Sobre a Concepção Maoísta da Dialética

Por Camarada J, via New Worker, traduzido por Diana Romero (1)

Contradições: Principal? Secundária? Isso importa?

Alguns camaradas acreditam que o conceito da contradição principal seja muito duvidoso para seu gosto, e que está muito maduro para ser colhido pelos inimigos do Marxismo-Leninismo, de “esquerda” ou direita, que inevitavelmente usam-no como arma contra a ciência do materialismo histórico.

Camaradas, deixem-me acalmar seus medos: Os inimigos do Marxismo-Leninismo com certeza aproveitarão cada palavra que usemos, cada frase, cada expressão ininteligível.

Podemos encontrar na “ciência” burguesa as palavras imperialismo, socialismo, estado, lei, trabalho, salários, etc., ad infinitum; e vocês podem ficar horrorizados ao aprender que nenhuma delas é usada de um jeito verdadeiramente científico! Deveríamos jogar fora nosso vocabulário inteiro porque temos medo de palavras (ou melhor, do mau uso delas)?

Deveria Marx ter ficado feliz por ter parado antes de lançar sob a mente liberal, o papel histórico da divisão do trabalho? Lênin poderia ter nos poupado de problemas se ele tivesse tirado a palavra “ditadura” de seu vocabulário!

Não é científico evitar o uso de um termo só porque nossos inimigos vão pervertê-lo. Não devemos aceitar a recusa de examinar o conceito de uma forma materialista; é mais fácil denominar um conceito como muito fluido e simplesmente ignora-lo, do que ir até a sua raiz para chegar a uma conclusão sobre sua validade.

Quando requerido para definir o significado de contradições principais e secundárias, um camarada respondeu: “Grande problema, pequeno problema”. Grande problema, de fato!

Como Engels diz em seu trabalho “Anti-Dühring”:

A lei da negação da negação (aqui, poderíamos substituir a contradição principal), que opera inconscientemente na natureza e na história, e, até que seja reconhecida, também em nossas mentes, só foi claramente formulada pela primeira vez por Hegel.
E se o Senhor Eugen Dühring quiser tratar disso sozinho em silêncio, só por não suportar o termo, então deixem-no encontrar um termo melhor. Mas, se seu objetivo é banir o processo em si, do pensamento, devemos pedi-lo que seja tão eficaz, que o bana da natureza e história, e invente um sistema matemático no qual -ax-a não seja +a², no qual diferenciação e integração sejam proibidos sob penas severas. Frederick Engels, Anti-Dühring: A revolução de Dühring na Ciência, Capítulo 13, Negação da Negação.(2)

Se você deseja chamar a contradição principal de “grande problema”, este é o seu posicionamento, mas ao fazê-lo, você não pode “banir o processo em si”, tanto quanto impediria a chuva de cair ao revogar a palavra “Gravidade”. Se você deseja aboli-la completamente, então deve provar que ela não existe na natureza, algo que iremos refutar mais tarde.
Então, qual é a contradição principal? A ideia da contradição principal foi exposta mais claramente em um ensaio de Mao Zedong titulado “Sobre Contradição”, no qual o autor afirma:

Existem muitas contradições no processo de desenvolvimento de qualquer coisa complexa, e um deles é necessariamente a contradição principal, a qual existência e desenvolvimento determinam ou influenciam a existência e desenvolvimento de outras contradições. Mao Zedong, Sobre Contradição.(3)

O que nossos camaradas veem de tão duvidoso nisso? Eles negam que em algum determinado momento, exista apenas uma contradição (talvez eles ficariam mais confortáveis com a palavra “conflito”?), que é mais responsável por impulsionar um progresso? Deveríamos colocar todas as contradições em pé de igualdade?

Em uma nação capitalista, a contradição entre o interesse proletário e o interesse da pequena burguesia é um parceiro igualitário no desenvolvimento da sociedade (Isto é, economia, política, cultura, etc) à contradição entre interesses proletários e interesses burgueses monopolistas? Não.

O capitalista monetário desenvolve um papel maior no desenvolvimento da sociedade; eles controlam uma porção muito maior dos meios de produção, e como Marx explicou em A Ideologia Alemã.

“As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força dominante material da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante.”
Karl Marx & Frederick Engels, A Ideologia Alemã; Capítulo 1 Feuerbach: Oposição a Visão Idealista e Materialista3

Não deveria existir nenhum argumento contra essa proposição, e dessa forma, é lógico que o capitalista monopolista, que representa a maior parte da “força material” da sociedade, tem papel maior em todos os aspectos da produção (físico e mental) do que a pequena burguesia capitalista, que representa só uma fração da força produtiva material.

Já refutamos a ideia de que todas as contradições deveriam ser colocadas em pé de igualdade. Se não pode se dizer que as duas são iguais, então uma delas deve sobressair-se em relação às outras, e é esta contradição que chamamos de principal. Agora, devemos mostrar que a contradição principal realmente existe na natureza.
Todos os processos naturais complexos consistem em uma infinidade de contradições que representam a força interna do desenvolvimento.

