Por Alenka Zupančič via Paragraph*, traduzido por Rodolfo Rodrigues.
Este artigo trata da forma como Michel Foucault introduziu pela primeira vez a noção de ‘biopolítica’ por meio do quadro referencial da sexualidade e da psicanálise. Ele se concentra no conceito que está totalmente ausente na leitura foucaultiana, em História da Sexualidade, a respeito da leitura psicanalítica sobre a sexualidade – o conceito de inconsciente. Argumenta que essa omissão tem consequências importantes e de longo alcance para o conceito (foucaultiano) de biopolítica.
A psicanálise toca a sexualidade apenas na medida em que, na forma da pulsão, ela se manifesta no desfiladeiro do significante, no qual se constitui a dialética do sujeito na dupla etapa da alienação e da separação. A análise não manteve, no campo da sexualidade, o que se poderia, erroneamente, esperar dela por meio de promessas – não cumpriu tais promessas porque não tem que cumpri-las. Este não é o seu terreno.
Jacques Lacan, Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.
1.
Como é geralmente o caso com os autores mais interessantes e conceitualmente produtivos, Foucault permanecia voltando a algumas de suas ideias cruciais, retrabalhando-as – às vezes – de formas significativamente distintas, até o final, quando a morte o atingiu quase como que no meio de uma frase.[i] Suas pausas e interrupções também fazem parte desse retorno às mesmas noções para repensá-las de diferentes maneiras, mais notavelmente na pausa após a publicação do primeiro volume de História da sexualidade em 1976 (seguida de um segundo e terceiro volumes apenas em 1984). O primeiro volume introduziu pela primeira vez o conceito de biopolítica de forma patente, e o introduziu por meio da (história da) sexualidade como seu quadro principal. Depois disso, surge uma crise e um longo processo de reorientação no qual a biopolítica e o problema da sexualidade parecem ter tomado duas direções diferentes. Entre 1977 e 1979, Foucault segue na questão da biopolítica, embora de um modo que não referencie o quadro anterior de História da Sexualidade.[ii] Posteriormente, quando retoma o tema sexualidade, ele o faz com uma abordagem consideravelmente distinta, no contexto mais amplo de relação consigo e de “constituição da experiência” que o acompanha. O projeto de escrever uma história da sexualidade foi, portanto, abandonado após o primeiro volume, e o conceito de biopolítica seguiu seu desenvolvimento em outras linhas de investigação e sob outro panorama – na maior parte, em referência ao (neo)liberalismo.
O conceito de biopolítica – amplamente utilizado, bem como frequentemente problematizado – é e permanece emblemático de uma considerável divisão na filosofia contemporânea (de esquerda). Nessa divisão, alinho-me àqueles (embora sejam autores diversos) que o veem como uma noção conceitualmente problemática, isto é, uma noção que – apesar de seus muitos aspectos extremamente produtivos –, ainda assim falha em um ponto importante: em conceitualizar o funcionamento moderno do “poder” e da “política”. Como e por quê? Uma vez que o conceito se ergue com e a partir de uma certa abordagem de sexualidade e de psicanálise, pode ser que seja esclarecedor observar o que está exatamente em jogo, tarefa que esse artigo se aventura a fazer. E ainda que isso nos leve também a ver o quão errado Foucault estava ao atribuir certos elementos à psicanálise, esse não é exatamente o ponto. Muito mais interessante do que a questão de se a psicanálise é, de fato, o que Foucault faz com que seja, é uma outra pergunta: Qual a versão de psicanálise que Foucault necessita para desenvolver, com sua “ajuda”, seu conceito de biopolítica, e por quê? A descrição e a formulação do que a psicanálise faz é bastante essencial para o desdobramento do argumento de Foucault como um todo no primeiro volume de História da Sexualidade; não se trata apenas de um exemplo, é um exemplo intrínseco e vital para o próprio surgimento de seu conceito de biopolítica. E embora aconteçam modificações importantes no desenrolar do trabalho posterior de Foucault, o problema que não obstante permanece pode ser traçado desde o nascimento dessa noção no espírito da leitura foucaultiana da psicanálise.
Desse modo, desenvolverei meu argumento em duas etapas, ou melhor, em duas frentes ao mesmo tempo: por um lado, insistirei no que é gravemente perdido (e ausente) na descrição de Foucault da psicanálise; por outro lado, tentarei mostrar como isso deixa um traço significativamente sintomático na sua teoria de poder moderno como biopolítica.
