Por Vladímir Ilitch Lênin, via marxists.org, traduzido por Pedro Furtado
Algumas edições do Bandeira Vermelha de Berlim e do O chamado (Der Weckruf) [1] de Viena, órgão do Partido Comunista da Áustria alemã, que chegaram a Moscou, mostraram que os traidores do socialismo – aqueles que apoiaram a guerra dos imperialistas predatórios – Scheidemanns e Kautskys, Austerlitzes e Renners [2], estão recebendo a rejeição que merecem daqueles representantes genuínos dos trabalhadores revolucionários da Alemanha e Áustria. Saudamos calorosamente ambos os jornais, que sintetizam a vitalidade e o crescimento da Terceira Internacional.
Aparentemente a principal questão da revolução na Alemanha e na Áustria agora é: assembleia constituinte ou governo soviético? Os porta-vozes da falida Segunda Internacional, de Scheidemann até Kautsky, defendem a primeira opção e descrevem sua posição como a defesa da “democracia” (Kautsky chegou ao ponto de chamá-la “democracia pura”) em distinção a ditadura. No folheto A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, que acaba de ser publicado em Moscou e Petrogrado, examino detalhadamente as opiniões de Kautsky. Tentarei resumir brevemente o ponto central do assunto, que se tornou a questão do dia para todos os países capitalistas avançados.
Scheidemanns e Kautskys falam sobre “democracia pura” e “democracia” em geral com o propósito de enganar o povo e esconder dele o caráter burguês da democracia atual. Que a burguesia mantenha todo o aparato estatal em suas mãos, que um punhado de exploradores continuem a usar a antiga máquina de Estado burguesa! As eleições realizadas em tais circunstâncias são louvadas pela burguesia, por muito boas razões, como sendo “livres”, “iguais”, “democráticas” e “universais”. Essas palavras são usadas para esconder a verdade, esconder o fato que os meios de produção e o poder político continuam nas mãos dos exploradores e que, portanto, a liberdade real e a igualdade real para os explorados, isto é, para a grande maioria da população, não existe. É lucrativo e indispensável para a burguesia ocultar do povo o caráter burguês da democracia moderna, pintá-la como uma democracia em geral ou uma “democracia pura”, os Scheidemanns e Kautskys, repetindo isso, na prática, abandonam o ponto de vista do proletariado e se aliam à burguesia.
Marx e Engels em seu último prefácio conjunto do Manifesto Comunista (em 1872) [3] consideraram necessário advertir especificamente os trabalhadores que o proletariado não pode simplesmente se apoderar da máquina do estado pronta (isto é, burguesa) e manejá-la para seu próprio propósito, mas que devem esmagá-la, destruí-la. O renegado Kautsky, que escreveu um folheto especial intitulado A Ditadura do Proletariado, escondeu dos trabalhadores esta verdade marxista mais importante, distorceu totalmente o marxismo, e, obviamente, o elogio que Scheidemann e cia. derramaram sobre o folheto foi totalmente merecido como o elogio de agentes da burguesia para alguém que mudou para o seu lado.
É pura zombaria do povo trabalhador e explorado falar de democracia pura, de democracia em geral, de igualdade, liberdade e direitos universais quando os trabalhadores e toda a classe operária estão mal alimentados, malvestidos, arruinados e desgastados, não apenas como resultado da escravidão assalariada capitalista, mas como consequência de quatro anos de guerra predatória, enquanto os capitalistas e aproveitadores permanecem na posse da “propriedade” por eles usurpada e do aparato “pronto” do poder estatal. Isso equivale a atropelar as verdades básicas do marxismo que ensinou aos trabalhadores que você deve aproveitar a democracia burguesa que, comparada com o feudalismo, representa um grande avanço histórico, mas nem por um minuto deve-se esquecer o caráter burguês dessa “democracia”, seu caráter histórico e condicional. Nunca compartilhem da “crença supersticiosa” no “Estado” e nunca esqueça que o Estado até mesmo na república mais democrática, e não só na monarquia, é simplesmente uma máquina para a supressão de uma classe pela outra.
A burguesia é obrigada a ser hipócrita e descrever como “governo popular”, democracia em geral ou democracia pura, a república democrática (burguesa) que é, na prática, a ditadura da burguesia, a ditadura dos exploradores sobre a classe trabalhadora. Os Scheidemanns e Kautskys, os Austerlitzes e Renners (e agora, para nosso pesar, com a ajuda de Friedrich Adler) se alinham com essa falsidade e hipocrisia. Mas os marxistas, comunistas, expõem essa hipocrisia, e dizem aos operários e trabalhadores em geral esta verdade franca e direta: a república democrática, a assembleia constituinte, eleições gerais, etc. são, na prática, a ditadura da burguesia, e para a emancipação do trabalho do julgo do capital não há outra maneira senão substituir essa ditadura pela ditadura do proletariado.
Apenas a ditadura do proletariado pode emancipar a humanidade da opressão do capital, das mentiras, falsidade e hipocrisia da democracia burguesa – democracia para os ricos – e estabelecer a democracia para os pobres, isto é, tornar as bençãos da democracia realmente acessíveis para os trabalhadores e camponeses pobres, enquanto agora (até na mais democrática república burguesa) as bençãos da democracia são, de fato, inacessíveis para a vasta maioria dos trabalhadores.
