Por Edmilson Costa, livro disponível em Editora Ciências Revolucionárias
As últimas três décadas foram marcadas pela hegemonia do pensamento único em todas as esferas da vida social, especialmente na área da economia. Retornou-se nesse período a um estatuto teórico do século XVIII fantasiado de modernidade, como o mercado regulador das atividades econômicas, sociais e políticas da humanidade, a retirada do Estado da economia, a desregulamentação financeira e das leis de proteção social, as privatizações do patrimônio público e o estímulo permanente a um individualismo doentio na sociedade.
Esses mitos neoliberais, estimulados diariamente pelos meios de comunicações a serviço do capital, fincaram raízes profundas em vastos setores da população, inclusive entre os trabalhadores. A televisão, o rádio e os jornais transformaram-se em porta-vozes dos segmentos mais reacionários do capital, enquanto os pós-modernos passaram a hegemonizar vários setores da universidade. Especialmente nos cursos de economia, os currículos foram alternados para se adaptar à nova ordem. Formaram-se assim duas gerações sem oportunidades de conviver com outras teorias econômicas, pois qualquer tentativa de questionar o pensamento único era imediatamente desqualificada e retirada de cena.
No entanto, como sempre acontece historicamente, a realidade da vida termina se impondo na conjuntura. E foi exatamente isso que ocorreu com a crise sistêmica que emergiu em 2008. Quando menos o grande capital esperava, a crise roubou-lhe os fundamentos e, como num passe de mágica, todos os mitos construídos nestas três décadas neoliberais foram se desmoralizando como um castelo de cartas. Em desespero, o capital financeiro foi obrigado a pedir socorro ao Estado que tanto procurou espezinhá-lo por mais de 30 anos. O mito do mercado como regulador das atividades econômicas e sociais esfacelou-se, a eficiência da iniciativa privada, que justificava as privatizações, também evaporou-se. A crise deixou o rei inteiramente nu!
Nesse contexto em que o velho ainda não morreu e o novo ainda não teve condições de se impor é que tem grande importância o lançamento do livro “Economia Política para Trabalhadores“, da professora Sofia Manzano. Trata-se de um trabalho introdutório sobre a economia política, mas bem justificado teoricamente. O livro utiliza de vastas passagens dos clássicos num diálogo que procura aproximar os principais pensadores das ciências sociais com todos aqueles que estão se iniciando na leitura da economia. Além disso, as longas citações dos clássicos evitam as construções manualísticas tão comum em trabalhos desse tipo.
Com esta publicação, o Instituto Caio Prado Jr. (ICP) não apenas dá continuidade à publicação dos [seus] Cadernos (este é o de número 2), como também contribui de maneira efetiva para a construção contra-hegemônica num campo em que há poucas publicações progressista, como é o caso da economia. Com este trabalho, os leitores também têm oportunidade de conhecer os intrincados caminhos tanto da construção histórica do capitalismo como das principais variáveis da política econômica praticada na atualidade.
O livro está dividido em cinco capítulos, todos integrados, que possibilitam uma compreensão do estado da arte da economia contemporânea. O primeiro capítulo faz um relato histórico sobre o desenvolvimento do processo de produção, desde as sociedades primitivas, envolvendo uma abordagem sobre a divisão social do trabalho, o processo de troca e a formação do excedente, a questão do valor, da moeda, bem como o processo em que o dinheiro se transforma em capital para gerar a acumulação do capital.
O capítulo dois traça uma trajetória do desenvolvimento capitalista, desde o processo de transição do feudalismo, passando pela acumulação primitiva, o papel dos regimes absolutistas, a centralização do Estado na figura do rei, a unificação jurídica, tributária e monetária e a relação dessa nova conjuntura com os interesses da burguesia nascente. Um aspecto interessante é o fato de que, ao contrário do que dizem os escribas do capitalismo, que procuram embelezar a história e desenvolvimento desse modo de produção, o livro relata, baseado nos clássicos, as barbaridades, a pilhagem e a violência realizadas contra os camponeses e trabalhadores em geral para a consolidação da burguesia. Pode-se constatar também que o processo de assalariamento foi realizado a ferro e fogo, com a burguesia obrigando os trabalhadores a trabalhar sob pena do açoite. Desprovidos dos meios de produção, expulsos de suas terras e passando a vagar pelas cidades, os trabalhadores não tinham outra opção a não ser vender sua força de trabalho para ganhar a sobrevivência, numa jornada de trabalho que não raro se estendia por mais de 16/17 horas, com os trabalhadores tendo que comer ao pé da máquina. Não é nada idílica a história do capitalismo.