Vamos começar com o processo físico da dissolução do sal de cozinha (fórmula química: NaCl) em água.
Foi experimentalmente comprovado que a dissolução instantânea de um sal na água depende da mudança na energia livre de Gibbs, da entalpia de dissolução e da mudança na entropia.

Esta relação é dada pela equação:
ΔG= ΔH −TΔS
ΔG → Variação da Energia Livre de Gibbs
ΔH → Variação da Entalpia da Dissolução
ΔS → Variação da Entropia
T → Temperatura do sistema (y)

A entalpia da dissolução é a diferença experimentalmente verificada entre a força coulombiana (elétrica) armazenada nas ligações de um cristal e a força coulombiana armazenada quando os polos positivos e negativos se separam e ficam cercadas por moléculas de água.

Entropia pode ser considerada (incompletamente, mas suficientemente) como uma medida de desordem. Sólidos, geralmente, têm entropias mais baixas do que líquidos, que por sua vez, possuem entropias mais baixas do que gazes.
Finalmente, a temperatura é um fator externo que pode afetar o nível da dissolução de um sal, mas nunca a força motriz do processo.

Resumindo, temos um processo natural que depende de duas contradições. Uma é a contradição entre cargas positivas e negativas e a força que suas interações armazenam; a outra é entre estados de baixa e alta entropia.

Se retornarmos ao exemplo de NaCl e inserirmos dados empíricos, descobriremos que a entalpia da dissolução é um valor positivo, ou seja, a força coulombiana é maior no cristal, do que na solução.

Por definição, um processo é espontâneo se o valor de sua energia livre de Gibbs for negativo e, como podemos testar experimentalmente que o sal de cozinha realmente dissolve por si próprio, sabemos que a mudança na entropia deve ser positiva e que o seu produto multiplicativo com o valor absoluto da temperatura ambiente, deve ser maior do que a entalpia.

Em linguagem simples, o sal de cozinha não se dissolve porque é energeticamente favorável, mas porque leva a um estado maior de entropia ou “desordem”. A mudança em entropia pode ser considerada como a principal contradição; é a força motriz que determina a evolução do sistema. Contudo, sob diferentes circunstâncias externas (como por exemplo, a temperatura), existe um ponto teórico no qual a mudança na entropia deixa de ser suficiente para gerar a dissolução do sal, e o processo, anteriormente espontâneo, termina.

Para NaCl, essa temperatura é menor do que o ponto de congelamento da água, então nunca pode ser atingido. No entanto, a dissolução de outros sais, como KCIO (4), aproxima-se rapidamente de zero à medida que a temperatura diminui. O ponto é que circunstâncias externas podem causar mudanças nas contradições internas de tal forma que a que era principal se torna a secundária, e a que era secundária, torna-se a principal.

Como prometido, mostramos que o conceito da contradição principal verdadeiramente existe no mundo natural sem a necessidade de que a mente humana o reconheça ou explique-lo. Por que, então, deveríamos tão rapidamente descartá-lo no campo da ciência social?

Uma situação análoga, embora extremamente mais complexa, aos nossos sais, pode ser encontrada nas relações entre o imperialismo e o capitalismo nacional durante o período da Revolução Chinesa. Mao escreve:

Quando o imperialismo lança uma guerra de agressões contra certo país (China), todas as suas classes variadas, exceto por alguns traidores, podem unir-se temporariamente em uma guerra nacional contra o imperialismo. Nesse momento, a contradição entre imperialismo e o país em questão, torna-se a contradição principal, enquanto todas as contradições entre as várias classes do país (incluindo o que era a contradição principal entre o sistema feudal e as grandes massas populares) ficam temporariamente relegadas a uma posição secundária e subordinada. Portanto, dessa forma, foi na China, durante a Guerra do Ópio de 1840, a Guerra Sino-Japonesa de 1894, a Guerra do movimento Yi Ho Tuan de 1900, e é agora na atual Guerra Sino-Japonesa.

Mas em outra situação, as contradições mudam de posição. Quando o imperialismo continua com sua opressão, não pela guerra, mas por meios mais brandos – políticos, econômicos e culturais – as classes dominantes em países semicoloniais capitulam ao imperialismo, e os dois formam uma aliança pela opressão conjunta das massas populares. Nessas alturas, as massas frequentemente recorrem à guerra civil contra a aliança do imperialismo com as classes feudais, enquanto o imperialismo emprega, constantemente, métodos indiretos ao invés de ações diretas na cooperação com os reacionários nos países semicoloniais para oprimir o povo e, assim, as contradições internas tornam-se particularmente aguçadas.Foi isso que aconteceu na China, na Guerra Revolucionária de 1911, na Guerra Revolucionária de 1924-27, e os dez anos da Guerra Revolucionária Agrária após 1927.

