Por Antonio Gramsci, via Nuovopci, traduzido por Michelle Cavalcante
Publicado na revista “La voce della gioventù” (a voz da juventude), 1° novembre 1923, assinado Giovanni Masci, depois comprovado pseudônimo para A. Gramsci.
Carta de Antonio Gramsci, 1 de novembro de 1923, de Moscou para a publicação no periódico organizado pela Federação da Juventude Comunista Italiana. Iniciava-se o fascismo de Mussolini aos moldes da Marcha sobre Roma.
Gramsci, naquela época ainda em Moscou na qualidade de representante italiano no Comité Executivo da Comintern, mas prestes a chegar a Viena para liderar um
Gabinete de coordenação entre o Partido Comunista Italiano. e os outros partidos comunistas. Giovanni Masci, (G. Masci) é precisamente o pseudônimo com quem Gramsci iniciava, naquela época, os artigos que escrevia e, em seguida, algumas das cartas endereçadas aos companheiros italianos.
A carta passou despercebida por diversas coletâneas publicadas do célebre autor, conhecido mundo afora.
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Queridos amigos da “Voce”,
Li na edição 10 (publicada em 15 de setembro) a interessante discussão entre o camarada G.P de Torino e o camarada S.V [redação da “Voce Della Gioventù”]. Está encerrado o debate? Pode-se questionar que agora, e por muitas vezes a discussão tenha permanecido aberta e, então, convidar todos os jovens operários de boa vontade, exprimindo com sinceridade e honestidade intelectual as vossas opiniões em propósito?
Como se posiciona o problema
Começo e afirmo sem outra convicção que, pelo menos me parece, o camarada S.V não configurou bem o problema e caiu em algum erro, muito grave, do seu próprio ponto de vista.
Por que está derrotada a classe operária italiana? Por que essa não tinha uma unidade? Por que o fascismo conseguiu derrotar, tanto fisicamente, quanto ideologicamente, o partido socialista que era o partido tradicional do povo trabalhador italiano? Por que o partido comunista não foi rapidamente desenvolvido entre os anos de 1921-22 e não conseguiu agrupar em torno de si a maioria do proletariado e das massas camponesas?
A visão do camarada S.V não levanta essas questões. Ela responde a todas as agonias inquietas que se manifestam na carta do camarada G.P com a afirmação de que bastava a existência de um verdadeiro partido revolucionário e que a sua organização futura bastará no futuro, quando a classe operária tiver retomado a possibilidade de movimento. Mas será que tudo isso é verdade, ou, pelo menos, em que sentido e dentro de quais limites é verdade?
O companheiro S.V sugeriu ao companheiro G.P de não mais pensar dentro de determinados esquemas, mas sim pensar em outros esquemas dos quais precisa. Temos que esclarecer isso.
E aqui está o que parece necessário fazer imediatamente, aqui qual deve ser “o início” do trabalho para a classe operária: temos que fazer uma implacável autocrítica da nossa derrota, temos que começar a nos perguntar porque perdemos; quem éramos, o quê queríamos, onde queríamos chegar. Mas precisamos, primordialmente, fazer também uma outra coisa (se descobre sempre que o início tem sempre um outro… início) precisamos fixar os critérios, os princípios, as bases ideológicas da nossa própria crítica.
A classe operária tem sua ideologia?
Por que os partidos proletários italianos têm sempre estado fracos do ponto de vista revolucionário? Por que fracassaram quando tiveram que passar das palavras à ação? Não conheciam a situação na qual deviam operar, esses não conheciam o terreno no qual estavam para dar batalha.
Pense: em mais de trinta anos de vida, o partido socialista não produziu um livro sequer que estudasse a estrutura econômico-social da Itália. Não há um livro que estude os partidos políticos italianos, os seus laços de classe, os seus significados. Por que na Planície do Pó o reformismo se enraizou tão profundamente? Por que o Partido Popular, Católico, tem mais Sorte no norte e no centro da Itália do que no sul da Itália, onde até mesmo a população está mais atrasada e deveria, portanto, ter mais facilidade
em seguir um partido confessional? Por que na Sicília os latifundiários são autônomos e não os camponeses, enquanto na Sardenha são os camponeses autônomos e não os grandes proprietários? Por que razão se desenvolveu na Sicília e não noutros locais o reformismo dos consórcios de Felice, Drago, Tasca Di Cutò? Por que no sul da Itália houve uma luta armada entre fascistas e nacionalistas, que não houve em outro lugar?