O que é drasticamente perdido (e ausente) na descrição de Foucault da psicanálise é muito simples: o conceito de inconsciente. Isso é de fato muito curioso[iii]. Se fosse para alguém escolher um elemento que constitui o cerne da descoberta freudiana, seria o inconsciente ou simplesmente a sexualidade? Foucault relaciona a “façanha” de Freud a uma nova maneira de falar sobre a sexualidade, e de fazê-la falar. Ao mesmo tempo, o conceito de inconsciente não é mencionado uma única vez em todo primeiro volume de História da Sexualidade, ainda que a psicanálise seja um de seus principais protagonistas. Isso é no mínimo estranho: rigorosamente falando, a sexualidade entra na perspectiva freudiana apenas na medida em que é “sexualidade inconsciente”, ou seja, na medida em que algo sobre a sexualidade é constitutivamente inconsciente – e constitutivamente problemático, faltoso, irredutível a qualquer tipo de verdade sobre si mesmo. “Sexualidade inconsciente” não significa apenas que nós não estamos cientes dela, ao mesmo tempo em que ela constitui uma verdade oculta da maioria de nossas ações. Compreender o conceito de inconsciente dessa maneira é perder radicalmente o que significa sua novidade e as consequências dessa descoberta conceitual. O termo “inconsciente” não significa o oposto à consciência, ele se refere a um processo ativo e contínuo de trabalho de recalque, deslocamento, condensação, e etc. E esse trabalho é intrínseco à sexualidade (desejo) e seus impasses, ao invés de simplesmente realizado em relação a ela. Foucault parece deixar passar isso completamente, e parece fazê-lo para que seja possível assimilar os conceitos freudianos de inconsciente e de recalque (Verdrängung) a aquilo que chama de “repressão” e de “hipótese repressiva” – uma assimilação que funciona particularmente bem em inglês[iv].
De fato, esse é um movimento conceitual chave (ou melhor, anti-conceitual) em História da Sexualidade: os conceitos freudianos de inconsciente e de Verdrändung, por não serem discutidos diretamente, são substituídos e assimilados pela noção mais geral de “repressão” (no funcionamento que adquire no termo “hipótese repressiva”), assim como na noção mais específica, ou particular, de “segredo”, que também é muito importante no argumento foucaultiano. Para resumir, sua tese é a seguinte: nas sociedades modernas, a sexualidade tem sido qualquer coisa, menos reprimida; temos testemunhado – a respeito da sexualidade – um gigantesco “incitamento ao discurso”, uma “implantação de perversidade”, um gesto de dar foco a sexualidade e coloca-la em holofote, vendo-a em todos os lugares, fazendo, e inclusive forçando-a a falar a toda hora.
Parte dessa “invenção” da sexualidade, de sua implantação discursiva, foi também instituída como o segredo último que deve ser falado e revelado; tornou-se o lócus da verdade e o objeto último de conhecimento, sustentado pelo seu próprio segredo: “O que é peculiar nas sociedades modernas, na verdade, não é que eles tenham confinado o sexo a uma existência nas sombras, mas que se dedicaram a falar dele ad infinitum, explorando-o como o segredo”[v]. Ou: “[…] nós nos tornamos dedicados à tarefa infinita de forçar seu segredo (o da sexualidade), de exigir a mais verdadeira das confissões da sombra” (HS, 159). Parece, partindo dessa e de outras passagens, que o conceito de inconsciente para Foucault é simplesmente a maneira como a psicanalise institui conceitualmente a sexualidade como segredo, como o segredo – sendo esse último a própria condição de sua eterna exploração e de exercício de poder por meio disso. É difícil não ver nessa substituição do termo “inconsciente” pelo termo “segredo” uma manobra bastante deliberada e estratégica. O fato de que sempre houve uma compreensão “popular”, “selvagem”, da psicanálise em sintonia com esse relato, não faz com que seja menos estratégica a manobra de Foucault ao se posicionar junto desse entendimento. E o fato de que nunca realmente cite Freud ou Lacan em sua versão da psicanálise também diz a esse respeito. Ele escolhe deliberadamente a percepção popular do que a psicanálise faz em detrimento de sua invenção conceitual e rigor. Por quê? Parte da resposta pode ser a de que ele considerava a percepção popular e selvagem de psicanálise mais relevante para seu funcionamento social do que suas sutilezas conceituais. Até certo ponto podemos concordar com isso, e até apontar que uma teoria como a psicanálise não pode simplesmente lavar as mãos das percepções que produz. No entanto, as coisas são mais complicadas, precisamente porque Freud e Lacan nunca tentaram lavar as mãos. Muito pelo contrário: eles estavam tentando explicar, e também neutralizar essas percepções. E suas explicações podem ser formulada de maneira simples, como segue: a percepção de acordo com a qual a psicanálise considera a sexualidade como o segredo e a resposta final para tudo é uma defesa contra a principal descoberta da psicanálise, e precisa ser analisada enquanto tal. E qual é sua principal descoberta ou tese? Que o sexo não é verdräng (recaldado) porque é considerado (excitantemente) sujo; ao contrário, ele é considerado “excitantemente sujo”, e precisa de regulação (por proibição ou incitamento – nenhuma grande diferença aqui), porque algo sobre ele é constitutivamente inconsciente, ou seja, algo sobre ele está envolvido na lacuna (inconsistência ontológica) do ser discursivo enquanto tal.
