Notas sobre os Comunistas e as organizações de massas

Por Tomás Mendes

Num contexto em que comunistas por todo o mundo se devem dedicar à reconstrução do Partido Comunista, no qual a participação e criação de organizações de massas é essencial neste processo, procurei reunir algumas aprendizagens passadas e, proporcionando-lhes uma interpretação, extrair algumas conclusões.

1 – Como é a organização dos operários?

Em “Que Fazer?” Lenin dedica um subcapítulo a fazer a distinção entre “a Organização dos Operários e a Organização dos Revolucionários”.

Lenin ressalva que estas organizações devem ter 3 características: aplicável a sindicatos, devem ser profissionais; devem ser o maior possível; em terceiro, devem ser o menos clandestinas possível.

“Deixemos participar na união corporativa todo operário que compreenda a necessidade de se unir para lutar contra os patrões   e  o governo. O próprio objetivo das uniões corporativas não seria atingido, se não agrupassem todos aqueles capazes de            compreender mesmo essa noção elementar, e se essas uniões corporativas não fossem organizações muito amplas.” (LENIN, Que Fazer?)

Poderíamos cair no erro de pensar que é objetivo dos comunistas criar organizações de massas revolucionárias que tenham em vista a tomada do poder, o comunismo, etc. No entanto, esta visão está errada.

“Julgo que o objectivo dos comunistas não é criar um movimento sindical revolucionário, mas utilizar num sentido revolucionário a acção sindical, do mesmo modo que se utiliza a intervenção nas eleições, a luta contra a repressão, etc. Trata-se de enquadrar na política revolucionária do partido acções e organizações de massas que têm, pela sua própria natureza, objectivos limitados e uma carga inevitável de reformismo. Foi Lenine quem falou nos ‘traços reaccionários’ e na ‘estreiteza corporativa inevitável’ dos sindicatos, ‘forma de organização elementar, inferior’ das massas.”(RODRIGUES, Francisco Martins, Pode Haver Um Sindicalismo Revolucionário?)

Para os comunistas, as organizações de operários, de massas, são um valiosíssimo ponto de contacto com as camadas mais atrasadas da classe trabalhadora. Para nos servir esse propósito, havemos de as fazer a mais amplas possível. Isto não quer dizer que os comunistas devam tolerar tendências reacionárias dentro do movimento de massas.

“Poderá dizer-se: mas não é obrigatório fazer uma ruptura com o sindicalismo reformista e colaboracionista da CGTP e da UGT? Sem dúvida. Só que o aparecimento de uma corrente sindical que defenda os interesses económicos do proletariado, em demarcação dos da pequena burguesia, que desenvolva acções combativas contra a exploração patronal e a política antilaboral dos governos, que imponha a democracia operária contra os compromissos e a chulice dos quadros e dos aparelhos sindicais burocráticos — não passa por isso a ser revolucionária.”(Ibid)

Temos de saber que as organizações de massas que albergam as largas massas é o movimento por ganhos dentro do sistema, é uma critica imanente.

“Se quiser ser uma verdadeira corrente de massas, capaz de pesar na luta de classes, terá que se manter nos limites do sindicalismo, ou seja, da luta para vender a força de trabalho em melhores condições. E isto é uma luta por reformas no sistema, não é uma luta pela revolução.” (Ibid)

Dessa forma, não havemos de exigir nenhum tipo de compromisso com os nossos objetivos estratégicos, o comunismo, etc., para admissão à organização.

“É impossível conceber maior insensatez, maior dano causado à revolução pelos revolucionários ‘de esquerda’! Se hoje, na Rússia, depois de dois anos e meio de triunfos sem precedentes sobre a burguesia da Rússia e a da Entente estabelecêssemos como condição de ingresso nos sindicatos o ‘reconhecimento da ditadura’, faríamos uma tolice, perderíamos nossa influência sobre as massas e ajudaríamos os mencheviques, pois a tarefa dos comunistas consiste em saber convencer os elementos atrasados, saber atuar entre eles, e não em isolar-se deles através de palavras de ordem tiradas subjetivamente de nossa cabeça e infantilmente ‘esquerdistas’.”(LENIN, Esquerdismo: doença Infantil do Comunismo)

Sabendo que apenas a organização de revolucionários poderá dotar o proletariado da consciência necessária para realizar uma luta transcendente contra o sistema capitalista, i.e., ousar tomar o poder político, nunca poderemos, principalmente neste contexto de “maré baixa”, subestimar o papel dos movimentos de massas.

