Por João Paulo Rossatti
Como explicar que desde 2013 o Brasil venha progressivamente passando por um desmanche do acordo democrático liberal-burguês erigido ao fim da ditadura? Como foi possível que aquele pacto por cima, que deu origem à “Nova República”, tenha ruído tão rapidamente após o golpe de 2016? Como explicar a ascensão de Jair Messias Bolsonaro após 2018? E, pior, seu crescimento na preferência dos eleitores de 2022? Esse texto visa jogar um pouco de luz a este ódio à democracia que impera no Brasil.
Existe uma jogada no xadrez que se chama zugzwang. Nesta situação se é obrigado a jogar, mas todo movimento torna a situação ainda pior, pois leva o xeque-mate, ou seja, a única jogada possível é não se mover isto, no entanto, pressupõe a derrota. O jogador sob tal situação perdeu, apenas ainda não sabe que perdeu e por inércia continua a jogar. Essa talvez seja a situação do Brasil diante do novo processo de acumulação capitalista iniciado por volta dos anos 1970. O país que havia aspirado ascender ao rol das nações modernas, industrializadas e estáveis, mesmo que esta modernização tivesse um cunho autoritário, rapidamente passou à condição de nação cuja economia foi financeirizada (e progressivamente dolarizada, muito por conta da alta inflação existente entre as décadas de 1970 e 90) e completamente mobilizada para pagar dívidas e juros com bancos e instituições financeiras internacionais. O Brasil foi nocauteado pelo “choque do petróleo” em 1973 (e de novo em 1979), pela nova política de juros dos Estados Unidos a partir de 1979 e também pela virada neoliberal de Ronald Reagan de 1980 em diante, não havia mais alternativa. Em artigo publicado em setembro de 2000 no jornal Correio Popular Ricardo Antunes nos dá notícia de como tal situação afetou o Brasil na virada do milênio:
O padrão de acumulação que se vem desenvolvendo em nosso país, especialmente desde o pós-1964, além de se fundamentar no arrocho salarial, na produção de bens e mercadorias para as classes médias altas e para as classes proprietárias, vem dependendo cada vez mais da recorrência aos capitais chamados a financiar e a se beneficiar desse modelo.[1]
Este modelo, por óbvio, é o da acumulação flexível. David Harvey apontou que o mundo foi neoliberalizado como uma resposta à crise do keynesianismo, isso a partir de meados dos anos 1960.[2] A crise do modelo de bem-estar social, cujo financiamento demandava uma carga tributária cada vez maior encontrou uma barreira dentro dos limites de interesse das classes capitalistas, que cansadas do pacto fordista já não estavam mais dispostas a brincar de financiamento de serviços: “As classes altas tinham de agir com mais vigor para se proteger da aniquilação política e econômica.”[3] A virada neoliberal significou, nestes termos, uma luta de classes em chave invertida já que estava ligara “à restauração ou reconstrução do poder das elites econômicas”[4], haja vista que “os ricos não gostam de pagar imposto e preferem antes dá-lo a companhias de seguros do que entrega-lo ao governo. Além disso, esse imposto desestimula a acumulação de capital.”[5] As ideias que contribuíram pare reverter esse processo surgiram primeiro na Europa, tendo os austríacos como expoentes, e depois encontrou nos americanos de Chicago certa linha de continuidade. A americana Naomi Klein assinala o fato de que, apesar de ser uma ideologia puramente primeiromundista, seu nascimento como prática ocorreu nos “laboratórios” do Terceiro Mundo (Brasil pós 1964 e o Chile pós 1973 ajudam a exemplificar o argumento da autora) que serviriam como aprendizagem do que e do como agir em seus necessários choques econômicos.[6] Foi por ser cobaia dessa nova razão de mundo que:
Atrelamo-nos de tal modo ao sistema financeiro internacional que, hoje, quase tudo o que se produz, quando não fica nas mãos da grande burguesia aqui presente, acaba sendo drenado para o pagamento da dívida externa, isto é, para a remuneração e para enriquecimento dos grandes capitais financeiros internacionais. Nesse círculo vicioso, quanto mais o país recorre aos empréstimos externos, mais e mais ele se atola no endividamento. […] E tragicamente, completando o círculo, quanto mais ela é paga, mais ela se avoluma e se intensifica. […] o Brasil, vive e produz em grande medida para satisfazer interesses concebidos a partir de Washington, do FMI, dos bancos internacionais, em clara associação com as classes proprietárias aqui assentadas.[7]
