Por Salvador López Arnal entrevistando Alfredo Apilánez[1] sobre a Teoria Monetária Moderna, TMM (em inglês, MMT) (III parte), traduzido por Aline Recalcatti de Andrade, via Alainet.
Paramos por aqui. Faltava a parte prescritiva da tua exposição.
A parte prescritiva da política econômica se deduz diretamente de tais princípios. A MMT oferece uma revolução fiscal para conectar o gasto público à economia real e assegurar – dado que o desemprego é “uma decisão política” – o pleno emprego, absorvendo o desemprego involuntário gerado pelo déficit da demanda efetiva do setor privado. Wray aponta a chave mágica: “Sempre se pode fornecer algum orçamento suficiente para a plena utilização de todos os recursos disponíveis de forma para apoiar o desenvolvimento capital da economia. Podemos usar do ‘golpe de tecla’ para chegar ao pleno emprego”.
Tal abordagem, conclui na proposta política protagonista do movimento: o Emprego Garantido (GT). Como explica Mitchell: “o pleno emprego e a estabilidade de preços estão no coração da MMT. Um programa de Emprego Garantido é central para a MMT, é uma ferramenta chave para ter sob controle a inflação e o desemprego”. Portanto, com o nível correto de gasto público e impostos, combinado com um programa de Emprego Garantido, os partidários da MMT afirmam, categoricamente, que pode-se alcançar o pleno emprego com a estabilidade dos preços. Essa perspectiva representa, obviamente, uma heresia para a ortodoxia neoliberal, que afirma que o gasto público como criador de emprego é perigosamente inflacionário, e a dívida é um atraso para futuras gerações, que atrasa o crescimento e a atividade produtiva. Mas precisamente por isso soa tão atrativo, não?
Sim, mas surgem várias dúvidas. A primeira: a existência de criptomoedas, no princípio sem regulação do Estado, não refuta o principal da concepção de dinheiro da MMT?
Neste ponto te diria, Salvador – longe de ser especialista no assunto-, que compartilho bastante a posição da MMT, muito crítica à esse utopismo monetário, de indícios extremamente reacionários com ecos de anarcocapitalismo dos nostálgicos do padrão-ouro, desejosos de fechar o Banco Central e acabar com o dinheiro público. Coisas de excêntricos fetichistas do dinheiro como os austríacos, no qual o representante mais mediático na Espanha é o infeliz Juan Ramón Rallo. Inclusive o Fair Coin, a criptomoeda promovida por Eric Duran – o famoso Robin Bank, que fraudou quase meio milhão de euros ao setor bancário -, exala um forte cheiro de utopismo de varinha mágica de raíz proudhoniana que tanto indignava – com razão na minha opinião – a Marx.
Assim, talvez seja útil esclarecer conceitos, que ajudem a limitar a relevância das criptomoedas – e seu suposto potencial transformador -, resumindo as funções do dinheiro moderno, para compará-las às que cumprem estas supostas revoluções monetárias.
Continue nisso.
Podemos dividir de modo explicativo as funções do dinheiro em dois campos: a circulação e a produção. Como meio de circulação, o dinheiro desempenha a função como meio de troca, de pagamentos, unidade de contabilização e depósito ou reserva de valor – o entesouramento (retenção de moeda), grande obsessão keynesiana -. Na esfera da produção – o dinheiro-capital, descrito por Marx, mas ignorado pela ortodoxia e pelos keynesianos -, se transforma em capital quando avança com o objetivo de obter lucro através da exploração do trabalho. A fonte do lucro é o mais-valor, que se origina no emprego de trabalhadores assalariados que criam mais-valor novo no processo de produção, do qual obtêm quando são pagos em forma de salários. A função do dinheiro como medida de mais-valor é um dos aspectos centrais de uma economia capitalista, e a chave da conexão entre a construção do dinheiro-dívida do setor bancário – a moeda endógena dos pós-keynesianos – e o processo de acumulação de capital.
A questão chave então seria: quais dessas funções desempenham as criptomoedas? Pois, tenho que dizer que praticamente nenhuma. Me baseio a seguir em um texto de Eduardo Garzón, talvez a referência mais popular da MMT na Espanha, excelente na minha opinião, que enumera as principais críticas a essa suposta libertação do domínio bancário-estatal, que personificam utopicamente as criptomoedas.