Guerras entre os vários grupos reacionários dominantes em países semicoloniais, ou seja, a guerra entre senhores de guerra na China, caem na mesma categoria.”
Mao Zedong, Sobre a Contradição. (5)

O alcance da operação do imperialismo em um país, ou seja, uma circunstância externa, pode, por vezes, fazer com que a contradição entre proletariado e a burguesia nacional, e por outras vezes, a contradição entre imperialismo e determinação nacional, seja a contradição principal.

É exatamente sobre isso que Mao escreveu em Sobre a Contradição, e expandiu em seus escritos sobre a Nova Democracia.
Às vésperas da revolução, a China era um país colonial e semifeudal. Era colonial devido ao governo fantoche Imperial Japonês na Manchúria, e a opressão pela burguesia internacional dos EUA, França, Alemanha e Inglaterra, entre outros; era semifeudal porque as relações capitalistas entre a burguesia nacional e os senhores feudais estavam em contradição e ainda em desenvolvimento.
Num país com estas conjunturas, deveria ser óbvio que todo o caráter imperial se sobressai acima do caráter da burguesia nacional emergente como a maior força de desenvolvimento; basta uma rápida olhada à história do tão chamado “Século de Humilhação”, para vermos que esse é o caso. A burguesia nacional da China estava e enfraquecida quando comparada ao monopólio capital do Japão, da Europa e EUA; ela não controlava totalmente as forças produtivas necessárias para ser o principal motor da sociedade Chinesa na época.

Durante a primeira guerra imperialista, Lênin identificou corretamente o direito de autodeterminação das nações. Ele lutou contra uma tendência, que chamou de economicismo imperialista; aquelas pessoas que, ao ver o imperialismo como inevitável, negaram o papel das revoluções da burguesia democrática contra potências estrangeiras. Seu argumento foi resumido por Lênin:

‘Direita’ – somos contra o ‘direito de autodeterminação’ (ou seja, contra a liberação de povos oprimidos, a luta contra anexações – que ainda não foram totalmente identificados ou declarados). ‘Esquerda’ – nós somos opostos a um programa mínimo (ou seja, opostos à luta por reformas e democracia) como ‘contraditório’ para a revolução socialista
Vladimir Lênin, A Tendência Nascente do Economicismo Imperialista.(6)

Os economicistas imperiais da “direita” viram que nunca poderia existir “liberdade” para pequenas nações na era do imperialismo e declararam que a luta contra a opressão era, portanto, improdutiva. Os economicistas da “esquerda”, sabendo que a luta burguesa democrática não levaria diretamente ao socialismo, também declararam que seriam contra todo o programa socialista.

Ambos reduziram o problema à prática do pensamento dogmático, divorciados completamente do método de materialismo histórico, e foram firmemente refutados por Lênin durante a primeira guerra imperialista.

Uma outra questão que deve ser abordada é que alguns camaradas lerão essa argumentação e acreditarão que se trata de uma defesa do slogan da renegada Segunda Internacional, principalmente “Defesa da Pátria”. Lênin diz sobre essa questão:

Da autodeterminação, segue-se a defesa da pátria’, o autor obstinadamente repete. Seu erro aqui é fazer da negação da defesa da pátria, uma palavra de ordem, deduzi-la, não das características históricas concretas de uma determinada guerra, mas aplicá-la em ‘geral’. Isso não é Marxismo. Vladimir Lênin, A Tendência Nascente do Economicismo Imperialista.(7)

Comunistas devem resistir ao impulso de aplicar slogans abstratos e generalizados a todos os aspectos da vida; eles não podem ser válidos para todos os casos. Existe justificativa para uma nação de povos oprimidos que trava uma luta impiedosa contra seu opressor? Durante a vida de Lênin, ele deixou claro que a única resposta verdadeiramente socialista era um retumbante: Sim! Existe justificativa para que duas nações imperialistas lutem pela maior exploração da outra, e das colônias? Claro que a resposta deve ser: Não!

Ao considerarmos se uma guerra é justificada ou não, não devemos esquecer das condições concretas sob as quais ela surgiu.

Resumindo, temos descoberto que os inimigos do Marxismo-Leninismo, ambos de direita e “esquerda”, prontamente aproveitam qualquer oportunidade de perverter a ciência do materialismo histórico, de distorcê-la através de slogans vazios e concepções idealistas da natureza e sociedade. Nós devemos lutar contra toda tendência revisionista que subverteria nosso trabalho e afastaria o proletariado de seu papel histórico como liberador da humanidade da sociedade de classes. Negar a verdade da contradição principal no desenvolvimento das coisas, é uma forma de revisionismo.

Respondendo às Contradições: Principais? Secundárias? Isso importa?