Antes de abordarmos esse último ponto com mais detalhes, vamos retornar a leitura foucaultiana de psicanálise. A acusação contra a psicanálise que se segue a partir dessa leitura é na verdade muito mais forte do que simplesmente encarar a psicanálise como uma tecnologia de biopolítica. Em vez disso, ele a projeta como a tecnologia da biopolítica, a própria condição necessária de seu movimento duplo de implantação, concebido como a implantação de algo que resiste. Foucault nos alerta constantemente contra o romantismo que tendemos a atribuir a essa resistência: nós pensamos que aquilo que resiste atua contra a exercício do poder, mas na verdade essa resistência é sua condição inerente, além de uma armadilha pacificadora que nos torna presos a ilusão de que somos muito subversivos se falarmos de sexo, ou darmos voz a essa resistência. A psicanálise forneceria, portanto, ambos: o segredo resistente, e a forma de revelá-lo (quase) infinitamente, e ver suas manifestações por toda parte. A psicanálise surge como aquilo que irá salvar a sexualidade de seu confinamento que ela mesma declarou (“inventado”). A psicanálise é como o advogado proverbial que nos ajuda a lidar com problemas que não teríamos sem ele.
É claro que, se entendermos o conceito de inconsciente dessa forma, não há muito diálogo possível entre a psicanálise e Foucault. Não porque a acusação seja tão dura, mas porque não se situa no nível conceitual. Basicamente, ele diz: Freud inventou uma tecnologia, e o conceito de inconsciente é simplesmente parte dessa tecnologia. Nada foi ganho com esse conceito a respeito da compreensão de como o poder funciona (porque o próprio conceito é parte da implantação moderna do poder).
Ainda que muitas das coisas que Foucault atribui a visão freudiana de sexualidade estarem simplesmente erradas[vi], a principal frente de disputa irreconciliável não é a sexualidade somente, mas o (nunca mencionado) conceito de inconsciente. Para Freud, os dois estão, é claro, inseparavelmente relacionados, mas o que Foucault tira dessa relação, como vimos, é algo bem diferente.
Interrompamos a discussão desse dialogo impossível com uma observação um tanto quanto improvisada e imediata. A saber: muito do que Foucault descreve como uma grande mudança global e histórica na maneira como o poder (moderno) opera, vendo a psicanálise como um agente importante nessa mudança, na verdade corresponde surpreendentemente bem ao que a psicanálise conceitua como a mudança da lei da autoridade externa (“soberana”) para a lógica do supereu e do “descontentamento na civilização” a ele relacionado.
Comentando essas noções, é o que Lacan escreve no texto de 1950 “Introdução Teórica às Funções da Psicanálise na Criminologia” (observem a ressonância foucaultiana do tema):
Foi desse modo que surgiu o conceito de supereu (…) A face moderna do homem foi assim revelada, e ela contrastou estranhamente com as profecias dos pensadores do final do século XIX; parece patético quando comparada tanto com as ilusões alimentadas pelos libertários quanto com as preocupações moralistas inspiradas pela emancipação do homem das crenças religiosas e pelo enfraquecimento de seus laços tradicionais. À concupiscência que resplandece nos olhos do velho Karamazov quando questiona seu filho – “Deus está morto, então tudo é permitido” – o homem moderno […] responde com todos os seus males e todos os seus feitos: “Deus está morto, nada mais é permitido”.[vii]
Longe de produzir libertação, o recuo da autoridade simbólica abre caminho para um mórbido e infinito escrutínio que Freud associou à lógica do supereu – é essa lógica que generaliza a culpa, infundindo-a no nível “microfísico”. E é importante notar que essa mudança, e as estruturas patológicas que ela produz, é o próprio campo analisado pela psicanálise. Em outras palavras, a “generalização da doença” (o que Freud chamou, por exemplo, de psicopatologia da vida cotidiana) é a maneira como a psicanálise detectou e conceitualizou o novo modus operandi do poder (uma nova forma de lei. Nesse sentido, o nascimento da psicanálise poderia ser visto como intrinsicamente ligado ao discernimento e teorização dos efeitos do que Foucault irá chamar de “biopoder”, seus “sintomas” – ao passo que Foucault considerou a psicanálise um contribuinte para a generalização da doença como meio de implantação e exercício da “biopolítica”. Se a vida cotidiana é psicopatológica, é porque – esta é a tese de Freud – o poder encontra uma forma de habitá-la por dentro, porque o poder já está operando nos aspectos (aparentemente) mais neutros da vida. A teoria do supereu não é uma psicologização da estrutura de poder social, mas um lembrete de que a estrutura de poder social já pode ser totalmente operativa no nível da “psique individual”. “A civilização, portanto, obtém o domínio sobre o indivíduo […] estabelecendo uma agência dentro dele para vigiar “seus desejos perigosos”, como uma guarnição em uma cidade conquistada”.[viii] Além disso, o que Foucault tão insistentemente descreve como a estrutura confessional (da sexualidade e da psicanálise) – o escrutínio quase obsceno que não permite lado de fora (tudo que é importante precisa ser contado, não há como escapar da culpa até nas questões mais inocentes) – é outra característica crucial do funcionamento da estrutura que Freud chamou de supereu, diferentemente da estrutura de uma autoridade externa: “nada poderia ser escondido do supereu, nem mesmo pensamentos”[ix].