O emparelhamento da economia nacional ao aparelho ideológico montado pelas instituições internacionais impossibilitou o desvio de qualquer dogma econômico advindo do Norte. A partir de 2003, apesar das promessas em contrário, o Brasil passou por um aprofundamento das políticas macroeconômicas neoliberais: ajuste fiscal “duro”, juro real elevado, política monetária contracionista, câmbio flutuante e livre movimentação de capitais, independência do Banco Central.[8] Sob o argumento da obrigação de ter “responsabilidade fiscal” o Brasil, de Lula em diante, aprofundou ainda mais a associação econômica ao capital internacional servindo como plataforma para a valorização do capital flexível dos investidores:
Escolheram o caminho “mais seguro”, que não afrontava os interesses constituídos, internos e externos, que impunha de vez o rentismo como marca da nossa economia, que consagrava para o Estado o papel paternalista e “focado” de “cuidar dos pobres”, que não questionava as disparidades regionais e pessoais de renda e riqueza, que não ameaçava sequer arranhar iníqua estrutura patrimonial do país, que o mantinha, enfim, submisso aos imperativos da acumulação financeira que domina a cena mundial do capitalismo desde meados dos anos 1970.[9]
Dada a sujeição sem questionamentos às medidas prescritas pelos organismos internacionais fora completada, o Brasil se tornou um servo do financismo internacional; situação que se aprofundou de modo ainda mais impressionante nos anos seguintes ao primeiro governo Lula: a desindustrialização maciça, desemprego estrutural, reprimarização da economia (o celeiro do mundo é aqui…) e ascensão da abjeta figura do empreendedor tomaram vulto impressionante ao longo do século XXI constituindo um verdadeiro “estado de emergência econômico”: “uma espécie de estado de exceção econômico que vai sendo paulatinamente decretado e que justifica qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o país.”[10]
Aqui o fundamental: qualquer barbaridade é justificada para salvar o país, pois somos uma nação “condenado a dar certo”[11] (como não lembrar da capa do The Economist onde o Cristo Redentor decolava? Seguida, por óbvio, pela capa em que ele caia). A conclusão óbvia, aquilo que justifica o nosso ódio cordial é: aqueles que ficam no caminho do destino precisam arcar com todas as consequências. Temos um encontro marcado com o futuro. Essa disposição brasileira em “passar o trator” foi chamada de “brasilianização da sociedade”[12]. O termo foi cunhado por Michael Lind que o resumiu assim:
[…] por brasilianização eu não entendo a separação das culturas pela raça, mas a separação das raças por classe. Como no Brasil, uma cultura americana compartilhada poderia ser compatível com um rígido sistema informal de castas, no qual a maioria dos que estão no topo é branca, enquanto a maioria dos americanos negros e mulatos ficaria na base da pirâmide – para sempre.[13]
Essa desigualdade gera, por estranho que parece, não uma luta entre o topo e a base da pirâmide mas sim uma guerra “horizontal” entre as próprias classes subalternas. Daí porque Lind, ao falar da perspectiva norte-americana, atenta para a característica brasileira de um processo que ele identifica como algo que estava a se disseminar pelo mundo: “o ressentimento provocado pelo declínio econômico se expressa muito mais na hostilidade entre grupos na base do que numa rebelião contra os do topo.”[14] A fratura social (daí o nome do artigo de Paulo Arantes: A fratura brasileira do mundo) expressa por meio de uma sociedade financeirizada e planejada como plataforma de valorização do capital, é um produto tipicamente nosso, tal como a soja e o milho, exportamos uma luta de classes exclusivamente entre os de baixo; os de cima acostumaram-se a pactuar. O neoliberalismo em termos absolutos deu muito mais certo aqui do que no Norte global, por exemplo, uma vez que o a decomposição da indústria local, redundando em desemprego, provocou a expulsão de massivos contingentes do mundo do trabalho formal para o informal sem, no entanto, resultar em uma explosão contra os de cima, as ideias parecem ter encontrado o seu lugar.[15] O povo do mercado está a salvo do povo do Estado, pois esses estão ocupados se mantando entre si. Aqui o papel dos sujeitos midiáticos é essencial no desenvolvimento do processo:
[…] uma boa mídia se encarregará – como é da natureza do veículo – de despolitizar a desigualdade, agora sim assustadora. Numa cidade convenientemente repartida entre bárbaros e civilizados, as divisões acabam se resumindo a oposições anódinas entre violência e convivência, solidariedade e egoísmo etc. Nesse caso, a ênfase dual dramatiza uma certa sensação difusa de crise, que propiciará então uma intervenção estratégica na gestão da cidade – no caso, uma gestão de tipo empresarial, destinada a substituir a imagem problema de uma cidade dualizada pela imagem competitiva de uma cidade reunificada em torno dos negócios da máquina urbana de crescimento.[16]
