Por Yves Lacoste, traduzido por Mario Matos.
Trata-se de fragmento do capítulo “Stratégies autour de la Sierra Maestra” retirado do livro “Unité & diversité du tiers monde: des représentations planetáires aux stratégies sur le terrain”, publicado pela Éditions la découverte em 1984. Neste fragmento, o geógrafo francês Yves Lacoste apresenta a evolução das contradições na sociedade cubana, apresentado as diferentes funções que a ilha cumpriu desde o contexto colonial até a dominação imperialista dos EUA. Ao indicar esse longo período histórico, Lacoste capta, a partir de uma leitura da realidade concreta, as causas fundamentais das tensões que marcaram a Cuba pré-revolucionária.
Enquanto no Vietnã, onde as firmas norte-americanas não possuíam nem minas, nem plantações ou rede bancária, o governo americano empreende uma grande guerra para impedir uma vitória comunista, em Cuba, onde seus interesses são, pelo contrário, consideráveis, a passagem da revolução cubana ao socialismo em 1960-1961 e o confisco dos bens americanos ocorreram sem que o exército dos Estados Unidos intervisse massivamente. Certamente, esse exército sustentou, à distância, a expedição à “baia dos porcos” (Praia de Giron, em abril de 1961), que se tratava de um grupo de cubanos anticastristas e que fora efêmera diante de uma resistência não prevista pelos experts da CIA. De fato, o governo americano sustentou durante anos guerrilhas anticastristas, impôs um bloqueio rigoroso, mas não interveio militarmente, mesmo após a aliança da ilha com a União Soviética no contexto da famosa “crise dos mísseis” (1962), ainda que a posição estratégica de Cuba seja muito mais importante para os Estados Unidos que a do Vietnã. O risco de uma resposta soviética não impediu que a aviação americana começasse os bombardeios no Vietnã do norte em 1965, algo que sequer fora tentado em Cuba. Não há, portanto, ao menos nesses dois casos, correlação entre a importância das intervenções americanas e as questões estratégicas e de interesses econômicos.
É necessário lembrar os laços estreitos entre Cuba e os Estados Unidos. Das 22 maiores plantações que produziram 70% do açúcar em Cuba, se 9 (com 620.000 hectares) pertenciam a cubanos com estreita relação com bancos americanos, as outras 13 (com 1.173.000 ha) pertenciam às companhias americanas, entre as quais a poderosa United Fruit (M. Gutelman, 1967). Em 1959, no contexto da revolução, as empresas americanas haviam realizado vultosos investimentos para a criação de um complexo minerador (níquel, cromo, cobalto) em Nicaro e Moa, na parte oriental da ilha. O controle das matérias primas constituía apenas uma parte dos interesses americanos em Cuba, dado que em troca do preço relativamente vantajoso (superior entre 35 e 40% do praticado no mundo todo) que se pagava ao açúcar cubano vendido aos Estados Unidos, as mercadorias americanas entrevam quase sem tarifa aduaneira em Cuba devido a um “acordo comercial de reciprocidade” (1903). Com exceção da produção do açúcar, a ilha praticamente não tinha indústrias e ainda importava metade de seu consumo de frutas e legumes, que poderia perfeitamente ser produzido nacionalmente. Foi com base na constante conexão Miami-Havana que a Panamerican Airways iniciou sua expansão, desde o período de entre-guerras, transportando milhares de turistas americanos; as grandes redes hoteleiras yankees, como o Hilton, recebiam em troca de sua marca metade dos benefícios do setor frente os hotéis construídos com capital cubano. Entre 80 e 90% das exportações e das importações cubanas eram feitas com os Estados Unidos. O mercado cubano era tão pouco negligenciável que seu PIB per capita (360 dólares em 1957) era um dos mais elevados da América latina depois de Venezuela (760 dólares) e Argentina (374 dólares em 1957).
Para Celso Furtado (1970 b), Cuba era de longe o Estado mais dependente dos Estados Unidos, com o qual formava um tipo de “zona de livre troca” sem sistema monetário autônomo. Podemos considerar, no plano teórico, que é exatamente essa mesma dependência e a estreiteza dos laços com os Estados Unidos que provocaram, dialeticamente, as contradições cada vez mais intensas até a ruptura com o sistema capitalista. Mas essa extrema dependência de Cuba com relação aos Estados Unidos não pode ser explicada apenas pela vizinhança – no México se passa algo diferente, por exemplo -, mas pelas particularidades da evolução da formação social cubana no conjunto latino americano.
O caso cubano visto a partir de pequenas escalas espaço-temporais
As particularidades da evolução de Cuba resultam, primeiramente, de dados geográficos observados em pequena escala: a orientação dos ventos no Atlântico. Os navios à vela vindos da Europa, não podendo ir contra os ventos de oeste nas médias latitudes, tinha que se deixar levar em direção ao sudoeste pelos alísios, o que fez com que Cuba, durante séculos, até o desenvolvimento da navegação à vapor, fosse a primeira terra das américas que os europeus atingiam após cruzar o Atlântico. Em seguida, os navios se dirigiam para o sudeste dos Estados Unidos ou se encaminhavam para as costas do México ou Colômbia. Essa posição, praticamente de uma escala obrigatória no trajeto europa-américa (ao norte do equador) fora reforçada até o fim do século XVIII pelo fato de que os navios espanhóis tinham obrigação de aí se reunirem em comboio para a viagem de retorno a fim de escapar de ataques de piratas e corsários. Havana era o porto de concentração da frota espanhola, o que fez da economia da parte ocidental da ilha por longo tempo essencialmente direcionada para o provisionamento de navios (notadamente de carne defumada que chegava de grandes áreas de atividade pecuária). Uma burguesia havanesa fez sua riqueza abastecendo de alimento e prazer (verdadeira indústria da prostituição) as tripulações que ali ficavam até mesmo por meses (J. Le Rivérend, 1967).