Há um outro exemplo que descreve essa lógica de modo ainda mais preciso que a metáfora de Freud da “guarita em uma cidade conquistada”, e não é senão o exemplo mais conhecido de Foucault, o Panóptico de Bentham. A especificidade desse último não é simplesmente o fato de que seu projeto procura assegurar visibilidade absoluta, a toda hora, de todos os sujeitos. O ponto é que, para que ele funcione, ninguém precisa necessariamente ocupar a torre central e vigiar os presos. Em outras palavras, ainda que ninguém ocupe a posição na qual tudo pode ser visto, o mecanismo de poder e controle não só funciona perfeitamente, mas emerge, por assim dizer, dentro de cada cela individual da prisão. Ou, nas palavras de Foucault: “Aquele que está sujeito a um campo de visibilidade, e sabe disso, assume a responsabilidade pelos constrangimentos do poder; ele os faz jogar espontaneamente consigo mesmo; ele inscreve em si próprio a relação de poder na qual desempenha ambos os papeis; ele se torna o princípio de sua sujeição”.[x] Essa internalização da autoridade, no entanto, é apenas um aspecto do conceito freudiano de supereu – poderíamos chama-lo de aspecto disciplinar. O outro é o aspecto econômico – aquele de uma economia propriamente perversa, descrita por Freud da seguinte maneira: quanto mais virtuoso for o homem, mais severamente e destrutivamente o supereu se comporta, “de modo que, em última instância, são justamente aquelas pessoas que carregam seus fardos como santos as que mais reprovam a si mesmas como os piores pecadores”.
Freud sugere com essa resposta que o sentimento persistente de culpa não vem dos pecados que cometemos, mas são alimentados pelas pulsões que renunciamos, em um ciclo de mutuo reforçamento.[xi] Esses dois aspectos da lógica do supereu, o disciplinar e o econômico, na verdade, respondem incrivelmente bem ao que os comentadores descrevem como a virada, no trabalho tardio de Foucault, da disciplina para o controle, que teria seu princípio localizado na economia. Wallenstein, por exemplo, coloca da seguinte forma:
A questão aqui é que a doutrina da liberdade, quando observada dentro do campo estratégico da economia política, é uma forma de extrair utilidade, uma mais-valia material e intelectual do indivíduo, ou melhor, extrair esse valor através do indivíduo como uma rede para interpretação e governo da realidade. Em termos biopolíticos, isso significa que as atividades do estado estarão relacionadas a uma “vida” que sempre o precede e o transborda, e onde esse excedente tem origem. Nessa dimensão não há contradição, mas sim uma complementação estratégica, uma vez que liberdade (a espontaneidade de agir que deve ser deixada a si própria) e o desenvolvimento de aparatos de segurança (que incluem e multiplicam tecnologias disciplinares) aumentam e reforçam um ao outro. (Wallenstein, 25)
Mais ainda, em um nível mais especifico, a maneira como Foucault descreve o funcionamento do biopoder moderno sendo “um jogo que combina prazer e compulsão” (77) ecoa diretamente na afirmação de Lacan (feita quatro anos antes da publicação do primeiro volume de História da Sexualidade) que “nada força ninguém a gozar, exceto o supereu. O supereu é o imperativo do gozo – Goze! Aqui, vemos o ponto de virada investigado pelo discurso analítico”.[xii]
O supereu é descrito como uma “figura obscena” da lei (Lacan, 2006, 434), que, longe de proibir o prazer, vincula “prazer e compulsão”, faz do gozo um imperativo, e faz dele um objeto de escrutínio infinito; nos prende em um ciclo vicioso no qual não podemos nunca alcançar sua demanda. O consentimento combina com a inquisição. É uma lei “perversa” que não funciona de cima, mas de baixo e de dentro.
Tudo isso não quer dizer, contudo, que o que Foucault percebe como uma mudança na determinação histórica das lógicas e dinâmicas do poder é o que a psicanálise já reconheceu (e conceitualizou) como uma instância atemporal da psique humana (o supereu). Definitivamente não: a mudança para a lógica do supereu (como socialmente dominante) é também claramente percebida por Lacan em termos de uma ocorrência histórica;[xiii] Além disso, ele situa essa mudança no mesmo exato momento em que Foucault o faz. A citação sobre o supereu ser a única coisa que força qualquer um a gozar continua da seguinte maneira:
Ocorreu uma espécie de deslize no decorrer do tempo que não constituiu um progresso, mas um contorno do problema, passando da visão de Aristóteles para o utilitarismo de Bentham, em outras palavras, para a teoria das ficções, demonstrando o uso do valor – isto é, o status instrumental – da linguagem. É desse ponto que eu retorno a questionar o status do ser… (Lacan 1999, 3)
Não existe muito discordância ou divergência aqui. Ainda que alguém possa ser induzido a se perguntar como Foucault pode ter sido tão ignorante em desconhecer o “estado de arte” da psicanálise quando escreveu seu livro, esse não é o ponto. Da forma como o projeto de Foucault foi originalmente concebido, fica claro que – em termos de circunstâncias históricas – sua “briga” era com um movimento intelectual diferente que também encontrou impulso naquele mesmo período na França (seguindo o maio de 68), o movimento dos assim chamados Freudo-Marxistas (ou, como Lacan os chamava, “sexo-esquerdismo”). Esse era o movimento mais diretamente associado à “hipótese repressiva”. Foucault e Lacan, na verdade, e de forma bem explícita, compartilhavam essa mesma briga.
