Por Mariana Moreira
Eduardo Galeano (1940-2015), autor conhecido pelo livro “As Veias Abertas da América Latina”, escreveu também outros textos em vida, como “A Defesa da Palavra”, “Dez erros sobre literatura e cultura na América Latina” e “Notas para um autorretrato”. Estes textos estão no livro “A Descoberta da América Latina (Que Ainda Não Houve)”,organizado pela Editora da Universidade (UFRGS). Segue uma análise.
A Defesa da Palavra
Em “A Defesa da Palavra”, Eduardo Galeano pensa a profissão de escritor. Afirma que a literatura transforma os indivíduos e é justamente com esta intenção que o escritor engajado escreve. O autor se posiciona em favor das massas:
“Não nascemos na lua. Não moramos no céu. Temos a alegria e o azar de ter nascido em uma região atormentada do mundo, a América Latina, e de viver em um tempo histórico que nos golpeia com força. As contradições de classe são mais ferozes aqui que nos países ricos. (p.7)
Esta passagem mostra a razão pela qual Galeano toma partido em favor das massas: na América Latina, a vida do povo não é fácil e as contradições de classe são piores que nos países desenvolvidos.
O uruguaio afirma que há dois tipos de censura nos países latinos. A censura direta (passado de proibição de jornais, assassinato de jornalistas,etc) é explicada, divulgada; a censura indireta, ao contrário, não é assunto de debate público e consiste no seguinte: falta de dinheiro para compra de livros por parte dos mais pobres, pois custam caro. Além disso, existe a questão do analfabetismo, sendo grande parte dos brasileiros iletrada. Assim, para quem os escritores latinos realmente escrevem? A verdade é que eles o fazem para uma minoria, o que confirma a desigualdade social.
Então, a escrita tem sentido?, se pergunta o intelectual. Para ele, a literatura influencia os leitores, mesmo que sejam poucos. Não muda a realidade sozinha, mas mostra o caminho rumo a justiça e capacita os indivíduos para mudarem o mundo.
10 Erros ou Mentiras sobre Literatura e Cultura na América Latina
Trata-se de um texto longo (21 páginas que devem ser lidas com atenção) e, por isso, concentro-me em três erros ou mentiras. Ressalto que os leitores necessitam fazer a leitura completa.
Um erro apresentado por Galeano: “escritor é aquele que escreve livros”. Esta ideia é tipicamente burguesa. Por “literatura”, não se pode compreender unicamente livros, apesar do valor literário. Música, poesia e artigos também podem ser considerados “literatura”, que torna possível o diálogo com a sociedade.
Outro erro (ou mentira): “Não se pode falar de cultura latino-americana, posto que a América Latina não passa de uma realidade geográfica”. “E no entanto, se move…” (p.32)
No passado, pessoas se misturaram. Todos os países latinos possuem passado de colonização e presente de exploração. Mesmo com particularidades, os latinos têm pontos em comum: subdesenvolvimento, alto desemprego, mídia nociva, exploração feita por empresas estrangeiras etc.
Último erro tratado aqui: “ a literatura pode interpretar a realidade, mas é incapaz de transformá-la”. A literatura, ao interpretar a realidade, ajuda a conhece-la. Isto inclui tanto a literatura não ficcional como a de ficção (muitas vezes melhor que a não ficcional).
Os escritores engajados têm compromisso com a denúncia das injustiças e desigualdades de uma realidade perversa. Quando conseguem usar a palavra com talento, provocam a reflexão e incentivam mudanças, construindo agentes de transformação.
Anotações para um autorretrato
Neste texto de cinco páginas, Galeano fala sobre si mesmo. Não de maneira enfadonha, mas com inteligência.
O autor conta que, quando jovem, trabalhou em escritório e fábricas. Desde sempre socialista, fez caricaturas políticas e jornalismo escrito. Aos 20 anos, publicou um mau romance.
Define a si mesmo como um homem latino-americano, apesar da descendência estrangeira.
“Tetravós da Grã-Bretanha, Itália, Espanha e Alemanha; cara de cônsul sueco em Honduras. E, no entanto, desde sempre soube que sou latino-americano, como as pedras de MachuPichu ou o mais humilde pedregulho de meu país”. (p.44)
Ele também se define como um escritor com obsessão da memória da América Latina. Na escola, pouco aprendeu sobre história, pois a matéria lhe foi ensinada tradicionalmente. Só mais tarde obteve aprendizado real, através da literatura: “Descobri o passado lendo romances de Carpentier e poemas de Neruda”. (p.44).
O seu aprendizado em história o estimulou a escrever “As Veias Abertas” e a se tornar um escritor que revela a realidade latino-americana, conscientizando e buscando tirar os leitores da passividade.
Conclusão
Curto em tamanho, de linguagem fácil e rico em conteúdo, “A Descoberta da América Latina (Que Ainda Não Houve)” é um livro que vale a pena ler.
Eduardo Galeano mostra o livro e a literatura como ferramentas do escritor comprometido com a transformação da dura realidade latino-americana (exploração, analfabetismo, fome, falta de emprego,etc), apesar das dificuldades (domínio estrangeiro, monopólio midiático,etc). O autor permite também que o leitor se aproxime dele, por intermédio das informações contidas em “Anotações para um auto retrato”, que complementam as informações bibliográficas disponíveis na internet.
Esta obra, indispensável para o desenvolvimento do pensamento crítico, pode ser encontrado na biblioteca do CCBB, centro do RJ. Ou na Estante Virtual.