O desenvolvimento da economia de plantations é um fenômeno bastante tardio em Cuba, e desse atraso histórico irão resultar determinadas contradições. A produção açucareira cubana tem início apenas[1] no fim do século XVIII, desde então ligada aos Estados Unidos. Quando da guerra contra a Inglaterra, os americanos, que até o momento importavam açúcar das Antilhas inglesas, passam a procurar um novo fornecedor. A burguesia de Havana cumpre esse papel de fornecedor, já que buscava novas fontes de lucro desde que os navios espanhóis deixaram de ser obrigados a se reagrupar em seu porto dado que a pirataria já havia se reduzido. O aumento da produção açucareira cubana foi favorecido pela revolta dos escravos em São Domingos (1793-1802), que fez desaparecer o principal produtor de açúcar até então, levando os produtores franceses a fugirem e se instalarem em Cuba (notadamente na região de Santiago), juntamente com os contingentes de escravos que conseguiram assegurar. Mais ainda que as relações diretas e estreitas com a metrópole, é o temor de novas ebulições políticas que levem a uma nova revolta de escravos, como a de São Domingos no Haiti, que incitará a maior parte da classe proprietária produtora cubana a não apoiar os movimentos de independência de outras colônias americanas da Espanha (J. Le Rivérend, 1967). No início do século XIX, a crise que provoca uma ebulição na escravidão nos territórios tradicionais do açúcar (Antilhas inglesas, 1827; Antilhas francesas, 1848) aumenta as possibilidades econômicas das plantations cubanas, mas também sua necessidade de mão de obra. É necessário cada vez mais de escravos, porém, a Inglaterra, desde o Congresso de Viena (1815), obrigou as grandes potências europeias a interditar o tráfico negreiro. São, portanto, sobretudo os navios americanos que – na forma de contrabando – fornecerão[2] os escravos para as plantations cubanas até 1860, data que finda o tratado de 1815, e passa a ser aos Estados Unidos que os cubanos irão vender a maior parte do açúcar produzido na ilha. O alto custo desses escravos leva os produtores cubanos a mecanizar a produção na medida do possível; e assim foram instaladas no início do século XIX as primeiras máquinas a vapor que funcionaram além-mar na produção do açúcar cubano (J. Le Rivérend, 1967). Esses investimentos, financiados pelas fortunas de havaneses, não impediu que aumentasse cada vez mais o número de escravos em Cuba (eram, em 1850, 436.000, equivalente a 43% de toda população), o que, por sua vez, também aumentava o medo de uma revolta desses escravos. Para a classe de proprietários produtores cubanos, era necessário apoio de uma grande potência, cujos dirigentes “compreendessem” os problemas da escravidão, o que explica a aproximação aos Estados Unidos na metade do século XIX. Não fora isso que fizeram os texanos em (1845)?[3] Esse movimento de aproximação se torna tão forte que uma maior parte de exportações cubanas se dirige para os Estados Unidos (62% em 1860, frente 22% para a Inglaterra e apenas 3% para a Espanha), ao mesmo tempo em que o governo Espanhol reforça regulamentações para que a Espanha tenha maior controle sobre as importações[4] (J. Le Rivérend, 1867), dificulta a tarifa aduaneira e reserva para si o tráfico marítimo. Em muitas ocasiões, o governo americano propôs sem sucesso ao governo de Madrid a compra de Cuba, como já havia feito com a Flórida, Louisiana e Alaska. Não é por acaso que a bandeira sob a qual combatem os cubanos na sua primeira guerra de independência (1868-1878) contra a Espanha é a bandeira texana; essa é a origem da atual bandeira[5]. Essa primeira revolta fracassara, pois não apenas desde o fim da guerra de secessão não são mais os sulistas que dominam os Estados Unidos, mas, sobretudo, porque a maior parte dos produtores cubanos se recusa a seguir o exemplo de Manuel de Cespedes[6], que liberta seus escravos para exortá-los a combater os espanhóis. Além disso, seu ato e o de seus partidários teve tal impacto nas plantations, que as autoridades espanholas, pra evitar que os negros se unissem em massa aos insurgentes, viria a proclamar a abolição da escravidão, pelo menos formalmente. Mas isso não resolve, evidentemente, as contradições fundamentais entre as classes na sociedade cubana, e nem mesmo o “patronato”: para ser verdadeiramente livre, o escravo deveria pagar seu próprio valor de mercado a seu senhor. Esse sistema e a escravidão foram suprimidos em 1886.
A força implacável através da qual o Estado espanhol se mantem em Cuba, de onde consegue retirar grandes lucros (Cuba era a “vaca de leite” da Espanha), produz contradições sociais que explicam a violência e as dificuldades dos movimentos de independência. A “guerra dos dez anos” arruinou muitos produtores, seus escravos fugiam e seus engenhos foram destruídos. O colapso do preço do açúcar causado pelo desenvolvimento da produção do açúcar de beterraba na Europa e nos Estados Unidos (durante essa ultima guerra mencionada) fez um bom número de pequenas explorações agrícolas desaparecerem e seus proprietários passaram a não ter nada mais a perder e, ao mesmo tempo, tudo a ganhar com a independência. Apenas os grandes produtores conseguiram se manter. Uma vez que a escravidão não é mais possível, esses grandes produtores se orientam (depois de um tempo trazendo chineses) no sentido de uma política de imigração em massa de mão de obra espanhola, em pleno acordo com as autoridades de Madrid, o que garantiu a alguns a mão de obra de colonos, além do reforço dos laços com a Espanha. Essa evolução vai de encontro com os esforços daqueles que continuam a luta pela independência e ficam obrigados a se aproximar mais de meios americanos, que não escondem sua perspectiva de expansão: a luta contra o “arqueo-imperialismo”, diriam uns atualmente, que é o colonialismo espanhol, leva a um reforço do neo-imperialismo americano. Dessa contradição, José Marti[7], herói e teórico da independência cubana, está perfeitamente consciente, e é ela fundamental para o fim da dominação espanhola – depois de uma guerra arrasadora[8] (1895-1898) –, uma nova etapa da dependência de Cuba.