Pelo Comitê Executivo interino

Introdução

O Comitê Executivo Interino da CWPUSA elogia aplaude camarada J por dedicar seu tempo redigindo uma resposta minuciosa à discussão da educacional de 28 de Junho sobre “Como ser um bom Comunista”, por Liu Shaoqi. Em uma passagem, o autor menciona “contradições principais e secundárias”, o que levou a uma discussão sobre o método de pensamento Maoísta.
Durante essa discussão, camarada “A” argumentou que “a contradição primária e secundária” é um aparelho retórico conveniente em vez de ser uma lei científica, e que tal fórmula retórica pode ser facilmente simplificada como “grande problema, pequeno problema”. Outros camaradas concordaram com a visão de camarada “A” e apoiaram esse lado do argumento, que nega o papel da “contradição principal e secundária” na dialética Marxista.

Acreditamos que camaradas devam seguir o exemplo de camarada J no envolvimento em discussões, e na reflexão sobre a substância de nossas reuniões ao passo que aumentamos o nível ideológico-político de nossos camaradas e destacamos que a discussão coletiva deve ser mantida na vida de uma organização comunista.

Entretanto, o domínio do método dialético Marxista, demanda crítica e autocrítica em todas as esferas de atividade teórica e prática.

A rejeição do Maoísmo como uma tendência política não é equivalente à superação teórica da visão de mundo Maoísta. Portanto, é dentro desse conceito que gostaríamos de dar uma resposta ao camarada J.

Maoísmo desmistificado

A ideologia maoísta é uma mistura eclética de visões anarquistas e Nardonik sobre o papel do campesinato, a fraseologia pseudo revolucionária do Trotskismo, e os postulados de filósofos chineses.

Em seu núcleo, Maoísmo é uma corrente pequeno-burguesa nociva que descarta a análise Marxista da luta de classes. No lugar da luta de classes, coloca concepções abstratas do “pobre” como meio de determinar a força principal da revolução. O pensamento Maoísta é caracterizado por metafísica, idealismo e subjetivismo.

Em prática, usa o nacionalismo em prol do chauvinismo bélico de grandes potências.

Ao longo de sua história, foi acompanhado por reviravoltas e desvios à esquerda e direita, que são justificados pelas filosofias inventadas de Mao, camufladas por uma linguagem Marxista-Leninista.

Os conceitos básicos do processo revolucionário do Maoísmo são: Guerra Popular Prolongada (GPP) e revolução territorial.
Segundo Mao, nos países de terceiro mundo onde o proletariado é fraco, o campesinato é a única força da revolução. A vitória da GPP incluiu o cerco às cidades do campo e as ideias de Mao, traduzidas à arena internacional, afirmavam que os países de terceiro mundo sitiariam e conquistariam os países imperialistas.

O proletariado, aliado ao campesinato, outros setores da pequena burguesia e a burguesia “nacional”, junto ao sucesso da GPP, estabeleceria o “Poder Democrático do Povo”. O plano da Nova Democracia seria buscar desenvolver a economia capitalista, e a aliança das quatro classes continuaria após a revolução.

Para justificar tudo isso, Mao inventou uma distinção na “contradição principal fundamental da contradição”. A visão de Mao sobre contradições forma o principal pilar da teoria Maoísta (8). De acordo com esse preceito, Mao expôs em seu ensaio Sobre a Contradição (1937) cada fenômeno tem uma contradição primordial e o caminho para o núcleo da contradição básica, é através da resolução das contradições principais, uma por uma.

Essa abordagem oculta a maior contradição do capitalismo, a contradição trabalho-capital, cuja solução consiste na revolução socialista. A concepção das contradições dadas por Mao não aborda desenvolvimentos desiguais e leva a uma visão incorreta do imperialismo. Além disso, adia a resolução da contradição trabalho-capital a um futuro distante, o qual é um dos denominadores do democratismo revolucionário.

Uma distinção parecida é feita entre contradições “primárias” e “secundárias”. Segundo Mao, para cada período, a separação entre contradições primárias e secundárias é um dos componentes mais importantes em uma análise objetiva. Por isso, Mao caracterizou a luta no campo como fundamental, a luta nas cidades como secundária, e a luta armada como a contradição principal, e outras formas de contenda como secundárias, o que levou a seu famoso e frequentemente citado excerto: “o poder político cresce do cano de uma arma”.

Essas ideias foram sintetizadas em 1974 quando a “Teoria de Três Mundos” foi formulada como um resultado teórico do conflito Sino-Soviético.(9)

Apesar de toda sua retórica anti-imperialista, o Maoísmo tem sido uma ferramenta do imperialismo. Tem ajudado a enfraquecer o sistema socialista, fortalecer anticomunismo através de sua linha de oposição a construção socialista na URSS, e até aliando-se às forças imperialistas.

