Decadência ideológica e desunião entre os social-democratas

Por Vladímir Ilitch Lênin, via marxists.org, traduzido por Pedro Furtado

Esse documento é o começo de um artigo escrito por Lênin em Paris, no final de novembro (começo de dezembro) de 1909. A última parte do artigo não foi conservada. O artigo foi escrito para o número 50 do jornal Proletárii, porém foi publicado apenas muitos anos depois da revolução soviética, em 1933.

A luta contra o otzovismo [1] e o liquidacionismo, que naturalmente ocupou o primeiro lugar nas tarefas dos elementos realmente marxistas e social-democratas de nosso Partido, não deve, no entanto, ocultar-nos um mal mais profundo que, em essência, deu origem ao otzovismo e ao liquidacionismo e que, de acordo com todas as evidências, originará uma série de novos absurdos táticos. Esse mal é a decadência ideológica e desunião, que se apoderaram totalmente do liberalismo e estão adentrando, por todos os lados, em nosso Partido.

O que se segue é um dos inúmeros exemplos que ilustram essa desunião. Um camarada que trabalhou longo tempo no Partido – um velho iskrista e velho bolchevique – foi impedido, devido a prisão e ao exílio, de participar do movimento por muito tempo, quase desde o começo de 1906. Recentemente ele retornou ao trabalho e conheceu o otzovismo-ultimatismo rechaçou-o com insatisfação e indignação, como uma escandalosa corrupção da tática revolucionaria social-democrata. Ao tomar conhecimento do estado de trabalho em Odessa e São Petersburgo, este camarada, entre outras coisas, chegou, a partir de suas observações, à seguinte conclusão ou “resultado provisório”: “Me parece que os tempos mais difíceis passaram e resta a tarefa de liquidar os remanescentes do período de ruptura e desintegração”. Acontece, porém, que não há poucos destes remanescentes.

“Em todo o trabalho em São Petersburgo”, lê-se na mesma carta, “sente-se a ausência de um único centro de direção, observa-se indisciplina, falta de ordem, ausência de conexão entre as diferentes partes, falta de unidade e método no trabalho. Cada um trabalha por sua conta e risco. As tendências otzovistas são fortes na organização ilegal, contaminam até aos anti-otzovistas…” (obviamente isso se refere aqueles bolcheviques que, apesar da insistência enfática e repetida do Proletariii, não romperam com os otzovistas, não travam contra eles uma luta implacável, mas sim realizam tentativas de conciliação e, assim, atrasam inutilmente o desfecho inevitável, sem ganhar com isso que os otzovistas-ultimatistas renunciem a suas táticas estúpidas.) “…Com base nisso, desenvolve-se um fenômeno característico que também se manifestou de forma independente em Odessa: a inação revolucionária. Onde quer que o espírito do otzovismo prevaleça é bastante evidente que as organizações ilegais não estão fazendo nada. Um ou dois círculos propagandistas, uma luta contra as oportunidades legais, essa é toda a atividade. Consiste principalmente em atividades de natureza desorganizadora, como você pode ver no extenso material que mandei a partir de Odessa…” (utilizado no artigo: [2]). “No que tange às possibilidades legais, sua atuação carece de uma linha social-democrata consistente. No meio da escuridão da reação os oportunistas dentro do movimento social-democrata ergueram suas cabeças e ‘se atrevem’, sabendo que isso agora não oferece perigo, a atentar contra os princípios fundamentais da social-democracia. Encontra-se aqui uma revisão tão completa da social-democracia revolucionária, de seus programas e táticas, que, em comparação com ela, o revisionismo de Bernstein [3] parece brincadeira de criança. O POSDR não compreende Marx, realizara uma análise incorreta das tendências do desenvolvimento econômico russo, nunca houve um sistema feudal na Rússia, mas sim um sistema feudal-comercial; não havia e não há nenhuma contradição entre os interesses da burguesia e os da nobreza fundiária, tampouco há uma aliança entre elas, pois essas duas classes inventadas pela social-democracia russa formam uma única classe burguesa (isso é um traço particular da Rússia) e a autocracia é a organização dessa classe. A debilidade da burguesia russa, na qual estão baseadas (??) as palavras de ordem da ‘ditadura do proletariado e do campesinato’ é uma invenção, portanto essas palavras de ordem foram e seguem sendo utópicas. Devem ser descartadas juntamente com a república democrática, pois o trem russo há muito fora para as linhas alemães.”… [4]

Está claro que temos diante de nós uma fotografia instantânea de um dos córregos da vasta torrente de confusão ideológica que dá origem ao otzovismo e ao liquidacionismo, e que às vezes fantasticamente mistura e aproxima as premissas da imbecilidade de extrema direita e de extrema “esquerda”. A primeira metade dessas premissas (a ausência de contradição entre a burguesia e a propriedade feudal da terra, etc) é tão ilógica e absurda que é difícil até de levá-la a sério. Não vale a pena chorar… [5]


Notas:

[1] Da palavra russa otozvat = “revogar”. Os otzovistas exigiam que os deputados social-democratas da III Duma fossem destituídos e que o trabalho nas organizações legais (inclusive sindicatos) fosse interrompido. Os ultimatistas, na mesma toada, defendiam um ultimato do Partido a esses deputados, que deveriam ser expulsos caso não renunciassem a seus assentos na Duma.

[2] No manuscrito deixou-se aqui um espaço em branco para o título do artigo.

[3] Eduard Bernstein era um teórico revisionista e reformista e foi o líder da ala oportunista da Social-Democracia alemã e da Segunda Internacional.

[4] A carta de um “Velho Iskristas e Velho Bolchevique” citada por Lênin foi publicada sob a assinatura “Tr” no n. 50 do jornal Proletárii de 28 de novembro (11 de dezembro) de 1909 (“Cartas de São Petersburgo. III Carta”).

[5] O manuscrito é interrompido aqui.

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