“Sabemos que a revolução só se constrói a partir do movimento real e não a partir de modelos por nós inventados. Fora das situações excepcionais de crise revolucionária, as massas lançam-se na luta para obter pequenas melhorias dentro dos limites da lei e da ordem; só participando nessas lutas podem os comunistas ajudar os colectivos de trabalhadores a percorrer a sua própria experiência, tomar consciência do antagonismo dos seus interesses face aos da burguesia, criar hábitos de organização, ganhar confiança nas suas próprias forças.” (RODRIGUES, Francisco Martins, Acção Comunista em Tempo de Maré Baixa)

Teremos de avaliar quais haverão de ser os critérios de admissão para uma qualquer organização em que participemos. Deixo aqui três pontos que creio serem universais, ou pelo menos aplicáveis na maioria dos casos.
• Compreender a necessidade de lutar contra os senhorios e o governo – devemos agitar para educar, e no pior dos casos expulsar, todos os que conciliam com o inimigo;
• Disponibilidade e dedicação nessa luta – temos de saber com quem contar, “membros” apenas no papel dificultam o trabalho organizativo;
• Não participar em nenhuma forma de opressão contra a classe trabalhadora (racismo, xenofobia, LGBTfobia, misoginia, classismo, etc.) – para a organização ser verdadeiramente ampla deve ser um espaço seguro para toda a classe trabalhadora na heterogeneidade que a caracteriza historicamente.

2 – Qual são as tarefas dos comunistas nestas organizações?

Não segue, por estas organizações serem de luta econômica (sindicatos, habitação, saúde, mobilidade, custo de vida, etc.), que as nossas tarefas dentro delas sejam unicamente econômicas. Segundo Lenin:

“As organizações profissionais podem não somente ser de imensa utilidade para o desenvolvimento e o fortalecimento da luta econômica, mas, ainda, tornar-se um precioso auxiliar da agitação política e da organização revolucionária.”(LENIN, Que Fazer?)

Então, apesar de ser infantilidade esquerdista exigir que estas organizações assumam um carater ideológico comunista, havemos de realizar, dentro delas, trabalho revolucionário. Devemos propagandear, convidar os seus membros para tribunas, exigir aos líderes que todo o tipo de matéria política e ideológica seja debatida, e muitas outras ferramentas de luta que se dignem taticamente viáveis.

Devemos atentar, para não cair em doutrinarismo, que os comunistas se devem apresentar de forma humilde aos restantes elementos da organização. Não se devem apresentar aos elementos da organização e, antes sequer de realizar qualquer tipo de trabalho prático, começar a “ter ideias” caindo numa atitude paternalista. Devem-se dispor a realizar todo o tipo de trabalho “mundano”. Mostrar aos trabalhadores, pela prática, não apenas declaradamente, que são seus aliados. Um comunista que ache esse trabalho “abaixo de si” nunca irá criar uma ligação genuína com as massas, muito menos ganhá-las para o campo revolucionário.

Acontece também que os comunistas têm de se libertar de várias tarefas. Devemos trabalhar para formar pessoas capazes de tratar das matérias diárias da organização a fim de nos ocuparmos com matérias mais avançadas.

“O trigo é atrair a atenção das camadas operárias maiores e mais atrasadas para as questões políticas e sociais: é libertar a nós, revolucionários, de funções que, no fundo, são legais (difusão de obras legais, socorro mútuo etc.) e que, desenvolvendo-se, dar-nos-ão infalivelmente material cada vez mais abundante para a agitação.” (Ibid)

Gerir esta contradição é essencial.

3 – Qual deve ser a nossa influência e como a devemos exercer?

Do primeiro ponto podemos inferir algo de grande importância: numa organização de massas, e isto será tão mais verdade quanto maior for o nosso sucesso em torná-la uma organização ampla, será natural os comunistas serem minoria. Daqui não segue que a nossa influência na organização se tornará, mecanicamente, menor:

“E quanto maiores essas organizações, também maior será nossa influência sobre elas, influência exercida não apenas através do desenvolvimento “espontâneo” da luta econômica, mas, também, pela ação consciente e direta dos membros socialistas da união sobre seus camaradas.” (Ibid)

Temos de estabelecer como devemos exercer essa influência. Nomeadamente, não havemos de substituir a luta de classes por manobras burocráticas. A conquista de posições de liderança (e.g. direções) deve ser um objetivo em vista, no entanto, essa autoridade deve ser exercida de forma cuidadosa. Tentando dar um exemplo concreto: num contexto em que elementos da organização se mostrem conciliadores, os comunistas devem entrar em conflito aberto com estes elementos. Explorar a capacidade didática deste conflito, fazendo com que as massas atrasadas saiam deste mais educadas, mais preparadas para lidar, elas mesmas, com os conciliadores. Assim, os comunistas devem exercer os seus cargos, ou pressionar quem os tenha, para a expulsão formal destes elementos. Esta formalidade deve ser a conclusão de uma luta de bases junto dos trabalhadores, nunca um fim em si mesmo.

A nossa influência deve ser exercida de maneira comunista: através da luta. Provando junto das massas que detemos o conhecimento mais aprofundado sobre os temas relevantes, que propomos as formas de luta mais avançadas, combatendo, de forma transparente, todas as tendências reformistas, conciliatórias, etc., que surjam no seio da organização. No fundo, provando à militância, na prática e pela luta, que somos os melhores para dirigir o movimento.

Tentar realizar esta luta por meios burocráticos é desperdiçar o potencial destas organizações como “um precioso auxiliar da agitação política e da organização revolucionária.”

4 – Como nos devemos organizar para exercer a nossa influência?

