Por Jason Farbman, via International Socialist Review, traduzido por Ramon Vitor da Costa
Jason Farbman conversou com Vivek Chibber, professor associado do Departamento de Sociologia da Universidade de Nova York, sobre o Marxismo e a teoria pós-colonial, suas diferentes abordagens para explicar o capitalismo e a estratégia anticapitalista, a relação com o mundo não-ocidental e o papel dos intelectuais radicais.
Nas últimas décadas, a teoria pós-colonial tem ganhado mais adeptos na academia, tornando-se a corrente intelectual dominante dos radicais que assim se identificam. A partir de correntes pós-estruturais, a teoria pós-colonial emerge, inicialmente, da literatura contada do ponto de vista do colonizado. Aquilo que nasceu para ser uma resposta aos legados culturais do colonialismo e do imperialismo, acabou se transformando em uma teoria cultural insistente em dizer que demonstrar aos povos colonizados as formas como os colonialistas europeus entendiam o mundo era uma forma de colonização.
Grande parte da teoria pós-colonial argumenta que os conceitos da teoria social ocidental são inaplicáveis fora da Europa; que projetar o pensamento e a história europeia no resto do mundo ignora a real história mundial fora do Ocidente. Boa parte dessa tese colocou o Marxismo e os marxistas na mira, considerando-os apenas mais uma forma de pensamento eurocêntrico, incapaz de analisar ou contribuir para a libertação das sociedades pós-coloniais. Em A Teoria Pós-Colonial e o Espectro do Capital[1], Vivek Chibber aborda essas alegações e critica sistematicamente o que, até aqui, se tornou uma cosmovisão aceita por uma grande parte da esquerda acadêmica.
Por que os socialistas deveriam se preocupar com os estudos pós-coloniais?
Nos últimos 20 a 25 anos, a teoria pós-colonial assumiu seu lugar como substituto da teoria marxista em ambientes universitários e entre os intelectuais. Ao longo do século XX, o Marxismo foi a teoria em que os socialistas se basearam para explicar o mundo e instruir a como se organizar contra o capitalismo. Com a queda da União Soviética e o declínio dos movimentos, junto à marginalização do Marxismo na vida intelectual e com uma esquerda socialista sendo expulsa do movimento trabalhista, esta é a primeira vez na era moderna em que você encontra uma ausência de intelectuais marxistas tanto dentro do movimento trabalhista quanto dentro da vanguarda intelectual. Agora, a teoria pós-colonial assume esse posto e pretende fazer duas coisas: explicar como o sistema capitalista funciona e criticar as injustiças do capitalismo. Os socialistas correm grande risco ao colocar essa teoria à prova e ver se vale a pena ou não.
Seu novo livro, A Teoria Pós-Colonial e o Espectro do Capital, faz duras críticas à teoria pós-colonial. Por que você acha que é uma teoria não radical o suficiente?
Sou crítico porque a teoria pós-colonial tenta fazer o que o marxismo faz, que é tanto explicar o mundo quanto nos dizer como mudá-lo. Acredito que falha em ambos os aspectos.
Ao tentar explicar o mundo, embora a teoria fale muito sobre o sistema, sua concepção de capitalismo é aquela que encobre o funcionamento ou apresenta uma versão mitificada e higienizada dele. O tipo de versão que os apologistas burgueses tendem a apresentar.
No que diz respeito ao seu papel como teoria crítica; bem, em primeiro lugar, como disse Marx, você não pode criticar algo se não o entender. Se eles não entendem como o capitalismo funciona, eles não podem realmente nos ajudar a criticá-lo.
A teoria pós-colonial se apresenta não apenas como anticapitalista, mas também anti-imperialista e anticolonial. Na verdade, como mostro em meu livro, é uma teoria que ressuscitou e tornou relevante o que agora chamamos de orientalismo, isto é, ideias de que o Oriente é diferente do Ocidente de alguma forma profunda e imutável. Em minha opinião, a teoria não apenas falha, mas tem algumas implicações bastante conservadoras.
