante da generalização da forma mercantilista dos produtos pelo modo de produção capitalista, exige que a pessoa humana assuma a forma do sujeito de direito, isto é, a forma mercadoria, e que, desse modo, a ideologia, interpelando os indivíduos como sujeitos, devem necessariamente definir toda as atividades materiais e imateriais (intelectuais: o que o direito chama de “patrimônio moral”) do sujeito como as atividades de um proprietário, isto é, como produtos, mercadorias.
O sujeito se decompondo em sujeitos/atributos (sujeito / produtos do sujeito), sendo definido apenas por e nos seus elementos, poderá se vender, carregando seus atributos no mercado, neste caso, sua criação. “De fato, o direito nos diz a seguinte coisa: o direito existe apenas como um representante das mercadorias que ele possui, isto é, como um representante de si mesmo como uma mercadoria.”9
A forma mercantil do sujeito implica, portanto, a forma mercantil de criação. A forma mercantil das mercadorias que caracteriza a generalização da troca no modo de produção capitalista, produz a forma mercantil do sujeito e de sua criação, exige o direito de definir e sancionar a cada vez o pertencimento de uma coisa e o poderes do sujeito sobre essa coisa. Uma coisa só existe, portanto, na medida em que é anexada a um indivíduo como sua propriedade. A realidade de uma coisa, de um produto pelo direito é reconhecida apenas na medida em que são legalmente sancionada. Este é o processo de constituição do real pelo direito: só há o real como propriedade, portanto, não há realidade do sujeito, existência (real/material) do sujeito, apenas como que pode ser sancionado em seus atributos materiais ou imateriais. A coisa “dá significado” ao sujeito. Não há sujeito, o inefável do sujeito, a liberdade em si do sujeito, como a ideologia burguesa nos faz crer. A prática do direito nos demonstra: Não há mais que um “sujeito”, o capital, que transformou o sujeito em uma mercadoria, submete ao seu processo a alma mesma do sujeito. Esse é o processo sem sujeito do capital, digamos. Esse é o processo do capital que Bernard Edelman conduz, mostrando como ela funciona em sua análise jurídica da propriedade literária e artística, a propriedade como ela foi constituída, ou melhor, como o direito a constitui no domínio do cinema e da fotografia.
Se existe uma realidade apenas do sujeito, isto é, da realidade, de uma realidade sempre-já apropriada, qualquer nova produção do sujeito terá então que ser declarada propriedade para ser reconhecido e passando para a circulação dos Bens, ser “protegido” por lei.
O nascimento de uma nova produção do sujeito: o cinema e a fotografia, cujo modo de apropriação do real (a foto) se “superpõe” a uma propriedade já estabelecida (a real), vai por ao direito o problema de seu “reconhecimento”, isto é, sua constituição como objeto de direito enquanto produção de um sujeito.
Bernard Edelman produz o conceito de “sobre-apropriação do real” para designar esse movimento específico de apropriação privada que é dado na essência do cinema e da fotografia como apropriação superposta a uma realidade já apropriada. É, portanto, pelo direito de “reduzir” um “invisível”(O pensamento do homem) para um “visível”: a Propriedade privada.”tal é o conteúdo concreto deste conceito. Constitui o lugar onde “o conhecimento do direito é “desenvolvido”; ele se refere à criação como uma propriedade, ele se refere ao criador como sujeito de direito, ele se refere à “sociedade civil” como um domínio de troca entre proprietários”10. Revela a forma mercantil de criação, que como propriedade privada de um sujeito é reduzida a uma mercadoria. Pois o que é esse “visível” do pensamento no cinema e na fotografia, se não a película, o som, imagem, que se tornará com a industrialização dos métodos cinematográficos o objeto de uma comercialização universal?