O capítulo três vai analisar o capitalismo contemporâneo, não sem antes explicar a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. O livro analisa a importância das descobertas tecnológicas como fator importante para a formação das grandes empresas, bem como o processo de concentração e centralização do capital e a formação da sociedade por ações, fator fundamental para aglutinar capitais e dar um salto de qualidade no desenvolvimento do capitalismo.
Essa nova fase do capitalismo, que os clássicos denominaram de imperialismo, é objeto de cuidadosa análise, onde se demonstra que a formação dos monopólios é um processo natural do capitalismo, em função da concentração e centralização do capital. O livro analisa, ainda, os elementos constitutivos que levam às crises no capitalismo, ressaltando que, quando mais esse modo de produção se desenvolve, mais entra em contradição com as bases estreitas do consumo, o que faz a crise ser uma companheira inseparável deste modo de produção.
A autora avalia ainda que o capitalismo, em função da concorrência acirrada entre os monopólios, tende a levar a uma queda da taxa de lucro, em função da composição orgânica do capital, que é a relação existente entre o capital constante e o capital variável: “A queda da taxa de lucro é, portanto, resultado, em última instância, da tendência à substituição do “trabalho vivo” (trabalhadores) pelo trabalho morto (máquinas, equipamentos), fazendo reduzir a fonte de mais-valia, o que acaba por
originar uma super-acumulação de capital e de mercadorias, ao mesmo tempo em que promove uma restrição na capacidade de consumo da sociedade, por causa do desemprego que desencadeia”.
O livro trata ainda da questão do capitalismo do pós-guerra, período em que a burguesia sai enfraquecida dos conflitos e os trabalhadores emergem com grande força, pelo fato de que foram os principais baluartes da luta contra o nazi-fascismo. Essa conjuntura, aliada ao fato de que a União Soviética também saiu da Segunda Guerra com enorme prestígio, em função de ter sido a principal força para a derrota do nazismo, vai explicar porque os trabalhadores tiveram condições de impor ao capital uma série de direitos e garantias, constituindo-se aquilo que ficou conhecido como Estado do Bem Estar Social.
Ainda neste capítulo o livro aborda um conjunto de crises mais recentes do capitalismo, desde a crise na Bolsa de Valores em 1987, passando pela crise asiática, crise da Rússia, Brasil, Argentina até desembocar na crise sistêmica global, que já dura cerca de seis anos: “A crise econômica atual se alastrou rapidamente por todo o sistema capitalista e todos os países do mundo, pois como o capitalismo está globalizado, seja no comércio de bens e serviços, nas cadeias produtivas, no caráter mundial das grandes empresas ou na movimentação financeira, a crise atinge simultaneamente o centro do sistema, ou seja, Estados Unidos Europa e Japão, assim como os demais países como China Rússia, Índia e Brasil”.
Como em todas as crises, o capital procura jogar todo o ônus na conta dos trabalhadores, fazendo uma espécie de socialização dos prejuízos e colocando o Estado mais abertamente a serviço do capital para sair da crise: “Nesse quadro, aprofunda-se a ofensiva contra os salários, direitos e garantias dos trabalhadores, assim como ganham maior expressão posturas direitistas e fascistizantes em favor de modelos autoritários de exercício de poder”, o que já vem acontecendo em vários países da Europa.
Nos capítulos quatro e cinco a autora trata do funcionamento do sistema econômico, dos mercados capitalistas, bem como da política econômica desenvolvida nos vários países atualmente. Elaborado de forma didática, esses dois capítulos abordam o mercado da terra, o mercado de trabalho, o mercado de capitais, o sistema financeiro, bem como um conjunto de variáveis macroeconômicas como o Produto Interno Bruto, o balanço de pagamentos e as políticas econômicas práticas desenvolvidas no capitalismo atual.
Dessa forma, “Economia Política para Trabalhadores” cumpre um papel fundamental não apenas por se contrapor ao pensamento único que vigorou nos últimos 30 anos, mas especialmente se constitui numa ferramenta importante para a formação dos trabalhadores e dos estudantes num terreno (a economia) dominado pelos neoclássicos e escribas do capital, tanto nas escolas e universidades quando nos meios de comunicação. Esperamos que os movimentos sociais (não fragmentários) e os sindicatos em geral se apropriem das informações contidas neste livro para melhor desenvolverem as suas lutas cotidianas.
* Edmilson Costa é Secretário Geral do PCB e Doutor em Economia pela Unicamp-SP. Artigo publicado em 2013, quando da primeira publicação da obra, agora reeditada.