Em uma sociedade que se organiza em torno de bases tão pouco, se me permitirem a redundância, sociais o efeito é produção de um laço – de cunho eminentemente neoliberal – cuja base é a sua própria desintegração sistêmica, pois o que resta a estes sujeitos em dissolução é apenas “uma luta por reconhecimento, nem que seja por meio do confronto direto proporcionado por um motim, e não obviamente por transformação; numa palavra, integração ao invés de emancipação.”[17] O epifenômeno desse modelo de subjetivação neoliberal, portanto, é a perene necessidade que o modelo tem em produzir/obter consentimento para que a vida vivida assim seja considerada “normal” isto, na fórmula de Christophe Dejours, é o que podemos chamar de banalização da injustiça social, pois “o sofrimento aumenta porque os que trabalham vão perdendo gradualmente a esperança de que a condição que hoje lhes é dada possa amanhã melhorar.”[18] Os critérios de justiça disseminados pelo neoliberalismo (vistos ao longo desse texto) visam a dessolidarização dos sujeitos que, recolhidos ao circulo familiar e ao mínimo eu, não são mais capazes de enxergar o desemprego, a pobreza e a exclusão social como produtos da injustiça mas sim como efeitos de responsabilidade individual. Assim, o único afeto social genuíno no neoliberalismo como sociedade do risco é a indiferença a tudo que não tenha relação direta consigo já que:
[…] a atenuação das reações de indignação, de cólera e de mobilização coletiva para a ação em prol da solidariedade e da justiça, ao mesmo tempo em que se desenvolveriam reação de reserva, de hesitação e de perplexidade, inclusive de franca indiferença, bem como de tolerância coletiva à inação e de resignação à injustiça e ao sofrimento alheio.[19]
Essa tolerância ao sofrimento e ao mal não deve, no entanto, ser confundida com uma aprovação passiva ou simples calma. A constância da violência e do medo são a marca dessa sociedade fraturada já que ocorre “a rigor a negação da ideia mesmo de sociedade, que já não parece mais fazer sentido algum”[20]. A brasilianização do mundo é, portanto, emule da dualidade brasileira de nascença, como apontou Paulo Arantes, visto que “o capitalismo com lei e cidadania no núcleo orgânico está cada vez mais parecido com a nossa malandragem agora ultramoderna.”[21] Digno de nota, por isso mesmo, é a disseminação e interiorização desse espírito dual brasileiro no interior do Primeiro Mundo:
A alegada contaminação legitimadora da acumulação flexível pela fluidez da alternância brasileira de ordem e desordem, vanguarda produtiva e retaguarda social, veio de fato estilizar a convergência entre duas modernizações abortadas, ou consumadas, tanto faz, confluência entre desaburguesamento das elites globais e o “mundo sem culpa” plasmado na outrora promissora quase-anomia periférica. É que, neste meio tempo, os desclassificados da ordem colonial tornaram-se absolutamente modernos. […] Como nossa burguesia nunca se pautou, nem poderia, salvo por motivos suicidas, pelo austero ethos weberiano da cumulação, sua dualidade rebaixada – um pé no patrimonialismo local, outro nas trocas transatlânticas modernas – por assim dizer antecipara a desmoralização contemporânea das afinadas burguesias mundiais.[22]
A expansão e assimilação do modelo brasileiro, cuja cola é a precarização do trabalho, dos serviços públicos e dos próprios sujeitos (consumidos por um narcisismo penetrante), significa a naturalização da flexibilização das relações sociais; estas, contudo, apesar de toda a fluidificação, ainda obedecem a um padrão bastante verticalizado sem, no entanto, que a responsabilização pela situação caótica recaia aos que estão no topo; por isso a horizontalização do ódio flui sempre em direção aos iguais que, nas periferias, experimentam a exploração do trabalho, o roubo de seus poucos bens (pelo Estado e por criminosos) e os massacres (promovidos pelas forças do Estado ou de facções criminosas) como elementos do cotidiano. Nesse quesito, aponta Arantes, “continuamos portanto na vanguarda. Outra vez, um laboratório e tanto o famigerado desenvolvimento desigual e combinado de um capitalismo que parece continuar o mesmo.”[23] O produto de tal vanguarda é a sintaxe da frustração brasileira[24] que, condenada a dar certo, acaba por se condenar à própria morte, restando aos seus gestores organizar o ressentimento social – Lula em seu tempo e Bolsonaro mais recentemente lidaram com o mesmo tipo de ressentimento porém de formas diferentes. A democracia, sob tal ótica, não pode ser outra coisa que não odiada.