Nós não entramos nos detalhes da demonstração. É preciso simplesmente dizer o seguinte: que o direito, sempre atrasado em relação à evolução econômica, será forçada a passar do conceito de “homem-máquina” para a de “sujeito criador”, registrando assim a passagem do artesanato onde dizia-se que a máquina só “reproduzia” o real, ao estagio da industrialização do cinema e da fotografia que exige um novo estatuto, o da produção de um sujeito, a ser controlado pela lei. O reconhecimento da qualidade de autor, criador, tornar-se “uma necessidade na indústria”¹¹. Assim, a “inversão” jurídica dá à indústria os meios jurídicos de sua produção. “O funcionamento das forças produtivas capitalistas realiza-se concretamente neste lugar, o do sujeito de direito. E essa realização toma a própria forma do sujeito: toda produção é a produção de um sujeito. Um sujeito, isto é, mais precisamente, nesta categoria, onde o trabalho qualifica qualquer produção humana como produção propriedade privada”¹².
A partir de agora, diz-se que o sujeito “investe” o real, para marcá-lo com sua personalidade, produzindo assim uma criação. Sua produção, reconhecida como a produção de um sujeito, passa então pelo direito de entrar na circulação como mercadoria, a ser designada como objeto de direito, como objeto comercializável. A partir de agora, o direito se adaptará ao fator econômico: “na linguagem dos comentadores, surgem as palavras “investimento, rentabilidade, compromisso”(Lecourtier citado por Edelman). O sujeito todo-poderoso se apropria do real em todas as suas manifestações: política, histórica. Propriedade privada declarada, o real agora perde toda a sua objetividade. Torna-se na sua totalidade, a produção de um sujeito. Se não há mais “alma” do sujeito, não há mais “em-si do real”, uma essência do real que confere a sua permanência como real. O empirismo mesmo dos critérios jurídicos que procuram distinções entre fundo e forma, para justificar a sobre-apropriação do real pela criação cinematográfica, revela, nas suas consequências práticas e no seu raciocínio, o verdadeiro estatuto do real: cruzado de parte a parte pela propriedade privada, ele é apenas essa propriedade privada: não há fundo ou forma, não há essência ou existência distinta, mas toda a essência passou para a esfera do sujeito, na permanência de seu poder de apropriação¹³.
Se um juiz pode dizer que o “fundo” é a objetividade de uma realidade, por exemplo, um evento histórico ou político, um monumento, e que a “forma” é a apropriação fotográfica daquele evento ou monumento por um sujeito, temos o cuidado de não esquecer que, para o direito, não há objetividade fora apropriação privada. Tudo o que é, então, supostamente pertence ao domínio público, isto é, a todos na condição de “objetivo”, isto é, existente fora dos sujeitos, pertence de fato a um sujeito que também defende seus direitos à propriedade: o Estado.
Desde que entendamos que a realidade para o não-dito do direito não tem um “fundo” que permita distinguir-se em sua permanência da “forma”, da criação/produção de um sujeito, nós podemos escrever que “a sobre-apropriação do real é constituída pelo simples registro do real”14. Desde que também, “o direito do fotógrafo em sua foto produz o direito do fotógrafo em sua imagem”, e o homem não encontra mais ”de que uma essência privativa a qual o reflete ele próprio”15.
Regulando os direitos dos sujeitos entre si, regulando a circulação da propriedade privada, o direito, tomado nas exigências econômicas, as exigências do comércio, que são, como já indicamos, apenas as exigências do capital, vai encontrar-se na necessidade de resolver esta contradição, que com a evolução das forças produtivas se torna cada vez mais aguda: como conciliar os direitos dos sujeitos com o direito deste “sujeito”16, o Capital, que, em essência, nega os direitos desses sujeitos e os reduz, até em suas produções imateriais, a meras mercadorias? Esta contradição, se for lida em voz alta na demonstração prática de Edelman, não é colocada como tal, isto é, teorizada. É isso que tentaremos fazer aqui, e vamos empurrá-lo até o fim de sua lógica. Para isso estudamos, por um lado, a análise de Brecht faz do seu processo17, por outro lado, nos referimos a um artigo recente, ou melhor, a um comentário recente de Edelman sobre o acórdão Luntz18.