Em 1973, a French television transmitiu uma entrevista com Lacan, publicada em formato de livro um ano depois. Uma das perguntas que J-A Miller fez a Lacan foi a seguinte: “Há um boato em andamento: se temos esse sexo ruim, é porque o sexo é reprimido (il y a répression sur le sexe), e isso é culpa, em primeiro lugar, da família, e em segundo, da sociedade e, principalmente, do capitalismo. Isso requer uma resposta.”[xiv] Se lermos essa questão hoje, e principalmente depois de termos lido História da Sexualidade (que não foi publicado em francês no original até 1976), fica mais que óbvio que essa questão se refere a um pensamento que estava particularmente presente, se impondo no lugar e no tempo. O ponto de partida de Foucault em História da Sexualidade é uma resposta épica a essa mesma pergunta, e consiste em reverter todos seus pressupostos. E é, de fato, uma reversão: o sexo não é reprimido, na verdade é o oposto; o sexo foi “colocado em discurso”, a noção de “sexualidade” foi inventada e tornou-se parte de quase tudo. Assim como a família, a sociedade e o capitalismo: o próprio conceito de família foi inventado não para impedir e colocar um obstáculo à sexualidade, mas, pelo contrário, para concretizá-la e fazer dela nossa constante obsessão. A sociedade e o capitalismo não reprimiram a sexualidade; longe disso, forneceram-lhe um suporte discursivo e abriram uma infinidade de espaços onde poderia proliferar, prosperar e – ao fazê-lo – ser ao mesmo tempo rentável e um meio perfeito ou modelo para micropolítica e biopoder (controle).
Retomemos então a pergunta, e a resposta de Lacan, que, como a de Foucault, é uma rejeição mais que explícita à “hipótese repressiva” e seu poder explicativo. Esse é o ponto que compartilham em absoluto. O que continua interessante de se observar, não obstante, é como, e porquê, dois projetos que começam – ao menos nessa junção específica, porém crucial – de maneira bastante semelhantes, e em que podemos detectar uma estrutura similar, ainda assim terminam em lugares tão diferentes.
Podemos detectar de início a primeira forma de divergência na resposta de Lacan para a pergunta a respeito da “hipótese repressiva”. A diferença (talvez quase imperceptível à primeira vista) vem do fato de que, pensando em uma tradição freudiana, a questão da sexualidade e sua repressão não faz sentido para Lacan sem um terceiro termo ou elemento, aquele da Verdrängung (recalque). Verdrändung não é a mesma coisa que repressão (répression); assim como repressão não é a causa da Verdrändung. Esse último é um terceiro elemento que torna todo o panorama um pouco mais complexo. Ele é o que torna o sexo a causa atrasada e deslocada de sua própria repressão, e essa é a razão também do motivo pelo qual essa repressão particular é capaz de assumir a forma do que Foucault descreve como incitação, até encorajamento, ou simplesmente de implantação da sexualidade. Esta é a resposta de Lacan:
Freud não disse que a Verdrändung vem da repressão: que (para ilustrar) a castração se deve ao que o Papai brande sob seu pirralho brincando com seu pipiu: “Vamos cortá-lo fora se fizer isso de novo, não estou brincando.” Naturalmente, ocorreu a ele, a Freud, começar com isso para o experimento… Digamos que, conforme ele progrediu, ele se inclinou mais para a ideia de que a Verdrändung era o principal. Isso, no geral, é o que inclinou a balança em direção à segunda topografia. A ganância com a qual ele caracteriza o supereu é estrutural, não um efeito da civilização, mas em “descontentamento (sintoma) na civilização”. Então, somos levados a reexaminar o caso de teste, tomando como ponto de partida o fato de que é a Verdrändung que produz a repressão. Por que não poderiam a família, a sociedade em si, serem criações construídas a partir da Verdrändung? Elas não são nada menos. (Lacan, 1990, 28)
Como fica claro a partir da citação, Lacan toma o conceito de inconsciente (e de Verdrändung) como algo crucial para compreender como (e porquê) o poder funciona. Não é somente parte do funcionamento do poder, tampouco simplesmente seus efeitos; em vez disso, é a sua fundação, seu “outro lado”, seu suporte. Discursivamente, o poder é estruturado ao redor e em cima de seu próprio lapso ou contradição. O caráter primário da Verdrändung implica que Verdrändung é uma com a (instituição do) discursivo. Há uma lacuna estrutural que pertence à discursividade enquanto tal, e essa lacuna é o que dá ao inconsciente sua estrutura, e está envolvida – por padrão – em todas as relações de poder: “O discurso começa do fato de que aqui existe uma lacuna. […] Mas, no fim das contas, nada nos impede de dizer que é porque o discurso começa que a lacuna é produzida. É uma questão de total indiferença no que diz respeito ao resultado. O que é certo é que o discurso está implicado na lacuna.”[xv]
O fato de o discurso estar “implicado na lacuna” é a maneira de Lacan de traduzir a hipótese freudiana da repressão primária, Urverdrändung (como a condição de toda repressão propriamente dita). A questão é o reconhecimento de que, qualquer que seja o objeto do poder, esse último nunca opera simplesmente em relação a esse objeto, mas também em relação a sua própria lacuna estrutural. É por isso que a hipótese do inconsciente é crucial para o entendimento do funcionamento do poder. A questão crucial é sempre o problema da relação entre o “objeto” do poder e próprio obstáculo estrutural ou falha desse. Como o primeiro está situado em relação ao último e em que tipo de economia? É isso que Lacan tenta explicar, por exemplo, com sua teoria dos “discursos” como “laços sociais”. Não há vínculo social sem Verdrändung, por meio do qual sua lacuna estrutural é amplamente independente do que é “descarregado nele” (“reprimido”)[xvi]. O conceito freudiano de inconsciente é fundamentalmente sobre esse redobramento, ou essa dupla dimensão: nunca se trata somente do que é reprimido, mas também sobre onde é descarregado, e porque lá. Uma vez que as formações dos sintomas inconscientes são de vários tipos e seguem caminhos diferentes: essas diferenças não são de forma alguma irrelevantes, mas podem nos dizer algo sobre o âmago do problema. Em outras palavras, a questão é sempre (também): qual é a repressão discursiva (“sistêmica”) (Verdrändung) que está sendo sustentada (coberta e/ou explorada) com e por meio de diferentes repressões particulares e suas diferentes modalidades?
