Por Louis Althusser, traduzido por Reginaldo Gomes e Romulo Cassi
Este glossário, que agora se publica em português, acompanha a edição inglesa de Pour Marx pela Verso Books, de título “For Marx”, datada de 1969, traduzida por Ben Brewster. Acreditamos que ele possa servir como um auxílio para leitura da obra, tanto para os iniciantes, que encontrarão definições simplificadas dos conceitos que ainda enfrentarão, quanto para os já iniciados, que terão neste glossário uma fácil remissão aos conceitos fundamentais da obra. Salientamos, no entanto, que não se trata de um “Glossário Althusser”, mas de algo restrito aos ensaios do livro “Pour Marx” (com edições no Brasil com os títulos: Por Marx; A favor de Marx; e Análise Crítica da Teoria Marxista). Em nossa visão, em vista da simplicidade e do didatismo das formulações abaixo, algumas sofrem de um significativo reducionismo, que nos compele indicar que a leitura deste glossário não deve substituir a leitura da obra de Althusser. Salientamos ainda que a obra de Louis Althusser sofreu alterações ao longo do tempo após a publicação de “Pour Marx”, exemplo dessas mudanças é a própria nota de Althusser neste glossário na definição de “Teoria…”. O próprio Althusser tomou contato com este glossário e suas poucas ponderações aparecem indicadas por colchetes e terminadas com “L.A.” – Nota dos tradutores.
Abstrato (abstrait). Para Althusser, a oposição teórica entre o abstrato e o concreto reside inteiramente no reino da teoria. O abstrato é o ponto de partida da prática teórica, a Generalidade I (q. v.), enquanto o concreto é o seu ponto final (Generalidade III). A visão teórica vulgar que considera a teoria como o abstrato e a realidade como o concreto é característica das obras de Feuerbach e da própria juventude de Marx.
Alienação (aliénation, Entäusserung). Um conceito ideológico usado por Marx em suas obras de juventude (q.v.) e considerado pelos partidários dessas obras como o conceito-chave do marxismo. Marx derivou o termo da antropologia de Feuerbach, a qual denotava o estado do homem e da sociedade onde a essência do homem só está presente para ele na forma distorcida de um deus, que, embora o homem o tenha criado à imagem de sua essência (o ser genérico), aparece a ele como um criador externo e pré-existente. Marx usou o conceito da mesma forma para criticar o Estado e a economia como apropriações da autodeterminação real do trabalho do homem. Em seus trabalhos posteriores, entretanto, o termo aparece muito raramente e, quando o faz, é usado ironicamente ou com um conteúdo conceitual diferente (em O capital, por exemplo.)
Ciência (science). Ver IDEOLOGIA e PRÁTICA.
Concreto-de-pensamento/Concreto-realidade (concret-de-pensée/concret-réel). Na ideologia de Feuerbach, o abstrato (q.v.) especulativo, a teoria, opõe-se ao concreto, a realidade. Para o Marx maduro, entretanto, o abstrato e o concreto teóricos existem no pensamento como Generalidades I e III (q.v.). O concreto-de-pensamento é produzido inteiramente no pensamento, enquanto o concreto-realidade “subsiste depois como antes em sua independência, no exterior do pensamento” (Marx).
Condensação, deslocamento e fusão das contradições (condensation, déplacement et fusion des contradictions). A condensação e o deslocamento foram usados por Freud para indicar as duas formas pelas quais os pensamentos oníricos são representados no trabalho do sonho – pela compressão de vários pensamentos oníricos em uma imagem ou pela transferência da intensidade psíquica de uma imagem para outra. Althusser usa a analogia desses processos de sobredeterminação psíquica para designar as diferentes formas de sobredeterminação (q.v.) de contradições na teoria marxista da história. Em períodos de estabilidade, as contradições principais de uma formação social são neutralizadas pelo deslocamento; em uma situação revolucionária, entretanto, elas podem se condensar ou se fundir em uma ruptura revolucionária.
Conhecimento (connaissance). Conhecimento é o produto da prática teórica (q.v.); é a Generalidade III (q.v.). Como tal, é claramente distinto do reconhecimento (reconnaissance) prático de um problema teórico.
Conjuntura (conjoncture). Conceito central da ciência política marxista (ver Lenin “o momento atual”); denota o balanço exato de forças, o estado de sobredeterminação (q.v.) das contradições em um dado momento no qual as táticas políticas devem ser aplicadas.