Contradição sujeito/capital. As analises de Brecht
O reconhecimento, Pelo direito, do autor como sujeito criador, e da criação/produção como propriedade privada, portanto como mercadoria trocável, comercializável, não apenas sanciona a irrupção do capital na produção cinematográfica, mas permite-lhe um novo desenvolvimento. Doravante, o capital “pega a máscara do sujeito, anima-se, fala e subscreve contratos”19 em uma palavra, ele defende seus direitos perante os tribunais, e seus direitos são de fato ilimitados. A produção artística industrializada, sendo atravessada pelo processo do capital, “o processo do capital torna-se o próprio processo da criação intelectual”20. O capital, tornando-se criador, transforma o artista em proletário, submete-o a seu julgamento, reduzindo-o a vender sua força de trabalho.
O conflito se torna aberto. Se a reivindicação do autor como sujeito criador destronou o produtor/capital de seu todo-poder, enquanto autor, o produtor permanece, todavia, “o autor por excelência do filme mercadoria”21.
É a essa contradição, que é a própria contradição do capital entre seu processo econômico, que é um processo sem sujeito e sua ideologia burguesa (ideologia do sujeito), que o direito é confrontado. Contradição que é um conflito de interesses, e que o direito deve resolver para o bom funcionamento da sociedade, que vai se revelar como funcionamento do capital.
Doravante, o cinema como todos os trabalhos artísticos que exigem cada vez mais uma base técnica, um “instrumento” (Brecht) de criação, de inscrição, de montagem, não é mais definido em seu próprio ato de criação, sem seus “meios de produção”, e seus meios de produção, como escreve Brecht, são inteiramente capitalizados.”O autor é arrastado para o processo de técnica, considerado como um processo de produção de mercadorias”22. A monopolização destes meios de produção põe em jogo uma nova forma jurídica do sujeito: o sujeito coletivo, ele mesmo submetido ao processo do capital. Assim soa a sentença de morte do sujeito, com o imperialismo do capital. Brecht faz uma análise surpreendente. “A obra de arte, que na ideologia burguesa é a expressão de uma personalidade, deve conhecer, antes de chegar ao mercado, uma operação muito precisa, durante a qual todos os seus elementos estão dissociados; esses elementos chegam de, qualquer forma, um a um no mercado”23. Brecht ilustra esse processo pelo termo “desmontagem”: “É o esquema da destruição da produção literária, a destruição da unidade do criador e de sua obra, da história e seu significado. Etc. Assim, a obra pode ter um ou mais autores, o próprio autor pode ser usado com seu nome fora da obra, podemos despir seu texto, dar-lhe outro significado, distorcer suas teses”[…] “Essa desmontagem obras de arte parecem obedecer às mesmas leis do mercado que carros que se tornaram inutilizáveis e não podem mais circular; eles são divididos em unidades menores e vendidos”24. Esse é o fim da obra individual, da unidade da obra. essa, nos diz Brecht, é uma revolução. À medida que o modo artístico de produção muda, a essência artística da criação muda e, portanto, sua função também.”A arte é uma forma de relação humana e, por conseguinte, que depende dos fatores que determinam as relações humanas em geral”25. Da introspecção como uma forma de criação pequeno-burguesa, ela adquire enquanto mercadoria, uma função social, uma função própria da comunicação”. Ela compromete todos os homens com todos os homens, e esse mesmo processo de capital é um “processo revolucionário”26.
Esse é o estatuto paradoxal do sujeito. Ao mesmo tempo em que adquire seus plenos poderes na produção literária e artística, é reconhecido todo-poderoso na coisa, no mesmo movimento vê-se completamente alienado nessa coisa: sua produção. O apogeu Jurídico/ideológico do sujeito marca a morte do sujeito. A contradição ideologia/produção é mostrada aqui (especialmente na produção cinematográfica que é industrializada e industrializável por excelência), em plena clareza, em pleno movimento.
Brecht escreveu: “O modo de produção capitalista destruiu completamente a ideologia burguesa”27. significa dizer que a ideologia do sujeito que forma a própria base da ideologia e prática jurídica é cada vez mais e mais frequentemente questionada por esse “sujeito” que destrói todos os sujeitos: o capital.