Essa questão é também, precisamente, a própria briga que Lacan comprou com o rumo tomado pela psicanálise depois de Freud:
Na verdade, essa dimensão do inconsciente que estou evocando havia sido esquecida, como Freud claramente anteviu. O inconsciente se fechou contra sua mensagem para os praticantes ativos da ortopedia que os analistas da segunda e da terceira geração se tornaram, ocupando-se, ao psicologizar a teoria analítica, em costurar essa lacuna. (Lacan, 1979, 23)
Essa é a lacuna por meio da qual “a neurose se amarra ao Real” (23) – isto é, com o impasse constitutivo (impossibilidade) da realidade discursiva. O que isso significa, simplificando, é o seguinte: não estamos presos ao poder discursivo por causa de nossas falhas e disposições humanas (essa seria uma leitura psicológica); estamos vinculados a ela por conta de uma falha da própria realidade discursiva, porque a lacuna do inconsciente está lá fora, “embutida” na fala e no discurso como estruturantes de nossa realidade.
Poderíamos dizer que o poder como fenômeno social é sempre uma resposta à impossibilidade (lacuna) da estrutura discursiva. O problema do poder (como estrutura social) é o problema de quem (ou o quê) tem domínio sobre o “ponto fraco” ou buraco (“vazamento”) no discursivo, e de que modo. Essa afirmação lacaniana também poderia ser ilustrada pela famosa frase de Wittgenstein: “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Lacan concorda com isso, mas com uma adição significativa: exceto que existe o inconsciente. Para a psicanálise, o conceito de inconsciente é precisamente o conceito do limite da minha linguagem, sendo que “limite” deve ser tomado aqui no sentido de sua inconsistência ou “vazamento”: os limites da minha linguagem, eles mesmos, têm um limite. É por isso que o limite do meu mundo não é infalível, por assim dizer; é um limite com uma lacuna em si. É o lócus da contingência. Esse lócus da contingência, contudo, não é claramente circunscrito, ele se abre e se fecha. A contingência é sempre dupla: não se trata simplesmente do fato de que algo imprevisível aconteceu, mas também, e talvez sobretudo, ao fato de que aconteceu. Mais do que nos surpreendermos com o que aconteceu, deveríamos estar (e estamos) surpresos com o fato de ter acontecido. Nesse sentido, a contingência é uma com a reativação dessa inconsistência (lacuna). Saber que as coisas poderiam ter sido de outra forma não é ainda conhecer a contingência: isso é substituí-la, nesse tipo de argumento, pela ideia de muitos mundos possíveis, cujo surgimento é contingente – mas essa consciência de nosso mundo como contingente não tem muita influência para o mundo como ele é. É contingente que meu mundo seja tal como é – mas essa contingência enquanto relativização não é contingência real. A esse respeito, o primeiro volume de História da Sexualidade – em termos de sua expressão – termina com uma nota bastante problemática. Está é a passagem final: “Precisamos considerar a possibilidade de que um dia, talvez, em uma diferente economia de corpos e prazeres, as pessoas não mais entenderão como os ardis da sexualidade e o poder que sustenta sua organização foram capazes de nos sujeitar a essa monarquia austera do sexo…” (HS, 159). Qual é o problema dessa “perspectiva”? Ela perde de vista o seguinte: se o presente (configuração atual) é contingente, não é por estar “aberto para o futuro”, mas porque está aberto para sua própria inconsistência (ou não). “Inconsciente” é o que nomeia e conceitua essa inconsistência no presente (já que é notoriamente “atemporal” de acordo com Freud).