Consciência (conscience). Um termo, contaminado pela ideologia pré-marxista do jovem Marx, que designa a região onde a ideologia está localizada (“falsa consciência”) e superada (“verdadeira consciência”). Em verdade, Althusser argumenta, a ideologia é profundamente inconsciente – é uma estrutura imposta involuntariamente à maioria dos homens.
Contradição (contradiction). Um termo para a articulação de uma prática (q.v.) no todo complexo da formação social (q.v.). As contradições podem ser antagônicas ou não-antagônicas, a depender se o seu estado de sobredeterminação for de fusão ou condensação, ou de deslocamento (q.v.).
Corte epistemológico (coupure epistémologique). Um conceito introduzido por Gaston Bachelard em sua obra La Formation de l’esprit scientifique, e relacionado aos usos do termo por Canguilhem e Foucault nos estudos sobre a história das ideias (veja Althusser’s Letter to the Translator). Ele descreve o salto do mundo das ideias pré-científico para o mundo científico; esse salto envolve uma ruptura radical com todo o padrão e quadro de referências das noções pré-científicas (ideológicas) e a construção de um novo padrão (problemática q.v.). Althusser aplica o conceito à rejeição de Marx da ideologia hegeliana e feuerbachiana de sua juventude e a construção dos conceitos básicos do materialismo histórico e dialético (q.v.) em seus trabalhos posteriores.
Desenvolvimento desigual (développement inégal). Um conceito de Lenin e Mao Tse-Tung: a sobredeterminação (q.v.) de todas as contradições em uma formação social (q.v.) significa que não há desenvolvimento simples; as diferentes sobredeterminações em tempos e lugares diferentes resultam em diferentes padrões de desenvolvimento social.
Dialética da consciência (dialectique de la conscience). A dialética hegeliana, ou qualquer dialética em que os vários elementos ou momentos são externalizações de um princípio único, simples e interno, como Roma na Filosofia da História de Hegel é a expressão da personalidade jurídica abstrata etc.
Eficácia específica (efficacité spécifique). As características da teoria tardia de Marx: os diferentes aspectos da formação social não estão relacionados como na dialética da consciência de Hegel (q.v.), como fenômenos e essência, cada um tem sua influência precisa na totalidade complexa, a estrutura com dominante (q.v.). Assim, base e superestrutura (q.v.) não devem ser concebidas como o marxismo vulgar as concebe, como essência e fenômeno. O Estado e a ideologia não são meras expressões da economia, eles são autônomos dentro de um todo estruturado onde um aspecto é o dominante, sendo essa dominância determinada, em última instância, pelo econômico.
Empirismo (empirisme). Althusser usa o conceito de empirismo em um sentido muito preciso para incluir todas as “epistemologias” que opõem um dado sujeito a um dado objeto e chamam de conhecimento a abstração pelo sujeito da essência do objeto. Consequentemente, o conhecimento do objeto é parte do próprio objeto. Isso permanece verdadeiro seja qual for a natureza do sujeito (psicológico/histórico etc.) ou do objeto (contínuo, descontínuo, móvel, imóvel etc.) em questão. Portanto, além de cobrir aquelas epistemologias tradicionais chamadas de “empiristas”, essa definição inclui o idealismo clássico e a epistemologia de Feuerbach e do Jovem Marx.
Espontaneidade (spontanéité). Um termo empregado por Lenin para criticar uma tendência política e ideológica no movimento Social-Democrata Russo que defendia que o movimento revolucionário deveria se basear na ação “espontânea” da classe trabalhadora, ao invés de tentar liderá-la impondo sobre essa ação, por meio de um partido, as políticas produzidas pelo trabalho teórico do partido. [Para Lenin, a verdadeira espontaneidade, capacidade de ação, inventividade e assim por diante, das “massas”, deveria ser respeitada como o aspecto mais precioso do movimento dos trabalhadores: mas ao mesmo tempo Lenin condenava a “ideologia da espontaneidade” (uma ideologia perigosa) compartilhada pelos seus oponentes (populistas e “socialistas revolucionários”), e reconheceu que a verdadeira espontaneidade das massas deveria ser sustentada e criticada para “libertá-la” da influência da ideologia burguesa. L.A.]. Nesse sentido, Lenin argumentou que fazer concessões à “espontaneidade” era entregar o movimento revolucionário ao poder da ideologia burguesa e, portanto, à contrarrevolução. Althusser generaliza isso argumentando que cada prática (q.v.) e sua ciência correspondente não devem ser deixadas para se desenvolverem por conta própria, por mais bem-sucedidas que possam ser temporariamente, uma vez que isso deixa o campo aberto para uma ideologia (caracteristicamente o pragmatismo) se apoderar da ciência, e para que a contrarrevolução capture a prática. A “unidade da teoria e da prática” não pode ser a simples união de uma reflexão, é a complexidade de um corte epistemológico (q.v.). [na teoria. Na prática política essa unidade assume outra forma (não examinada neste livro). L.A]