Tais são as incoerências onde cai o direito, vítima do imperialismo do capital, o imperialismo também revolucionário, na medida em que desmistifica o discurso humanista do direito: afirmar na ideologia a onipotência do sujeito, enquanto que nos fatos encontra-se constrito (pelo capital) a julgar para o bom funcionamento da economia, que é o bom funcionamento do capital.
O caso Luntz
O caso de Luntz em julgamento, como Edelman demonstra em uma nota publicada em Dalloz28. Quais são os fatos? Luntz processa a societé produtrice Fox-Europa em pagamento de danos por ter modificado seu filme sem o seu acordo: “Le grabuge”. Como tal, ele defende seu “direito moral”, isto é,”seu“ direito de propriedade sobre a obra. O Tribunal constrangido, preso entre seu discurso ideológico/humanista que daria, em nome do sujeito, razão ao sujeito, isto é, obrigasse o produtor a explorar o filme segundo a versão do diretor, e as realidades econômicas que necessita ter em conta as exigências do produtor, que são as exigências de um comerciante, depois de deduzir que a cláusula do contrato que autoriza o produtor a anular a falta de acordo do diretor está em violação da ordem pública, no pratica, não toma partido e encaminha os participantes face a face, incentivando-os a chegar a um acordo.
Primeira observação: O silêncio da corte é um silêncio, como diz Elderman, que “fixa a contradição” entre o interesse do sujeito e o interesse do capital. Dizemos que uma contradição nunca se “fixa”. Aquele que se cala, todo mundo sabe, toma partido. O laissez-faire é um deixar fazer que deixa, de fato, a prática decidir em ultima instância. Esta prática aqui é a prática do processo do capital. incentivar os litigantes a um acordo é reconhecer implicitamente que o criador deve passar pelo capital, e fazer contra a má sorte bom coração, isso no sentido forte do termo! O autor terá, portanto, que compor com o capital, isto é, lidar com as demandas comerciais do capital, que são as demandas de consumo, da rentabilidade. Aqui, novamente, Brecht intervém: não podemos compreender o cinema sem questionar sua função, e sua função é uma função social determinada pelas leis sociais que são as da produção capitalista.
Segunda observação: Edelman questiona no final: “E se as partes não quisessem por comum acordo?”.Na verdade, pode-se imaginar: O tribunal encarregado do caso teria que escolher entre duas soluções: 1) Concede indenização ao criador e permite a saída do filme como ele é, ou seja, modificado por este novo autor, o capital/produtor. 2) Proíbe a exploração do filme até que as partes entre em acordo. Em ambos os casos, o criador está submetido ao capital: ou seu filme sai modificado (nota de passagem a redução do direito moral a um direito “vendável”, isto é, reduzido a um capital pecuniário), ou não saí, e sua criação não existe mais, na medida em que não é explorada.
Essa é a essência capitalista da liberdade de criação. O contrato entre “sujeitos”, em última instância, não resolve nada. Se verbalmente ou por escrito, as duas partes são submetidas a um certo número de direitos e deveres legalmente sancionados, o processo econômico faz na verdade pender a balança: para o lado do capital. Brecht pode então escrever sobre seu processo: “A especulação tão rapidamente superada foi usar nosso direito de se apossar dos meios de produção do filme. Nós também tivemos o direito, nós tivemos contratos. Mas o tempo dos contratos acabou. Eles eram sagrados na época da barbárie. Deveríamos dormir por séculos para ignorar que essa era acabou. A máquina social foi rodada o suficiente para que as configurações fossem feitas por si só. Existem contratos na natureza? A natureza precisa de contratos? É com a violência dos eventos naturais que os grandes interesses econômicos se manifestam, e a validade dos contratos, quando eles ainda são encontrados – isto é, quando se trata de compartilhar os lucros – devem ser julgada somente de acordo com as considerações econômicas”29. Vamos encerrar a demonstração de nossa tese: a morte do sujeito marca, ao mesmo tempo, o fim da eficácia dos contratos (a base jurídica da democracia burguesa).