O papel da China na oposição à URSS resultou em uma divisão do movimento comunista internacional, o assassinato de milhares de comunistas indonésios, o apoio aberto à forças contrarrevolucionárias na Europa Oriental e Central (por exemplo, Polônia em 1980) e em outros países do tão chamado “terceiro mundo” (como na Angola, no Afeganistão, e o apoio a Mobutu, etc), e sua reaproximação dos EUA, só para citar alguns, que são justificados pelas teorias do Maoísmo. Não podemos esquecer das palavras de Fidel Castro sobre Mao: “Eu acredito que Mao destruiu com seu pé o que ele fez com sua cabeça por muitos anos.”(10)

As Origens Históricas e Materiais do Maoísmo

É importante entendermos o ambiente do qual surgiu a visão de Mao, e no qual ela tomou forma; para quais finais políticos e práticos eram dirigidas as conclusões de Mao.

É um erro separar os ensinamentos filosóficos de Mao de sua implementação e justificação na experiência da revolução chinesa. A China era um país de modos de produção pré-capitalistas, com uma maioria camponesa vivendo sob condições arcaicas, e uma indústria subdesenvolvida.

As guerras com o Japão imperialista são importantes para considerar o despertar do nacionalismo chinês como componente essencial na formação das características da revolução chinesa. (11)

Após o Segundo Congresso da 3ª Internacional em Julho de 1920, a política a ser determinada para as guerras de liberação nacional, foi discutida e o papel da burguesia nacional foi destacado. Como resultado, partidos comunistas foram estabelecidos em toda Europa e Ásia, incluindo o Partido Comunista da China (CPC), que foi fundado em 1921.

As características comuns dos partidos nesse período incluem a inadequação teórica, inexperiência, e heterogenia de classe. O CPC não era exceção. Desde sua fundação, o CPC foi fortemente influenciado, ideologicamente, pela burguesia. Especialmente o nacionalismo burguês que inspirou a revolução burguesa democrática e derrubou o Império Qing em 1912.
Essa conjuntura refletiu-se em uma variedade de textos e posições do CPC, nos quais a classe era identificada com características nacionais.(12)

Entre os fundadores do CPC estão: Chen Tu-shiu e Li Ta-chao. Chen Tu-shiu acreditava que a sociedade chinesa poderia superar seu atraso virando-se para o Ocidente. Ele acreditava que comunismo era a forma mais efetiva por sua habilidade de “modernizar”. Li Tao-chao era um nacionalista que usava a teoria de Lênin sobre o imperialismo para justificar sua visão. Esses dois líderes tiveram papel no desenvolvimento do pensamento de Mao.(13)

A composição agrária do partido e a supervalorização do papel do campesinato na revolução tornou-se o objeto das críticas da Internacional Comunista na década de 1920.

A aliança social, na qual foi baseada a revolução chinesa, somando às massas da pequena burguesia e do campesinato, também incluía uma seção da burguesia, a tão chamada “burguesia nacional”. Eles buscavam a integração do estado chinês, que por um longo tempo, de 1916 até 1928, foi essencialmente dividido em estados sob liderança militar.

A “burguesia nacional” estava reagindo às intervenções imperialistas e reivindicando a independência nacional do país. O CPC, em muitas variações, considerou que poderia seguir com a construção social sem disruptar sua aliança com a “burguesia nacional”.(14)
Após o 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), as relações entre a URSS e a China entraram em uma nova fase. As críticas feitas pela liderança do CPC sobre certos desvios à direita (como por exemplo o anti-stalinismo e a coexistência pacífica) da PCUS em seu 20º congresso, críticas que tinham elementos corretos, desenvolveram-se em uma onda ideológica-política no movimento comunista. Essa onda projetou uma série de posicionamentos não científicos e considerações utópicas na política do PCUS, com uma expressão prática de antissovietismo: Uma aliança com os EUA, e o fortalecimento de movimentos reacionários.

Além disso, as críticas do CPC sobre o PCUS foram marcadas por contradição, tendo em vista que não se basearam na defesa das leis da construção socialista, sendo que a China, em prática, desafiava essas leis.

As divergências se manifestaram majoritariamente em disputas interestaduais de contestação e reinvindicação da soberania sobre territórios. Com a “Teoria de Três Mundos”, uma política externa foi desenvolvida, que caracterizada a URSS como “social-imperialista”. Apesar do fato do CPC ter criticado os posicionamentos que surgiram do 20º Congresso do PCUS, ela adotou, desde da década de 1950, posições que não diferiam das visões desenvolvidas por boa parte das potências que apoiavam o tão chamado “jeito nacional” ao socialismo; em outras palavras, a construção socialista conciliada com setores da burguesia. (16)(17)

Os Marxista-leninistas valorizam muito o papel que a democracia revolucionária desempenhou durante a história. Alguns exemplos incluem: Os Jacobinos na França, a contribuição dos Narodniks ao movimento de emancipação na Rússia, o papel de Sun Yat Sem na luta anti-imperialista na China, e o democrata revolucionário Jose Marti.