De fato, o exército dos Estados Unidos, que entrou em guerra com a Espanha para ajudar os cubanos, ocupou a ilha (assim como Porto Rico e as Filipinas) e nela permanece por tanto tempo que as cláusulas redigidas pelo senador americano Platt continuam sem aceitação como emenda constitucional pelo parlamento cubano (1901): são demandas do governo dos Estados Unidos as bases de Guantanamo, no leste, e a Bahia Honda, no oeste, o controle da política econômica estrangeira de Cuba, o direito de intervenção militar no caso em que a ordem pública e os bens dos cidadãos americanos sejam ameaçados e a implementação de operações sanitárias contra a febre amarela, em suma, a ratificação das decisões tomadas pelas autoridades americanas de ocupação entre 1898 e 1902[9]: graças aos pro cônsules americanos, as companhias ferroviárias que construíram as “transcontinentais” nos Estados Unidos e no Canadá obtiveram as concessões para ligar as vias férreas da região de Santiago às da região de Havana, através das grandes extensões que até então correspondiam às áreas de atividade pecuária. Associações americanas adquiriram essas terras a um preço baixo e nelas instalaram grandes engenhos rodeados por enormes plantações. Além disso, um número significativo de plantações cubanas arruinadas pela guerra é resgatado por bancos americanos a um preço vil. O “tratado comercial de reciprocidade” (1903) abre o mercado americano para o açúcar produzido em Cuba – assim como para boa parte de companhias americanas. O “Banco nacional de Cuba” é criado por um banco americano que adianta grandes somas (a taxas quase usurárias) ao governo cubano para reerguer o país quase totalmente arruinado (J. Le Rivérend, 1967). Para a maioria dos cubanos, com suas esperanças frustradas, a independência tem um gosto amargo e a agitação continua. O exército americano intervirá sempre que movimentos populares ameaçarem ferir os interesses americanos e ajudará a recrutar “homens fortes”, de antemão tido por substituíveis assim que seu prestígio descresça. Mas não tardou para que os negócios florescecem.
Para desenvolver a produção de açúcar, era necessário não apenas capitais americanos, mas também mão de obra: trazida da Espanha e do Haiti. Entre 1903 e 1919, a produção cubana de açúcar passou de 1 para 4 milhões de toneladas. Para os proprietários das plantations, era o contexto que justificava essa elevação, já que durante a primeira guerra mundial os preços quintuplicaram. A partir de 1920, esses preços regressam aos níveis de 1914 e as numerosas falências que disso se seguem permitem uma concentração ainda maior da produção nas maiores companhias (H. Thomas, 1971), provocando uma elevação catastrófica do desemprego, dado alarmante já que o crescimento demográfico de Cuba experimentara grandes saltos mais cedo que muitos outros países da América Latina. A uma imigração de um grande contingente de jovens adultos se soma os efeitos das ações sanitárias dirigidas de modo muito eficaz para a época. A proximidade com os Estados Unidos, o afluxo de turistas americanos (que encontram em Cuba tudo que era interdito nos Estados Unidos pelos termos das leis de Proibição) exigiram uma luta sistemática contra a febre amarela e o paludismo. A população cubana passou de 1,2 milhões em 1898 – a guerra levou à perda de 400.000 pessoas (J. Perez de La Riva, 1975) – para 2,9 milhões em 1919, 3,9 milhões em 1930 e a quase 7 milhões em 1959.
Em outros tempos, era necessário aumentar o efetivo de mão de obra para elevar a produção (era dito pelos proprietários de engenhos que em Cuba se poderia aumentar significativamente o volume da produção em milhões de toneladas, pois havia milhões de habitantes; já no século XX, sua produtividade potencial aumentaria, ao contrário, na medida da aplicação da mecanização). A partir de 1930, a capacidade de produção será quase constantemente subutilizada; a “grande crise” impacta de modo catastrófico, baixando em 50% o nível geral dos salários comparado aos de 1929 (J. Le Rivérend, 1967). Esse marasmo econômico contribuiu, no ano de 1933, para a revolta contra a ditadura de Machado. O movimento democrático assume tal força e os laços entre Cuba e Estados Unidos são tão estreitos – não apenas entre homens de negócios, mas também nos meios intelectuais e progressistas – que a política do New Deal também trata de Cuba. O presidente Franklin Roosevelt estabeleceu um levantamento[10], em 1934, a respeito da situação econômica e social de Cuba. Os autores dessa investigação propuseram uma das primeiras politicas hoje conhecidas pelo nome de “ajuda ao desenvolvimento”: “Para operar a ‘reconstrução’ de Cuba, devastada pela crise, é preciso uma ‘planificação de longo prazo’ e que os benefícios sejam destinados ao povo; para isso, são necessárias mudanças estruturais não apenas nas relações com os Estados Unidos, mas também no interior da sociedade cubana. Esta passa por um fenômeno de profundo empobrecimento e uma parte da população vive em um estado de quase fome. Um new deal nas relações entre Cuba e Estados Unidos é necessário, bem como ajudar o governo cubano a diversificar as atividades agrícolas para compensar a longa estação morta de trabalhos nos engenhos; é necessário também criar pequenas explorações agrícolas, possíveis em virtude das transformações agrárias, bem como uma política de crédito, ajudar o desenvolvimento de indústrias e, por fim, concluindo as recomendações, combater a corrupção e cessar as intervenções do governo americano nos assuntos cubanos, pois há um notável antagonismo entre os esforços de reconstrução de Cuba e as decisões do governo dos Estados Unidos. Os cubanos devem ter a possibilidade de escolher livremente seu governo”.