Para uma teoria da ideologia
(A) Ideologia burguesa – Ideologia Jurídica
Este é o “processo revolucionário” do capital: através da socialização das forças produtivas criadoras e da monopolização de seus meios de produção, a transformação geral do modo de produção artística, a necessidade de uma redefinição de sua função e, assim, a morte de ideologias pequeno-burguesas sobre a arte, permitindo a transição para um estado onde “a técnica, que triunfa aqui e parece condenada a assegurar os lucros de um pequeno número de dinossauros e, portanto, a permanência da barbárie, uma vez nas mãos certas, realize coisas totalmente diferentes”. (Brecht30).
Essa é, ao mesmo tempo, a contradição do modo de produção capitalista, contradição que marca os próprios limites contra os quais se choca, e que constituem seus próprios limites internos: produzir necessariamente uma ideologia do sujeito, manter essa ideologia, mesmo que a evolução das forças produtivas a faça explodir. Essa dupla não-correspondência entre a ideologia jurídica/pratica jurídica, por um lado, e da ideologia jurídica/econômica de outro, marcar a fase imperialista, a evolução do modo capitalista cada vez mais contraditório, entrando em sua prática, em conflito com sua própria ideologia. Desmascara o funcionamento e a função do direito: afirmar em teoria os direitos do sujeito enquanto sua prática desmente esses mesmos direitos em nome da capital.”O maquinário juridico funciona como parte da máquina geral de produção” (Brecht31).
Essa função mistificadora da ideologia jurídica é necessária para a reprodução do modo de produção capitalista: ela mantém os indivíduos em uma representação isolada, escamoteando todo o processo do capital. Reportando-se ao sujeito, ela escamoteia classe; falando de propriedade, liberdade, igualdade, ela escamoteia a exploração e a desigualdade. Apoiando-se, assim, em toda uma análise da prática jurídica, Edelman pode escrever na terceira parte de seu livro, que o direito 1) “fixa e assegura a realização da esfera de circulação como um dado natural”, 2) que assegurando e fixando a esfera de circulação como natural, (o direito) “torna possível a produção”.
Pois de onde vêm todas as noções que o direito faz funcionar e que enumeramos (sujeito, propriedade, igualdade, liberdade), senão da circulação entendida como processo de sujeitos, isto é, os processos dos proprietários de mercadorias iguais em direitos e livres para trocar esses bens, vendê-los e comprá-los? “Essa esfera, continua ele, tomada em si mesma como absoluta, nada mais é do que a noção ideológica de nome hobbesiano, rousseauniano, kantiano ou hegeliano, da sociedade civil; e que a lei, ao fixar a circulação, apenas promulga os decretos dos direitos do homem e do cidadão; que ele escreve na frente do valor da troca os sinais de propriedade, liberdade e igualdade, mas (que) esses sinais em secreto, “em qualquer parte”, se leem como exploração, escravidão, desigualdade, egoísmo sagrado”32. Esse secreto, “em qualquer partes”, sabemos, é a produção, onde as relações de produção são dadas entre aqueles que possuem os meios de produção e aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Ao contrário, “Circulação abole diferenças: todo sujeito de direito é igual a todo sujeito de direito. Se um contrata, e porque o outro quis contratar. A causa final do contrato é o próprio desejo de contratar”33. Essa vontade afirmada na ideologia é, na prática, varrida pela necessidade do processo do capital.
A teoria da ideologia jurídica como ideologia que fixa os dados da esfera da circulação e permite, assim, escamoteando as relações de produção, a reprodução das relações de produção, é uma contribuição fundamental e revolucionária á/da teoria das ideologias.
Permite a Edelman relacionar ideologia jurídica e ideologia burguesa e definir nesta relação o que torna a especificidade da ideologia jurídica.