Estrutura com dominante (structure à dominante). A totalidade marxista (q.v.) não é nem um todo no qual os elementos são equivalentes como fenômenos de uma essência (hegelianismo), nem alguns de seus elementos são epifenômenos de qualquer um deles (economicismo ou mecanicismo); os elementos são assimetricamente relacionados, mas autônomos (contraditórios); um deles é dominante. [A base econômica “determina” (“em última instância”) qual elemento será o dominante em uma formação social (ver Ler O Capital). L.A.]. Assim, é uma estrutura com dominante. Mas o elemento dominante não é fixo para sempre, ele varia de acordo com a sobredeterminação (q.v.) das contradições e seu desenvolvimento desigual (q.v.). Na formação social, essa sobredeterminação é, em última instância, determinada pela economia (determiné en denière instance de l’économie). Esse é o esclarecimento de Althusser quanto à assertiva marxista clássica de que a superestrutura (q.v.) é relativamente autônoma, mas a economia é determinante em última instância. A frase “em última instância” não indica que haverá algum tempo final ou que alguma vez terá havido algum ponto de partida onde a economia foi ou será unicamente determinante às outras instâncias que a precederam ou que a seguiram: “a última instância jamais chega”, a estrutura é sempre a co-presença de todos os seus elementos e suas relações de dominância e subordinação – é uma “estrutura sempre-já-dada” (structure toujours-déjà-donnée).
Estrutura descentrada (struture décentrée). A totalidade hegeliana (q.v.) pressupõe uma essência primária original que reside por trás da aparência complexa que ela produziu pela externalização na história; por isso, é uma estrutura com um centro. A totalidade marxista, entretanto, nunca é separada dessa maneira dos elementos que a constituem, dado que cada um é a condição de existências dos outros (veja SOBREDETERMINAÇÃO); daí que não há centro, mas apenas um elemento dominante, e uma determinação em última instância (veja ESTRUTURA COM DOMINANTE): isto é, uma estrutura sem centro.
Estrutura sempre-já-dada (structure toujours-déjà-donnée). Ver ESTRUTURA COM DOMINANTE.
Estrutura/superestrutura (superstructure/structure). No marxismo clássico, a formação social (q.v.) é analisada em componentes da estrutura econômica – determinante em última instância – e superestruturas relativamente autônomas: (1) o Estado e o direito; (2) a ideologia. Althusser esclarece isso ao dividi-la em estrutura (a prática econômica) e superestrutura (prática política e ideológica). A relação entre essas três é a de uma estrutura com dominante (q.v.), determinada em última instância pela estrutura.
“Filosofia”/Filosofia (‘philosophie’/philosophie). “Filosofia” (entre aspas) é usada para denotar as formas reflexas de ideologia (q.v.) como opostas à Teoria (q.v.). Ver as “Remarks on the Terminology Adopted*”, p. 162, do próprio Althusser. Filosofia (sem aspas) é usada nos ensaios posteriores para denotar a filosofia de Marx, ou seja, o materialismo dialético.
Formação social (formation sociale). [Um conceito que denota a assim chamada “sociedade”. L.A]. O conjunto complexo, concreto, que compreende a prática econômica, a prática política e a prática ideológica (q.v.) em um determinado lugar e fase do desenvolvimento. O materialismo histórico é a ciência das formações sociais.
Generalidades I, II e III (Généralités I, II et III). Na prática teórica (q.v.), processo de produção do conhecimento, as Generalidades I são as generalidades abstratas, parte ideológicas e parte científicas, que são a matéria-prima da ciência, as Generalidades III são as generalidades concretas, científicas, que são produzidas, enquanto as Generalidades II são a teoria da ciência em um dado momento, os meios de produção do conhecimento (q.v.).
Humanismo (humanisme). O humanismo é o traço característico da problemática (q.v.) ideológica da qual Marx emergiu e, de forma mais geral, da maior parte das ideologias modernas; uma forma particularmente consciente desse humanismo é a antropologia de Feuerbach, que domina as primeiras obras de Marx (q.v.). Como ciência, entretanto, o materialismo histórico, como exposto na obra tardia de Marx, implica um anti-humanismo teórico. O “humanismo real” caracteriza as obras do corte (q.v.): a forma humanista é mantida, mas usos como “o conjunto das relações sociais” apontam para o conceito de materialismo histórico. Entretanto, a ideologia (q.v.) de uma sociedade socialista pode ser um humanismo, um “humanismo de classe” proletário [uma expressão que obviamente uso em um sentido provisório, semicrítico. L.A.].