O ódio à democracia (neoliberal)
“Claro que há luta de classes, e é a minha classe, a dos ricos, que está lutando, e estamos vencendo”. (Warren Buffet)
O estado de sítio moral[25], na expressão de Paulo Arantes, confirma a viagem redonda do capitalismo de acesso; o autor define assim a ideia: “o princípio do acesso é o do controle, basicamente de quem entra e de quem sai, sua lógica é a da barreira e do nicho […] a ambição maior da nova economia é controlar o acesso à dimensão virtual da realidade, apropriar-se do futuro, em suma.”[26] Em uma palavra, o objetivo de tal viagem é o “retorno da Acumulação Primitiva.”[27] Com o retorno desta volta completa sobre o próprio eixo, voltam também todas as formas de relação social típicas do capitalismo em seus primeiros tempos mas agora sob vestes modernas. Wendy Brown afirma que:
[…] as agendas políticas liberais, as agendas econômicas neoliberais e as agendas culturais cosmopolitas geraram uma crescente experiência de abandono, traição e finalmente raiva por parte da classe trabalhadora e da classe média brancas do Primeiro Mundo e do Segundo.[28]
O diagnóstico da autora parte basicamente da perspectiva americana e europeia, mas vimos na seção anterior que está lógica obedece à brasilianização do mundo, ou seja, estamos na vanguarda da desintegração social. Não será coincidência, portanto, que desde a redemocratização tenhamos experimentando o confisco do ideal de democracia realmente democrática por uma democracia hayekiana, esta deve ser compreendida como “um projeto político moral que visa proteger as hierarquias tradicionais negando a própria ideia do social e restringindo radicalmente o alcance do poder político democrático nos Estados-nação.”[29] A democracia, argumenta Brown, só pode prevalecer onde os mercados não governam, pois a igualdade política, fundamento da democracia, se dilui no interior da lógica competitiva instituída pela “ordem espontânea” do mercado, por isso: “O capitalismo democratizado é também um oximoro […].”[30] E, continua a autora em sua análise, “[…] não é apenas a regulação e redistribuição sociais que são rejeitadas como interferência inapropriada nos mercados ou como assaltos à liberdade. A dependência da democracia em relação à igualdade política também é alijada.”[31] A virada neoliberal com relação ao Estado keynesiano deve ser entendida como construção discursiva da igualdade como uma forma “miragem da justiça social” (na fórmula de Hayek). Para que esse projeto seja efetivado a democracia de massas precisa ser substituída por uma democracia de empreendedores[32] (daí a democracia hayekiana), em cuja antessala não reside um nobre objetivo de igualdade entre os sujeitos como base da liberdade para todos, ao contrário, a liberdade de cada um é posta em primeiro plano tornando a desigualdade algo banal (na fórmula de Dejours):
[…] dentre as realizações neoliberais mais impressionantes estão o desmantelamento epistemológico, político, econômico e cultural da sociedade de massa em capital humano e unidades familiares econômico-morais, juntamente com o resgate tanto do indivíduo quanto da família no momento exato de sua aparente extinção. Desnaturalizadas até o seu núcleo, as versões neoliberais das unidades individuais e familiares podem acabar se mostrando mais fortes do que quaisquer iterações anteriores.[33]
O desaparecimento do laço social que privilegiava o bem comum foi, portanto, a aurora da razão de mundo neoliberal – e não foi obra do acaso. Seu nascimento significou a obnubilação de qualquer laço baseado na solidariedade em detrimento a sentimentos egoístas como forma de potencializar o “capital humano”, no senso comum, permeado por tais ideias, “o social é inimigo da liberdade”.[34] Essa ideia é expressa por Friedrich Hayek quando ele afirma que a “a liberdade utilizada apenas por um homem entre um milhão pode ser mais importante para a sociedade e mais benéfica para a maioria do que qualquer grau de liberdade que todos nós poderíamos desfrutar.”[35] Antes um sujeito livre, mas capaz de beneficiar a sociedade, do que uma multidão: “O importante não é o tipo de liberdade que eu próprio gostaria de exercer e sim o tipo de liberdade que alguém pode necessitar para beneficiar a sociedade. Só podemos assegurar essa liberdade a uma pessoa desconhecida se a conferirmos a todos.”[36] A prioridade para o austríaco seria, desse modo, “devolver ao mercado sua liberdade”[37] pois mais vale a liberdade de alguns para que o progresso ocorra do que de a de muitos que funcionarão como âncoras, em uma palavra: “um governo autoritário pode ser liberal, no plano econômico, assim como um governo democrático pode ser antiliberal.”[38] A ontologização dessa divisão entre ideal democrático e ideal liberal é essencial para o funcionamento dessa nova razão de mundo, não por acaso Hayek cita com aprovação um trecho de Ortega y Gasset em que o espanhol afirma: “Liberalismo e democracia são duas coisas que, se já de início não têm qualquer relação entre si, no tocante às tendências, têm significados antagônicos. Democracia e liberalismo são duas respostas a duas perguntas completamente diferentes”[39] É por conta de posições como essas que a democracia hayekiana se transforma em uma forma de desdemocratização:
O neoliberalismo, deste modo, visa limitar e conter o político, apartando-o da soberania, eliminando sua forma democrática e definhando suas energias democráticas. De suas aspirações e afirmação “pós-ideológicas” da tecnocracia até sua economicização e privatização das atividades governamentais, de sua oposição desenfreada ao “estatismo” igualitário até sua tentativa de deslegitimar e conter as reivindicações democráticas, de seu objetivo de restringir direitos até seu objetivo de limitar agudamente certos tipos de estatismo, o neoliberalismo busca tanto constringir quanto desdemocratizar o político.[40]
Em termos gerais, na fórmula de Jacques Rancière, a democracia passou de vitoriosa e celebrada à criminosa e odiada. Essa virada marca o zênite de um movimento iniciado no pós-guerra – o autor se refere à Europa sobretudo em que o welfare-state, construído em cima de muita luta por parte dos trabalhadores –, pois a partir dos anos 1970 a democracia foi carregada com contornos lúgubres e assim, argumenta o filósofo, a boa democracia deveria ser então uma forma de governo e de vida social capaz de controlar o duplo excesso de atividade coletiva ou de retração individual à vida democrática.”[41] O excesso de democracia significou desde então a ruína da própria democracia; daí porque o empreendimento hayekiano em destronar o social e o comum dos ideais que permeiam a constituição do regime já que “esse excesso significa a ruína do governo democrático e, portanto, deve ser reprimido por ele.”[42] Em suma, o que existiu desde então foi a divisão entre dois tipo de democracia, antitéticas por princípio de definição: uma delas parte do ideal de igualdade entre os sujeitos e a outra sobrepõe o direito individual ao bem comum, foi assim, como argumenta Rancière, que se realizou em um primeiro momento uma:
(…) redução da democracia a um estado de sociedade. Resta compreender o segundo momento do processo, o que fez da democracia assim definida não mais apenas um estado social que invadiu devidamente a esfera política, mas uma catástrofe antropológica, uma autodestruição da humanidade. […] a individualidade é uma coisa boa para as elites; torna-se um desastre para civilização se a ela todos têm acesso.[43]
A “catástrofe” que o neoliberalismo imputa ao ideal democrático explica, portanto, a sua necessária investida contra o conceito e contra a igualdade como elemento fundamental do espírito democrático. Explica também a indispensável despolitização da sociedade civil que, no neoliberalismo, enquanto agrupamento de indivíduos em busca de satisfação aos seus próprios interesses, não permite a constituição da solidariedade e estabelece uma divisão cada vez maior entre pobres e ricos.[44] A política, argumenta Rancière, seria o contrário disso, pois,
[…] começa precisamente onde se deixa de equilibrar lucros e perdas, e se cuida de repartir as partes do comum, de harmonizar segundo a proporção geométrica as partes da comunidade e os títulos para se obter essas partes, as axiai que dão direito à comunidade. Para que a comunidade política seja mais do que um contrato entre os que trocam bens ou serviços, é preciso que a igualdade que nela reina seja radicalmente segundo a qual as mercadorias se trocam e os danos se reparam.[45]
A divisão entre as classes marca, para o filósofo, a cisão da qual surgem os que não tem parte em nada. E essa é a aporia da política, pois a partilha do comum (o direito à fala e a não ter fome) aos que (ainda) não tem parte de nada se torna um escândalo porque pressupõe a existência de uma cena comum, esse fundamental horizontal da política ilustra a necessária despolitização promovida pelo neoliberalismo. É por isso mesmo que ela – a política – não pode vir-a-ser sem conflito, sem desentendimento:
A política não existe porque os homens, por meio do privilégio da fala, acordam seus interesses comuns. A política existe porque aqueles que não têm direito de ser contados como seres falantes conseguem ser contados, e instituem uma comunidade pelo fato de colocarem em comum o dano que nada mais é do que o próprio enfrentamento, contradição de dois mundos alojados num só: o mundo em que estão e aquele em que não estão, o mundo onde há algo “entre” eles e aqueles que não os conhecem como serem falantes e contáveis e o mundo onde não há nada.[46]