Parte do inegável atrativo é que as criptomoedas e sua coluna vertebral subjacente, a Blockchain, permite a pessoa comum realizar transações com seu vizinho, de forma anônima e segura, sem intermediários. É a moeda perfeita para o libertarianismo econômico: o setor público não interfere nem na sua criação nem na sua regulamentação, de modo que qualquer pessoa pode levar a cabo suas transações sem a necessidade de prestar contas à Fazenda ou à Justiça.
E qual a capacidade tem os emissores da bitcoin – se pergunta Garzón, focando na criptomoeda celebridade – de conseguir que sua moeda seja amplamente utilizada na circulação, como meio de troca, e nos pagamentos? Muito pouca, tomando em conta que não há, nem sequer, um único emissor, mas sim que qualquer usuário pode (através de um processo complicado e prolongado) criar novas bitcoins.
À isto temos que adicionar outra limitação nada insignificante: só se pode criar 21 milhões de bitcoins. Isso é simplesmente o resultado de um plano isento de sentido econômico, já que uma economia precisa tanto de moeda como de atividades que se produzam no seu interior, de tal maneira que o limite é um impulsor da especulação e do absurdo custo da geração de novas unidades.
Sim, a cifra limite parece absurda, totalmente arbitrária desde um ponto de vista econômico… ou inclusive desde qualquer ponto de vista.
Como se fosse pouco, com as debilidades e ameaças de caráter estrutural, se uniu recentemente outra de caráter conjuntural: a geração de uma bolha especulativa. Hoje em dia, boa parte das pessoas compra bitcoins para vender a um preço mais caro, fazendo um rápido lucro pelo caminho. A espiral inflacionária é evidente e já sabemos perfeitamente o que acontece com as bolhas: em algum momento explodem e todo mecanismo vai por água abaixo.
Ou seja, a suposta panaceia monetária não serve muito menos, devido a sua excepcional volatilidade, como unidade de conta nem como reserva de valor, duas das funções básicas da moeda fiduciária respaldada pelo Banco Central.
Existem mais críticas?
Existem. Isso não é tudo: a produção de bitcoins consome uma quantidade exorbitante de energia. Os modos de criação e funcionamento das criptomoedas são puramente eletrônicos e precisam utilizar inúmeros computadores no mundo todo, o que supõe um elevadíssimo consumo de energia. Um desperdício energético de todo modo, tendo em conta que os modos convencionais de emissão de moeda apenas demandam consumo de energia.
Logo, se a essência da matriz de rentabilidade do capitalismo financeiro é a criação de moeda-dívida por parte do setor bancário como motor da atividade econômica – a moeda-capital – com o apoio, em última instância, da emissão de moedas fiduciárias legais por parte do Banco Central, ao bitcoin e a abundância de criptomoedas não pode esperar um grande futuro além de circuitos minoritários e inversões especulativas.
Outro assunto é o formidável impacto que as tecnologias digitais estão tendo sobre a atividade bancária e o surgimento das chamadas fintechs – ágeis startups de pagamentos e empréstimos digitais – que operam em âmbitos subsidiários da moeda bancária – e não considerados independentes, como as criptomoedas. E, principalmente, o que veremos é o impacto da irrupção dos gigantes da tecnologia, com sua vasta base de clientes, sua experiência em coleta de dados e seus recursos financeiros praticamente ilimitados. Amazon lançou uma conta bancária, Google e Apple têm sistemas de pagamento que transformam seu telefone em um banco, e o Facebook provou forte taquicardia nos donos da emissão de moedas com o lançamento de uma nova moeda, a Libra. Mas essa, como digo, é outra história que está apenas começando.
Talvez possamos falar dessa história em um futuro próximo. Pego a linha de raciocínio de novo. Quando se fala em Emprego Garantido, sobre o que estamos falando, exatamente?
Como te falei, se trata da proposta protagonista de política econômica da MMT. Se está bem, dou a palavra aos porta-vozes da mencionada Red MMT, que explicam sua defesa de pleno emprego assegurado por um Estado de bem-estar social:
A prioridade é repensar a política econômica colocando o pleno emprego digno no centro de nossa agenda política, em conformidade com a legislação expressa em nossas Constituições. O desemprego só pode ser eliminado através de uma adequada política fiscal expansiva, que combine o aumento suficiente do gasto público e uma diminuição da taxa fiscal sobre as classes populares e o tecido produtivo. Dentro desse marco, prevemos um Plano de Emprego de Transição, um programa permanente de emprego público que irá garantir a todos o acesso a um emprego com salário superior ao limite da pobreza e com condições dignas.
