Por João Pedro Passos de Barros Borges
Introdução: O texto procura refletir o papel histórico que o PT cumpre em face das formas sociais do capitalismo e, por conseguinte compreender o surgimento do populismo de direita através de Bolsonaro, assim debater os horizontes políticos para os comunistas. Que se faz, por meio de um debate sobre ideologia e conclui que a perda de horizontes revolucionários é parte da subjetividade no pós-fordismo e assim, o alvo de disputa não deve ser o institucional.
CRISE E FORMA SOCIAL
O fim da história, a glória e a vitória do capitalismo liberal é, para a maioria dos comunistas uma mentira e não descabido de razão, visto que a luta de classes ainda permeia a sociedade e assim, o anúncio de que tudo aquilo que era sólido e se desmancha no ar, ou seja, a abertura da modernidade com um horizonte de superação permanece. A sociedade ainda é constituída de um conteúdo determinado pela luta de classes.
Por outro lado, anunciaram a usurpação completa de Édipo em face da manifestação de novas formas de existir, ou seja, a superação da imago paterna que começa na modernidade como traço psíquico em decadência, em vista da literatura shakespeariana que em Hamlet anuncia um pai que é frágil e morre, necessitando se vingar através do filho. Contudo, Zizek demonstra que dentro da dialética do senhor-escravo, que “quanto mais o escravo (servo) concebe (equivocamente) sua posição como a de um agente autônomo, mais servo ele se torna” (ZIZEK, 2016, p. 276), assim a afirmação de um corpo qualquer e da existência desse na constituição de diferentes identidades é, em última instância, a afirmação do fetiche e a existência da linguagem como o Grande Outro.
De outro modo, mesmo que as estruturas apontadas não tenham mudado substancialmente para se auferir uma sociedade sem classes ou com sujeitos totalmente livres, é de certo modo um sectarismo não compreender as mudanças que existiram. Os alicerces do capitalismo não são mais os mesmos, Anselm Jappe ironiza em seu livro A sociedade Autofágica, ao afirmar que:
Se alguém tivesse dito a um revolucionário, no início do século xx, que cem anos mais tarde deixaria de haver serviço milítar, que a Igreja estaria quase ausente do debate público, que a família autoritária teria quase desaparecido, que as velhas distinções de classe já não seriam visíveis e que um negro ou uma mulher poderiam dirigir uma escola ou um Estado, mas que, apesar disso, continuaríamos a ser governados pelo sistema capitalista e que haveria muito menos contestações radicais do que antes, esse revolucionário não teria acreditado. (JAPPE, 312-313)
O pensador alemão tem o intuito destacar uma crise do capitalismo, que é a crise do fordismo, do Estado de bem-estar social, que é fundamentalmente uma crise da queda tendencial da taxa de lucro e como argumentam Hirsch, uma crise dessas tem de ser vista como uma crise de hegemonia, na qual não só os componentes do lucro determinam a mudança, mas que todo um cenário de crenças se desmoronam junto com a porcentagem de lucro. Contudo, já é sabido desde O Capital de Marx que o capitalismo é um sistema que emerge da contradição, assim como suas formas sociais se conformam e derivam, ou seja, na formação do capitalismo pela subsunção real do trabalho ao capital as formas sociais deram um “pega” (para remeter ao Althusser), logo a partir da crise há uma rearticulação das formas sociais por meio de golpes sociais, como expõe Mascaro que podem vir de um locaute até um golpe de Estado, sempre reconfigurando a estruturas para que a regulação e a acumulação exerçam uma harmonia em relação a hegemonia em crise.
Sendo assim, aquilo que a esquerda tencionava nas décadas de 60, para Jappe, viraram sua perdição quando o capitalismo se adequou em torno de uma estrutura narcísica, que configura grande parte do espetáculo integrado da política que se observa. Em suma, o capitalismo em seu despotismo de classe, deu aos trabalhadores uma suposta liberdade nunca vista para consumir e interagir, de forma que terceirizou o controle à própria constituição psíquica, formando sujeitos narcísicos, que é acompanhada de uma perda de sentido histórico e uma política que se torna cada vez mais eleitoral e gerida pelo marketing.
O QUE É O PT?