A força que mantém o silêncio é o que Rancière chama de polícia e ela é essencial para que a partilha do comum como ordem posta seja assimilada, pois coloca cada sujeito em sua tarefa.[47] O ordenamento que a polícia demanda é, portanto, contrário à desordem inerente à política. Esta última é múltipla em essência, enquanto que a polícia visa a uniformização dos corpos perante a Lei – uma só para todos, ricos e pobres –, aqui vemos porque o inconsciente neoliberal é essencial para a manutenção da ordem vigente, pois nada mais forte do que a Lei que dirige o sujeito. Por isso o neoliberalismo necessita da violência policial para implementar sua forma de subjetivação, a parte dos sem parte não pode cantar em coro seu descontentamento, o neoliberalismo precisa ser inconsciente já que objetiva impedir a uma subjetivação libertadora: “toda subjetivação é uma desidentificação, um arrancar à naturalidade de um lugar, a abertura de um espaço de sujeito onde qualquer um pode contar-se porque é o espaço de uma contagem dos incontados.”[48] Logo, “A democracia significa, nesse sentido, a impureza da política, a rejeição da pretensão dos governos de encarnar um princípio uno da vida pública e, com isso, circunscrever a compreensão e a extensão dessa vida pública.”[49] A democracia, para o filósofo francês, é, desse modo, o próprio espaço de indeterminação do povo. O apagamento do povo, ou seja, a emergência da sociedade de indivíduos significa, em resumo, o desaparecimento da própria democracia. O que evidencia o oximoro que é a democracia hayekiana já que ela é o momento em que: “A política deixa de existir ali onde não tem mais lugar essa distância, onde o todo da comunidade é reduzido sem resto à soma de suas ‘partes’.”[50]
É sob essa complexa articulação que a democracia se insurge contra ela mesma, pois a despovoação do “regime do povo”, confiscado semanticamente por ideologias que ainda usam seu nome (apesar de Hayek propor até mesmo o seu abandono, preferindo o termo demarquia, como vimos), provoca o desinteresse com relação à ação política. Em uma palavra, a democracia hayekiana, no momento que faz surgir o último homem, significa a morte da política. Nestes termos, o último homem, louvado por Fukuyama, é apenas uma (falsa) mônada pois a sua independência é mera ilusão na medida em que: “A conquista e a expansão dos direitos de cada um não pararam de alimentar a alienação de todos.”[51] Daí, como apontar Marcel Gauchet, a aporia constitutiva dessa democracia hodierda:
Contradição constitutiva das democracias modernas: nada de cidadão livre e participante, sem um poder separado, concentrando nele o universal social. O apelo à vontade de todos, mas secessão radical do ponto de execução onde ela se aplica. O mecanismo que fundamenta, legitima e apela à expressão dos indivíduos é o mesmo, rigorosamente, desde o início, que leva ao reforço e ao destacamento da instância política.[52]
A antinomia de uma democracia individualista é, como aponta Gauchet, a baixa autonomia do sujeito diante de situações que lhe aparecem ao longo do percurso de via, pois “obrigado” a exercer os seus direitos ele é dirigido[53] por caminhos que não escolhe (nem pode criticar, lembremos: o realismo capitalista é imbatível). Assim, no momento em que a democracia como ideologia triunfa, o neoliberalismo como inconsciente político a destrói por dentro, uma vez que “a democracia é esse regime que corre o risco de abrir a porta as demagogos”[54] que alardeiam os benefícios do mercado (aqui devidamente correlacionado à força de seu elemento catacrético) e seu Estado mínimo: “O indivíduo liberal, em direito de ignorar sua inscrição coletiva, é um produto do avanço da instância política, que faz o trabalho para ele. É nesses termos e nessa base que faz sentido falar de um triunfo cultural do modelo do mercado em nossas sociedades.”[55] Ora, o que o capitalismo em sua faceta neoliberal faz, portanto, é produzir a vitória de uma heteronomia travestida de autonomia. A Lei do mercado é assumida como a subjetividade dos sujeitos, agora em sua atividade empresarial. A tirania dos indivíduos é típica do liberalismo do século XIX, como aponta Tzvetan Todorov:
O pensamento liberal introduz aqui um novo elemento, que não é um poder, mas um ser a proteger e um valor a prezar. A moderação do regime político, isto é, do pluralismo e a limitação recíproca dos poderes, é apenas um meio que deve conduzir a este fim último – a proteção do indivíduo. A partir desse momento, o indivíduo já não é pensado na ótica liberal como o elemento de um conjunto – a sociedade –, mas como uma entidade autônoma, cuja vida social não é senão uma circunstância entre outra.[56]
O ultraindividualismo instituído pelo neoliberalismo é, desse modo, mais uma volta no parafuso da sociedade capitalista que desfaz o laço social baseado na partilha do comum a partir de seu próprio interior qualificando todo movimento social e coletivo como totalitário.[57] Assim, não foi coincidência que quarenta anos de “racionalidade neoliberal” tenham resultado “em uma cultura política profundamente antidemocrática. […] a democracia é explicitamente demonizada e ao mesmo tempo despida de proteções contra suas piores tendência.”[58] A instrumentalização da liberdade individual, contra a tirania dos controles, gera, por consequência, um déficit político que, por óbvio não é acidental, mas um projeto indispensável a essa nova razão de mundo:
O lado economicizante do neoliberalismo adicionou força e acelerou o niilismo de nossa era. Primeiro ao não deixar nada intocado pelo empreendedorismo e pela monetização; depois com a financeirização, ao submeter todos os aspectos da existência humana a cálculo de investimento sobre seu valor futuro. Conforme nos tornamos capital humano de cima a baixo, e também em nosso íntimo, o neoliberalismo torna a venda da alma algo cotidiano, e não um escândalo. […] O niilismo também se faz valer no projeto de valores morais na neoliberalização na medida em que dessublima a vontade de potência em moralidade.[59]