O movimento[11] para um new deal nas relações entre Estados Unidos e Cuba levou o governo americano a renunciar, em 1934, as cláusulas contidas na Emenda do parlamentar Platt (mas o exército americano conservou a base de Guantánamo) e a propor de uma política de estabilização dos preços do açúcar cujas variações eram extremamente fortes[12].
O açúcar cubano (que, na verdade, em grande parte se trata realmente do açúcar produzido em Cuba por companhias americanas) beneficiará a política de sustentação de preços das produções agrícolas americanas; a partir de então, a ele passa a ser pago um valor superior àqueles correntes no mercado mundial: de 1951 a 1959, a média de preços do açúcar no mercado americano foi de 5,25 cents por libra e de 3,80 cents no mercado mundial (com uma elevação mesmo a 5,67 cents durante a guerra dos Estados Unidos e Coréia) [M. Gutelman, 1967]. Além disso, uma determinada proporção do consumo americano de açúcar estava reservada às exportações cubanas – algo entre 28 e 30% era reservado. Ora, antes da crise, o açúcar cubano tinha fornecido aproximadamente a metade do consumo americano. Essa redução dos canais de troca abertos ao açúcar cubano no mercado americano era, em princípio, compensada pela garantia de preços relativamente elevados.
Se essa solução satisfaz os proprietários das plantations, ela não resolve o problema do emprego: as associações de produtores de açúcar abandonam os métodos de cultura relativamente intensivos – o desbaste de toda cana de 4 a 5 anos e sua substituição por mudas novas que são mais produtivas e geram mais rendimentos – para métodos cada vez mais extensivos: deixam a cana repousar, de colheita após colheita, por um período entre 20 e 25 anos; assim, seus rendimentos são menores, mas, fora o período do corte, não exige trabalho algum. Em 1958, a maior parte dos campos de cana tinha mais de 25 anos, mas seus rendimentos médios (4,6 toneladas de açúcar por hectare) eram muito inferiores aos de Formosa e Austrália (7,6 t/ha) ou das ilhas do Havaí (10,6 t/ha), mesmo os solos cubanos sendo, no geral, excelentes. Para limitar a produção, o número de dias da safra (que vai desde o corte da cana até a produção do açúcar) fora limitado pelo governo com consentimento dos proprietários. De 1930 a 1946, a produção de açúcar estagna abaixo do nível de 5 milhões de toneladas ((em média, 2,9 milhões de toneladas) atingidos em 1929, e que só seria superado em 1952 (7 milhões de toneladas) no momento da guerra com a Coréia, e a produção chegará, em média, a 5,3 milhões de toneladas de 1949 a 1959.
As vantagens consentidas à exportação do açúcar cubano tinham como contrapartida as medidas que favoreciam as exportações americanas para Cuba, e em particular as exportações de mercadorias agrícolas, que poderiam ser produzidas em Cuba, o que teria diminuído o desemprego. É assim que, se Cuba, em 1958, exportava 593 milhões de dólares de açúcar e 49 milhões de tabaco, por outro lado, importava 214 milhões de dólares de mercadorias de origem agrícola. Estas representavam 27% do total das importações, o restante se tratando de produtos manufaturados e do petróleo, este quase inteiramente fornecido pelas companhias americanas – o déficit da balança comercial cubana (12% no período de 1948-58) era compensado pelas receitas das atividades turísticas. Estas empregavam muitas pessoas, sobretudo nas cidades, mas elas não conseguiam absorver o alto índice de desemprego. Assim, de maio de 1956 até abril de 1957, ou seja, num período de relativa atividade, pois a safra atingiu 5, 5 milhões de toneladas, a média mensal de desemprego foi de 361 mil, correspondente a 16,5% do total da força de trabalho; essa proporção se reduz a 9,1% no terceiro mês da safra, mas se eleva para 20,5% durante a estação morta (agosto-outubro). Em 1958, a proporção de desempregados e de pessoas subempregadas era de 28% da população total (M. Gutelman, 1967).
Se Cuba é incontestavelmente um dos Estados da América Latina onde o desemprego é o mais grave e onde a industrialização é a mais fraca, no período de 1958-59 era um dos Estados do terceiro mundo cujo PIB per capita, de 400 dólares, era um dos maiores, superado apenas pela Venezuela, grande exportadora de petróleo. A intensidade das trocas com os Estados Unidos, o desenvolvimento das atividades turísticas, a especulação imobiliária e o volume das exportações agrícolas explicam a importância relativa do produto nacional cubano. Em 1955, o montante das importações e das exportações é de 18,7 dólares por habitante em Cuba (quase o mesmo da França, 21,9 dólares, muito superior ao argentino, 11 dólares, ou aos de México e Brasil, respectivamente 4,9 e 4,7 dólares).
Mesmo com 42% de sua população ativa trabalhando na agricultura, nos anos 50 Cuba já era um dos países mais urbanizados do terceiro mundo, 51% da população, e as grandes cidades tinham uma grande função; aquelas com mais de 20 mil habitantes abrigavam 36% da população total, e Havana, com aproximadamente 1,8 milhões de habitantes, concentrava mais de um quarto dos cubanos. O desenvolvimento do turismo e os lucros dos engenhos no momento da guerra da Coréia contribuíram para a criação de bairros ultramodernos. Os desempregados, sejam pessoas que há tempo habitavam as cidades sejam aqueles que chegaram nestas recentemente vindos do campo, se aglomeram nas casas da parte antiga da cidade, nas periferias e nas favelas; há circulação intensa de automóveis: em 1956, podia se estimar em Cuba uma média de 30 automóveis por 1000 habitantes, quase o mesmo número que a Argentina, mais que na Itália e na Áustria, duas vezes mais que no México e no Brasil. Um elevado número de médicos e dentistas, concentrados quase todos nas grandes cidades: 128 médicos e dentistas para cada 100.000 pessoas, número superior ao encontrado na França e na Grã-Bretanha (no México esse número era de 42 para cada 100.000 pessoas). O regime alimentar não era ruim, 2730 calorias por habitantes por dia, embora essa média esconda outras desigualdades muito importantes. Em contraste, as estatísticas do ensino primário, que não foram infladas pelos efeitos do turismo, não são nada brilhantes: em 1958, apenas 43% das crianças de 5 a 14 anos vão à escola no campo, as escolas são raras e a dispersão dos locais de habitação torna difícil a regularidade na frequência das crianças às escolas. Mas as estatísticas indicam, para a mesma época, que 75 a 80% dos adultos sabem ler e escrever, o que é indispensável para a maioria das atividades do setor terciário urbano. Do mesmo modo, a circulação de jornais é relativamente importante: 100 jornais para 1000 habitantes, o mesmo que na Itália, duas vezes mais que México e Brasil. Nas cidades, uma publicidade intensa “ao estilo americano”; as necessidades criadas pela imprensa, o papel da Coca-Cola, por exemplo; a influência do turismo, as atividades terciárias, o luxo e a importância da prostituição implicam na preocupação, senão na obrigação em acompanhar o costume, a beleza, a moda.