Sem dúvida parece bom, não?
Parece, de entrada sem dúvida soa bem.
O Estado – transformado em uma espécie de “empregador de última instância” -, sem aumentar os impostos aos ricos nem aumentar a dívida pública, se encarrega de remunerar o trabalho diretamente por meio de um pagamento – tomando como referência o salário mínimo – para a conta bancária do participante do programa de EG, de forma que evita intermediários privados e tentações ímpias na gestão do dinheiro.
Portanto, os déficits orçamentários do Estado (e o aumento da dívida externa do setor público) não são – até certo ponto – um problema. Nem precisa dizer que isso tem um irresistível atrativo para a esquerda reformista como refutação dos dogmas neoliberais que dão base às políticas de austeridade. Aqui está uma justificativa teórica do gasto público deficitário para alcançar o pleno emprego sem ter que afetar diretamente o setor capitalista da economia. Inclusive chega a ameaçá-lo a se ordenar, obrigando-os a subir os salários para não perder seus funcionários. Veja o que diz a proposta de Emprego Garantido de IU[2] ao respeito: “Os empregadores do setor privado vêm-se obrigados a oferecer salários iguais ou superiores aos oferecidos no EG – caso contrário, seus funcionários irão ao EG, que sempre está disponível -, conseguindo assim acabar de fato com todos os postos de trabalho nos quais não esteja assegurada condições trabalhistas dignas”. O tipo de empregos financiados diretamente pelo Estado seriam então aqueles não gerados pelo setor privado, como, por exemplo, os que aparecem nessa lista elaborada por Bill Mitchell: “muitas atividades socialmente necessárias, incluindo os projetos de renovação urbana e outros programas ambientais e de construção, a assistência pessoal aos pensionistas e outros programas comunitários. Por exemplo, os criadores poderiam contribuir para a educação pública como artistas itinerantes (sic)”.
Torna-se difícil exagerar o idealismo – no sentido estrito do termo, que recorre a tradição filosófica, como oposto ao materialismo – presente em tais propostas que ignoram as relações de poder e de produção dominantes sobre a égide do capital. Idealismo que ignora, só como exemplo, o papel do exército industrial de reserva marxiano na evolução da acumulação de capital e na desvalorização do preço da força de trabalho. Acrescento a esse ponto a crítica do economista marxista Michael Roberts, que chega ao ponto: “Desta maneira, a MMT atua como um respaldo do capitalismo: o Estado é um empregador como último recurso, não o principal empregador. Busca compensar (arrumar) os fracassos da produção capitalista, não substitui-la”. Tal concepção está no oposto da perspectiva marxiana: na teoria de Marx, o desemprego é gerado de modo endógeno pelo sistema capitalista. Quer dizer, o desemprego é sistêmico e não pode ser eliminado a vontade por um Estado de bem-estar social.
Concluindo, estando certa a abordagem da MMT, pode-se solucionar o desemprego no capitalismo sem mudar de maneira significativa as estruturas sociais, através de um Estado transformado no mágico Deus ex machina que arruma o prejuízo provocado pelo sistema desordenado. Para isso, bastaria com superar a “déficit-fobia”, criada artificialmente pelo monetarismo neoliberal e pela ortodoxia neoclássica, e relacionar o gasto público com a criação de empregos. Como pode ver, peccata minuta.
Você falou das críticas da ortodoxia neoliberal, mas também existem críticas desde campos muito distantes. Desde o marxismo, por exemplo. Como Rolando Astarita em a “A MMT e os argumentos monetaristas” (https://rolandoastarita.blog/2019/09/19/la-tmm-y-los-argumentos-monetaristas/ ), e copio suas palavras finais: “É necessário então demarcar, particularmente, a teoria marxista das propostas da MMT. Especialmente porque a direita está empenhada em que todo o ‘heterodoxo’ apareça mais ou menos igual. Ressalto então: Marx ou Engels nunca alegaram que o valor pudesse ser criado emitindo moedas. Não existe forma de vinculá-los a semelhante tolice”.