Por conseguinte, se fez necessário falar da crise do capitalismo mundial e de como essas manifestações de empoderamento surgiram para que se olhe a situação brasileira sem apegos a uma melancolia que procura desesperadamente na colônia o motivo de sua desgraça. Cometendo o erro crasso de teoria da história, alertado pelo medievalista Marc Bloch, que é o de buscar o ídolo das origens. Assim sendo, a pergunta não tem de ser onde começou o patrimonialismo brasileiro, a dependência ou o genocídio, tem de ser “porque permaneceu?” e essa pergunta será respondida para além da formação social, mas pela primazia que as formas sociais contém. Logo, observar o quadro de crise mundial das formas do capitalismo é o instrumento necessário para não incorrer em moralismos e ver o PT como aquilo que ele nunca foi, verdadeiramente revolucionário.
Assim, é necessário falar do Partido dos Trabalhadores, André Singer, aponta o lulismo como fenômeno político, assume no quadro eleitoral sentidos contraditórios e acaba por ser um reformismo fraco. Porém, para além disso, Clayton Romano, ao expor as contradições inerentes e os discursos da formação do PT como partido, demonstra mais, que o PT é um partido de uma cultura política que descende da superação da ditadura militar, o americanismo no Brasil que se infiltra através da escolha racional. O valor político-cultural, expõe que na natureza anti-política dos discursos que eram comuns na formação do partido, como a não adesão ao clientelismo, a insatisfação com o “rouba-mas-faz” entre outros, se apresenta como a negação do Estado e da política. Ou seja, demonstrando aquilo que muitos negam: o PT não concilia com a burguesia para governar, pois quem concilia, o faz a algum fim, o PT entrega em torno de alguma pequena melhora, opera sobre escolhas racionais constantes e não porta de um horizonte emancipador e sim, é um partido de gestão; como conclui o autor:
Embora não admitia publicamente, o PT é sim portador de uma cultura política, a escolha racional, acrescida da noção de conflito – há muito mobilizada pelos sindicalistas autênticos, esquerdas e pelo associativismo de base – enquanto método político de ação. Originalmente centrado em extrair vantagem do atraso, paulatinamente, isto é, a partir do instante em que tomou assento no Executivo, o PT começou a se deparar com as vantagens do moderno, conversão que parece ter sido completada com o governo Lula. Contudo, seus parâmetros político-culturais permanecem os mesmos: obter a melhor relação custo-benefício qualquer que seja o conflito político em questão. Criado pelo PT, este é o petismo.
Sem cortes, do ABC ao Planalto. (ROMANO, Clayton. 2008. p. 164)
Esse elemento do PT, não deve ser encarado com moralismo, mas como aquilo que Ranciere aponta como o desentendimento entre política e filosofia. Os iluministas parecem algo pretérito, mas nunca uma sociedade foi composta de sujeitos cartesianos como é hoje e nunca uma sociedade foi o que Hobbes apontava como Lupus est homo homini lupus, a famosa frase do Leviatã que embora acerte ao apontar o Estado como monopolizador da violência, justifica esse monopólio, na medida em que fragmenta os indivíduos e, portanto, negando-os de capacidade de ação coletiva e demonstrando-os como aqueles que só querem cumprir seus desejos, é isso, que ironicamente é o sujeito narcísico.
REALISMO CAPITALISTA
Urge a necessidade de recapitular a história das crises das formas sociais, para compreender que o PT é parte da história do capitalismo brasileiro. Assim sendo, a mudança das formas sociais e sua recomposição para um horizonte sem política e sem ruptura não é um erro moral do PT, ou um peleguismo, mas o papel histórico que ele cumpre na política brasileira pós-ditatorial, junto ao neoliberalismo que estruturado no capitalismo central, mostra seus tentáculos no periférico. Assim, hei de retomar Jappe mais uma vez, só que em suas palavras:
A decadência global da política enquanto instância reguladora da vida social manifesta-se de várias maneiras: como recusa da política e das ideologias tradicionais por parte dos cidadãos; como perda da soberania por parte dos Estados nacionais; como redução neoliberal das competências do Estado. A política encontra-se reduzida ao papel indispensável, mas subordinado, que é estruturalmente o seu na sociedade da mercadoria, ainda que, durante boa parte do século XX, as necessidades ligadas à fase ascendente dessa sociedade (superação das formas pré-capitalistas, integração de toda a população na lógica da mercadoria) tenham feito parecer mais importante o papel da política. (JAPPE, 2014. p. 27-28)
Por conseguinte, se faz necessário compreender a relação da mudança social com a política, ou seja, a compreensão da deterioração das bases ideológicas do capitalismo clássico em uma nova forma de existir depois da crise do final do século XX. Como também, o capitalismo se colocou para além das suas bases e assim, todos o criticam, levantam a bandeira dos socialistas, e tudo isso é um elemento perfeitamente cabível ao capitalismo desde que a perda de sentido histórico permaneça e não haja esperança de superação.