Enfim, Cuba se caracteriza, em meados dos anos 1950, por um consumo de energia relativamente importante: 11000 kWh por habitante por ano, o mesmo que na Suíça e na Áustria (com relação ao Brasil e México, Cuba consumia o dobro de energia médio anualmente por cidadão). Isso, porém, não se explica tanto pela circulação de automóveis, que certamente era significativa em Cuba, quanto pelo consumo de energia da indústria do açúcar, onde a capacidade de produção em suas centrais elétricas é equivalente às das próprias companhias de eletricidade. Quanto a isso, cabe sublinhar que a produção do açúcar não é apenas uma atividade agrícola, mas também uma importante atividade industrial: o volume em toneladas de cana para manipular e moer é enorme, praticamente dez vezes maior que o de açúcar obtido ao fim do processo. Quando se produz 5 toneladas de açúcar, são 50 milhões de toneladas que é preciso transportar para a indústria do açúcar, num trecho em média de 10 quilômetros, e que é preciso realizar num espaço de tempo muito curto, sob o risco de perder a produtividade da cana já que, uma vez cortada ela perde boa parte de seu açúcar num intervalo de horas. E é por isso que Cuba é um dos países melhor equipados com vias férreas: 8,27 km de vias para cada 100 km2 (na França esse indicador é de 7,2). Além disso, a indústria do açúcar deve ter uma capacidade concentrada de produção, já que é necessário utilizar a cana nos períodos em que seu conteúdo em açúcar é maior (12% de fevereiro a maio, contra 4% de agosto a outubro).
Assim, existe em Cuba uma indústria relativamente forte, exportadora de um produto semiacabado, pois o açúcar não é refinado[13] nas “centrais” cubanas. Os trabalhadores permanentes[14] constituem um proletariado há bom tempo já solidamente sindicalizado, formando também um agrupamento coerente e bastante bem organizado, apesar do trabalho sazonal; os profissionais cortadores de cana, cujos rendimentos são de quatro a cinco vezes superiores àqueles dos trabalhadores menos treinados a esse duro trabalho. As companhias de açúcar aceitam pagar relativamente os bons cortadores por uma jornada de quatro a cinco horas de trabalho que acontece de manhã bem cedo, horário em que o conteúdo de açúcar da cana é maior.
Que diferença entre o Alto Volta e Cuba! Esses dois Estados, cuja superfície e contingente populacional são de uma mesma ordem de grandeza, podem ser, em grande medida, caracterizados pelos valores do seu PIB per capita bastante diferentes. Enquanto para o primeiro, um dos mais baixos PIB do mundo, para o outro, no fim da década de 50, um dos PIB mais elevados no conjunto dos países do terceiro mundo; de um lado, um Estado situado no interior do Oeste africano, nos confins da zona do Sahel, de outro, uma grande ilha[15] que durante séculos foi um centro de convergência da navegação através do Atlântico e que se encontra a 200 km do território dos Estados Unidos; No Alto Volta, uma longa estação seca (de 7 a 8 meses por ano) e aproximadamente 1000 mm de chuva nas partes mais povoadas do país, já em Cuba, 4 meses de estação seca (nas quais há ainda, apesar de tudo, ao menos 200 mm de chuva acompanhada de uma redução da temperatura que, em consequência, diminui a evaporação), entre 1500 a 1800 mm de chuva sobre a maior parte do país, “um dos climas mais vantajosos do mundo, pois a vegetação aí se mantém durante quase todo ano” (R. Dumont, 1964). Todavia, existem os anos relativamente mais secos.
Contudo, entre as condições naturais, a diferença essencial é a dos solos: enquanto na maior parte do Alto Volta corresponde ao velho embasamento africano[16], além de solos pobres, frágeis e muito degradados, a maior parte de Cuba é formada de solos calcários sobre os quais se desenvolveram “solos vermelhos” espessos e que, depois de terem sido cultivados sem interrupção por mais de um século, tem ainda em seu conjunto[17] uma fertilidade que causa espanto e admiração nos agrônomos: no mundo, “existem poucos [solos] mais produtivos. […] O solo argiloso de Matanzas suporta […] a cana de bom rendimento há dois séculos, sem interrupção e mesmo até os últimos anos, sem esterco” (R. Dumont, 1964).É um ativo essencial.