A dessublimação repressiva envolvida no processo de ontologização neoliberal libera, nestes termos, os indivíduos da “obrigação social” de pensar em conjunto o bem comum e ainda por cima institui violentamente como cena fantasmática a competição de todos contra todos como o elemento central do laço social. Aí está a armadilha neoliberal, pois, uma vez que a competição entre indivíduos é ontologizada de modo a se tornar um inconsciente neoliberal, a política como espaço democrático perde o seu sentido. Aqui o ponto principal, a da hipótese da brasilianização do mundo, “O Brasil é, acima de tudo, uma forma de violência”[60], como enfatiza Saflatle, que eficazmente desaparece com os que não se adequam ao que se passa na primeira cena (a da acumulação rentista) ou os precariza até que sejam “esquecidos” pela ordem. Daí porque a dualidade brasileira, que “impregna a vida mental numa nação periférica”[61], e que está na origem da própria experiência brasileira, como afirma Paulo Arantes, esteja se tornando a razão de mundo das nações centrais. Isto é, a integração via globalização, que baseia a acumulação capitalista e gera a apatia social (visível sobretudo na baixa adesão democrática e até mesmo um ódio a esta), no Brasil é fundamentada em um moderno complexo de valorização econômica (principalmente na sua faceta agro-exportadora que vem desde os tempos da colônia) que formam a base da experiência social brasileira, acabou por se tornar dialeticamente, de um movimento que se estende da periferia ao centro, o modelo e razão do mundo contemporâneo.
Notas
[1] ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula). Campinas-SP: Autores Associados, 2004. p. 91.
[2] HARVEY, David Neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2015. p. 23.
[3] HARVEY, Neoliberalismo…, 2015, Op. Cit. p. 25.
[4] HARVEY, Neoliberalismo…, 2015, Op. Cit. p. 27.
[5] PRUNES, Cândido Mendes (Org.). Hayek no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2006. p. 250.
[6] KLEIN, Naomi. A doutrina do choque: a ascenção do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
Milton Friendman é o principal autor citado pela autora, mas vale notar o que fala Hayek a respeito da radicalidade de Friedman quando perguntado a respeito do americano: “Minha discordância com Friedman me faz tomar um ponto de vista ainda mais radical dos que o seguem ou a maioria dos seus amigos. […] Eu acredito que ninguém duvida hoje que a inflação deve ser contida. A questão é a velocidade com que isso pode e deve ser feito.” Se a doutrina do choque que Friedman receita já é radical, Hayek propõe ainda mais radicalidade. E a esquerda, nessa loucura, virou legalista…
[7] ANTUNES, A desertificação…, 2004, Op. Cit. p. 91-92.
Em relação ao governo do governo endividado ver o já citado Tempo comprado de Wolfang Streeck.
[8] PAULANI, Leda. Brasil Delivery, a servidão financeira e estado de emergência econômico. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 16.
[9] PAULANI, Brasil…, 2008, Op. Cit. p. 40.
[10] PAULANI, Brasil…, 2008, Op. Cit. p. 135.
[11] ARANTES, Paulo. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad Editora, 2004. p. 25.
[12] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 31.
[13] Apud ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 31.
[14] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 31.
[15] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 39.
[16] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 45.
[17] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 53. (grifos do autor)
[18] DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. p. 17.
[19] DEJOURS, A banalização…, 2007, Op. Cit. p. 23.
[20] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 56.
[21] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 67.
[22] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 66,69.
[23] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 77.
[24] ARANTES, Zero…, 2004, Op. Cit. p. 26-ss.
[25] ARANTES, Paulo. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007. p.161.
[26] ARANTES, Extinção…, 2007, Op. Cit. 168.
[27] ARANTES, Extinção…, 2007, Op. Cit. 177.
[28] BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Editora Politeia, 2019. p. 13.
[29] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 23.
[30] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 36.
[31] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 39.
[32] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 50.
[33] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 51.
[34] HAEYK, Os fundamentos…, 1983, Op. Cit. p. 31.
[35] HAEYK, Os fundamentos da liberdade. São Paulo: Visão, 1983. p. 30.
[36] HAEYK, Os fundamentos…, 1983, Op. Cit. p. 31.
[37] PRUNES, Hayek…, 2006, Op. Cit, p. 268.
[38] PRUNES, Hayek…, 2006, Op. Cit, p. 284.
[39] ORTEGA Y GASSET Apud HAEYK, Os fundamentos…, 1983, Op. Cit. p. 112.
[40] BROWN, Nas ruínas…, 2019, Op. Cit. p. 71.
[41] RANCIÈRE, O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 17.
