Por Beatriz Contelli
Nascida e criada no sul dos Estados Unidos – onde por muito tempo ser escravagista era sinônimo de orgulho – Angela Davis fez seu nome não só por ter desafiado a ordem vigente, mas por ter corrido pelo certo.
Como se não bastasse a polícia de Nixon que a caracterizava como uma “negra alta com espaço entre os dentes”, Davis ainda teria que enfrentar, durante a década de 1980, a violenta administração neoliberal de Ronald Reagan.
Recheada de políticas anticomunismo, a administração Reagan aboliu programas para melhorar as condições da população pobre estadunidense, a juventude de minorias étnicas se viu ainda mais longe de uma educação de qualidade, os índices de pobreza, mortalidade infantil e vício em drogas cresceram vertiginosamente.
Davis sabia da importância de denunciar a opressão de gênero – principalmente a que recaia sobre as mulheres negras e da classe trabalhadora – mas ela também sabia que a opressão de classe se fazia ainda mais cruel e que sem a abolição das instituições capitalistas seria inviável sua superação.
Ao denunciar o racismo e o desdém presentes em alguns movimentos de mulheres que têm estratégias de luta baseadas unicamente na condição específica das mulheres brancas da burguesia, Davis, assim como Mirla Cisne, evidencia que a falta de moradia, a reivindicação por melhores salários, a urgência da reforma agrária, o desmonte da saúde pública e o descaso com a juventude pobre são a luta das mulheres.
37 anos antes do nascimento de Davis, Clara Zetkin já discursava sobre a necessidade das trabalhadoras se unirem a seus maridos e filhos a fim de travar uma batalha comum contra a classe capitalista. Subjugada pelo trabalho doméstico e vista como força de trabalho barata, a mulher deveria compreender a interligação entre opressão sexista, opressão racista e exploração de classe, partindo para a conclusão de que feminismo e socialismo possuem uma compatibilidade incontestável.
Assim como no século XX muito se acreditava no que a própria Davis chama de “uma Grande Irmã Branca Salvadora”, hoje encontramos movimentos feministas que propagam frases pomposas de igualdade e liberdade, em que o sexo oposto é visto como o inimigo maior, enquanto se esquecem de incorporar a perspectiva de gênero à condição material.
A democracia burguesa não realizará o feminismo pleno e nossas supostas irmãs reacionárias não nos darão a mão para contemplar a revolução.
Encerro assim dizendo, de uma vez por todas: a emancipação das mulheres e a emancipação da classe trabalhadora são uma só. Uma sociedade socialista é incompatível com qualquer tipo de opressão.