Dizer que a ideologia jurídica fixa os dados de circulação, isto é, que fixa a circulação do valor de troca, a circulação é na verdade nada mais do que “a circulação de liberdade, igualdade, enquanto determinações de propriedade…34”. Ora, deve-se notar que toda ideologia burguesa se baseia nesses mesmos dados: o conceito de democracia (burguesa) é a universalização ao mesmo tempo que o seu resumo. Como sabemos, a democracia burguesa é apenas a liberdade para alguns explorarem todos os outros, ela se opõe em seu próprio conceito à verdadeira democracia. “Podemos dizer então que a função última da ideologia burguesa consiste em idealizar as determinações da propriedade (liberdade/igualdade), isto é, as determinações objetivas do valor da troca. A base concreta de toda ideologia é o valor de troca”35. Edelman continua. “Então eu posso responder à pergunta aberta por Althusser: se é verdade que toda ideologia interpela os indivíduos conteúdo concreto/ideológica objeto da interpelação burguesa é: o indivíduo é interpelado como uma encarnação das determinações do valor de troca. E eu posso acrescentar que o sujeito de direito constitui a forma preferida desta interpelação na medida em que o direito assegura e assume a eficácia da circulação”36. Isso é crucial. Isto é dizer com efeito 1) que o ponto de encontro entre a ideologia jurídica e a ideologia burguesa “não é mais do que a circulação, isto é, a base da realização do valor da troca e das suas determinações”37; 2) que, se, portanto, ambos reproduzem a ilusão necessária de democracia de sujeitos livres e proprietários, mesmo que apenas de sua própria força de trabalho, a própria direito assegura pela coerção do aparato estatal o próprio funcionamento dessa democracia. Ele é a garantia e o policial. Este é, entre todos os aparatos ideológicos, a especificidade própria da ideologia jurídica, que, como diz Althusser, não só funciona pela ideologia (isto é, segundo as determinações do conceito burguês de democracia, do qual acabamos de analisar o conteúdo), mas também a violência.
Vamos ainda mais longe: se o direito assegura o funcionamento e a eficácia material da ideologia, podemos dizer que, em última instância, as categorias de direito constituem o fundamento da ideologia burguesa, que a ideologia jurídica estrutura a ideologia burguesa, assegura-lhe a sua permanência, que é a própria permanência do estado burguês. Mantém a legalidade das funções e dos direitos pela mesma legalidade das relações de produção entendidas como relações naturais, eternas, legalidade que nada mais é que a legalidade política do poder político da classe dominante. A democracia burguesa interpetla o indivíduo como sujeito (direito), como sujeito que tem direitos, os direitos de um proprietário iguais a todos os outros. É assim que o direito delimita materialmente o lugar de cada pessoa na sociedade, concedendo-lhe direitos. A produção aparece então como a produção de um sujeito, do mesmo modo que as relações de produção estão escamoteadas atrás da circulação, atrás da ideologia da circulação, que é a ideologia da democracia burguesa, a ideologia da liberdade e da igualdade burguesa, a ideologia da circulação mercantil. A legalidade, como vemos, garante o bom funcionamento da sociedade, que é o bom funcionamento do capital. Se a ideologia religiosa assegurou a reprodução das relações feudais de produção, é o direito que, hoje, tendo conquistado gradualmente todo o espaço econômico/social/político, porque o Estado tomou todas as esferas de produção e reprodução, regula o inconsciente e o consciente da produção um comerciante capitalista, ou melhor, que, regulando o processo do capital, regula o consciente e o inconsciente dos sujeitos deste grande Sujeito: o Capital.
(B) O Sujeito na Psicanálise
Portanto, quando Althusser escreve: “A ideologia sempre interpelou indivíduos em sujeitos, o que significa dizer que os indivíduos são sempre-já interpelados pela ideologia como sujeitos. o que necessariamente nos leva a uma última proposição: os indivíduos são sempre-já sujeitos”38, podemos dizer que esse sempre-já-sujeito é o sujeito jurídico por excelência, pois é o direito que constitui os indivíduos em sujeitos, garantindo-lhes direitos e a partir de sua concepção intra-uterina. O ”paradoxo” althusseriano parece ter sido levantado: os indivíduos estão desde-já sujeitos porque são desde-já sujeitos de direito. O “Nome do Pai” mencionado por Althusser como um exemplo privilegiado de interpelação familiar da criança antes do nascimento assume todo o seu significado.