Os teóricos pós-coloniais costumam criticar o “universalismo” do marxismo. O que eles querem dizer com isso?
Os socialistas sempre se apegaram à crença de que o capitalismo — onde quer que esteja — submete as pessoas ao que Marx chamou de “compulsão surda”[2] das relações econômicas. O que força as pessoas a relações altamente exploradoras; e faz isso independentemente de sua cultura ou de sua origem. O único interesse é o lucro.
Assim, à medida que o capitalismo se espalha pelo mundo, ele dissemina essas particularidades em cada comunidade, cada cultura e em cada sociedade. O capitalismo não se importa se essas sociedades são hindus, muçulmanas ou cristãs. Ao fazer isso, ele submete o mundo inteiro a um conjunto de forças estruturais e econômicas — são sempre[3] as mesmas forças. Além de trazer ao mundo inteiro uma luta comum contra essas forças.
A teoria pós-colonial frequentemente nega isso. É insistente em dizer que quando o capitalismo é implementado em Calcutá ou em Nairóbi, você não consegue compreendê-lo da mesma forma que o faz com o capitalismo em Detroit ou em Manchester. Dizem que você precisa de uma teoria totalmente diferente, uma que não se pareça em nada com a teoria de Marx. Bem, ok, talvez você precise. Então, qual seria essa teoria?
O que é essa teoria? O que os teóricos pós-coloniais propõem como substituição?
Eu não os vi fornecerem uma. O argumento é tipicamente apresentado de forma contrária – no sentido de que as teorias existentes devem ser repensadas. Mas qual é a teoria alternativa, sobre como o capitalismo realmente funciona, é difícil de encontrar.
Mas não é difícil observar claras diferenças culturais em várias partes do mundo. Como podemos explicar essas diferenças?
Podemos admitir o que de fato é verdade: que a maioria das pessoas, em muito do que fazem, são governadas por seus hábitos, costumes, por normas e pelas expectativas dos outros em relação a elas. Isso equivale a admitir que a socialização e a orientação cultural têm uma grande influência nas escolhas e no comportamento das pessoas. Não tenho a pretensão de contestar isso de forma alguma. E se isso é o que os teóricos pós-coloniais afirmam, ninguém discorda deles.
Mas o que alegam é mais que isso. Não é que as pessoas sejam influenciadas por sua cultura; sua alegação é que as pessoas são constituídas por sua cultura – do começo ao fim. Isso significa que sua socialização é tão forte, sua cultura e doutrinação cultural são tão predominantes, que pode até mesmo apagar a compreensão de suas necessidades e de seus interesses básicos, como a importância do bem-estar físico ou do dano individual.
Há muitos riscos em assumir isso. Se for verdade, muita coisa cai por terra[4], por exemplo, qualquer concepção de direitos humanos.
Como você parte de explicações baseadas em cultura e chega na impossibilidade dos direitos humanos?
Você não pode atribuir direitos se não tiver interesses. A cultura tem muita importância. Mas é tão importante a ponto de que as pessoas ignorem seu próprio bem-estar? Se o relativismo cultural dos estudos pós-coloniais estiver certo, ele mina nossa motivação de nos opor à expropriação dos camponeses na Bolívia, à exploração dos trabalhadores na Nigéria e à miséria dos motoristas de riquixás em Calcutá. Porque, até então, suas culturas podem valorizar essas coisas, fazer com que pensem que essas coisas são boas para eles. Quem te deu o direito de dizer que essas coisas são ruins? Com base em que você diria que eles devem contraria-las?
E no que isso difere da teoria socialista?
Os socialistas, além de dizerem que o capitalismo submete o mundo inteiro a um conjunto comum de forças, também sustentam a ideia de que os trabalhadores de todo o mundo têm um interesse comum contra o capitalismo. Novamente, independentemente de serem hindus, muçulmanos ou cristãos, negros ou brancos. Independentemente dessas composições, todos eles têm certos interesses comuns. E é por isso que a luta contra o capitalismo é uma luta internacional e universal.
