O Materialismo dialético de Nikolai Bukharin em Tratado De Materialismo Histórico

Por Raphael Rigoni Rodrigues

O marxismo tem sido uma base fundamental das ciências humanas desde seus primeiros escritos. Onde Marx e Engels escreveram exaustivamente, muitos outros escritores tratariam dos temas, mesmo que de perspectivas diferentes dos dois autores originais, auxiliando ainda mais o firmamento dessa teoria política nas ciências sociais.

Com mais ou menos destaque ou similaridades com a escrita marxiana, cada um dos autores tentava emplacar seu modo de ver o mundo. Aqui algumas referências romperam barreiras e se tornaram obras celebradas internacionalmente como o caso de “Estado e Revolução” de Lenin ou “Cadernos Do Cárcere” de Gramsci.

Entretanto além das obras fundamentais como as dos citados Lenin e Gramsci ou de outros como Lukács, Trotsky e Luxemburgo. Existem uma outra dezena de autores que o público pouco conhece ou mesmo que conheça, acaba deixando de lado não intencionalmente.

Um desses casos é Nikolai Bukharin, um dos que junto com Lenin, Trotsky e Stalin poderia ser considerado um dos homens fortes do partido Bolchevique. Assim cabe ler sua visão sobre o Materialismo que se encontra em seu livro Tratado de Materialismo Histórico.

1. Os Problemas da Ciência Burguesa, A Casualidade e a oposição do materialismo ao idealismo

Em seu texto antes de tratar sobre o assunto principal faz uma introdução de alguns pontos fundamentais de sua visão. Tentando primeiro identificar o problema da ciência burguesa e sua falha de prever movimentos futuros, seguidamente de casualidade das ações e depois das diferenças entre Materialismo e idealismo.

O primeiro ponto tratado é a ciência social, onde traz o exemplo de Marx e Engels que segundo o autor teriam previsto um conflito mundial, uma crise econômica e o surgimento de uma revolução proletária. Enquanto a ciência, dita por ele, burguesa seria incapaz de fazer essas previsões.

Nesse sentido segue falando do caráter social do estudo dizendo que: “A Burguesia por sua vez criou sua própria ciência, partindo de suas necessidades de sua vida prática”. Nesse caso: Como conservar seu capital, organizar suas instituições econômicas e a relação com outros países. Para provar seu ponto traz à tona o fato que os primeiros cientistas da economia política liberal eram homens ligados ao alto comércio ou serviço estatal, trazendo o banqueiro David Ricardo como exemplo central.

Em Bukharin essa é diferença fundamental da ciência burguesa e a proletária quando se trata de sociedade. Para o autor a ciência social parte da convivência e das necessidades de explicações da vida prática de um indivíduo. Onde a burguesia se esforça para conservar e consolidar sua posição a classe proletária, em contrapartida, busca a destruição do regime capitalista e a reorganização do sistema, da mesma maneira que a burguesia destruiu o absolutismo.

Logo em Bukharin onde a burguesia falha é em observar as fragilidades do sistema por ela proposto. Onde o proletariado estaria em situações sociais muito mais profundas uma vez que além de olhar essa ciência de fora, faz parte do sistema social implicado por ela.

É impossível não citar outros autores, assim fugindo por um parágrafo, trago os escritos sobre a revolução russa de Trotsky, onde podemos ver esse teorema em prática quando se analisa a passividade de Nicolau II, perante a destruição do sistema servil russo que entrava, a pelo menos 2 gerações, em colapso.

Da mesma maneira que Luís XVI viu o seu absolutismo cair diante de seus olhos, apenas duas gerações depois que Luís XIV se tornava o rei Sol. Nesse caso, os monarcas foram incapazes de impedir uma revolução pois não eram capazes de identificar dentro do próprio sistema suas falhas.

Onde sobre isso gostaria de levantar uma problemática que será melhor discutida posteriormente: O materialismo dialético sendo a ciência da classe trabalhadora deve, e deverá na sociedade sem classes, ser capaz de ao mesmo tempo estar no cerne e na periferia da sociedade, realizando um processo dialético e autofágico, caso contrário estará fadado ao fracasso como as ciências anteriores.

A segunda tese abordada pelo autor antes de entrar propriamente no texto é o sistema de causa e finalidade nas ciências sociais onde tenta destrinchar os fenômenos nela postos. Onde falando sobre isso comenta: “basta estudar as coisas um pouco mais de perto, para verificarmos que há uma certa regularidade nos fenômenos”. Tentando implicar que as finalidades, sejam quais sejam, são ações que seguem certas leis: Os homens semeiam para colher, após a chuva nascem os cogumelos, as estações que se alternam etc.