O nome do Pai se tornará o nome da criança, ou melhor, já é o nome da criança no ventre de sua mãe, em virtude mesmo da lei. Filiação é uma filiação jurídica, atribui ao Pai e aos filhos direitos e deveres e, assim, marca o seu lugar. Ao mesmo tempo, define a função familiar. De fato, quando Althusser confirma mais à frente:
“Antes de nascer, a criança é sempre-ja um sujeito destinada a sê-lo na e pela configuração ideológica familiar específica na qual ela é “esperada” depois de ter sido concebida. Inútil será dizer que esta configuração ideológica familiar é, na sua unicidade, fortemente estruturada, e é nesta estrutura implacável mais ou menos “patológica” (assumindo que este termo tem um significado determinado), que o antigo futuro-sujeito deve “achar” o “seu” lugar, isto é, “tornar-se” o sujeito sexual (menino ou menina) que, de antemão, ele já é”.39
Deve-se perguntar: a criança (menino ou menina) que irá nascer mais do que ser chamada a se tornar apenas um “sujeito sexual”, não é chamada, como sujeito, para segurar um certo papel social? Ou mais precisamente, e mais amplamente, de que papel social é encarregada a sexualidade assim juridicizada, isto é, presa ao Nome do Pai? Qual é o conteúdo do discurso ideológico da família que o torna “implacável”?
Não pretendemos analisar a estrutura e funcionamento do inconsciente ou de fazer teoria de sua articulação com estrutura econômica e social. Simplesmente tentamos indicar de que lado um discurso marxista sobre o inconsciente pode ser mantido.
Parece, à luz das análises do estatuto e funcionamento jurídico da família e dos dados sociológicos e econômicos fornecidos pelos estudos de campo, que o papel principal e essencial da família é garantir a continuidade do patrimônio (moral e material), a herança do patrimônio familiar de Pai e Filho (Filha). É necessário exumar o conceito fundamental engelsiano de “unidade econômica”40. A unidade econômica significa que a família, no modo de produção capitalista, por exemplo, tem como função de proteger a propriedade privada. Compreende-se melhor, então, o significado do “ritual ideológico” em torno do nascimento de um filho, e do qual fala Althusser. O discurso estruturado do inconsciente familiar, portanto, tem algo a ver com o papel econômico e ideológico que desempenha: como uma instituição que permite a reprodução das relações de produção. O Nome do Pai pode então mostrar todo o seu significado social: não é comparável a esse sujeito todo-poderoso que é o Capital infantilizando os seus sujeitos para continuar sendo assim? Ele não põe essa outra máscara ideológica: a de Deus? É impressionante ver aliás como a análise althusseriana da ideologia religiosa revela um funcionamento idêntico ao da família. A interpelação familiar da criança e a interpelação religiosa do cristão é o mesma. Ambos estão relacionados ao Nome do Pai, ambos chamam por seus sujeito.
Vamos ainda mais longe. Nós juntamos às análises sobre a religião de Lenin. A religião não pode se entender, analisada, sem inseri-la nas relações de classe. Se a religião serviu tanto aos poderes, é porque permite que a ideologia dominante funcione, isto é, reproduza as relações de produção. Substitui a relação explorador/explorado pela relação Pai/Filho, Deus o pai/sujeitos. Se existe então uma proibição paterna que não pode ser transgredida, é justamento o de conhecê-lo e, assim, desmistificá-lo, derrubá-lo(lembre-se do “pecado” de Adão e Eve), para tomar seu lugar.
Esse é também o “poder misterioso” do capital do qual Marx fala. Este é também o poder do pai familiar sobre seu filho. Esse poder é dado por quem o detém: o “capital”, e esse poder do capital é regulado pelos direitos conferidos a ele pelo direito.