Isso finalmente nos leva a distinção entre poder e política – distinção essa frequentemente levantada em avaliações críticas da teoria de Foucault, por pensadores como Rancière, Badiou, entre outros. Essa crítica basicamente insiste em uma especificidade da noção de política (como divisão), que é perdida em Foucault. Respondendo a essa crítica (mais particularmente a Rancière), Maurizio Lazzarato pontua o seguinte: “’Bio’ ‘existência,’ e ‘vida’ não são conceitos vitalistas aos quais se poderia opor os conceitos de divisão política da demos. São antes domínios de poder microfísico, nos quais encontramos lutas, disputas, sujeições e subjetivações”.[xvii] Isso é verdadeiro, mas ainda assim não é o suficiente. É fato que “vida” – como entendida por Foucault (assim como Deleuze) – não pode ser oposta a divisão política (como ela tende a ser em algumas leituras); mas isso não porque ela substitui a noção de divisão política pela noção de um micropoder mais disperso (e de uma pluralidade de divisões), mas porque a vida como um domínio de poder microfísico (já) pressupõe uma divisão “política”. Esse, creio eu, seria o ponto de Lacan. A alternativa entre uma divisão (sempre) singular (ressonante com a política propriamente dita) e uma multiplicidade de lutas, divisões, disputas, subjetivações pelo poder (ressonantes com o biopoder) é uma oposição errada, porque as duas não estão situadas no mesmo nível: há uma divisão – ou: há divisões – entre múltiplas instâncias e camadas do ser social, mas também há uma divisão que estrutura essa multiplicidade – que a estrutura, e a “distribui” de uma maneira específica. Isso, vale lembrar, é o que Žižek tem insistido em relação ao conceito Marxista de antagonismo: o antagonismo não é simplesmente antagonismo entre diferentes classes ou grupos sociais; mas é, acima de tudo, o que estrutura o próprio campo em que essas classes ou grupos aparecem (e que, por consequência, dita a forma como aparecem).[xviii] Ou, como sugerido anteriormente, as micro relações de poder são sempre uma resposta a um impedimento (lacuna) implicado na própria estrutura que o sustenta. Esse é o Verdrändung para qual as criações como família e sociedade são construídas. Política, no sentido forte do termo, sempre envolve a reativação dessa lacuna, qualquer que seja a estrutura (e o funcionamento) do poder em determinado contexto.
Portanto, não se poderia dizer que é a “omissão” do conceito de inconsciente, e do que ele implica, que faz a sexualidade se encaixar tão perfeitamente nas noções de biopoder e biopolítica de Foucault? Na verdade, é bastante impressionante como, em Foucault, o poder se comporta quase exatamente como a sexualidade em Freud: não tem um lugar central, claramente delimitado, nenhuma substância própria, essa é a razão pela qual ele pode ser encontrado em toda parte, mesmo no contexto mais improvável; a própria resistência à sexualidade, sua domesticação, ocultação, perseguição, podem ter em si um caráter fortemente sexual; o modo fundamental de sexualidade é o de uma “perversão polimorfa”, uma espécie de microfísica sexual.
A única coisa que não se encaixa, e sai dessa congruência (da descrição da sexualidade e do poder) é o inconsciente. Para a psicanálise, o funcionamento descrito da sexualidade é em si mesmo um sintoma – está relacionado a uma negatividade significante como sua inerente divisão e força propulsora. A verdade não é que tudo seja sexual, mas sim que existe algo que pode tornar qualquer coisa sexual. Qualquer coisa – incluindo o próprio ato de cópula (“relação sexual”).[xix] E é aqui, nessa duplicação paradoxal, que podemos perceber a lacuna estrutural que é conceituada pela psicanálise como aquela do inconsciente. O que falta à noção de biopolítica ou biopoder é justamente a conceituação desse redobramento, ao mesmo tempo essencial para seu funcionamento. O poder pode estar em qualquer lugar, é verdade, mas é fundamental pensar aquilo que pode transformar qualquer coisa em estrutura de poder, ativando-a como poder. Desconsiderando esse redobramento, esse ponto pelo qual o poder efetivamente torna-se poder, a “biopolítica” corre o risco de se apresentar como uma espécie de conceito biopolítico: isto é, como um conceito que produz um fechamento, que “sutura” a lacuna introduzida por Freud no campo de pensar as relações sociais.
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[i] As palavras finais de sua última palestra, em 28 de março de 1984, são: “Mas vejam, eu tinha mais coisas a dizer sobre o panorama geral dessas análises. Mas está muito tarde. Então, obrigado.” Michel Foucault, Le Courage de la vérité: le gouvernement de soi et des autres II, Cours au Collège de France 1984, edited by Frédéric Gros (Paris: Gallimard/Seuil, 2009), 308f; minha tradução (Alenka).
[ii] Sven-Olov Wallenstein, ‘Introdução’ em Foucault, Biopolitics, and Governmentality, Södertörn Philosophical Studies 14, edited by Jakob Nilsson and Sven-Olov Wallenstein (Stockholm: E-print, 2013; www.sh.se/publications), 13; henceforth Wallenstein.
[iii] Mladen Dolar apontou esse fato no ensaio Kralju odsekati glavo (Ljubljana: Krtina, 2010), 36.
[iv] É por isso que precisamos de uma explicação terminológica aqui: uma vez que em inglês o mesmo termo (repression) é usado tanto na tradução da “Verdrändung” freudiana quanto, no sentido do senso comum, a um exercício mais ou menos violento de autoridade, opressão (que é o sentido que Foucault usa do termo), nós distinguiremos entre os dois usando o termo “repressão” para seu significado no senso comum, no sentido foucaultiano, e continuar usando a palavra alemã Verdrändung como corresponde do conceito freudiano. Em frânces, os termos são distintos (répression e refoulement), portanto não haveria ambiguidade na leitura de Foucault – quando se refere ao conceito de Freud.