Fisher aponta isso com exatidão, o capitalismo não precisa do total acoplamento ideológico para ganhar legitimidade e as formas políticas também não, é só recordar o que Jappe pensa como a sociedade do espetáculo integrado. Assim, a crítica fundamental é a ausência de horizonte e Lula falar de um “Brasil feliz de novo” ou qualquer coisa do gênero não é horizonte, e sim a recapitulação de seu governo que está no passado – uma forma aceita de reacionarismo político que classifica junto aos neoliberais, todos os revolucionários como sectários.
O capitalismo em sua fase neoliberal é um zumbi, da mesma forma que seus sujeitos são nada mais que um cérebro conectado a um corpo, o capitalismo em paralelo é algo morto, algo desacreditado, fora de suas bases e alicerces comuns, assim, o neoliberalismo é uma piada da qual os desenvolvimentistas sentam a mesa e criticam duramente, mas depois falam que são técnicos e apontam um horizonte de gestão; um morto-vivo, nas palavras de Fisher:
O neoliberalismo perdeu a iniciativa, e persiste inercialmente, desmorto,” como um zumbi. Podemos ver agora que, embora o neoliberalismo fosse necessariamente “realista capitalista”, o realismo capitalista não precisa ser neoliberal. Para se salvar, o capitalismo poderia voltar a um modelo social-democrata ou a um autoritarismo do tipo que se vê no filme Filhos da Esperança. Sem uma alternativa crível e coerente ao capitalismo, o realismo capitalista continuará a governar o inconsciente político-econômico. (FISHER, 2020. p. 130)
Portanto, a superação do capitalismo não pode vir sem a superação e o entendimento de suas formas sociais. A mercadoria, o dinheiro, o Estado, o direito, o salário… esse é o horizonte daquilo que deve ser mirado. Aquilo que não alça esse horizonte é o fim da história, que grande parte dos revolucionários têm negado, mas permanecem em conchavo com aquilo que não aponta horizonte possível ao capitalismo, na desculpa de que “essa não é a conjuntura”.
CONJUNTURA
Um dos autores que Jappe pretere é o conservador Christopher Lasch, que corresponde a aquilo que Zizek define como do melhor da teoria psicanalítica:
A psicanálise não é uma teoria que lamenta a desintegração dos velhos modos de estabilidade e sabedoria tradicional, situando neles a causa das neuroses modernas e instigando-nos a descobrir nossas raízes na sabedoria arcaica ou num autoconhecimento profundo (versão junguiana), nem é apenas outra versão do saber reflexivo moderno, que nos ensina a penetrar e dominar os segredos mais íntimos de nossa vida psíquica. O objeto próprio da psicanálise, aquilo que ela visa, são antes as consequências inesperadas da desintegração das estruturas tradicionais que regulavam a vida libidinal. Por que o declínio da autoridade paterna e dos papéis sociais fixos e de gênero cria novas angústias, ao invés de inaugurar um Admirável Mundo Novo de indivíduos engajados no criativo “cuidado de Si”, desfrutando do processo contínuo de deslocamento e ressignificação de suas múltiplas identidades fluidas? (ZIZEK, 2016, p. 358)
Lasch, majestosamente aponta a falta de otimismo com as mudanças apresentadas nas relações sociais, mesmo que tenha alguns problemas que serão elencados aqui. Primeiramente, o autor faz uma confusão devido ao fato de que vê a mudança ao passo que critica, assim muitas vezes aponta que a família está terceirizando sua responsabilidade para o Estado, ora para o indivíduo, o que gera alguma dissonância, contudo os dois primeiros capítulos de A cultura do narcisismo mostram uma preocupação com uma sociedade desacreditada do Estado e da burocracia tradicional, mas, que ao mesmo tempo está contida de um grande sofrimento psíquico por estar em contato com um Eu Ideal tão distante do Eu Real.