Confiar no Capital, confiar em Deus, confiar no Pai é assegurar “a garantia absoluta de que tudo está bem assim, e somente sob a condição de que os sujeitos reconheçam o que são e se comportem de acordo. consequentemente, tudo ficará bem: ”assim seja!”(Althusser, supra). Para a ideologia, ser adulto significa então: ser um sujeito que sabe andar “por conta própria”, “isto é, pela ideologia”. Ele se considera livre, tanto mais livre, quanto mais é subjugado. Esta é a torção formidável que a ideologia faz na consciência dos indivíduos, e essa torção só pode ser mantida pelo estabelecimento em todos os níveis (idade e hierarquia social), um sistema de instituições que permitem a reprodução das relações de produção.
*Artigo originalmente publicado em La Pensée No. 173, fevereiro de 1974.
Notas:
1. Louis Althusser: “Ideologia e aparatos ideológicos do Estado”, La pensée, n ° 51, junho de 1970. Disponível em Louis Althusser, Sobre a reprodução, Paris, PUF, 2011.
2. O empirismo é inevitável na medida em que ainda falta a teorização do lugar privilegiado da produção da ideologia do sujeito: o direito. (Observação simples que não podemos desenvolver aqui).
3. B. Edelman, Le droit saisi par la photographie, Maspero
4. Ibid, p. 3
5. Pasukanis, A teoria geral do direito e o marxismo, Ed. E.D.I., 1949
6. Isso justifica a diferença de Althusser entre os aparelhos que operam apenas na ideologia e os aparelhos que operam na ideologia e na violência (restrição de materiais).
7. Edelman, op. cit., p. 25.
8. Ibid., p. 15.
9. Ibid., p. 66
10. Ibid, p. 30.
11. Ibid, p. 42.
12. Ibid, p.45.
13. Referimo-nos à análise de Edelman de Kant e Hegel quanto ao problema da passagem da filosofia kantiana em si para a do “sujeito” hegeliano correspondendo precisamente à evolução da categoria da propriedade privada. (Veja “A Transição da Doutrina da Lei de Kant”, La Pensée, 167 de fevereiro de 1973, “e” O Sujeito da Lei em Hegel, “La Pensée, 170 de agosto de 1973).
14. Edelman, op. cit., p. 61.
15. Ibid., p. 63.
16. Quando falamos de capital como um “sujeito”, é um sujeito ideológico do qual falamos, e não o processo sem sujeito do capital como um processo econômico
17.Este é o processo da Ópera dos Três Quartos que Brecht expôs e analisou, em um livro editado pelas Edições da Arca sob o título “Sur le cinéma”.
18. Coleção Dalloz, 1973. Jurisprudência, p. 363 (22ª questão)
19. Edelman, op. cit., p. 52.
20. Ibid., p. 46.
21. Ibid., p. 56.
22. Brecht, “Sur le Cinéma”, Ed. l’Arche, p. 105.
23. Idem, p. 190.
24. Idem, p. 191.
25. Ibidem.
26. Idem, p. 177.
27. Idem, p. 215.
28. Op. cit.
29. Idem, p. 159-160.
30. Idem, p. 215.
31. Idem, p. 209.
32. Edelman, op. cit., p. 89.
33. Idem, p. 102.
34. Idem, p. 92.
35. Ibidem.
36. Ibidem.
37. I dem, p. 95.
38. Althusser, “Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado”, La Pensée, junho de 1970, n. 151, p. 32. Parece-me que essa proposição é ambígua. Pode realmente nos levar a acreditar que em qualquer momento e em qualquer lugar. a categoria de “sujeito” tem sido a categoria dominante de ideologia. Mas se a ideologia não tem história como ideologia (o efeito necessário da ilusão de um modo de produção), a categoria de sujeito tem uma história. Nem sempre existiu como tal. Nasce com a produção de mercado, e se torna dominante, isto é, intervém como uma interpelação ideológica privilegiada, somente com a produção capitalista, isto é, o nascimento e a reprodução do trabalhador livre. Se, portanto, concordamos com a análise althusseriana do funcionamento da ideologia e sua interpelação, o conteúdo histórico desta interpelação continua a ser definido a cada vez.
39. Idem, p. 32.
40. A análise do status econômico/jurídico da família foi feita por Edelman durante o seminário e ele deu em 1972-1973 na École Normale Supérieure na rue d’Ulm.