Nós não conhecemos a Itália, como ela realmente é e, portanto, estamos na quase impossibilidade de fazer previsões, de nos orientarmos, de estabelecer linhas de ação que tenham uma certa probabilidade de ser exatas. Não há história da classe operária italiana. Não há história da classe camponesa.
Que importância têm tido os fatos de Milão de 98? Que ensinamento têm dado? Quão importante foi a greve geral de Milão de 1904? Quantos operários sabem que, então, pela primeira vez, se afirmava explicitamente a necessidade da ditadura proletária? O que significava o sindicalismo na Itália? Por que teve ele sorte entre os trabalhadores agrícolas e não entre os trabalhadores industriais? Que valor tem o Partido Republicano? Porque onde há anarquistas também há republicanos? Que importância e significado teve o fenômeno da transição dos elementos sindicalistas ao nacionalismo antes da guerra na Líbia e a sequente repetição do fenômeno em maior escala para o fascismo?
Basta posicionar essas perguntas para reconhecer que nós somos completamente ignorantes, que nós somos desorientados. Parece que na Itália não se pensou isso, nunca se estudou, nunca se pesquisou. Parece que a classe operária italiana nunca teve a sua própria concepção da vida, da história, do desenvolvimento da sociedade humana. No entanto, a classe operária tem a sua própria concepção: o materialismo histórico; no entanto, a classe operária teve grandes mestres (Marx, Engels) que mostraram como são os fatos, como as situações são examinadas e como as direções para a ação são retiradas dessa análise.
Eis a nossa fraqueza, aqui está a principal razão pela qual ocorreu o desmonte dos partidos revolucionários italianos: não ter uma ideologia, não tê-la difundido entre as massas, não ter fortificado as consciências dos militantes com certezas de caráter moral e psicológico. Como é que é de admirar que algum trabalhador se tenha tornado fascista? Como perguntar se o mesmo S.V diz a certa altura “quem sabe até nós, persuadidos, poderíamos tornar-nos fascistas”? (Estas afirmações nem sequer são feitas como uma piada, nem mesmo para hipóteses de propaganda). Como podemos nos surpreender se outro artigo, na mesma edição de La Voce, diz:”não somos anticlericais”? Não somos anticlericais? O que significa? Que não somos anticlericais no sentido Maçônico, do ponto de vista racionalista da burguesia? É preciso dizer, mas é preciso dizer que nós, a classe operária, somos anticlericais, como somos materialistas, que temos uma concepção do mundo que supera todas as religiões e filosofias nascidas até então no terreno da sociedade dividida em classes. Infelizmente… não temos o conceito, e essa é a razão de todos esses erros teóricos, que depois têm uma reflexão na prática, e nos levaram até agora à derrota e opressão fascistas.
O início… do início!
O quê, então? Por onde começar? Aqui está: para mim, é preciso partir disto; do estudo da doutrina da classe operária, que é a filosofia da classe operária, isto é, da sociologia da classe operária, do estudo do materialismo histórico, do estudo do marxismo. Aqui está um propósito imediato para grupos de amigos de “La Voce”: reunir-se, comprar livros, organizar aulas e conversas sobre este assunto, formar sólidos critérios de pesquisa e exame e criticar o passado, ser mais forte no futuro e ganhar.
“La Voce[1]” deve, de todas as formas possíveis, ajudar esta tentativa, publicando esquemas de lições e conversas, dando indicações bibliográficas racionais, respondendo às perguntas dos leitores, estimulando a sua boa vontade. Quanto menos tiverem feito, mais precisam de fazer, o mais depressa possível. Os fatos são prementes: a pequena burguesia italiana, que tinha depositado as suas esperanças e a sua fé no fascismo, vê diariamente o colapso do seu castelo de papel. A ideologia fascista perdeu a sua expansividade, pelo contrário, está a perder terreno: o primeiro alvorecer do novo dia proletário está a emergir novamente.
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[1] Novamente, referência ao nome do periódico organizado pela Federação da Juventude Comunista Italiana, o qual a carta acima foi direcionada.