Por Karl Marx e Jules Guesde, via marxists.org, traduzido por Pedro Abilio
“A rejeição dessas reformas iria, como Guesde acreditava, ‘liberar o proletariado de suas últimas ilusões reformistas e convencê-los da impossibilidade de evitar uma revolução”. Acusando Guesde e Lafargue de uma ‘fraseologia revolucionária’ e de negar o valor das lutas por reformas, Marx fez seu famoso comentário em que, se essas políticas representavam o marxismo, ‘tudo que eu sei é que não sou marxista.'”
Nota editorial
Este documento foi elaborado em maio de 1880, quando o líder operário francês, Jules Guesde, visitou Marx em Londres. O Preâmbulo foi ditado pelo próprio Marx, enquanto as outras duas partes do programa mínimo político e econômico foram formuladas tanto por Marx quanto por Guesde, com a assistência de Engels e Paul Lafargue, com quem Guesde haveria de se tornar uma figura proeminente da ala marxista do socialismo francês. O programa foi adotado, com certas ressalvas, no congresso fundador do Partido Operário (PO) em Le Havre, em novembro de 1880.
A respeito do programa Marx escreveu: “Esse documento muito breve em sua seção econômica consiste inteiramente de demandas que apareceram espontaneamente na classe trabalhadora. Há a adição de uma passagem introdutória onde o objetivo comunista é definido em algumas linhas”. [1] Engels descreveu a primeira, seção máxima, como “uma obra-prima de argumentos convincentes raramente encontrada, clara e sucintamente escrita para as massas; Eu mesmo fiquei impressionado com essa formulação concisa” [2] e tardiamente ele recomendou a seção econômica para os social-democratas alemães em sua crítica do esboço do Programa de Erfurt de 1891. [3]
Depois do aceite do programa, entretanto, uma disputa formou-se entre Marx e seus apoiadores franceses acerca do propósito da seção mínima. Marx via esta como meio prático de agitação acerca das demandas que eram possíveis de se alcançar dentro do capitalismo, já Guesde tinha uma visão bem diferente: “Desconsiderando a possibilidade de obter essas reformas da burguesia, Guesde via elas não como um programa prático de lutas, mas simplesmente como… uma isca para atrair os trabalhadores do Radicalismo”. A rejeição dessas reformas iria, como Guesde acreditava, “liberar o proletariado de suas últimas ilusões reformistas e convencê-los da impossibilidade de evitar uma 1789 dos operários” [referência à revolução francesa]. Acusando Guesde e Lafargue de uma “fraseologia revolucionária” e de negar o valor das lutas por reformas, Marx fez seu famoso comentário em que, se essas políticas representavam o marxismo, “ce qu’il y a de certain c’est que moi, je ne suis pas Marxiste” (“tudo que eu sei é que não sou marxista”). [5]
A introdução, seção máxima do programa do Partido Operário aparece na coleção de escritos políticos de Marx pela editora Penguin, “The First International and After”, em uma tradução direta do texto em alemão. Até onde sabemos o programa não foi publicado em inglês ainda. A tradução que aparece aqui é direta do original francês em “Jules Guesde, Textes Choisis. 1867-1882, Edition sociales. 1959, pp.117-9”. Nós agradecemos a Bernie Moss por nos disponibilizar uma cópia do texto.
O Programa do Partido Operário
Preâmbulo
Considerando,
Que a emancipação da classe produtiva é aquela de todos os humanos sem distinção de sexo ou raça;
Que os produtores só podem ser livres quando em possessão dos meios de produção;
Que só há duas formas em quais os meios de produção podem lhe pertencer
- A forma individual que nunca existiu em um estado geral e que é continuamente eliminada pelo progresso industrial;
- A forma coletiva do material e elementos intelectuais que são constitutivos do próprio desenvolvimento da sociedade capitalista;
Considerando,
Que essa apropriação coletiva só pode surgir da ação revolucionária da classe produtiva – ou proletária – organizada num partido político distinto;
Que tal organização deve perseguir por todos os meios que o proletário tenha a sua disposição inclusive o sufrágio universal que será então transformado de instrumento de fraude que foi até hoje em um instrumento de emancipação;
Os socialistas franceses, em adotar como alvo de seus esforços políticos e econômicos a expropriação da classe capitalista e o retorno à comunidade de todos os meios de produção, decidiram como forma organizativa e de luta, entrar nas eleições com as seguintes demandas imediatas:
Seção Política
- Abolição de todas as leis sobre a imprensa, reuniões e associações e sobre todas as leis contra a Associação Internacional dos Trabalhadores. Remoção do livreto, [6] do controle administrativo sobre a classe trabalhadora, e de todos os artigos do Código [7] estabelecendo inferioridade do trabalhador em relação ao patrão, e das mulheres em relação aos homens.