Já estabelecemos que a organização de massas pela melhoria das condições dos trabalhadores estabelece uma unidade entre todos aqueles que vêm a necessidade de lutar contra os patrões e o governo. Vimos que esta unidade interessa aos marxistas como um palco de agitação e propaganda, um ponto de contacto com as massas. Mas sabemos que esta unidade não nos chega, sabemos que temos de construir uma unidade de marxistas.

“Unidade é uma coisa grande e um grande slogan. Mas o que a causa dos trabalhadores necessita é a unidade de Marxistas, não a unidade entre Marxistas e os opositores e destorcedores do Marxismo” (LENIN, Trudovaya Pravda No. 2)

Este princípio foi mais tarde aplicado no II Congresso Mundial da Internacional Comunista com as suas 21 condições de admissão:

“9 – Os Partidos que desejam filiar-se à Internacional Comunista devem realizar uma atividade sistemática e persistente nos sindicatos, nos conselhos operários e industriais, nas cooperativas e em outras organizações de massas, onde é indispensável criar células que, após longo e persistente trabalho, ganhem-nas para a causa comunista. Inteiramente subordinadas ao conjunto do Partido, essas células devem, a cada passo de seu trabalho cotidiano, denunciar as traições dos sociais-patriotas e as hesitações dos ‘centristas’.”

Ou seja, os comunistas devem realizar o trabalho devido nestas organizações, mas sempre subordinados ao Partido Comunista, sempre agindo mediante as decisões tomadas pela unidade entre os marxistas.

Podia-se concluir aqui que, num contexto em que os partidos ditos comunistas estão subsumidos por ladainhas democráticas, progressistas, etapistas, etc., ou seja, que não são mais comunistas; em que os comunistas têm de se dedicar à reconstrução do partido, que não há partido à qual estas células comunistas se devem subordinar. Esta conclusão estaria correta no sentido formal do partido, mas não no seu sentido histórico.

Esta distinção entre partido histórico e formal está presente em Marx. De uma carta a Freiligrath datada de 1860:

“Tentei, por outro lado, dissipar o equívoco quanto ao “partido”, como se esta palavra significasse para mim uma “Liga” desaparecida há oito anos ou uma redação de jornal dissolvido há doze. Por partido eu entendia o grande sentido histórico que a palavra contém.”

O partido histórico é aquela continuidade histórica dos que defendem a organização independente do proletariado, o programa comunista e a sua realização pela ditadura revolucionária do proletariado.

Então, os comunistas numa organização de massas, num contexto que precede a formalização do partido histórico, devem trabalhar para se organizar independentemente, estabelecendo princípios básicos de unidade à qual todos os elementos devem obedecer. Unidade de marxistas estabelecida, devem então proceder a apresentar conjuntamente, abertamente, propostas à organização, fazer propaganda junto da sua base, etc.

“É nosso dever sempre intensificar e ampliar nosso trabalho e influência entre as massas. Um [comunista] que não faz isso não é [comunista]. Nenhum ramo, grupo ou círculo pode ser considerado uma organização social-democrata se não trabalhar para este fim de forma constante e regular. Em grande medida, o propósito de nossa estrita separação como um partido distinto e independente do proletariado consiste no fato de que nós sempre e indubitavelmente conduzimos este trabalho marxista de elevar toda a classe trabalhadora, tanto quanto possível, ao nível da consciência social-democrata.”(LENIN, Sobre a confusão entre política e pedagogia)

Devemos entender que qualquer camarada, independentemente da posição que ocupe na organização de massas, está, antes de mais, vinculado à célula de comunistas, não podendo, em circunstância alguma, usar as suas posições na organização para ir contra a vontade da célula. Devemos também entender que a criação desta célula e o trabalho que daí desencadear faz parte do processo de reconstrução, de formalização, do Partido Comunista, devendo, portanto, trabalhar para criar ligações com outros comunistas e iniciar trabalho fora da organização de massas com vista à criação de uma organização de revolucionários.

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1 comentário em “Notas sobre os Comunistas e as organizações de massas”

  1. Excelente texto.
    No sítio do Cem Flores, temos três textos sobre essa temática, que trago para a sua reflexão:

    1 – Luta de Classes e a Linha de Massas dos Comunistas. Que trata dos princípios da ação prática dos comunistas
    https://cemflores.org/2021/11/12/luta-de-classes-e-a-linha-de-massas-dos-comunistas/

    2 – A relação entre os comunistas e as massas. Comentários ao “O ‘Que’ do Que Fazer”, de Louis Althusser. Uma visão do Cem Flores sobre o livro de Althusser
    https://cemflores.org/2023/04/05/a-relacao-entre-os-comunistas-e-as-massas-comentarios-ao-o-que-do-que-fazer-de-louis-althusser/

    3 – “O Que do Que Fazer?”, de Louis Althusser, e a relação entre os comunistas e as massas Trecho do livro de Althusser
    https://cemflores.org/2020/02/07/o-que-do-que-fazer-de-louis-althusser-e-a-relacao-entre-os-comunistas-e-as-massas/

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