Os elementos revolucionários associados a esses conflitos foram capazes de pavimentar o caminho para desenvolvimentos progressivos em países com uma classe operária subdesenvolvida. Em muitos dos países que ganharam independência nacional, um papel marcante era empenhado pelos democratas revolucionários representando os interesses do campesinato, dos elementos semiproletários, e de setores urbanos da pequena burguesia.

Enquanto a revolução chinesa estabeleceu um caminho anticolonial, anti feudal e democrático burguês, os variados elementos da pequena burguesia que formavam o partido, provaram ser revolucionários capazes de limpar o caminho de seus vestígios feudais e coloniais para um maior avanço.

Durante esse período, o CPC conseguiu obter vitórias para o povo chinês em suas reformas agrárias e reabilitação econômica. Contudo, quando o país encarou a tarefa da construção socialista, o CPC não acertou em embarcar com sucesso na jornada de construção socialista baseada na classe operária. (17)

Como resultado, a falta de estratégias revolucionárias coerentes no movimento comunista na década de 1960, a ruptura no movimento comunista, resultado da ruptura de relações entre o CPC e o PCUS, e o predomínio do oportunismo da direita e as tendências eurocomunistas, que fortaleceram correntes Trotskistas e anarquistas, especialmente entre a juventude, se manifestou no oportunismo de esquerda. É a combinação desses elementos que deu forma ao Maoísmo como a maior corrente do oportunismo de esquerda.

Dialética e suas leis

Antes de começarmos a investigar as afirmações de camarada J, seria melhor mencionar as leis da dialética materialista; o que essas leis são, como podemos saber quando descobrimos uma lei genuína de dialética, e por que elas são importantes.

Dentro e entre todos os fenômenos existem certas propriedades e conexões que são necessárias. Isso quer dizer que essas propriedades e conexões devem ocorrer sob condições determinadas. Porém, nem toda conexão necessária é uma lei. Para ser considerada uma lei, a conexão necessária não deve ser limitada a uma coisa individual, mas deve ser inerente a vários fenômenos.

Além disso, essas ligações devem ser estáveis e repetidas. Em outras palavras, uma lei “existe contanto que a forma correspondente do movimento da matéria, (ou de um estágio definido em desenvolvimento) ou pensamento, exista. (18)

Dessa forma, uma lei é uma ligação necessária, geral e estável, de fenômenos ou de seus aspectos. Falando de um modo geral, isso é uma lei, mas o que significa ser uma lei de dialética?

As leis de dialética foram inicialmente elaboradas por Engels em seu trabalho A Dialética da Natureza, onde ele discursa sobre sua origem e lista as três leis principais da dialética:

É, portanto, da história da natureza e sociedade humana que as leis da dialética são abstraídas. Por que são nada mais do que as leis gerais desses dois aspectos do desenvolvimento histórico, assim como do próprio pensamento. E, de fato, podem ser reduzidas principalmente a três: A lei da transformação de quantidade por qualidade e vice-versa, a lei da interpenetração de opostos, e a lei da negação da negação.

Engels toca em um assunto importante sobre a dialética materialista, que é sua representação das leis mais gerais da natureza, de absolutamente tudo. Essas leis não são específicas a um objeto ou fenômeno específico e sua inter-relação, mas descrevem as interconexões universais da existência.

V. Buzuev e V. Gorodnov explicam esse fato em seu trabalho Que é o Marxismo-Leninismo? Onde escrevem (19):

Significantemente, certas leis particulares lidam com fenômenos ocorrendo em esferas separadas da natureza, sociedade ou pensamento, enquanto a filosofia estuda leis gerais que constroem interconexões universais no mundo. Essas leis aplicam-se a todos os objetos e fenômenos existentes e são chamadas de leis da dialética.
Que é Marxismo-Leninismo? Dialética Material p.68-69 V. Buzuev & v. Gorodnov

Então, por essas leis da dialética representarem as leis mais gerais que aplicam-se a “todos os objetos e fenômenos existentes”, podemos entender que a lei pode apenas ser classificada como uma lei genuína de dialética se for aplicável a todos os objetos e fenômenos, e se a “Lei da Dialética” não for verdadeira uma vez, então não pode ser considerada uma lei genuína da dialética.

Considerando o que foi dito acima, o que significaria rejeitar a lei da dialética? Significaria a rejeição da própria realidade e, dessa forma, se fechando para a fonte de conhecimento e tornar o fracasso e erro, inevitáveis.

Investigando as Afirmações

Em sua conclusão, camarada J diz:

Para resumir, nós descobrimos que os inimigos do Marxismo-Leninismo, ambos de direita e “esquerda”, irão prontamente aproveitar toda oportunidade de perverter a ciência do materialismo histórico, distorcê-lo em slogans vazios e concepções idealistas sobre a natureza e a sociedade.