Assim, a mãe que antes tinha o instinto materno, com o surgimento das revistas e livros sobre como ser uma boa mãe e as diversas formas de entendimento do behaviorismo pavloviano até o cognitivismo não sabe mais como agir com precisão e nem qual a melhor decisão a tomar, da mesma forma que antes o estádios de futebol pela sua estrutura física de ir ao evento, o que gera uma separação do telespectador com o atleta, portanto, com uma cultura televisiva na qual o esporte adentra o ambiente familiar pelo aparelho midiático e pela nova índole do próprio sujeito ser atleta, gera o sentido de que o sujeito pode interferir como quiser no esporte, pois o espetáculo tem que agradá-lo, na pela incapacidade de entender o limiar entre o espetáculo e o sujeito.
Contudo, esse grande acerto do Lasch é contido de um certo moralismo psicologizante como aponta Jamerson, e acaba por, para Zizek incorrer em um certo otimismo com o populismo de direita. Que, fundamentalmente é o cenário do Brasil atual, mesmo que queira tratar o bolsonarismo como uma junção especificamente histórica de um ultraliberalismo e um reacionarismo político, não se nega à coincidência da propaganda fascista com a bolsonarista, e partindo dessa observação, a crítica deve ser feita. Nas palavras de Zizek:
Ou seja: esses críticos do elitismo multiculturalista pós-moderno (de Christopher Lasch a Paul Piccone) assumem o risco de apoiar o populismo neoconservador, com suas ideias de reafirmação da comunidade, democracia local e cidadania ativa, como a única resposta politicamente relevante à predominância universal da “Razão instrumental”, da burocratização e instrumentalização de nosso mundo-da-vida. (ZIZEK, 2016. p. 243)
Bolsonaro, em um cenário de morte da política gestada pelas formas sociais e manifestada nos partidos tradicionais, faz um gesto similar ao de Mussolini e propõe a união dos trabalhadores sobre os signos mais ideológicos, grotescos e inerentes do capitalismo, como a ideia de Nação que Mascaro revela, que é parte da ideologia do Estado como forma política que disfarça a luta de classes e constitui subjetivamente o proletário brasileiro contra o proletário argentino, por exemplo.
Ao passo que, a contraposição a Nação no bolsonarismo é o sistema político e a corrupção, ou seja, o erro de Lasch é observar na crise da hegemonia liberal algo intrinsecamente positivo – e aqui o papel da ideologia se faz necessário -, pois Bolsonaro é uma possível manifestação do capitalismo, assim como o Mussolini foi uma manifestação da burguesia industrial e bancária em face da crise da hegemonia liberal e do aumento dos movimentos de esquerda, ressaltando não a ruptura verdadeira daquilo que constitui o capitalismo que são suas formas sociais, mas defendo-as numa ruptura incompleta; sendo populismo e essa sua manifestação específica sendo uma crítica ao multiculturalismo liberal como parâmetro social.
Por conseguinte, a crise de hegemonia existe, e por mais que superficialmente Bolsonaro ataque a grande mídia e as instituições como o STF e o congresso nacional, ele atiça um horizonte político que o PT não atiça. As instituições em meio a crise financiaram o bolsonarismo imaginando a possibilidade de contê-lo após a vitória eleitoral, contudo ele se empenhou na tentativa de elaborar um Estado dentro do Estado e revelar sua verdadeira face. Assim, as instituições mostram suas cartas que são a terceira via e em última instância a soltura do Lula, que magicamente ninguém suspeita em um certo fetichismo das instituições que acredita que os juízes do STF perceberam de ultima hora que a prisão do Lula era ilegal e que a Lava-jato não era um projeto contra a corrupção e sim de perseguição política. Assim, o bolsonarismo tem que ser visto a partir de um balanço crítico, as instituições não querem ele (Bolsonaro), elas preferem outros modelos de controle como a falsa oposição eleitoral entre PSDB e PT, mas ao mesmo tempo ele foi e é uma possibilidade do capitalismo em meio a crise.
Logo, se faz necessário voltar aos questionamentos do porquê do PT ter caído. Em decorrência da crise de 2008, onde começa como uma crise da queda tendencial da taxa de lucro e prossegue como uma crise da hegemonia no bolsonarismo, ao passo que o partido não apresentou e não apresentará nenhum horizonte político e ao ceder ao neoliberalismo no segundo governo Dilma, minou sua base social[1]. Logo, Dilma tomou um golpe que articulou o Estado brasileiro para a acumulação a partir da retomada da acumulação primitiva[2] e intensificou o círculo de privatizações. Assim, o PT não foi descartado por ser contra o capitalismo ou dar melhores condições ao povo brasileiro, ele foi descartado pela crise intrínseca das formas sociais e voltou à tona quando o bolsonarismo se mostrou mais ofensivo do que a burguesia realmente esperava.