A teoria pós-colonial também costuma minar isso. Seu cartão de visita tem sido dizer que os trabalhadores em sociedades não-ocidentais não são motivados pelas mesmas preocupações que os do Ocidente; que, em termos de seus interesses, eles nem mesmo pensam. Que eles têm uma consciência totalmente diferente das pessoas no Ocidente. Isso em muito lembra o que os países colonizadores e imperiais disseram quando negaram direitos aos asiáticos e africanos.
Há uma distinção importante entre a maneira como o Marxismo e os estudos pós-coloniais teorizam essa diferença. O que está em jogo aqui?
O risco está em somente considerar que quando um trabalhador ou um pobre é mandado e desmandado em Calcutá, ele tem o mesmo direito de reparação e de queixar-se que alguém em Manchester ou Detroit. Que quando uma mulher na Nigéria é vítima de opressão de gênero, ela teria os mesmos recursos que uma mulher em Los Angeles.
Tudo se resume a isso: Se você acha que as pessoas em culturas pós-coloniais merecem os mesmos direitos que as pessoas em países ricos, você só pode usar esse argumento se também acreditar que elas têm as mesmas necessidades e interesses que os últimos. Negar isso é insistir que Orientais e Ocidentais vivem em mundos diferentes. Tal teoria não pode sustentar e apoiar movimentos internacionais e o internacionalismo dentro da classe trabalhadora.
Você está dizendo que não há diferença entre o Oriente e o Ocidente?
Não! Inclusive, as diferenças entre eles são enormes. E o que é interessante é que a tradição marxista desde, pelo menos, 1905 se dedicou a nada mais do que explicar essas diferenças.
O que os teóricos pós-coloniais alegam — a ponto de se tornar senso comum em alguns lugares — é que o Marxismo é eurocêntrico. Assim, esse Marxismo se concentra na cultura ou história europeia excluindo o mundo não-ocidental ou tenta sobrepor teorias “europeias” ao mundo não-ocidental.
De certa forma, é isso que diferencia a teoria pós-colonial de outros radicalismos. Ao longo do século XX, na maior parte do que hoje chamamos de Sul global, as pessoas que estavam ao lado da esquerda e que eram progressistas consideravam o Marxismo uma estrutura natural para se engajarem. Alguns rejeitaram, muitos aceitaram, mas aqueles que rejeitaram não o fizeram porque era “Ocidental” ou “Eurocêntrico”. Eles apenas pensaram que estava errado.
A teoria pós-colonial é a primeira teoria, do Sul global, que se afirma ser anticapitalista e que ataca o Marxismo como não sendo diferente da ideologia colonial por ser tão eurocêntrico quanto. Esta é uma afirmação incomum; também é falsa.
Esta é uma ótima notícia para os jovens marxistas que foram bombardeados por acusações de eurocentrismo. Você poderia elaborar?
Se olharmos para a história do Marxismo no século XX, é na verdade uma história de um engajamento incessante com as realidades do mundo não-ocidental. Se você pensar bem, como poderia ser diferente? Começando com a revolução na Rússia em 1905, a experiência do socialismo no século XX nos mostrou que os países onde os movimentos revolucionários se tornaram os mais poderosos, muitas vezes eram países que não eram capitalistas avançados.
Por exemplo, a Rússia em 1905; a Alemanha (que era um país em industrialização, mas ainda predominantemente camponês) em 1918; a China na década de 1930; a Índia na década de 30; a América Latina nas décadas de 1940 e 50; o Vietnã; e todo o espectro de países em descolonização. Em todos os lugares que decolaram movimentos com um poderoso impulso anticapitalista, eles ocorreram no mundo não-ocidental e menos desenvolvido.
Então, era necessário que os líderes desses movimentos, e os intelectuais a eles associados, tivessem coerência frente às realidades que não se conformavam aos pilares centrais da teoria marxista. É verdade que Marx desenvolveu sua teoria com foco nos países mais avançados. Mas, ao longo do século XX, à medida que os movimentos revolucionários decolaram em países menos desenvolvidos, os marxistas tiveram, desde o início, que tentar modificar a teoria para dar sentido às realidades que se afastaram das previsões da teoria.