É isso, Salvador. Igual que no caso de Roberts, não posso deixar de aderir à maior parte das críticas de Astarita que, aliás, tem um dos melhores textos sobre a teoria keynesiana e pós-keynesiana e é um excelente conhecedor das mesmas. Não somente Astarita – que os qualifica com razão como curandeiros sociais e feiticeiros monetários -, também outros economistas marxistas como o mencionado Michael Roberts, Anwar Shaikh ou Michel Husson têm sido críticos com as propostas reformistas e idealistas da MMT. Não é de estranhar essa reação crítica diante das extravagantes afirmações pelos seguidores da teoria.
Por que não é estranho?
Na minha opinião, por três motivos fundamentais: sua falta de compreensão – como toda a escola keynesiana – da dinâmica de fundo e da evolução histórica da acumulação de capital; seu idealismo, fundamentado na sua concepção do papel do Estado e sua confiança nas regras do jogo da democracia formal; e, last but not least, sua distorção do papel do desemprego – o exército industrial de reserva marxiano, como mencionamos antes – nas relações capitalistas de produção e na relação, substancialmente simbiótica, entre os setores público e privado na dinâmica da acumulação.
Para não me estender e evitar repetições, dois casos sobre o anterior. Por exemplo, essa proposta de um novo socialismo (sic), não baseado na propriedade dos meios de produção senão em um controle da autoridade fiscal, que propõem Estaban Cruz e Parejo Moruno, alterando sem nenhum pudor a teoria da exploração marxiana: “a tese sobre a exploração do trabalho aqui apresentada pode descrever, não como uma consequência da propriedade privada dos meios de produção, mas antes o controle da moeda em uma economia monetária de produção, que os capitalistas adotam graças a uma elaboração de umas regras arbitrárias para restringir a ação do Estado”. Quer dizer, retirando o controle da emissão de moeda dos capitalistas bancários e assumindo o controle do Estado de bem-estar social temos já o “novo socialismo”. Tudo às mil maravilhas.
E, a respeito do idealismo implícito na concepção do Estado como instrumento para a reforma do sistema contra a “vontade das classes poderosas”, valem os seguintes apelos, extraídos do mesmo texto, de libertar o Estado de sua “captura” pelos capitalistas: “A Teoria Monetária Moderna oferece de alguns sólidos argumentos para realizar efetivamente a ‘reforma crucial’ que defendiam Kalecki e Kowalik: a imposição contra a vontade das classes poderosas da estabilização do sistema, abrindo novas perspectivas para o futuro desenvolvimento das forças produtivas (…). Contudo, o uso efetivo dos mecanismos que dispõe o Estado para a administração da economia se encontram capturados pelos capitalistas. Os aspectos políticos de pleno emprego, o poder dos interesses criados, são mais importantes para os capitalistas que os rentáveis efeitos produzidos pela boa marcha da economia”.
Assim, poderia inclusive ser conciliador e tentar convencer as “classes poderosas” da bondade de suas propostas para que desistam na sua absurda atividade de resistência à elas. Sua leit motiv de fundo se trata então de dizer: a austeridade neoliberal gera recessão, desigualdade e dívida crescentes e é irracional; portanto é uma política que prejudica a todos.. E temos as chaves para revertê-la! A “reforma crucial” que propõe a MMT consiste então em tomar o Estado das mãos dos capitalistas que está capturado, para colocá-lo à serviço de uma “estabilização do sistema” através de um bom uso do monopólio de emissão monetária. Lembram nisso, inclusive desmerecendo-os, aos antigos socialistas utópicos pré-marxistas. E não dão respostas convincentes a nenhuma das questões chave sobre as relações de poder realmente existentes sobre a égide da acumulação de capital.
Como por exemplo…
Como mudar substancialmente o papel do setor bancário privado e dos fundos privados de investimento, centro nevrálgico da atual matriz de rentabilidade do capitalismo neoliberal, baseada na hipertrofia do empréstimo pessoal hipotecário e na multiplicação do capital fictício, no cassino global, para sustentar a maltratada taxa de lucro? Como poderiam coordenar-se harmoniosamente os dois focos geradores de atividade econômica: o Estado soberano, no qual o Tesouro estaria integrado com um Banco Central financiador do pleno emprego, através do EG, e o setor bancário comercial, financiador do investimento privado e das descomunais bolhas de ativos, cujos interesses – interesse público redistributivo e o voraz lucro privado na esfera especulativa – são objetivamente contrapostos? Sobre essas “insignificantes” questões, a MMT, para além de louváveis declarações de boas intenções de combater a especulação e as más práticas dos depravados tubarões financeiros, fica em silêncio.