Portanto, a manutenção do bolsonarismo em face do crescimento do PT mostra uma crise que não foi superada, pois como demonstra Jappe, o capitalismo está na sua tentativa de materializar o valor, extraindo dos próprios sujeitos, que agora são empresários de si que investem dinheiro até no tesouro direto, quando não trabalham de forma autônoma, Possuindo, a burguesia, mais capital fictício que mais-valia, demonstrando uma crise inerente ao capitalismo (e se é a final ou não, é outra história), que não se resolveu, ao passo que cresce na crise de hegemonia um bolsonarismo feroz que aponta um horizonte político, ou nas palavras de Fisher, retomando analogia do Zumbi:
O capital é um parasita, um vampiro insaciável, uma epidemia zumbi; mas a carne viva que ele transforma em trabalho morto é a nossa, os zumbis que ele produz somos nós. Existe um certo senso de que os membros da elite política são nossos servos; e o miserável serviço que nos prestam é o de lavagem de libido, de obsequiosamente representar a nós mesmos nossos próprios desejos denegados, como se não tivessem nada a ver conosco. (FISHER, 2020, p. 27-28)
Assim, a análise histórica suscita práticas de orientação e ação política e, por fim, a pergunta que fica é: em meio a crise de hegemonia os comunistas devem se aliar ao petismo?
FETICHISMO INSTITUCIONAL
E se o Bolsonaro ganhar de novo? Não é melhor apoiar o Lula e garantir um cenário de disputa da máquina petista? As formas sociais têm de ser o horizonte de análise para suscitar as perguntas corretas, que após todo o desenvolvimento são: A esquerda apoiando o petismo estaria fazendo outra coisa senão ajudando a tentar salvar o capitalismo? Não seria essa uma manifestação do realismo capitalista? Qual o sentido de combater o populismo restabelecendo suas condições de fecundação?
A questão não são as instituições, a disputa pelo Estado ou pelo direito. O bolsonarista não quer gerir essas instituições, mas não consegue observar a dinâmica das estruturas que salvaguardam sua existência. Assim, apesar de não serem capazes de superá-las, somente de fazer um apelo pelo desmonte institucional ao passo que são uma massa populacional que é tratada com prepotência por grande parte dos setores liberais, que estão na defesa da ordem e do diálogo entre classes antagônicas.
Não é possível que os revolucionários pensem que a superação do fascismo é a eleição, que não vêem a possibilidade de outra crise e, portanto, da derrocada de todos os míseros reformismos fracos do lulismo. Os comunistas devem apresentar a sua ruptura para o proletariado, contra a burguesia e contra as instituições – que Bolsonaro em parte já mobiliza. Caso contrário, outra crise de acumulação surgirá e o mesmo despotismo de classe se repetirá. Não existem horizontes de gestão do capitalismo da mesma forma que não existe possibilidade do petismo ser revolucionário, pois essa nunca será a escolha racional em vista de que a realidade é ideológica, sendo ela, o realismo capitalista. Não existe conjuntura para almejar a revolução, a dinâmica de reprodução da sociedade são as formas do capitalismo que se derivam e conformam para a reprodução do modo de produção, o que pode existir é disputa ideológica, é a formação de aparelhos ideológicos outros para outras formas de sociabilidade, que conduzam aqueles que são dirigidos pelo populismo para outro horizonte político.
E não haverá horizonte político em uma sociedade que resguarda suas instituições, as mesmas que legitimaram o golpe de 64, o golpe de 2016, fizeram vista grossa para a reeleição de 94 e permitiram que a Lava-jato operasse o desmonte da soberania nacional. Em face, de uma segurança pública que decai e de uma impunidade crescente dos mais ricos do país, os discursos populistas operam ao lado de fortes programas policialescos para quem vota no Bolsonaro, mas a crise institucional se mostra presente em um Brasil no qual somente 1⁄4 da população aprova o STF[3].
Pelo contrário, Alexandre de Moraes que é repleto de ilegalidades[4], é quem é capaz de conduzir o espetáculo institucional contra o Bolsonaro, quando não era João Dória em uma dialética do Uno e do Multiplo do qual as duas forças políticas coexistiam na mídia, até o completo sumisso do PSDB como partido incapaz de representar a classe média que agora se finda ao populismo. Assim nosso horizonte não deve ser o da legalidade que conscientemente apoiou o genocídio, nem de um liberalismo minimanente almado que patrocinou o extermínio na periferia e parte do desmonte ambiental, além das calamidades de Belo Monte[5].