De fato, o Marxismo é a única teoria da esquerda que se engajou implacável e incessantemente com o mundo não-ocidental. A ideia de que é uma teoria que ignora o Oriente ou que impõe categorias ocidentais artificialmente, ou mesmo que é cega para as realidades do mundo não-ocidental, é bastante forçada.
Esta concepção do Marxismo é bem diferente de como constantemente nos dizem que é. Você pode dar alguns exemplos de um envolvimento “implacável e incessante com o mundo não-ocidental”?
O que é a lei do desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky? É uma teoria sobre o que acontece quando o capitalismo chega tarde a um país menos desenvolvido. O que é a teoria da Nova Democracia de Mao? Bom, você pode concordar ou discordar disso, mas é uma teoria sobre o que fazer em um país camponês.
Antes de mais nada, qual foi a primeira contribuição de Lenin para a teoria marxista? Foi uma teoria sobre o desenvolvimento capitalista tardio, descrita em seu primeiro livro O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. Qual é a principal contribuição de Lenin para a sociologia agrária? É sua teoria de classes dentro do capitalismo agrário, que Mao aprimorou. Qual foi a contribuição de Amílcar Cabral para a teoria revolucionária? Foi a conscientização do proletariado revolucionário em cenários retrógrados. E quanto a Che Guevara? Ou o trabalho pioneiro de Walter Rodney sobre a África colonial, ou a análise dos jacobinos negros de C.L.R. James? Todas essas foram tentativas de concretizar e modificar as teorias marxistas no Sul. O que é estranho é que pessoas como Rodney e James estão agora sendo apresentadas como teóricos pós-coloniais. Isso é completamente errado. Eles se consideravam adeptos da tradição marxista.
Poderia dar exemplos dessa lista pra sempre. Desde 1905 até o final da década de 80, se houve uma coisa que os marxistas fizeram, foi se concentrar no mundo não-ocidental.
Se as alegações de eurocentrismo são tão infundadas, por que os teóricos pós-coloniais acusam o Marxismo disso o tempo todo?
É construção de identidade. Se você quer se estabelecer como um radical na academia e não quer que sua carreira seja atingida de nenhuma das formas que vêm com o fato de ser um “marxista”, a primeira coisa que você precisa fazer é dizer algo negativo sobre o Marxismo. Ele estabelece que, embora você esteja na esquerda, você não é “um deles”.
Então os marxistas não têm nada para se envergonhar nesse aspecto?
É exatamente o contrário. Se eu estiver certo, então a verdade é que alguns dos insights mais importantes sobre a modernização do Sul global vieram de teorias marxistas ou teorias inspiradas pelo Marxismo. Nas décadas de 1950 e 60, até mesmo as principais teorias que surgiam tentando explicar o desenvolvimento e a modernização política, todas se basearam nas teorias de Marx, mesmo que não fossem marxistas. A teoria de Alexander Gerschenkron; o trabalho de Albert Fishlow na América Latina; a obra de Albert Hirschman, todas essas pessoas estavam se baseando na teoria marxista. O que era normal na década de 1980.
Suas teorias podem estar erradas, mas todos esses intelectuais se dedicavam a questionar: “Como explicar as experiências divergentes do Oriente e do Ocidente?”. A acusação de que um compromisso com teorias universalizantes cega você para diferenças sociais é simplesmente falsa.
Não só não há nada para se envergonhar, como os marxistas deveriam, de fato, virar o jogo. Quando você estiver em uma situação de debate político ou em um seminário ou algo assim e alguém tentar fazer essas acusações, apenas pergunte o que eles acham de todas essas, dentre tantas outras, contribuições teóricas que saíram da tradição marxista. Peça-lhes que expliquem exatamente — exatamente — como são eurocêntricas.
Como você ressaltou anteriormente, durante a maior parte da era moderna, o Marxismo foi a força motriz do pensamento intelectual radical. Como você explica seu desaparecimento nas últimas duas ou três décadas?