A principal desvantagem natural de Cuba é a de se encontrar numa zona de atividade de grandes ciclones, que se formam de junho à novembro a cada ano no mar do Caribe e que se dirigem, em suas trajetórias curvas, para o sudeste dos Estados Unidos. De 1800 a 1966, de acordo com as estatísticas do Atlas de Cuba (1968), todas as províncias da ilha foram afetadas por mais de 20 ciclones. Na província de Oriente[18] esse número chega a 25, enquanto na porção ocidental da ilha (Havana e Pina del Río) se eleva a 32, entre os quais 10 foram particularmente violentos; o mais grave desde o século XIX foi sem dúvida alguma o ciclone Flora, que devastou a parte oriental da ilha de 4 a 8 de outubro de 1963. Com o atual conjunto de técnicas a disposição não há muito o que fazer contra os ventos de 200 km/h, exceto reforçar as habitações (os telhados metálicos são particularmente mortais) e contra pancadas de chuva de 1750 mm em apenas 5 dias (como sucedeu na porção central da província de Oriente quando da passagem do ciclone Flora).
Porém, é possível lutar contra outros tipos de dificuldades – muito mais letais – do mundo tropical. Mas, se em Cuba ações sistemáticas permitiram a erradicação de grandes endemias desde o início do século XX, em especial a febre amarela, no Alto Volta esta não é a situação, apesar da quase desaparição do trypanosoma.
Enquanto o Alto Volta pode ser considerado como exemplo de um país do terceiro mundo cujo crescimento econômico é freado pela mediocridade de suas potencialidades produtivas e onde são mínimos os saques de riqueza operados diretamente por mecanismos econômicos, sociais e políticos do imperialismo, Cuba pode ser apresentada como um exemplo perfeito de país do terceiro mundo, dotado de importantes recursos naturais agrícolas e minerais[19], mas cujas dificuldades econômicas e sociais resultam em grande medida de uma dominação de tipo neoimperialista, sem dúvidas mais agressiva do que na maior parte dos países “subdensevolvidos”. Essa dominação pode ser traduzida pelo aumento do lucro em setores cujos investimentos foram, até certa época, especialmente importantes[20], nas minas e, sobretudo, nas vias férreas e na indústria do açúcar. É necessário notar que muitas companhias criadas por capitais cubanos foram compradas a preço muito baixo por companhias americanas através de complexas combinações financeiras, que os capitais investidos pela maioria das firmas americanas permitiram uma realização rápida de consideráveis lucros que foram repatriados e, enfim, que uma parte dos investimentos realizados pelos cubanos na indústria foram perdidos devido a concorrência com os produtos fabricados e importados livremente dos Estados Unidos.
É fundamental destacar que esses investimentos datam do início do século XX, momento da implementação da dominação americana, e que eles foram relativamente fracos em seguida, quando os lucros transferidos para os Estados Unidos se tornaram elevados. O essencial do equipamento da produção do açúcar data dos anos 1903-1910 – o engenho mais recente de Cuba foi construído em 1924. Sua relativa deterioração, o desgaste das máquinas e do material ferroviário estão entre as graves consequências herdadas pela revolução, quando o governo quis aumentar substancialmente a produção, ao menos ao nível do recorde de 7 toneladas do ano de 1952.
Cuba é o exemplo de uma economia dominada não mais pela fase de construção das estruturas de dominação imperialistas, o que foi efetivado pelos investimentos relativamente importantes e pelas taxas de crescimento relativamente fortes, mas na fase de exploração por meio de equipamentos há muito tempo amortizados e de remessas massivas de lucros para o exterior.
Le Rivérend (1967) destaca que, de 1946 a 1956, apesar da produção de açúcar relativamente importante (em média 4,7 milhões de toneladas) e de preços bastante desfavoráveis, “os benefícios líquidos das empresas norte-americanas em Cuba cresceram a aproximadamente 700 milhões de dólares, um montante que equivale ao capital total investido no período. Desse valor, em torno de 100 milhões de dólares foram reinvestidos e o resto foi embolsado pelas empresas norte-americanas” (p. 268). Nesse período, ainda que o governo cubano tenha feito um esforço apreciável de desenvolvimento industrial, notavelmente entre 1954 e 1958, Celso Furtado (1970) aponta que a taxa de crescimento do produto nacional bruto per capita foi de 1% entre 1948 e 1958, enquanto esse índice correspondia a aproximadamente 2% no conjunto da América Latina. “O setor exportador que dependia de quase todas as outras atividades econômicas foi estacionário entre as décadas dos anos vinte e dos anos cinquenta, enquanto a população do país dobrou” (p. 248).
Esse forte crescimento demográfico, combinado aos efeitos de um processo de formação de necessidades puxadas pela urbanização e pela importância das atividades turísticas, enquanto que os recursos dos quais dispunham de fato a grande massa da população crescia com muita dificuldade, apenas acentuou o desenvolvimento das contradições econômicas, sociais e políticas: um desemprego cada vez maior, sem possibilidade de autossubsistência para a maior parte da população; 57% dos trabalhadores rurais contavam apenas com um salário, e 88% desses assalariados não tinham emprego permanente, sendo que destes, um terço, em 1957, conseguiam emprego apenas por alguns dias ao longo de todo ano (M. Gutelman, 1967). Os efeitos psicológicos dessa situação de desemprego são enormes, especialmente porque se desenvolvem numa formação social inteiramente monetizada, cada vez mais especulativa e influenciada pela mass mídia. As contradições políticas são tão violentas que a sociedade cubana conheceu as lutas por independência, no fim do século XIX, um século após as outras colônias espanholas no continente americano ao mesmo tempo que o desenvolvimento da luta de classes, o que se deve à supressão tardia da escravidão. Além disso, em Cuba a dominação americana não foi exercida apenas por meio de mecanismos econômicos insidiosos ignorados pela maioria da população, mas também em decorrência das decisões políticas claramente reiteradas (a emenda Platt fora abundantemente denunciada desde 1902, e após 1934 ainda não fora esquecida). Enfim, a influência americana se traduziu pela importância do papel da imprensa e uma relativa liberdade de expressão; a vida política cubana é complicada e agitada; os choques sucessivos de um certo número de promessas eleitorais fazem com que as ideias sociais se radicalizem mais que em outros lugares e que a influência de ideias marxistas tenha sido relativamente grande.