Ideologia (idéologie). A ideologia é a relação “vivida” entre o homem e seu mundo, ou uma forma refletida dessa relação inconsciente, por exemplo, uma “filosofia” (q.v.) etc. Distingue-se de uma ciência não por sua falsidade, já que pode ser coerente e lógica (por exemplo, a teologia), mas pelo fato de nela predominar o prático-social sobre o teórico, sobre o conhecimento. Historicamente, ela precede a ciência que é produzida por um corte epistemológico (q.v.) com ela, mas sobrevive ao lado da ciência como um elemento essencial de toda formação social (q.v.), incluindo uma sociedade socialista e até mesmo comunista.
Leitura (lecture). Os problemas da teoria marxista (ou de qualquer outra teoria) só podem ser resolvidos ao se aprender a ler corretamente os textos (daí o título do livro posterior de Althusser, Lire le Capital, “Ler O Capital”); não bastarão nem uma leitura superficial, compilar referências literais, tampouco uma leitura hegeliana, deduzindo a essência de um corpus pela extração do “núcleo racional na ganga mística”. Apenas uma leitura sintomal (lecture symptomale – veja PROBLEMÁTICA), construindo a problemática, o inconsciente do texto, é uma leitura da obra de Marx que nos permitirá estabelecer o corte epistemológico que torna possível o materialismo histórico como ciência (q.v.).
Materialismo dialético e histórico (matérialisme dialectique et historique). Os historicistas, mesmo aqueles que afirmam ser marxistas, rejeitam a clássica distinção marxista entre materialismo histórico e dialético, dado que eles veem a filosofia como o autoconhecimento do processo histórico, e consequentemente identificam filosofia à ciência da história; na melhor das hipóteses, o materialismo dialético é reduzido ao método histórico, enquanto a ciência da história é seu conteúdo. Althusser, rejeitando o historicismo, rejeita essa identificação. Para ele, o materialismo histórico é a ciência da história, enquanto o materialismo dialético, a filosofia marxista, é a teoria da prática científica (veja TEORIA).
Negação da negação (négation de la négation). Uma concepção hegeliana com a qual Marx “flerta” mesmo em suas obras maduras. Denota o processo de destruição e retomada (suprassunção/Aufhebung. q.v.) através do qual o Espírito se move de um estágio de seu desenvolvimento para outro. Para Marx, isso descreve o fato de que o capitalismo, tendo surgido pela destruição do feudalismo, está ele mesmo destinado a ser destruído pelo surgimento do socialismo e do comunismo [esta descrição faz um uso metafórico da noção. L.A.].
Obras da juventude, da maturação e da maturidade de Marx (Oeuvres de jeunesse, de maturation et de la maturité de Marx). Althusser rejeita a visão de que as obras de Marx formam uma unidade teórica. Ele as divide da seguinte maneira: Obras da juventude (até 1840-44); Obras do corte (Oeuvres de la Coupure – 1845); Obras da maturação (1845-57); Obras da maturidade (1857-83). Deve-se lembrar, entretanto, que o corte epistemológico não pode ser pontual, nem realizado de uma vez por todas: deve ser pensado como um “corte contínuo” e sua crítica aplica-se mesmo às últimas obras de Marx, que “flertam” com expressões hegelianas e contém “sobrevivências” pré-marxistas.
Prática econômica, política, ideológica e teórica (pratique économique, politique, idéologique et théorique). Althusser retoma a teoria introduzida por Engels e mais elaborada por Mao Tse-Tung de que as práticas econômica, política e ideológica são as três práticas (processos de produção ou transformação) que constituem a formação social (q.v.). A prática econômica é a transformação da natureza pelo trabalho humano em produtos sociais, a prática política é a transformação das relações sociais pela revolução, a prática ideológica é a transformação de uma relação com o mundo vivido em uma nova relação pela luta ideológica. Em sua preocupação em acentuar a distinção entre ciência e ideologia (q.v.), Althusser insiste que a teoria constitui uma quarta prática, prática teórica, que transforma ideologia em conhecimento por meio da teoria. O momento determinante em cada prática é o trabalho da produção que reúne as matérias-primas, homens e meios de produção – não os homens que realizam o trabalho, que, portanto, não podem reivindicar serem os sujeitos do processo histórico. Práticas subsidiárias também são discutidas por Althusser, por exemplo, a prática técnica (pratique technique).