Ironicamente, é exatamente isso que o Maoísmo e as dialéticas de Mao são. O Maoísmo, por si só, é “essencialmente um sistema de slogans que mudam de tempos em tempos, dependendo de situações concretas e da direção política na qual as massas devem ser mobilizadas”. É dessa forma que V.I Krivstov descreve o Maoísmo em seu livro Marxismo e Maoísmo, no qual ele analisa as maiores fontes ideológicas do movimento.

O que faz muito sentido quando levamos em consideração as fundações filosóficas do Maoísmo, quer dizer, a dialética de Mao, e como elas são uma vulgarização idealista do Marxismo. Vamos começar com a revisão e distorção do Marxismo por Mao, que é detalhada nessa citação em Conversa Sobre Questões de Filosofia (1964), na qual afirma:

Engels falava sobre as três categorias, mas eu não acredito em duas dessas categorias…A coisa mais básica é a união de opostos. A transformação da qualidade e quantidade, uma na outra, é a união das qualidades e quantidades opostas. Não existe a negação da negação.

Aqui vemos que Mao rejeita duas das leis principais da dialética materialista, principalmente a transição de mudanças quantitativas e qualitativas e vice-versa, e a negação da negação.

Mao assegura que apenas a lei de união e conflito de opostos realmente importa. Ele, então, revisa a transição de mudanças quantitativas para qualitativas simplesmente como um conflito e “união de opostos de quantidade e qualidade”.

Embora seja verdade que quantidade e qualidade são distintas, não é correto dizer que são opostas. Além disso, contestar a negação da negação, é contestar a conexão e continuidade do desenvolvimento. Sem a destruição das condições anteriores, é impossível ter qualquer desenvolvimento. Então, como podemos substituir a negação das negações pela distinção da contradição principal quando a negação da negação não existe na dialética de Mao?”

Vamos examinar a concepção de Mao sobre opostos, pelas seguintes passagens de Leibzon (20):

Passando o idealismo subjetivo como materialismo marxista, Mao também interpreta a dialética marxista à sua maneira. A união e o conflito dos opostos – a lei de desenvolvimento como resultado de contradições internas de fenômenos – é reduzida por Mao a um esquema primitivo sem qualquer utilidade prática na análise da realidade. Para a multiformidade da vida, com suas várias contradições – necessárias e acidentais, essenciais e secundárias, antagônicas e anti-antagônicas – ele substitui uma simples enumeração de opostos. Na verdade, ele repete o que os antigos filósofos chineses fizeram, quando uma interpretação científica do universo ainda estava em formação.
Aqui está a interpretação estática de opostos, como vista por Mao Zedong: ‘Sem a vida, não existiria a morte: sem a morte, também não existiria a vida…Sem a burguesia, não existiria o proletariado; sem o proletariado, também não existiria a burguesia…Todos os elementos opostos são assim.’
Como é que Mao vê o desenvolvimento, a luta entre esses opostos? Ele vê como uma transformação simples entre os dois opostos através da mudança de lugares…De acordo com Mao, a essência da revolução socialista é meramente que a classe subordinada, o proletariado, torna-se a classe dominante, e a burguesia toma o lugar, anteriormente ocupado pelo seu oposto; os donos de terra e o campesinato trocam de lugar, paz e guerra se sucedem, etc.

Podemos ver que isso não tem nada a ver com a dialética Marxista. A lei de desenvolvimento na “dialética” de Mao, tendo em vista que opostos podem mudar de posição infinitamente, afirma que todo movimento é reduzido a perturbação e substituição do equilíbrio. A partir desse ponto, surge a ideia da divisão da “união em duas partes”.

Essa separação em dois foi especialmente útil para a atividade subversiva do grupo Maoísta no movimento comunista internacional. Tal “dialética” evita “a análise concreta da situação concreta, e a construção de contradições de acordo com os desejos de qualquer um, para reduzir a ciência e a arte de liderança política, para a um agravamento das contradições, para apresentar um subjetivismo desenfreado como ideologia.”(21)

Ao olhar todos os fenômenos em um estado ossificado, isolados uns dos outros, e privados de sua interpenetração, a metafísica substitui a dialética completamente.

A franqueza brusca, a inflexibilidade e a inércia, a elevação de um dos critérios de cognição do absoluto, e da dissociação da matéria, são todos a raiz do idealismo filosófico.

Isso demonstra como a concepção de Mao sobre a dialética é, em sua essência, idealista. Em vez de entender o movimento dialético como uma espiral vertical, Mao concebe-o como uma simples “substituição”, o que torna a espiral um mero movimento circular. Esse é um resultado direto da revisão de Mao sobre a dialética Marxista: ‘Na dialética Marxista, a curva de desenvolvimento acelerada por contradições, toma a forma de uma espiral vertical.

A resolução das contradições significa o desaparecimento dessas contradições e o fato de que o fenômeno é determinado pela relação entre duas contradições, torna-se um novo fenômeno com uma transformação qualitativa.

