Por McKenzie Wark. Traduzido por Dafne Melo, via Edições sobinfluencia.
Em Paris, Karl e Jenny encontram o que parece ser um radicalismo mais agradável, sobre política e não sobre religião, que também não pertence, digamos, ao presente. As teorias de Proudhon e os grandes discursos de Weitling abordam o artesão e não o operário da fábrica. Estão enraizadas em apelos à justiça eterna e, mais ou menos, cristã. Não pertencem ao seu tempo. O livro de Fred, As condições da classe trabalhadora na Inglaterra (2012), toca no mundo à medida que este está surgindo, e esse tem que ser o lugar para começar a imaginar mais uma vez o que a Grande Velha Causa do povo pode se tornar. Fred faz com que Karl leia os economistas políticos ingleses. Nem a cultura alemã, nem a política francesa são do presente: a economia inglesa pode ser.
A Editora Funilaria e sobinfluencia edições estão em campanha de pré-venda de seu mais novo lançamento, “O capital está morto”, de Mckenzie Wark. A obra tem previsão de chegara para o mês de novembro e está com 20% de desconto nos sites das editoras. Trazemos aqui a conclusão do livro na íntegra, como parte da campanha de pré-venda.
Oh, meu querido, prezado querido,
Agora você até começa a se intrometer na política.
Esse é o empreendimento mais ousado.
Jenny von Westphalen
Muitos dos meus amigos não gostaram, e não sem razão. No entanto, o filme de Raoul Peck, O jovem Karl Marx (2017), me pareceu acertar o essencial. Eu o vi como um filme sobre a luta para se viver no presente. Como tal, é um filme que pode nos ajudar a fazer exatamente isso. O jovem Karl Marx é ficção, mas, como toda boa ficção, é mais real do que a evidência documental em que se baseia. Nos diz não o que realmente aconteceu, mas uma versão do que aconteceu com a qual podemos pensar o que está acontecendo agora. Nesse sentido, é uma espécie de realismo. E, em outro sentido, também. É uma obra de cinema. Está nos termos de Pasolini (e de Barad) retirado do próprio real.
Há quatro personagens: lá está o jovem casal, Karl e Jenny Marx. Há o novo melhor amigo de Karl, Friedrich Engels, e a nova amiga especial de Freddy, Mary Burns. Cada um precisa que o outro encontre seu caminho para o presente e para o passado. São camaradas na luta para serem do seu tempo. Jenny precisa que Karl fuja da família refinada dela, mas Karl precisa que Jenny o guie em direção ao que é urgente. Fred precisa que Karl escreva com mais clareza o que eles estão percebendo no mundo. Karl precisa de Fred por causa de seu dinheiro. Mas não só isso. Ele precisa do que Fred descobriu sobre um mundo que está surgindo.
Fred, filho de um dono de fábrica, enxergou as novas forças produtivas. Fred precisa que Mary descubra o que o filho de um dono de uma fábrica têxtil não pode ver. Ele precisa dela para descobrir a cidade, para passear fora de sua classe. Mary precisa de Fred? Bem, a resposta vulgar seria sim, porque ele é rico. A resposta mais alegórica seria que a classe trabalhadora precisa de um conceito de sua forma e suas possibilidades, e isso pode ter que vir de fora.
Os quatro camaradas encontram seu caminho para o presente por meio de uma luta com aqueles que estão combatendo nos caminhos do passado. Na Alemanha, burgueses progressistas ainda estão tentando fazer sua revolução contra a velha classe de senhorios, mesmo quando esta ainda está no processo de colocar sua relação com o campesinato em uma base mais abstrata, estritamente em dinheiro. Karl tem que separar seu caminho daqueles que ainda estão envolvidos na tarefa de criticar a velha classe dominante e sua ideologia, a religião.
Em Paris, Karl e Jenny encontram o que parece ser um radicalismo mais agradável, sobre política e não sobre religião, que também não pertence, digamos, ao presente. As teorias de Proudhon e os grandes discursos de Weitling abordam o artesão e não o operário da fábrica. Estão enraizadas em apelos à justiça eterna e, mais ou menos, cristã. Não pertencem ao seu tempo. O livro de Fred, As condições da classe trabalhadora na Inglaterra (2012), toca no mundo à medida que este está surgindo, e esse tem que ser o lugar para começar a imaginar mais uma vez o que a Grande Velha Causa do povo pode se tornar. Fred faz com que Karl leia os economistas políticos ingleses. Nem a cultura alemã, nem a política francesa são do presente: a economia inglesa pode ser.
Fred e Karl ainda são críticos refinados de seu mundo, escrevendo tomadas satíricas picantes sobre seus colegas e sobre os mais velhos. No filme, o vínculo ao mundo e ao presente acontece por meio de Mary, a operária irlandesa, que os conduz à Liga dos Justos. Esses homens ásperos, que levaram sua cota de espancamentos, vivem de acordo com o credo Todos os Homens São Irmãos. O compromisso deles com a igualdade é vulgar e profundamente emocional. Eles não têm um programa. Não possuem contatos. Pensam além do nacional, mas não têm os meios para concretizar esse compromisso.