Ou seja, por mais complexa que sejam as ações humanas ou naturais, sempre existe um sistema de causa e consequência que é seguido por essas ações. Dando o exemplo de pôr quaisquer rincões onde se desenvolva o capitalismo sua consequência é desenvolvimento de uma classe proletária que com a expansão do primeiro também aumenta.

Assim, as ações materiais, em suma, são destinadas a um ou mais fins intencionais ou não: O capitalista que desenvolve sua indústria o faz através da produção material da classe trabalhadora, onde o aumento da produtividade através da máquina, diminui o preço, aumenta a produção e a riqueza do capitalista. Onde essa riqueza se transforma em mais investimentos que aumentam uma classe que tem que vender seu trabalho e assim por diante.

Seguindo nesse tema Bukharin desemboca no artigo O problema da liberdade e da não liberdade individual. Onde tenta de certa forma regular essas ações e balanços sobre a vida em sociedade, partindo de um pressuposto fundamental: Sem O Homem, não haveria nem sociedade nem fenômenos sociais. Desembocando finalmente nas teorias de sociedades.

Sobre isso, um ponto fundamental é quando o autor fala das vontades em sociedades, onde diz que os fenômenos sociais não exprimem vontades individuais, mas que são contrários a ela, forçosamente os dominando pela coletividade e o entrelaçamento das vontades e sentimentos de um todo.

Trazendo Engels, diz: Na história “nada acontece sem que haja uma intenção para um fim desejado”. Entretanto “muito raramente acontece aquilo que foi proposto”. Querendo dizer que mesmo onde se tenha por objetivo um fim, esse guiado por um suposto livre-arbítrio, ele está condenado a realidade material que pode ou não possibilitar os acontecimentos dos fatos propostos.

O exemplo prático do autor para essa questão é fundamental, principalmente por ter sido vivido por ele mesmo: As classes dirigentes de um país geralmente almejam uma guerra, pelos resultados positivos provenientes dela, como aumento de produção, entretanto dada a vontade do povo são incapazes de prever e se preparar para derrota, como foi o caso da classe dirigente russa impulsionada pelo Pan-eslavismo, que terminou derrotada e expurgada de seu país, quando não morta.

Terminando esta parte, Bukharin retorna ao princípio, pois depois de suas noções introdutórias estaria pronto para distinguir o que para ele é uma diferença filosófica que está em embate a muitos anos: O materialismo e o Idealismo.

Sobre esse assunto, debruça-se primeiramente sobre os autores clássicos como Platão que aponta as ideias do devir humano, tudo o que nos cerca é uma representação da nossa ideia do que é “aquilo”. Em contraposição a outros autores como o Anaximandro e sua teoria do Apeíron, aquilo que não é nada, mas que dá origem ao todo.

Com isso quer dizer que Platão e outros idealistas, concebem o mundo como sendo a manifestação das ideias, enquanto os materialistas, que citaria Spinoza, vem as ideias como uma manifestação do mundo. Ou seja, o valor é invertido, para aquele que observa o mundo e a partir dele, toma suas decisões. Segundo o autor, essa noção de “espírito” é posterior ao homem, ou seja, é mais uma das manifestações do homem sobre o ambiente.

Assim, o autor se define materialista, seguindo sua vertente alemã, originaria de Feuerbach e adaptada por Karl Marx. Autor este que para Bukharin teria formulado a mais perfeita teoria materialista tendo a aplicada as ciências sociais, um terreno dominado pela teoria da filosofia idealista.

Essa argumentação de Bukharin vem da origem da dialética materialista, onde Marx se inspira em Hegel, entretanto, por Bukharin: Marx, segundo suas próprias palavras, pôs de pé a dialética de Hegel, substituindo o movimento do espírito pela matéria. Assim, onde Hegel via uma ligação de ideias e como elas afetam o mundo (e.g. Filosofia da História e o Zeitgeist), Marx enxergava uma questão material, uma associação entre objetos que compõe o meio (e.g. trabalho, produção e luta de classes) onde as ideias, são somente representações do espaço físico e suas relações.

2. O Materialismo Em Bukharin

Estando agora finalmente no ponto de seu escrito, Bukharin distingue uma ideia central para a análise material da sociedade. Que seria a analisa das conjunturas que formam determinada sociedade, onde cada uma delas é diferente da outra, trazendo em suas palavras: a vida social tanto quanto tudo na natureza está sujeita a contínuas transformações.