- Remoção do orçamento para ordens religiosas e o retorno para a nação daqueles considerados ‘bens de mão-morta, móveis e imóveis’ (decreto pela Comuna em 2 de abril de 1871), incluindo todos os anexos industriais e comerciais dessas corporações.
- Supressão da dívida pública.
- Abolição do exército regular e o armamento geral da população;
- A Comuna a ser o mestre de toda a população e sua polícia.
Seção Econômica
- Um dia de descanso a cada semana ou banimento legal de empregadores que imponham mais que seis dias de trabalho – redução legal do dia de trabalho para oito horas entre adultos. – Banimento do trabalho em oficinas para crianças menores de quatorze anos; e, entre quatorze e dezesseis anos, redução do dia de trabalho de oito para seis horas.
- Supervisão protetiva de aprendizes pelas organizações de trabalhadores.
- Salário mínimo legal, determinado a cada ano de acordo com o preço local da comida, por uma comissão de estatística de trabalhadores;
- Proibição legal para patrões que contratarem trabalhadores estrangeiros por um salário menor que do trabalhador francês;
- Igualdade de salário por trabalho, independentemente do sexo do trabalhador;
- Instrução científica e profissional para todas as crianças, com a responsabilidade de sua manutenção pela sociedade, representada pelo estado e a Comuna;
- Responsabilidade da sociedade para com os idosos e deficientes;
- Proibição de todo tipo de interferência de empregadores na administração de sociedades de amigos de trabalhadores, sociedades previdentes, etc., quais devem se manter controladas exclusivamente por trabalhadores;
- Responsabilidade dos patrões na matéria de acidentes, garantida por um pagamento de segurança feito pelo empregador no fundo dos trabalhadores, em proporção com o número de trabalhadores empregados e o perigo que a indústria apresenta;
- Intervenção pelos trabalhadores em várias regulações especiais de variadas oficinas; um fim do direito usurpador dos patrões de impor qualquer tipo de penalidade nos trabalhadores sob a forma de multas ou retenção do salário (decreto pela Comuna em 27 de abril de 1871);
- Anulamento de todos os contratos que alienaram propriedades públicas (bancos, ferrovias, minas, etc.), e exploração de todas as oficinas possuídas pelo estado confiadas a trabalhadores de seus respectivos lugares;
- Abolição de todas as tributações indiretas e transformação de todas as tributações diretas em uma única progressiva em rendas acima de 3,000 francos. Supressão de toda herança colateral [8] e de toda herança direta acima de 20,000 francos.
Notas Editoriais
- Marx and Engels, Selected Correspondence, 1975, p.312.
- Ibid., p.324.
- Engels, ‘A Critique of the Draft Social-Democratic Programme of 1891″, em Marx and Engels, Selected Works, 1983, Vol.3, p.438.
- Bernard H. Moss, The Origins of the French Labour Movement, 1830-1914, 1976, p.107.
- Ibid., p.11. Famoso comentário de Marx, citado por Engels em uma carta a Eduard Bernstein, pode ser encontrado em Marx and Engels, Werke, Vol. 35. p.388.
- O ‘livreto’ era um certificado no qual o trabalhador era obrigado legalmente a apresentar quando tomava um novo trabalho, confirmando que seus débitos e obrigações com o antigo empregador tinham sido quitados. A prática foi abolida em 1890.
- Código Napoleônico, código civil francês.
- Não por parentes diretos.