Problemática (problématique). Uma palavra ou conceito não pode ser considerado isoladamente; ele existe apenas no quadro teórico ou ideológico em que é usado: sua problemática. Um conceito relacionado pode claramente ser visto em funcionamento na obra História da Loucura de Foucault (mas veja Althusser’s Letter to the Translator). Deve-se enfatizar que a problemática não é uma visão de mundo. Não é a essência do pensamento de um indivíduo ou época que pode ser deduzida de um corpo de textos por uma leitura empírica generalizante; é centrado na ausência de problemas e conceitos dentro da problemática tanto quanto na sua presença; portanto, só pode ser alcançado por uma leitura sintomal (lecture symptomale q.v.) no modelo freudiano da leitura do analista das declarações de seu paciente.
Sobredeterminação (surdétermination, Überdeterminierung). Freud usou esse termo para descrever (entre outras coisas) a representação dos pensamentos oníricos em imagens privilegiadas pela condensação de um número de pensamentos em uma única imagem (condensação/Verdichtung), ou pela transferência de energia psíquica de um pensamento particularmente potente para imagens aparentemente triviais (deslocamento/Verschiebung-Verstellung). Althusser usa o mesmo termo para descrever os efeitos das contradições em cada prática (q.v.) que constituem a formação social (q.v.) na formação social como um todo e, portanto, volta sobre cada prática e cada contradição, definindo o padrão de dominação e subordinação, antagonismo e não-antagonismo das contradições na estrutura com dominante (q.v.) em um dado momento histórico. Mais precisamente, a sobredeterminação de uma contradição é a reflexão de suas condições de existência nela mesma, dentro do todo complexo, isto é, das outras contradições no todo complexo, em outras palavras, seu desenvolvimento desigual (q.v.).
Suprassunção (depassement, Aufhebung). Um conceito hegeliano popular entre os marxista-humanistas que denota o processo de desenvolvimento histórico pela destruição e retenção em um nível superior de uma situação anterior historicamente determinada em uma nova situação historicamente determinada – por exemplo, o socialismo é a suprassunção do capitalismo, o marxismo é a suprassunção do hegelianismo. Althusser afirma que se trata de um conceito ideológico, e o substitui pelo de transição histórica, ou, no desenvolvimento de uma ciência, pelo corte epistemológico (q.v.).
Teoria, “teoria” e teoria (théorie, ‘théorie’, Théorie). Para Althusser, a teoria é uma prática teórica científica específica. No capítulo 6, “Sobre a dialética materialista”, uma distinção também é feita entre “teoria” (com aspas), o sistema teórico determinado de uma dada ciência, e Teoria (com T maiúsculo), como teoria da prática em geral, ou seja, materialismo dialético. [Em poucas palavras no prefácio da tradução italiana de Ler O Capital, reproduzida na nova edição francesa do livro, e que será publicada na tradução inglesa (New Left Books), eu indiquei que agora considero minha definição da filosofia (Teoria como “a Teoria da prática teórica”) como uma concepção unilateral e, consequentemente, falsa, do materialismo dialético. Indicações positivas da nova definição que proponho podem ser encontradas em: (1) uma entrevista publicada em L’Unità em fevereiro de 1968 e reproduzida na tradução italiana de Ler O Capital (Feltrinelli) e em La Pensée (abril de 1968); (2) em Lenin e a Filosofia, texto de uma conferência que proferi na Société Française de Philosophie em fevereiro de 1968, e publicado com o mesmo título pela François Maspero em janeiro de 1969. A nova definição da filosofia pode ser resumida em três pontos: (1) a filosofia “representa” a luta de classes no domínio da teoria, portanto a filosofia não é nem uma ciência, nem teoria pura (Teoria), mas uma prática política de intervenção no reino da teoria; (2) a filosofia “representa” a cientificidade no domínio da prática política, portanto a filosofia não é a prática política, mas uma prática teórica de intervenção no domínio da política; (3) a filosofia é uma “instância” original (diferindo das instâncias da ciência e da política) que representa uma instância ao lado (auprès de) de outra, na forma de uma intervenção específica (teórico-política). L.A.].
Totalidade (totalité, Totalität). Um conceito originalmente hegeliano que se tornou confuso por ser usado por todos os teóricos que desejam enfatizar o todo em vez das várias partes de qualquer sistema. No entanto, as totalidades hegeliana e marxista são muito diferentes. A totalidade hegeliana é a essência por trás da multidão de seus fenômenos, mas a totalidade marxista é uma estrutura descentrada com dominante (q.v.).