Isso quer dizer que não se pode analisar o conteúdo material de uma sociedade através de um ponto referencial fixo e levá-lo as demais civilizações. Pois mesmo que possa existir semelhanças o sistema social e econômico está sujeito a contínuas mudanças.

O exemplo da Grécia antiga onde o pensamento dos filósofos foi erguido sobre o trabalho de gerações de escravos, é posto em contraposição aos nobres russos que tinham a posse total de servos podendo vendê-los e trocá-los como gado, entretanto, onde se existem semelhanças da força básica de trabalho, os anos de diferença criam diferenças significativas nas sociedades que devem ser analisadas diferentemente.

cada período histórico tem suas leis(…), mas logo que a vida ultrapassa o período de uma dada evolução, que ela sai de um determinado estágio, e passa para um outro, ela começa a ser governada por outras leis” (MARX, O Capital apud BUKHARIN, 1986 p. 73)

Deixando clara essa transformação gradual da civilização Bukharin segue para a atualidade, trazendo seu segundo ponto, onde da mesma forma que exemplificando a servidão pergunta, seria o capitalismo um sistema imóvel? No qual, em uma simples resposta diz que não, como todos os movimentos anteriores o capitalismo é capaz de se adaptar a sua realidade, evoluindo assim a maneira de concentração de capital.

Considerar o capitalismo um movimento imóvel, então, seria ignorar mudanças estruturais pelas quais foram caracterizadas as diferentes formas de acumulação de capital: O comercial, industrial, financeiro e o Capitalismo de Estado que concentram em si características diferentes. A realidade, em Bukharin, é que é somente pela existência de um é que o surgimento do outro pôde acontecer.

Citando o capitalismo industrial e financeiro onde diz que: Sem o capitalismo industrial, seria impossível imaginar tamanha acumulação de capital que permitisse a ascensão do domínio de instituições financeiras como bancos e trusts. Algo que pode ser levado além, trazendo ao capitalismo atual, onde seria impossível imaginar um mercado financeiro sem a existência de um capitalismo industrial e comercial, assim, as transformações capitalistas são inevitáveis dentro de seu sistema.

Esse pensamento, entretanto, poderia levar a concepção errônea de que a capacidade de se adaptar do capitalismo transformaria ele em eterno. Onde somos levados a terceira parte do pensamento inicial de Bukharin sobre o materialismo dialético, onde diz que é necessário estudar a origem de cada fenômeno social para entendê-lo em sua totalidade. Estudando a raiz de movimentos podemos compreender suas origens, suas causas e condições de aparecimento.

Seguindo ao capitalismo, e em suma todos os movimentos, diz que existe uma linha tênue, um borrão, que impede que se descreva exatamente onde acaba um movimento e começa outro. Mas que, entretanto, esse é o destino natural de todos os movimentos, como explicou durante todo texto. Então, para Bukharin, onde o capitalismo substituiu o sistema feudal, ele seria futuramente pelo socialismo.

Assim, para Bukharin, a mesma maneira com que a servidão feudal ao decorrer dos séculos se transformava em capitalismo, o segundo seguiu-se igualmente o mesmo caminho para que em suas mutações caminhasse para sua autofágica destruição.

Principalmente quando o autor leva em conta que a falha dos cientistas burgueses é a mesma dos filósofos absolutistas, sua incapacidade de olhar para dentro do sistema e renová-lo totalmente em estrutura.

Para Bukharin algumas concepções serão as fontes primarias para destruição do sistema capitalista, entre elas, seu desejo a manutenção de algumas “santas tradições” que foram mantidas intocadas pelos revolucionários burgueses que agiam um século antes do escritor.

A primeira dessas instituições é o Estado como tal, uma organização de classe dominante, que em agrupamento social sem classes não teria motivo para sua existência. Uma vez que a organização estatal moderna se mante na lei da exclusão de uma classe oprimida do centro do poder e é intrinsicamente ligada aos polos econômicos dominantes.

O segundo motivo é entrelaçamento natural que ocorre entre o capitalismo e o capital. Segundo Bukharin, os teóricos capitalistas tendem a enxergar a situação destes como algo imutável, sempre presente e que sempre existirá. Enquanto para ele capitalistas e operários são formações históricas, dadas por momentos específicos e que como tantas outras classes do passado irão acabar.