Esse desaparecimento não é tão difícil de explicar. O Marxismo esteve presente apenas enquanto os partidos marxistas e uma camada organizada e anticapitalista da classe trabalhadora atuavam. As derrotas dos últimos 25 anos não têm precedentes na história moderna: nunca houve um tempo em que não houvesse uma corrente de socialistas realmente poderosa dentro da classe trabalhadora ou onde não houvesse partidos que pelo menos em sua retórica fossem anticapitalistas. Agora não temos nenhum dos dois.
Em uma situação como essa, simplesmente é irreal achar que o Marxismo, enquanto corrente intelectual, sobreviveria. Uma vez que os intelectuais marxistas tenham sido retirados do movimento trabalhista, a única instituição restante que pode estar criando trabalho intelectual é a universidade. As universidades simplesmente não são um lugar hospitaleiro para o Marxismo. As universidades são locais onde profissionais em ascensão fazem o que precisa ser feito para subir na carreira. Eles são de classe média e têm as mesmas aspirações de qualquer pessoa de classe média. Em geral, eles têm sucesso caso se alinhem com o poder e as estruturas de poder.
Então você vai encontrar uma diminuição/redução no número de marxistas do mundo intelectual a partir do momento que eles forem retirados do movimento trabalhista e uma vez que os partidos políticos anticapitalistas se tornem tão pequenos quanto são agora.
De onde vem a teoria pós-colonial?
Essa é uma boa pergunta. Com o declínio do Marxismo, você teria apenas o liberalismo e o conservadorismo, um retorno a essas duas doutrinas. Como se chega a algo como a teoria pós-colonial? Acho que você a tem por dois motivos. Um deles é a esquerda mais velha, dos anos 1960, que desistiram de ser anticapitalistas, ainda se verem como radicais. E assim são. A partir do final da década de 1980 e início da década de 90, eles são radicais, mas não querem falar sobre capitalismo. Então, eles se voltam para outras questões. Eles são antirracistas, antissexistas… Eles se voltam para o que é conhecido como os estudos sobre a opressão.
Em segundo lugar, as universidades mudaram muito. Elas são muito mais heterogêneas, com muito mais diversidade do que costumavam ter. Os alunos que ingressam nessas faculdades desejam ter as mesmas chances que os alunos mais privilegiados. Muitos dos alunos dessas universidades enfrentam dificuldades por causa do sexismo e do racismo que encontram. Portanto, há um fator de oferta empurrando para os estudos sobre a opressão, mas sem qualquer atenção ao capitalismo. E há um fator de demanda, onde esses alunos querem entender por que eles não se encaixam tão bem entre seus colegas de curso e o porquê de não terem as mesmas chances.
O que fica de fora de toda essa equação é a questão do capitalismo, precisamente porque nas universidades ou você encontra pessoas com uma carreira ascendente e confortável, como os professores, ou que aspiram a ascensão, como a maioria dos alunos. O que você obtém, portanto, é um cenário no qual você terá pessoas interessadas em criticar a ordem dominante, mas sem serem anticapitalistas. E é isso que a teoria pós-colonial oferece a você.
Você apresenta uma dura crítica à teoria pós-colonial. Os teóricos pós-coloniais fizeram alguma contribuição positiva?
Sim, há alguma colaboração positiva obtida de forma empírica. E eles mantiveram viva a ideia de que o colonialismo foi altamente destrutivo e gerou uma ideologia funesta. Mas ao nos voltarmos para a cultura da esquerda, acho que a teoria pós-colonial tem sido muito debilitante.
Qual é a missão de qualquer intelectual radical? Por “intelectual” não quero dizer alguém pedante e que trabalha em uma universidade. Um intelectual é apenas alguém que ajuda a articular ideias. Os professores às vezes fazem isso. Na maior parte das vezes, não. Mas os organizadores sempre fazem. Sem falta. Se você não consegue fazer isso, você não é um organizador.