Logo, o problema do populismo de direita não é o reconhecimento de um conflito cultural e institucional, mas sua solução, logo a ação da esquerda não pode ser para neutralizar esse espaço, retomando Zizek:
Contra o centro liberal, que se apresenta como neutro, pós-ideológico, assentado na norma da Lei, devemos reafirmar o antigo tema da esquerda da necessidade de se suspender o espaço neutro da Lei. (ZIZEK, 2016. p. 244)
Portanto, o reconhecimento de que o populismo é também resultado da crise que é inerente às contradições do sistema, deve-se conduzir a esquerda, de fato, para além da destruição e do fim, para a superação de “tudo que está aí”. O dever histórico dos comunistas é recuperar os sonhos diurnos dos sujeitos e torná-los reais, não somente o compromisso com o realismo que zumbifica o sujeito. Do mesmo modo que é dever histórico, finalmente terminar o desmonte das estruturas, que se escondem na aparência das formas que levam à luta de classes. Pois, se o neoliberalismo prometeu um segundo iluminismo, e nele trouxe inexoravelmente outro modo de esconder as opressões, passando-as a cargo de liberdade, é na superação do capitalismo que se fará a emancipação, ou seja, na recuperação de um sentido histórico e da política como elemento ocasional de transformação.
REFERÊNCIAS
BARROS, Douglas Rodrigues. A política como conflito. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2021/09/09/a-politica-como-conflito/
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FISHER, MARK. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: autonomia literária, 2020.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. Rio de Janeiro: Editora Record, 1999.
HIRSH, Joaquim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2010.
JAMERSON. Frederic. Pós-Modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio.
JAPPE, Anselm. A sociedade autofágica. Lisboa: Antígona, 2019.
Uma conspiração permanente contra o mundo: reflexões sobre Guy Debord e os situacionistas. Antígona, 2014.
LASCH. Christopher. A cultura do Narcisismo: a vida numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA, 1983.
MARX, K. O Capital – Livro 1 – crítica da economia política: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.
Crise e Golpe. São Paulo: Boitempo, 2018.
Filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
MASCARO, Alysson Leandro; MORFINO, Vittorio. Althusser e o materialismo aleatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.
PACHUKANIS, Evgeni. Fascismo. Boitempo: São Paulo, novembro de 2020.
RANCIERE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: editora 34, 2018.
ROMANO, Clayton. Do ABC ao Planalto: a cultura política do petismo. 2008. Tese (Doutorado), UNESP, disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/103088
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo, Cia. das Letras, 2012.
ZIZEK, Slavoj. O Sujeito Incômodo: o centro ausente da ontologia política. São Paulo: Boitempo, 2016.
[1] Alto desemprego e cortes na educação, ver em: https://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/12/01/sob-dilma-desemprego-bate-recorde-entre-jovens-e-vai-a-20/ https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/05/15/interna_politica,1054070/governos-de-dilma-e-temer-tambem-cortaram-verbas-da-educacao.shtml
[2] Ver o debate de expropriação das terras indígenas através da tese em tramitação do STF do “Marco Temporal”, mesmo que claramente inconstitucional em vista das cláusulas pétreas que não poderiam ser modificadas por nenhum dos poderes que em sua estrutura, garantem a demarcação de terras. Sendo assim, só um instrumento de expropriação de terras para que a mineração e o agronegócio brasileiro consiga extrair mais-valor.
[3] Dados do datafolha sobre a aprovação do STF podem ser vistos em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/datafolha-aprovacao-do-stf-resiste-a-ataques-de-bolsonaro-mas-e-so-de-25.shtml
[4] Ver debate da esquerda sobre Alexandre de Moraes enquanto Ministro da Justiça, posto por Michel Temer após o golpe em Dilma, em: http://www.justificando.com/2016/09/27/10-absurdos-que-mostram-que-alexandre-de-moraes-deve-sair-do-ministerio-da-justica/
[5] Ver catastofre ambiental e anti-indígena patrocinada pela política petista em: https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/03/12/belo-monte-antes-de-denuncias-de-corrupcao-um-crime-contra-a-humanidade/