Por Lucas Barroso Rego*
Afeganistão. Iraque. Sudão. Líbano. Quênia. Nigéria. Síria. Ucrânia. A guerra, entendida como uma continuação política por outros meios (CLAUSEWITZ, 1996), é um aspecto que tem permeado a humanidade e, em especial, a contemporaneidade. Em torno dos conflitos armados, diversas análises foram e estão sendo construídas tanto pela sociologia militar quanto pela historiografia, a partir do estudo da questão do uso político da violência em larga escala (CARRILHO, 1978, p. 158).
Nesse cenário, Tremonte (2013), por exemplo, diferencia as motivações existentes entre as guerras ocorridas em outras épocas históricas e aquelas travadas na Modernidade. No primeiro caso, os conflitos seriam motivados por honra ou até mesmo pela vontade de um representante divino, como, por exemplo, uma autoridade religiosa ou real. Todavia, a partir do século XIX, as guerras mudaram de configuração e teriam passado a ser produtos de toda uma nação, encabeçadas pelos Estados nacionais (TREMONTE, 2013, p. 19).
A partir do século XIX, as guerras modernas adquiriram motivações de prova da superioridade de nações em detrimento de outras. Para além de valores simbólicos e sociais de conduta, demarcava-se, assim, os limites culturais entre os Estados modernos europeus, tendo em vista a defesa de seus próprios interesses nacionais. A partir das noções de pertencimento, cidadania e identidade social, o conceito histórico de nacionalidade implicava, necessariamente, os atos de diferenciação e superação de outra nacionalidade, seja por meio da violência ou não (HOBSBAWM, 1996, p. 131).
Em torno da especificidade da guerra moderna e de suas implicações políticas, destacamos duas principais perspectivas que norteiam a historiografia dos conflitos históricos e atuais: a liberal e a marxista. Em relação a segunda concepção, Martins Filho (2006), a partir de uma revisão bibliográfica, percebeu a necessidade de mais produções a respeito da abordagem marxista sobre a temática da guerra, partindo das próprias contribuições dos fundadores do marxismo. Nessa direção, o autor desenvolveu o artigo “Engels & Marx: guerra e revolução” (2006).
O artigo foi escrito por João Roberto Martins Filho, professor titular sênior do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Também é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (1976), onde também concluiu o mestrado em Ciência Política (1986) e o doutorado em Ciências Sociais (1993).
O mote do artigo aqui analisado é a historicidade da historiografia marxista dos conflitos armados em larga escala. Aqui, cabe um questionamento: o estudo da guerra seria um traço meramente moderno? Carrilho (1978) aponta que sim. Mesmo que a sociologia clássica já tenha abordado a temática da instituição militar, a autora destaca que o primeiro estudo sistemático em torno da atividades por excelência das Forças Armadas, a guerra, teria aparecido nos anos 1930 na Universidade de Chicago, em torno de Harold Lasswell e Quincy Wright (CARRILHO, 1978).
Todavia, Martins Filho (2006) aponta que esses estudos possuem raízes no século XIX, a partir das contribuições de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Nesse caminho, o autor aponta a necessidade de mais análises sobre a abordagem marxiana e engeliana da guerra. Até o momento da escrita do artigo, segundo o cientista social, o caminho para o acesso às produções marxistas originais sobre a guerra eram exclusivamente pelas línguas estrangeiras, com destaque para a inglesa. Nesse contexto, Martins Filho (2006) destaca três vertentes da literatura inglesa sobre a perspectiva marxista da guerra.
Uma delas teria sido inaugurada pelo não-marxista Neumann (1943), que valorizava as contribuições engelsianas na compreensão da relação entre guerra e política e do caráter dos exércitos modernos. Já a segunda corrente teria iniciado por Leites (1951), que procurava entender o estudo do pensamento militar marxista como fundamental para analisar as intenções da União Soviética durante a guerra fria. Por fim, a última vertente teria surgido com a eclosão do marxismo no momento posterior à guerra do Vietnã e procurava entender a guerra a partir do próprio campo marxista, como Berger (1977), por exemplo.
Martins Filho (2006) centra sua análise em torno da primeira vertente e na atestação de uma mudança da perspectiva de Marx e Engels sobre a guerra. Até a Guerra Franco-Prussiana (1870-71), o autor afirma que os fundadores do marxismo entendiam o conflito armado como uma oportunidade para a eclosão da revolução proletária, a partir dos choques entre nobrezas e burguesias. Todavia, depois de 1870, os pensadores perceberam uma mudança na natureza da guerra e, com isso, passaram a entendê-la como uma ameaça à unidade do campo revolucionário. A nova “guerra de povos” trouxe o perigo do chauvinismo e, por isso, uma posição “antiguerra” foi desenvolvida, sobretudo por Engels.
Em torno das contribuições engelsianas, Martins Filho (2006) destaca a capacidade crítica e analítica de Engels em torno da temática das guerras e suas projeções, que resultaram em trágicas presciências. Em seus estudos de conflitos, Engels, por exemplo, intuía que a anexação do território da Alsácia-Lorena pela Prússia poderia gerar uma sede de vingança na França, que seria capaz de transformar o chauvinismo e o revanchismo em um traço permanente da política externa e interna francesa. Essa foi um dos motivos da eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), iniciada após quase vinte anos de sua morte.
Tanto na análise crítica ou na presciência, a literatura engelsiana é reivindicada na contemporaneidade. A sua bagagem teórica fornece contributos fundamentais para a compreensão do nosso mundo de hoje, que possui raízes no século XIX. Portanto, leiamos Marx e Engels para analisar e compreender as recentes guerras do Afeganistão, do Iraque, do Sudão, do Líbano, do Quênia, da Nigéria, da Síria e da Ucrânia.
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* Lucas Barroso Rego é bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Candido Mendes (UCAM).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8481113958603388.
Contato: lucas.barroso@ufrj.br