[v] Michel Foucault, The History of Sexuality, Volume One: An introduction, traduzido por Robert Hurley (New York: Pantheon Books, 1978), 35; referenciado posteriormente no texto como HS.
[vi] Que a psicanálise toma o sexo como “a explicação para tudo” (HS, 78), que pretender ‘libertá-lo’, ou ainda que a sexualidade é seu objeto e terreno primordial.
[vii] Jacques Lacan, Ecrits, Traduzido por Bruce Fink (New York and London: W. W. Norton & Company, 2006), 106; referenciado posteriormente no texto como Lacan 2006.
[viii] Sigmund Freud, “Civilisation and Its Discontents” no seu The Pelican Freud Library, Vol. 12: Civilisation, Society and Religion (Harmondsworth: Penguin, 1985), 316; referenciado no texto posteriormente como CD.
[ix] “[Na estrutura mais simples de uma autoridade externa], os sujeitos habitualmente se permitem fazer qualquer coisa má que lhes prometa satisfação, desde que tenham a certeza de que a autoridade não saiba de nada. […] Eles têm medo apenas de serem descobertos. […] Uma grande mudança ocorre quando a autoridade é internalizada pelo estabelecimento do supereu. […] Nesse ponto, o medo de ser descoberto tem seu fim; a diferença, contudo, entre fazer algo mal e desejar fazê-lo desaparece inteiramente, já que nada pode ser escondido do supereu, nem mesmo os pensamentos” (CD, 317).
[x] Michel Foucault, Discipline and Punish, traduzido por Alan Sheridan (New York: Vintage books, 1995), 202-3.
[xi] “[C]onciência (ou, mais corretamente, a ansiedade que mais tarde se torna consciência) é de fato a causa da renúncia instintiva no começo, mas depois a relação é revertida. Cada renúncia ao instinto [Trieb, a pulsão] agora se torna uma fonte dinâmica de consciência e cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta última.” (CD, 321).
[xii] Jacques Lacan, The Seminar of Jacques Lacan, Book XX: Encore, On Feminine Sexuality, The Limits of Love and Knowledge, editado por Jacques-Alain Miller, traduzido por Bruce Fink (New York and London: W. W. Norton & Company, 1999), 3 (palestra de 12 de dezembro, 1972); referenciado posteriormente como Lacan 1999.
[xiii] É verdade, entretanto, que em relação a Freud isso permanece mais ambíguo.
[xiv] Jacques Lacan, Television, editado por Joan Copjec, traduzido por Dennis Hollier, Rosalind Krauss e Annette Michelson (New York and London: W. W. Norton & Company, 1990), 27; referenciado posteriormente no texto como Lacan 1990.
[xv] Jacques Lacan, D’un discours qui ne serait pas du semblant (Paris: Seuil, 2006), 107; tradução minha (Alenka).
[xvi] Ver Jacques Lacan, The Seminar of Jacques Lacan, Book XI: The Four Fundamental Concepts of Psychoanalysis, 1964–1965, editado por Jacques-Alain Miller, traduzido por Alan Sheridan (Harmondsworth: Penguin, 1979), 23; referenciado posteriormente no texto como Lacan 1979.
[xvii] Maurizio Lazzarato, ‘Enunciation and Politics’ em Foucault, Biopolitics, and Governmentality, Södertörn Philosophical Studies 14, editado por Jakob Nilsson e Sven-Olov Wallenstein (Stockholm: E-print, 2013; www.sh.se/publications), 170.
[xviii] Slavoj Žižek, The Parallax View (Cambridge, MA: The MIT Press, 2006), 25–6.
[xix] Como eu disse em outro lugar: “A sexualidade humana não é sexual simplesmente por incluir os órgãos sexuais (ou órgãos de reprodução). Em vez disso, há algo na própria constituição da natureza humana que, por assim dizer, sexualiza a própria atividade sexual, confere-lhe um investimento excedente (também se poderia dizer que sexualiza a atividade de reprodução). Este ponto pode parecer paradoxal, mas se pensarmos no que distingue a sexualidade humana de, digamos, sexualidade animal ou vegetal – não é precisamente o fato de que a sexualidade humana é sexualizada (o que também poderia ser colocado em uma frase de efeito como: ‘sexo é sexy’)? Esse redobramento constitutivo da sexualidade é o que a torna não apenas sempre já deslocada em relação à sua finalidade reprodutiva, mas também e principalmente em relação a si mesma. No momento em que tentamos fornecer uma definição clara do que é atividade sexual, temos problemas. Temos problemas porque a sexualidade humana é dominada por este paradoxo: quanto mais o sexo se afasta do movimento de copulação ‘puro’ (ou seja, quanto mais ampla a gama de elementos que inclui em sua atividade), mais sexual se torna. A sexualidade é sexualizada precisamente neste intervalo constitutivo que a separa de si mesma”. (Alenka Zupančič, The Odd One In: On Comedy (Cambridge, MA: MIT Press, 2008), 207).
*Texto original publicado na revista Paragraph, 39.1 (2016): 49-64 – Edinburgh University Press