O distinto economista marxista Anwar Shaikh, que desenvolve uma profunda teoria do dinheiro e da inflação no seu texto “Capitalismo: competição, conflito e crises”, expõe as razões que impedem que “um sábio e benevolente Estado pode emitir moedas para alcançar o pleno emprego com inflação moderada”, o pressuposto central da MMT:
“Em primeiro lugar, a MMT ignora os efeitos da taxa de lucro em crescimento, o emprego e a inflação. Em segundo lugar, desconsidera completamente o conflito de classe entre capital e trabalho. Em terceiro lugar, ignora a teoria marxista do exército de reserva de trabalho que, no longo prazo, tende a reduzir os salários. E, por último, omite que o Estado, como empregador de último recurso, seria uma ameaça para os negócios se pudesse contrariar a disciplina salarial”.
E, por último, gostaria de me referir aos argumentos do economista marxista Xabier Arrizabalo que, em um recente debate sobre a MMT entre Eduardo Garzón e Mario del Rosal organizado pela associação Economia Alternativa, lançou uma série de críticas ao idealismo das propostas da MMT que acredito que resumem todo o anterior:
Não podemos fazer o que queremos, mudando as regras do jogo do capitalismo à vontade, porque são expressão de relações sociais profundas. A MMT é a negação da economia política que explica o conflito distributivo entre classes antagônicas. A teoria social não é um pudim, mas tem um núcleo que, no caso da economia, é como se produz e se distribui o valor criado em uma sociedade de classes. É absurda a ideia de “livre” condução do Estado, negando que seja uma expressão das relações de produção. A MMT omite a luta de classes e reduz tudo ao marco institucional, propondo que se trata somente de alterar a condução.
Tais ilusões lembram nitidamente a “hipótese populista” do primeiro Podemos, popularizada pelo ilustre Errejón grande especialista “laclauliano”, e baseado na estratégia idealista de autonomia das estruturas sociopolíticas – do Estado, como espaço destacado -, cuja natureza profunda não se define e se torna só um produto “relacional”, resultado da articulação de diferentes elementos. Tal política não tem outro objetivo além de tomar a máquina do Estado para dar um giro nas políticas do neoliberalismo e usá-lo contra a minoria dirigente – a casta ou as elites que o capturaram -, para colocá-lo a serviço do povo.
Essas sensatas críticas revelam o “idealismo” da MMT, baseado na sua incapacidade para incorporar o conflito social em seus provetes financeiros de laboratório e, na minha opinião, justificam a necessidade, enfatizada por Astarita, de delimitar claramente as abismais diferenças com o marxismo, que se refletem nas críticas mencionadas. Logo, obriga dar resposta negativa às perguntas nevrálgicas sobre a viabilidade e o rigor de tais propostas: Refletem de forma realista a engrenagem profunda da acumulação de capital e sua história recente; em outras palavras, permitem compreender a marcha do capitalismo e sua lógica de fundo, profundamente predatória e degenerativa? E, enfim, é útil, para avançar na urgente necessidade de uma transformação social radical do ameaçador sistema econômico vigente, o projeto de propostas reformistas fictícias de engenharia financeira implementadas por um Estado de bem-estar social que promovem a ilusão de avanço sobre um idealizado e irrecuperável capitalismo agradável e redistributivo, com paz social e pleno emprego?
Não acho que me equivoco, mas suponho respostas negativas às duas perguntas.
Abusando mais de ti e pensando nos nossos leitores. Em 15 linhas, não te concedo mais, quais seriam tuas principais críticas, incluindo virtudes se for o caso, da Teoria Monetária Moderna?
De acordo Salvador, uma parte somente para evitar repetições…
Que às vezes ajudam a fundamentar conceitos e argumentos.
Como acho que já expus as principais críticas nas respostas anteriores, vou me limitar, para terminar, com as virtudes e vou agregar, se me permite, uma última reflexão crítica de tipo mais geral.
De acordo, seguimos teu esquema.
Então te faria, de novo me desculpando pela prolixidade – causada pela intenção, não sei se realizada, de combinar o caráter didático com a argumentação crítica -, uma enumeração resumida das virtudes da MMT.