Se raciocinarmos esquematicamente, em termos do desenvolvimento das contradições, parece de imediato bastante lógico que seja num Estado da América Latina, onde a dominação imperialista foi mais forte, onde as relações com os Estados Unidos foram mais estreitas que um movimento anti-imperialista seria forte o suficiente para abolir as relações capitalistas de produção. Mas isso não explica o porquê de uma potência dominante tão próxima, à qual não faltavam aliados cubanos, se não deixou de fazer, pelo menos não reagiu com o poder dos meios militares que ela colocou em operação no Vietnã onde seus interesses eram bem menos importantes.
O fato é que o súbito colapso em Havana da ditadura do coronel Batista, no fim do ano de 1958, incapaz de superar, na outra extremidade do país, a guerrilha que Fidel Castro conduziu por dois anos na Sierra Maestra, com o sucesso político deste último, dispersando as outras frações da oposição e entrando vitorioso na capital (janeiro de 1959), a radicalização rápida de um movimento até então muito reformista, se proclamando marxista-leninista (16 de abril de 1961), após ter decretado uma reforma agrária (maio de 1959) e a nacionalização dos bens americanos (outubro de 1960), tudo isso provoca uma enorme emoção na América Latina. O fato de que governo dos Estados Unidos não seja pela intervenção militar, mas somente pela suspensão das trocas com Cuba e pelo bloqueio, nem durante o desembarque anticastrista na Baía dos Porcos, nem após a “retirada” soviética em outubro de 1962, no momento da “crise dos mísseis”, foi interpretado como uma prova de que ao nível internacional (o equilíbrio de “dissuasão”) e, sobretudo, no quadro de cada Estado da América latina, senão do terceiro mundo, as contradições haviam atingido um grau de desenvolvimento que paralisou o imperialismo. Contra o “Gulliver enredado” (S. Hoffmann, 1971) nas suas contradições internas e externas, os Estados liliputianos pareciam poder finalmente reivindicar suas independências, inspirando-se no exemplo dos guerrilheiros da Sierra Maestra.
Os eventos que rapidamente se sucedem em Cuba – vitória sobre uma ditadura sanguinária, revolução e reforma agrária, desafio de um Davi anti-imperialista que se encontra junto ao nariz e a barba do Golias americano, proclamação da primeira “República socialista da América” (1 de maio de 1961) -, eventos difundidos pela mass mídia mostrando os ecos e as imagens da América do Norte para a América Latina, Europa e Ásia, ocupando um papel decisivo na propagação da ideia “terceiro mundista” e em sua transformação. É em 1961 também que aparece o livro de Franz Fanon, que a guerra da Argélia entra na sua verdadeira fase final[21] e que no Vietnã do Sul a ascensão das guerrilhas obriga o exército norte americano a começar a se engajar em lutas diretas sobre o território.
Em termos economicistas, e de acordo com os clichés da mass mídia, as características de Cuba não eram as mesmas (ou tinha pouco em comum) que aquelas de todos os outros países subdesenvolvidos, ao menos aqueles da América Latina: a monocultura de exportação e as violentas flutuações dos preços, a degradação dos termos de troca, a ausência de industrialização bloqueada pelo “pacto colonial”, o desemprego em massa, os grandes proprietários riquíssimo que transferiam seus lucros para o estrangeiro, a camarilha corrupta que se sustenta no poder pela vontade das grandes firmas americanas…?
[1] A Espanha era produtora de açúcar e a regra de “exclusividade” impedia suas colônias de produzir. Além disso, a Espanha importava açúcar brasileiro desde a união das coroas da Espanha e de Portugal (1570-1640).
[2] Eles evitavam o golfo da Guiné, bastante monitorado pelas fragatas inglesas, e dirigem-se até o sul da zona de calmarias, raramente cruzada por aquelas fragatas, buscar escravos na costa da Angola. Daí as relações históricas forjadas a partir do tráfico negreiro tardio entre Angola e Cuba. Elas foram evocadas em 1975-76, no contexto da expedição cubana a Angola; cf. o artigo da revista Hérodote, 1976, de título “Os cubanos em Angola, mas também os angolanos em Cuba”; esse artigo anônimo foi escrito por Juan Perez de la Riva, grande especialista da história e da geografia da escravidão.
[3] N.T. – aqui, Lacoste se refere à anexação do Texas pelos Estados Unidos, no ano de 1845.
[4] Em 1860, as importações da Espanha vindas de Cuba correspondiam a 30% do total de importações; Esse mesmo valor era de 20% nos Estados Unidos e 20% na Grã-Bretanha (J. Le Revérend, 1867).
[5] N.T. – no original se lê “c’est encore l’actuel drapeau cubain”. Dado que a bandeira atual de Cuba, quando da escrita do texto por Lacoste, não é a mesma que a texana, mas nesta encontra sua referência. Por isso, decidi pela alteração do conteúdo.