O último ponto é o imperialismo, que por sua vez não existe se não pela influência dos dois pontos anteriores, sem o capital e o Estado seria impossível imaginar uma instituição como a do imperialismo, onde segundo ele, economistas burgueses tendem a pensar que “Sempre foi assim e assim sempre será”.

Isso traz à tona a sua teoria de “equilíbrio instável”. Ou seja, dentro da sociedade, vivesse mais ou menos bem em relação as classes sociais postas nela, mas não só como também em relação que tudo o que cerca a humanidade, como o caso da natureza, entretanto com auxílio exterior a ele mesmo, esse equilíbrio é quebrado.

Sobre isso continua dizendo que no mundo existem duas forças diferentes dirigidas uma contra outra. Essas tirando em casos excepcionais estão em constante embate. Essa pausa, esse fenômeno seria o Estado de “repouso” das matérias, mas mesmo uma leve mudança em uma delas pode provocar contradições internas que levam ao rompimento desse período de estabilidade.

3. Conclusão

Com isso podemos adicionar algumas questões a essa teoria, tirando do abstrato. Nota-se um período de grande turbulência social do sistema capitalista no século XXI. Sendo que pelo menos de 1973 na ascensão do capitalismo Neoliberal temos uma força que destruiu o equilíbrio formado pela socialdemocracia e expôs a fragilidade de um suposto equilíbrio de classes.

Enquanto vimos em 40 anos de Socialdemocracia diversos Estados capitalistas se absterem de uma parte do lucro total de suas mercadorias em prol de um apaziguamento da guerra de classes. Desde pelo menos o fim da União Soviética, vemos esses mesmos Estados aumentando o lucro de seus grandes burgueses de forma exponencial, onde hoje em dia, mesmo o acesso a casa própria é um luxo. Ou seja, essa estabilidade capitalista foi corrompida pela classe dominante.

Retornando a Bukharin, vemos que essas rupturas são fundamentais para entender a Dialética, que por si só e centro fundamental do entendimento da teoria materialista histórica. Voltando para Hegel o autor dirá que: O equilíbrio é a tese, a ruptura é uma antítese e o restabelecimento do equilíbrio em uma nova base é a Síntese.

Que por sua vez não acaba com a história, mas a remonta quando ela mesma se defronta com outras vontades sociais (i.e., O capitalismo predatório que deu origem ao socialismo, que por sua vez deu origem a socialdemocracia moderna e pôr fim a queda do socialismo e o retorno do liberalismo na figura neoliberal).

Dessa forma, unem-se as dialéticas de Marx e Hegel, o ponto de partido está eternamente ligado a um momento anterior, que estava ligado a outro e assim até um momento em que não se pode mais voltar e conferir os fatos. Mas mais que isso, é uma matéria que estabelece não só um ensino da história, mas uma preparação para o futuro, sabe-se que nada é eterno e nunca durará para sempre, todos os movimentos que já existiram em algum momento foram substituídos por outro que tomou seu lugar.

Assim, segundo Bukharin e como pode ser facilmente observado em nosso capitalismo tardio, o maior problema da ciência burguesa é a negação, tirando momentos excepcionais, que o capitalismo é um sistema de contradições inerentes a ele mesmo e que não é possível saná-las sem realmente olhar para dentro do próprio sistema.

Ou seja, para que o socialismo realmente pudesse substituir o capitalismo, não seria necessário somente tomar-lhe o lugar, como o capitalismo fez com o moribundo feudalismo. Como a revolução francesa fez com o imperador e que por muito, como os revolucionários fizeram com os Czares. Pois socialismo tem uma facilidade que nenhum dos outros movimentos sociais jamais experimentou.

É formado integralmente pelas classes oprimidas, diferente de por exemplo as ciências burguesas ou a filosofia absolutista que são intrinsicamente ligadas aos movimentos de dominação social. O socialismo por sua vez é ligado aos trabalhadores, ou seja, a todos aqueles que não estão no centro do poder, mas em seu vácuo.

Isso faz com que ele além de poder dominar o Estado, uma vez que uma parte da pequena burguesia esclarecida poderia facilmente se manter em seus cargos primários, como é o caso do funcionalismo público, ele também faz parte da massa de trabalhadores de setores comerciais e indústrias que estão na periferia do sistema, uma vez que todos esses são explorados de formas diferentes por um sistema controlado por poucos.


Referências

BUKHARIN, Nikolai. Tratado de Materialismo Histórico. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro.

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