A cena clímax do filme é aquela que só poderia ser amada por aqueles de nós que se sentaram e ficaram de pé, gritaram e xingaram, riram, cantaram e beberam em nosso caminho por nossa cota de reuniões políticas em corredores empoeirados, nos fundos de bares, ou na cozinha de alguém. Após a inevitável discussão sobre a atribuição, Fred sobe ao pódio e anuncia um novo programa. A Liga dos Justos passará a ser conhecida como Liga Comunista. É colocado em votação e toma todo o dia. Mary substitui a antiga bandeira do arco-íris sobre a janela pela vermelha fresca enquanto o sol fraco entra por detrás dela.
Se alguém viveu até mesmo uma versão pequena e mesquinha de tais eventos, sabe o que vem a seguir. Tendo vencido a votação, nossa facção agora precisa escrever o documento capaz de incorporar a vontade que a reunião precisa expressar. Karl está procrastinando, como sempre faz. Fred tenta convencê-lo a deixar de lado seu trabalho diário como correspondente precarizado de jornais estrangeiros. O filme chega quase ao fim com uma cena fantástica em que Fred, Karl, Jenny e Mary ficam bêbados e rabiscam falas para o Manifesto Comunista à luz de velas. Falta apenas um mês para a revolução de 1848. Trabalhadores do mundo uni-vos! Vocês têm um mundo para vencer!
Peck termina seu filme com uma montagem e uma música de Bob Dylan. Tendo empurrado nossos quatro camaradas para o presente (1848), a montagem corta a História para o final do século XX e o surgimento deste século, bem menos atraente. A pergunta que fica é: podemos estar neste presente como Karl, Jenny e Fred e Mary estavam no presente deles? Desta vez não é a hora deles. Aqui, o realismo do filme se opõe ao seu naturalismo. As roupas, as ruas, os móveis, o escritório de Fred e a fábrica da família, o bar onde Mary bebe com os irlandeses, os correios onde Karl é recusado em um emprego por causa de sua caligrafia terrível – tudo parece datado e um pouco bem trabalhado demais. A mise-en-scène de alguma forma não está certa.
Os detalhes naturalistas são sobre um passado até mesmo para o passado de nossos camaradas-heróis. É o prático-inerte contra o qual se lançam. Tudo o que dizem e fazem tenta criar um presente, que toda essa confusão e bagunça puxa de volta para êxtase e inércia. Karl está tentando escrever sobre as forças reais, mas abstratas, que distorcem e transformam essas aparências em existência. Karl está tentando escrever sobre isso como um presente que poderia estar aberto a outros futuros, aqueles não profetizados nas verdades eternas da Liga dos Justos.
Peck nos dá um mundo naturalista no contexto da década de 1840, um mundo que aparece como um acúmulo de mercadorias e do trabalho que as produz. Nesse cenário, insinua o nascimento de um realismo do conceito que articulou o que o fez e o que poderia ser feito do que o fez. Nos dá, no final, o mundo naturalista dos anos 2010, um mundo que aparece como um acúmulo de imagens e da vida cotidiana aparente dentro dessas imagens. Sabemos, tendo visto como nossos quatro camaradas vieram a saber disso, que as superfícies naturalistas são produzidas por forças abstratas. Mas as superfícies naturalistas são diferentes. Assim também devem ser as forças abstratas. Este não é mais o mundo de Karl e Jenny, Fred e Mary.
Atrás das superfícies não está o capital eterno, mas outra coisa. O objetivo da luta de nossos quatro camaradas tem sido não encontrar consolo, mais uma vez, em essências invisíveis. Sua luta era viver no presente. Para mim, esse é o desafio que o filme propõe: temos que viver em nosso próprio tempo. É por isso que é um filme sobre jovens, dirigido aos jovens. O presente do nosso presente ainda precisa ser escrito.
Levei meu filho para ver. Eu queria que ele soubesse algo sobre as origens e motivações de uma estrutura de sentimento, que foi algo que eu senti profundamente, e ao qual permanecerei solidária pelo resto da minha vida. Vamos admitir, camaradas, que somos um povo derrotado. Não haverá uma segunda vinda para nós. E tentar permanecer fiel a algo, cujo mito central está na História, é sempre trair de qualquer maneira. O todo deve ser reiniciado e desde o início.
Ser ateu é rejeitar a existência de Deus. A possibilidade de tal descrença é definida negativamente, ou seja, pelo que ela sabe não ser real ou possível. Ser um acomunista, da mesma forma. O sufixo A significa simplesmente sem, não contra. A velha bandeira terá que cair algum dia, e o antigo manifesto colocado de volta ao arquivo, deixado para as críticas mordazes dos estudiosos.
O que ainda precisa ser alcançado é a luta para compreender os efeitos superficiais do presente, por meio de conceitos que articulam as forças abstratas que os produzem, forças que não são eternas e não possuem essência. O que não pode ser feito apenas por meio de palavras. Palavras precisam se conectar à vida cotidiana em toda sua glória e vulgar idiotice. Bem no ponto em que as forças emergentes da produção estão moldando essa vida cotidiana, dividida talvez por formas bastante distintas de luta e experiência de classes. Os meios para viver e persistir de outra maneira já podem ter surgido, embora estejam atados a relações e formas ultrapassadas.
Trabalhadores do mundo, libertem-se! Vocês têm uma vitória para o mundo!