[6] Um geógrafo deve observar, em grande escala, que as duas guerras de independência, a de 1868-78 e a de 1895-98, estouraram na mesma região da província de Oriente, nas planícies do Cauto, ao norte da parte ocidental da Sierra Maestra. É próximo a Manzanillo que fica Demajagua, a propriedade explorada no modelo de plantation de Manuel de Cespedes; é em Yara e depois em Bayamo que Manuel de Cespedes fez o chamado para a luta pela independência (a bayamesa é o hino nacional cubano), e 35 km mais a leste, em Baire, que começara a segunda guerra pela independência, após um período de guerrilha, a guerra de chiquita (1879-1895), que irrompeu na vertente norte da Serra Maestra. Como explica J. Perez de La Riva (1975) em Uma ilha com duas histórias [tradução livre de Une île avec deux histoires], a “Cuba A”, das grandes plantações de açúcar, a parte ocidental da ilha ao redor de Havana, estava muito preocupada em evitar movimentos de escravos para se engajar na luta pela independência. Por outro lado, a “Cuba B”, das grandes terras pecuarista das províncias de Las Villas [atual Villa Clara], de Camaguey e de grande parte da província de Oriente, estava tentada por uma solução do tipo texano; ela não estava inibida pela questão dos escravos, mas constituía apenas uma pequena parte da população. A província de Oriente padeceu ainda mais com a dominação espanhola, pois esta impôs o monopólio do porto de Havana para as relações com o exterior, travou a realização de uma ferrovia ligando Havana e Santiago para manter as vantagens das companhias espanholas que faziam cabotagem. Mas os produtores da região de Santiago (a maioria vinha de São Domingos) temiam uma revolta dos escravos. Para J. Perez de La Riva, o sítio das duas guerras de independência correspondem ao contato, longe das grandes cidades muito controladas pelo exército espanhol, entre as grandes terras pecuaristas e as plantações de açúcar rodeadas de espaços ainda escassamente povoados, o que permitia considerar, para o futuro, a criação de numerosas pequenas porções de terras para os negros libertos e, sobretudo, para os colonos vindos da Europa. Eles poderiam produzir a cana para os engenhos. Por uma coincidência surpreendente, cujas causas analisaremos, o ponto das duas guerras de independência é muito próximo do ponto onde se concentrou a guerrilha de Sierra Maestra onde se instala Fidel Castro em 1956.
[7] A antologia de textos de José Marti (1968) mostra com bastante clareza a influência de um método de análise de tipo marxista e a desconfiança de que a luta dos cubanos contra a dominação espanhola venha impedir “a expansão imperialista” yankee. Ele admira o povo americano e recebeu apoio de muitos progressistas americanos, mas, dizia, “Eu vivi no interior do monstro e conheço suas entranhas. […] meu dever […] é impedir, à tempo para independência de Cuba, que os Estados Unidos não se estendam sobre as Antilhas e venham, com força extra, sobre nossas pátrias americanas”.
[8] O general espanhol Weyler, que dispõe de 300.000 homens, número enorme, para controlar um milhão e meio de habitantes, lança mão, contra os guerrilheiros, de métodos de reagrupamento da maior parte da população em campos de concentração e de destruição sistemática dos recursos dos espaços que era incapaz de controlar de modo permanente. Tudo isso irá conduzir a opinião pública americana a defender uma intervenção militar dos Estados Unidos.
[9] As classes proprietárias de Cuba não estavam preocupadas com o fato do exército dos Estados Unidos levar a cabo o desarmamento (à força ou de boa vontade, mediante uma taxa) o incômodo “exército de libertação” cubano que combateu contra os espanhóis.
[10] Problems of New Cuba. Report of Cuban Affairs Comission, Foreign Policy Association, New York, 1935, 522 p.
[11] Esse movimento costuma passar em silêncio nos livros que tratam de Cuba e que tendem a dar uma visão não nuançada e sem contradições do imperialismo americano. Como veremos, as contradições, ao menos no plano político, ocupam nesse contexto um papel relativamente importante.
[12] Em 1920, se elevam a quase 22 cents por libra inglesa (433 g), para cair em dezembro do mesmo ano a 4 cents e mesmo a 0,57 cent em 1932.
[13] Era nos Estados Unidos, especificamente nos portos da costa nordeste e nas usinas do grupo Havemeyer, onde se efetuava o refino (o branqueamento) do açúcar, operação muito simples que teria tido a vantagem de ser feita imediatamente após a centrifugação que separa os cristais de açúcar do melaço – relação tipicamente colonial.
[14] Durante a estação morta na produção do açúcar, eram empregados na manutenção, verificação e reparação de todo material. Esse pessoal qualificado tinha, por uma série de lutas sindicais, de ser empregado todo o ano na indústria da cana. Era comum que ficassem particularmente irritados quando a indústria falhasse durante a colheita.
[15] Os cubanos reforçam que Cuba é na verdade um arquipélago: Cuba, a ilha dos Pinos e mais de 1500 ilhotas de corais mais ou menos afastadas das costas.
[16] N.T. – se trata de formação litológica caracterizada pela presença, em superfície, das rochas ígneas ou metamórficas, sem cobertura de rocha sedimentar.
[17] Há também nas províncias de Las Villas e de Camaguey, acima dos afloramentos de rochas silicatadas, “as savanas de saibro que tem um potencial de cultivo bastante limitado, sobretudo porque não são mais fertilizados. Mas, se se planta o capim pangola, com irrigação e esterco abundante esses solos podem render de 4 a 5 vezes mais erva do que nas pradarias normandas” (R. Dumont, 1964).
[18] Essa província existiu em Cuba até 1976.
[19] Os solos antigos que se formam em uma parte dos maciços da província de Oriente contêm depósitos metálicos importantes e diversificados: a mina de El Cobre, próxima a Santiago, forneceu uma grande parte das importações de cobre da Grã-Bretanha (J. Le Rivérend, 1967) e continua sendo explorada (existem outras minas de cobre na província de Pinar del Río). O complexo mineral de Niquaro e Moa é mais variado e mais importante: níquel, cromo, cobalto, ferro; nele importantes investimentos realizados pelas companhias americanas de 1955 a 1966 foram continuados pelo governo revolucionário.
[20] Ainda que, por exemplo, o quase monopólio exercido, antes da revolução, pela American Tobacco Company sobre as exportações de cigarros (correspondente ao valor de 7% das exportações cubanas), não resultaram em outra coisa senão no controle do mercado, já que os cigarros eram feitos à mão.
[21] Para retomar a famosa expressão do ministro da Argélia, o socialista Robert Lacoste, que a tinha enunciado em 1957 depois da aniquilação das redes terroristas do F.L.N na batalha de Argel e no fechamento das fronteiras que pareciam dever marcar o fim da rebelião argelina. (N.T. – a expressão usada por Lacoste é “dernier quart d’heure”, aqui livremente traduzida como fase final).