- Uma correta descrição do funcionamento da geração de moeda-dívida – sem coincidir com a teoria estatal cartalista da origem do dinheiro, na minha opinião, bastante unilateral – em uma economia monetária com completa desmaterialização do dinheiro desde o Nixon Shock de 1971. Essa teoria do dinheiro endógeno – parte essencial da perspetiva pós-keynesiana – explica o papel centro do setor bancário na criação de bolhas de ativos, através da geração de crédito de “puro ar” diante da enganosa teoria tradicional da ortodoxia neoclássica, que descreve os bancos como intermediários financeiros.
- E, relacionado ao anterior, uma crítica esmagadora à austeridade neoliberal e ao monetarismo friedmaniano, revelando seus fundamentos pseudocientíficos e sua conivência com a “música celestial” da ortodoxia econômica.
Colocar em destaque esse temas, acredito, que já é motivo suficiente – o cortês não remove o valente – para reconhecer uma relevante contribuição positiva.
Muito justo da tua parte. Gostaria de agregar algo mais, querido Alfredo?
Além de te agradecer de novo pela oportunidade de explicar essas questões e de te felicitar pela perspicácia das perguntas, simplesmente trataria de resumir, abusando mais uma vez da tua paciência, o que foi exposto em uma reflexão crítica final.
Não abuse.
O problema principal de propostas como a MMT – e também de outras reformas paliativas como a renda básica ou o imposto sobre riquezas do Piketty – é que não registram que a degradação desta sociedade capitalista é estrutural, global, em todos os seus âmbitos, e também, como lugar destacado, o estatal. E, portanto, que a emissão de moeda é a encarnação do poder social a serviço do interesse privado, e não uma ferramenta técnica que, nas mãos de um Estado democrático e soberano, pode ser colocado a serviço das classes populares.
Assim, se torna ingênuo politicamente e totalmente errôneo pedagogicamente oferecer soluções “dentro do sistema” para problemas estruturais do capitalismo, como o desemprego ou a pobreza. O certo é que, apesar de sua aparência de respeitabilidade e pragmatismo, talvez suas disposições sejam mais utópicas e desnorteadas que a defesa da “socialização do setor bancário e dos meios de produção”, defendida pelos radicais anti-sistema. Por esse motivo, é necessário se distanciar de tais vãs ilusões e revelar a falsa miragem dos “reguladores”, crentes em um capitalismo com rosto humano. Porque essas ilusões, baseadas em fazer retornar o “gênio mal para a garrafa”, não são somente vazias, são também, infelizmente, pedagogia popular ruim e representam, portanto, obstáculos para o surgimento de movimentos e lutas verdadeiramente antagonistas, que construam alternativas radicais contra as desmanteladas relações sociais no capitalismo desequilibrado. Se trata, por fim, dos velhos “contos da carochinha” reformistas, dos que falava Sacristán, porque quando o negócio é realmente sério – como dizia Joan Robinson, nada suspeita, ademais, de radicalismo extremista – cortam direto pela raíz, e não parece ser o caso: “Qualquer governo que tenha tanto o poder como a vontade solucionar os principais defeitos do sistema capitalista, teria a vontade e o poder de aboli-lo completamente”.
Anteriores:
- Primeira parte desta entrevista: “Hay dos paradigmas monetarios que determinan la visión del sistema económico y de las políticas públicas” http://www.rebelion.org/noticia.php?id=261945
- Segunda parte: “La escuela busca convertirse en un programa de política económica para la izquierda reformista en oposición frontal al monetarismo neoliberal” http://www.rebelion.org/noticia.php?id=262139
[1] Apresentação do próprio autor: Sou economista de formação – ainda que, para dizer a verdade, isso é mais uma desonra – , professor de ciências sociais em um centro de estudos e escritor de artigos de história, teoria econômica e finanças no blog Trampantajos e Embelecos. Ali, trato de colocar um grãozinho de areia na crítica do discurso do capital – encarnado pela teoria econômica ortodoxa e no paradigma político neoliberal – e na defesa da necessidade de construir novos sujeitos e práticas emancipatórias. Sou membro, além disso, da Associação 500×20, um humilde, mas valente, coletivo que luta contra a violência imobiliária, principalmente no âmbito dos aluguéis no distrito de Nou Barris de Barcelona.
[2] [N.T] Izquierda Unida, partido no qual participa Eduardo Garzón.