Como os estudos pós-coloniais afetaram a cultura do trabalho intelectual da maneira que acabei de defini-la? Tem atingindo de uma forma muito negativa. A teoria pós-colonial absorveu alguns dos piores aspectos da cultura acadêmica, porque é um produto da academia. Não é um produto de movimentos. Dizem que provém de movimentos e está ligada a eles, mas isso não é verdade. Os estudos pós-coloniais saem direto da academia. Assim, internalizou-se e espalhou-se pela esquerda, uma cultura em que se deixa de lado o apreço por uma apresentação clara, simples e direta de ideias.
Por que isso?
Na academia, uma simples e clara apresentação de ideias muitas vezes é a melhor maneira de ser enxotado. É mais fácil te criticarem quando você é claro, conciso e apresenta seu ponto de vista de uma forma que o torna suscetível a críticas.
Os acadêmicos muitas vezes expressam suas ideias em uma prosa impenetrável, com jargões indecifráveis e em um nível de complexidade tão densa que ninguém consegue assimilar. Muitas vezes, isso é uma forma de substituir a complexidade do pensamento. O que você vai ter com os estudos pós-coloniais é a complexidade da expressão substituindo a complexidade do pensamento.
Se sua meta é organizar um grande número de trabalhadores, uma estratégia que apresente ideias simples de maneiras confusas parece contraproducente.
Historicamente, sempre foi o dever dos intelectuais da esquerda pegar assuntos complexos e apresentá-los de forma simples e clara. É assim que você organiza as pessoas. As pessoas da direita seguem tentando fazer com que a realidade do capitalismo pareça complicada e incompreensível, que não é acessível às pessoas comuns. Eles insistem que você precisa de especialistas para entender o mundo e, portanto, deve deixar a sociedade ser governada por administradores e especialistas. A direita sempre disse isso. Os intelectuais de esquerda sempre tentaram mostrar que, na verdade, as circunstâncias podem ser compreendidas por qualquer pessoa com uma inteligência razoável, estejam ou não na faculdade, desde que pensem bem a respeito. E eles tentaram exemplificar isso pegando ideias altamente complexas e tornando-as simples.
Noam Chomsky costuma dizer que, na década de 1930, os intelectuais comunistas escreveram livros como Mathematics for the Millions(“Matemática para Milhões”) e Physics Made Simple(“Física Simplificada”). Essa foi uma boa mostra da missão que os intelectuais tomavam pra si quando estavam na esquerda.
O que os estudos pós-coloniais fazem é reverter isso. É possível perdoar todos os seus pecados, todos os seus erros intelectuais. É perdoável toda a arrogância e ignorância deles sobre o que a teoria radical faz. Mas o que não se pode perdoar é a importação, para a cultura da esquerda, de uma verbosidade pretensiosa e vazia que é encontrada em salas de seminários. E foi realmente nos últimos vinte anos que vimos reuniões de ativistas se transformando em seminários de estudantes da graduação. Eu acho que isso é muito destrutivo.
Qual é a consequência de transformar reuniões de ativistas em seminários de graduação?
Isso tira a confiança dos ativistas. Permite que algumas pessoas dominem as reuniões. Normalmente são pessoas que não entendem totalmente o que dizem, mas que realmente gostam de dominar as reuniões. E é claro que isso afasta pessoas sensatas do ativismo. Quem ali resta, ou são pessoas que não se importam com esse tipo de linguagem ou que se importam tão pouco em entender o mundo, que não ligam para o discurso que está sendo apresentado a elas. Imagine só o que isso faz com a cultura de esquerda.
A teoria pós-colonial se encontra bem estabelecida na academia. Quais são as perspectivas de repelir esses ataques ao Marxismo ou ao menos de, gradualmente, mitigar algumas das mais perniciosas suposições feitas pelo senso comum da teoria pós-colonial?
Se você olhar para os últimos 25 a 30 anos, este é provavelmente o melhor momento para lutar contra o obscurantismo e algumas das tolices que foram propagados pela teoria pós-colonial. Digo isso por alguns motivos.