Pegue, por exemplo, a liberdade de reunião e a liberdade de imprensa. Os Scheidemanns e Kautskys, os Austerlitzes e Renners asseguram para os trabalhadores que as presentes eleições para a Assembleia Constituinte na Alemanha e na Áustria são “democráticas”. Isso é mentira. Na prática os capitalistas, os exploradores, os latifundiários e aproveitadores possuem 9/10 dos melhores salões de reuniões, 9/10 das reservas de papel, das prensas de impressão, etc. Os trabalhadores urbanos, camponeses e os trabalhadores que fazem diária são, na prática, excluídos da democracia pelo “sagrado direito de propriedade” (guardado por Kautskys e Renners, e agora, para nosso pesar, também por Friedrich Adler) e pelo aparato do Estado burguês, isto é, oficiais burgueses, juízes burgueses, e assim por diante. A presente “liberdade de reunião e imprensa” na democrática (burguesa) república alemã é falsa e hipócrita, porque de fato é a liberdade para os ricos comprarem e subornarem a imprensa, liberdade para os ricos confundirem o povo com as mentiras venenosas da imprensa burguesa, liberdade para os ricos manterem como sua “propriedade” as mansões dos latifundiários, os melhores prédios, etc. A ditadura do proletariado vai tirar dos capitalistas e entregar para a classe trabalhadora as mansões dos latifundiários, os melhores prédios, as prensas de impressão e as reservas de papel.
Mas isso significa substituir democracia “pura”, “universal”, por “ditadura de uma classe”, gritam os Scheidemanns e Kautskys, os Austerlitzes e Renners (juntamente com seus seguidores em outros países – os Gomperses, Hendersons, Renaudels, Vandervelde e companhia).
Errado, nós respondemos. Isso significa substituir o que, de fato, é a ditadura da burguesia (uma ditadura hipocritamente disfarçada na forma da república democrática burguesa) pela ditadura do proletariado. Isso significa substituir a democracia para o rico pela democracia para o pobre. Isso significa substituir liberdade de reunião e imprensa para a minoria, para os exploradores, por liberdade de reunião e imprensa para a maioria da população, para a classe trabalhadora. Isso significa uma gigante e histórica extensão da democracia, sua transformação de falsidade para verdade, a libertação da humanidade das algemas do capital que distorce e trunca qualquer democracia burguesa, mesmo a mais “democrática” e republicana. Isso significa substituir o Estado burguês pelo Estado proletário, uma substituição que é a única maneira pela qual o Estado pode desaparecer completamente.
Mas por que não alcançar esse objetivo sem a ditadura de uma classe? Por que não mudar diretamente para a democracia “pura”? Assim perguntam os amigos hipócritas da burguesia ou os ingênuos pequeno-burgueses e filisteus, enganados por ela.
E nós respondemos: porque em qualquer sociedade capitalista os poderosos mentem tanto para a burguesia, quanto para o proletariado, enquanto os pequenos proprietários, inevitavelmente, permanecem vacilantes, impotentes, estúpidos sonhadores da democracia “pura”, isto é, fora da classe ou acima da classe. Porque só o proletariado é capaz de derrotar a burguesia, de derrubá-la, sendo a única classe que o capitalismo uniu e “ensinou”, e que é capaz de atrair a seu lado a massa vacilante dos trabalhadores com um estilo de vida pequeno-burguês, de atraí-los para o seu lado ou pelo menos “neutralizá-los”. Porque só pequeno-burgueses e filisteus desbocados podem sonhar – enganando assim a si mesmos e aos trabalhadores – em derrubar a opressão capitalista sem um longo e difícil processo de suprimir a resistência dos exploradores. Na Alemanha e na Áustria esta resistência ainda não é muito pronunciada porque a expropriação dos expropriadores ainda não começou. Mas assim que a expropriação começar, a resistência será feroz e desesperada. Ao esconder isso de si mesmos e dos trabalhadores, os Scheidemanns e Kautskys, os Austerlitzes e Renners traem os interesses do proletariado, no momento mais decisivo da luta de classes e da derrubada do jugo da burguesia tentam convencer o proletariado a chegar a um acordo com a burguesia, alcançando a “paz social” ou a reconciliação entre explorados e exploradores.
Revoluções são a locomotiva da história, disse Marx. Revoluções ensinam rápido. Os trabalhadores urbanos e camponeses na Alemanha e Áustria perceberão rapidamente a traição à causa do socialismo pelos Scheidemanns e Kautskys, os Austerlitzes e Renners. O proletariado rejeitará esses “traidores sociais” – socialistas na teoria e traidores do socialismo na prática – como fizeram na Rússia com o mesmo tipo de pequenos burgueses e filisteus – os mencheviques e os “socialistas revolucionários”. Quanto mais completa for a dominação dos “lideres” mencionado, mais rápido o proletariado verá que apenas a substituição do estado burguês, seja ele a mais democrática república burguesa, por um estado do tipo da Comuna de Paris (sobre o qual tanto foi dito por Marx, que foi distorcido e traído pelos Scheidemanns e Kautskys) ou por um estado do tipo soviético, pode abrir o caminho para o socialismo. A ditadura do proletariado livrará a humanidade da opressão capitalista e da guerra.
Moscou, 23 de dezembro de 1918
Notas:
[1] Em alemão, “o chamado para despertar”.
[2] Todos os quais eram social-democratas de direita que apoiaram ou aderiram aos governos burgueses de união nacional durante a guerra.
[3] O último prefácio conjunto do Manifesto Comunista foi escrito por Marx e Engels na edição russa de 1882.