[42] RANCIÈRE, O ódio…, 2014, Op. Cit. p. 17.
[43] RANCIÈRE, O ódio…, 2014, Op. Cit. p. 36,42.
[44] Este é o argumento de Thomas Piketty em seu O capital no século XXI, ali o autor afirma: “A evolução geral não deixa dúvida alguma: além das bolhas, estamos assistindo à volta triunfal do capilismo privado nos países ricos desde os anos 1970, ou, mais do que isso, ao ressurgimento de um novo capitalismo patrimonial. […] a volta da riqueza privada reflete, em parte, um movimento de privatização da riqueza nacional. Por certo, a alta do capital privado foi, em todos os países, superior à queda do capital público, de que modo que o capital nacional – medido em anos de renda nacional – se expandiu consideravelmente. Contudo, ele se expandiu com menos vigor do que o capital privado, levando em conta o movimento de privatização.” PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. p. 171, 182.
Deve estar claro ao leitor que este movimento de privatização da riqueza não é apenas um mero refluxo do capital a um estado anterior de acumulação de riqueza. Na realidade é um projeto, uma razão de mundo, organizado e planejado por economistas de cunho neoliberal que fora instituída no mundo a partir de 1973.
[45] RACIÈRE, O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editoria 34, 2018. p. 19-20.
[46] RACIÈRE, O desentendimento…, 2018, Op. Cit. p. 40-41.
[47] RACIÈRE, O desentendimento…, 2018, Op. Cit. p. 43.
[48] RACIÈRE, O desentendimento…, 2018, Op. Cit. p. 50.
[49] RANCIÈRE, O ódio…, 2014, Op. Cit. p. 81.
[50] RACIÈRE, O desentendimento…, 2018, Op. Cit. p. 135.
[51] GAUCHET, A democracia contra ela mesma. São Paulo: Radical Livros, 2009. p. 48.
[52] GAUCHET, A democracia…, 2009, Op. Cit. p. 49.
[53] Não foi objetivo de análise deste texto, no entanto, o assunto não pode escapar ao escopo geral dele: o papel fundamental que as chamadas big techs e as tecnologias conectas 24/7 exercem hoje na construção da experiência que fazemos da realidade cotidiana no tempo presente. Se no recorte aqui empreendido o sujeito midiático Veja desempenhou papel importante hoje são as redes sociais ditam o tom. “O problema das redes” é ainda maior, pois, como afirma Luiz A. Kosteczka: “[…] os dispositivos e aparelhos estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano, sendo evidente que as plataformas (YouTube, Twitter, Facebook, Wikipedia, etc.) se realizam como lugares de promoção de ideias, muitas das quais abertas ao trabalho de intervenção de profissionais disciplinados pelos rigores das universidades.” (p.646.) A extrema conectividade do cotidiano implica, portanto, em um aprofundamento do “capitalismo de vigilância” no qual a captação de dados, informações, gostos e preferências, por meio dos apps das empresas de tecnologia, promove: “O jogo de expansão e contração entre a realidade e a virtualidade, no interior de aparelhos, cada vez mais complexos, desestabiliza ainda mais os sistemas de significados de uma modernidade em crise de seus pressupostos constitutivos. Somos provocados a refletir a respeito de um espaço de fronteiras indefinidas entre aquilo que se reconhece como virtual e real.” (p.650.) O efeito de tal invasão é: “[…] as metáforas como ‘nuvens, ‘sociedades em rede’ e ‘conectividade’ não funcionam como estratégias tropológicas para escamotear a materialidade dos processos ‘ditos’ virtuais. Elas também podem servir para ofuscar a globalização das informações como um novo registro de desigualdade geopolítica e econômica. As estatísticas a respeito do tráfego de dados e do posicionamento de empresas dedicadas a essas atividades corrobora com a hipótese de que os países centrais continuam a exercer força de dominação sobre as periferias do mundo.” (p. 656.). Em suma, na era do capitalismo de vigilância a invasão do cotidiano e a colonização do inconsciente é smart.
Ver mais em: KOSTECZKA, Luiz Alexandre. História Digital na era das Big Techs. In: AEDOS, Porto Alegre, v. 12, março de 2021.
[54] GAUCHET, A democracia…, 2009, Op. Cit. p. 213.
[55] GAUCHET, A democracia…, 2009, Op. Cit. p. 245.
[56] TODOROV, Os inimigos íntimos da democracia. São Paulo: Cia. Das Letras, 2014. p. 90-91.
[57] HAYEK, O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010; BROWN, Nas ruinas…, 2019, Op. Cit. p. 75-ss.
[58] BROWN, Nas ruinas…, 2019, Op. Cit. p. 105-06.
[59] BROWN, Nas ruinas…, 2019, Op. Cit. p. 200-01.
[60] SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017. p. 60.
[61] ARANTES, O sentimento da dialética. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 14.