O primeiro é a crise econômica que varreu o mundo a partir de 2007. Ela trouxe o conceito de capitalismo de volta aos debates políticos. Todo mundo agora entende duas coisas: estamos vivendo em um mundo no qual a compulsão estrutural do capitalismo ainda é a força motriz; e isso é global, porque não foram apenas os EUA, a China, a Alemanha ou a Grécia que foram pegos neste redemoinho, mas foi o mundo inteiro. Dessa forma, fica bem nítido que o lado do capitalismo que a teoria pós-colonial tanto fez para encobrir ou tornar invisível, ainda é uma força real no mundo que nos rodeia.
A segunda razão pela qual acho que é um bom momento é por causa das grandes mobilizações e lutas sociais que surgiram nos últimos anos. Novamente, no mundo inteiro, mostrando que não é apenas o capitalismo que é uma realidade em todo o mundo, mas também nossa humanidade comum e nosso igual interesse em lutar contra ele.
Se a teoria pós-colonial estivesse certa, não deveria ter ocorrido há um ano e meio atrás a explosão na praça Tahrir, no Egito. Se estivesse certa, mesmo com a explosão, eles não estariam exigindo empregos, manteiga, democracia, essas coisas básicas que os trabalhadores do Ocidente pedem. Se a teoria pós-colonial estivesse certa, ativistas em Madison e Detroit, ou no movimento Occupy, não teriam se inspirado em ativistas do Cairo e nem se reunido pelas mesmas demandas. Porque se a teoria pós-colonial estivesse certa, eles deveriam ter psicologias fundamentalmente diferentes, aspirações diferentes e necessidades diferentes. O que esses movimentos nos mostraram é que as necessidades e aspirações, embora possam ter algumas diferenças, também compartilham certas semelhanças cruciais. Então eu acho que esse é o melhor momento que já tivemos.
O que você acha que será necessário para vermos o abandono dos pressupostos da teoria pós-colonial?
Não acho que a teoria pós-colonial irá desaparecer tão cedo. Apesar da crescente resposta global, ainda estamos em um período de hegemonia burguesa virtualmente incontestável. Na verdade, nesse exato momento, a direita está ficando mais forte e não mais fraca. Além disso, dentro da academia há um grande recuo do Marxismo. Se olharmos para a teoria pós-colonial e suas chances de persistir, apenas com base na sua atratividade para os acadêmicos… Bem, eu acho que nunca houve uma teoria feita tão sob medida para a ostentação acadêmica quanto a teoria pós-colonial foi.
Precisaremos de movimentos sociais do tamanho que vimos no final dos anos 1960 e início dos anos 70, além do ressurgimento de algum tipo de organização política anticapitalista de esquerda que se torne uma organizadora de massas. Será necessário algo dessa grandeza para atrair acadêmicos profissionais de volta ao Marxismo em uma grande proporção. Podemos ter indivíduos aqui e ali, mas acho que vai dar muito trabalho.
Agora há uma brecha. E acho que o melhor que podemos fazer é tentar aproveitá-la, mas com uma visão de mundo realista.
Notas:
[1] Tradução livre adotada por nós em conformidade com outros artigos. Do original Postcolonial Theory and the Specter of Capital (2013).
[2] Termo original: “the dull compulsion”: “[…] a compulsão surda das relações económicas confirma a dominação dos capitalistas sobre os operários. Violência imediata, extra-económica, com efeito, é sempre ainda aplicada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso habitual das coisas, os operários podem permanecer abandonados às «leis naturais da produção»” MARX, K. O Capital. Edições Avante!, 1990.
[3] Aqui o entrevistado usa “as mesmas forças”, do original “the same forces” para dizer que em todo lugar do mundo serão sempre as mesmas forças, esse sentido é evidenciado no próximo parágrafo e para maior clareza trazemos essa ideia com a adição dos modificadores.
[4] “Cair por terra” é uma expressão idiomática brasileira que usamos para substituir a original “go out of the window”. Assume o significado de que se uma qualidade, princípio ou ideia cai por terra, ela fracassou ou não serve mais.