Isso acontece em um nível mais alto do que é negado. Por outro lado, para Mao, as contradições se desenvolvem em um ciclo circular. Opostos trocam de lugar entre si no processo do movimento, mas não há mudança qualitativa na relação de opostos.’ Mao não consegue compreender o desenvolvimento e, então, descarta-o por completo. Para Mao, a revolução socialista não é a negação do modo de produção capitalista, não é a destruição das condições antigas, mas apenas a mudança de lugar entre o proletariado e a burguesia.”(22)

A Dialética de Mao Ignora o Movimento da Matéria

No artigo, um exemplo de sal de cozinha (NaCl) dissolvendo em água é dado como justificativa para a análise de processos através de contradições “primárias e secundárias”: “a contradição entre cargas positivas e negativas, e a energia que suas interações armazenam; a outra é entre estados de baixa e alta entropia.”

A mudança na entropia é apresentada como a principal contradição, mas a contradição secundária não está totalmente clara. De início, ler esse exemplo pode não parecer questionável, mas quando consultamos com os grandes professores, descobrimos que o exemplo dado, esconde as características fundamentais do materialismo dialético, especialmente porque a concepção Maoísta descarta duas de suas características principais.

Nós não descordamos da explicação do processo experimental de dissolução do sal em água, usando a mudança na energia livre de Gibbs, muito menos descordamos que contradições são inerentemente encontradas em todo fenômeno como uma presença objetiva nas próprias coisas e processos.

Todo movimento e toda mudança acontece na forma do conflito entre tendências opostas, e o desenvolvimento do fenômeno da natureza e sociedade, é explicado pela conjunção de contradições internas e externas, forças motrizes e condições. Em seus escritos, Marx e Engels não se delimitaram a apontar a presença de todas as contradições nesse ou naquele processo, como se fossem de importâncias iguais; pelo contrário, eles determinaram a contradição essencial sobre a qual todas as outras dependiam.
Estabelecido pelo tremendo trabalho de Engels em Dialética da Natureza, sua visão da penetração dos opostos tem um papel metodológico importante. A obra ressaltou o fato de que é necessário não isolar os elementos particulares e gerais uns dos outros, do necessário e do acidental, da causa e do casual, etc., e não os tornar independentes, como sempre fazem os metafísicos, mas compreendê-los em sua unidade e em suas passagens mútuas uns entre os outros.

Sejam categorias como a causa e o efeito, conteúdo e forma, qualidade e quantidade, identidade e diferença, abstrato e concreto, e muitos mais. Todos estão interconectados, de um jeito mútuo e inseparável.

No caso do exemplo dado por nosso camarada, nós temos a interconexão entre física, como a teoria do movimento molecular, e química, como a ciência do movimento de átomos, ou a física dos átomos, e a ponta entre essas ciências junto a uma engenharia conhecida como Termodinâmica. Nós não vamos tentar confrontar esse exemplo pelo ponto de vista da Termodinâmica (Engels lidou com essa questão meticulosamente!), pois é melhor deixarmos para os físicos e químicos, mas tentaremos mostrar como a elevação unilateral de contradições reveste o pensamento dialético, a habilidade de reconhecer as leis do materialismo dialético em um processo.

Este é um grande problema com os cientistas idealistas, que tendem a ignorar o movimento e não conseguem ver o movimento da natureza. Pelo contrário, a atenção é concentrada na situação mensurável, na situação observável e o movimento é desvalorizado, levando à negligência da essência real das coisas.

Nós compreendemos isso com a ideia de que “circunstâncias externas podem causar mudanças nas contradições internas de tal maneira que aquela que era a principal, torna-se secundária, e aquela que era secundária, torna-se principal.” Aqui está estabelecida a base para a compreensão do processo como um movimento circular, e uma mera mudança de lugar entre elementos interconectados associados ao processo de dissolução do composto salino, no composto da água.
O movimento não deve ser entendido como o deslocamento no espaço:

O movimento, no sentido mais geral, entendido como o modo de existência, o atributo inerente da matéria, compõe todas as mudanças e processos acontecendo no universo; de uma simples mudança de lugares, até o pensamento. A investigação da natureza do movimento tinha de começar pelos modos mais baixos e simples desse movimento, e aprender a compreendê-las antes de poder atingir qualquer tipo de explicação sobre os modos mais altos e complicados (23) A Dialética da Natureza. Formas Básicas de Movimento. P.362-377 F. Engels

Engels afirmou que as formas mais básicas do movimento são a atração e a repulsão. Todo movimento consiste em sua interação. Os cientistas de seu tempo, apesar de terem feito descobertas inovadoras, não conseguiam compreender essas simples formas de movimento do ponto de vista dialético. Ele descobriu que aquilo que os cientistas denominavam “energia”, era na verdade, a forma da repulsão do movimento e “força”, como o oposto da repulsão, era atração.

Assim, Engels mostrou como o calor, uma “forma da tão chamada ‘energia’” é uma forma de repulsão. No fundo da entalpia e entropia, nós encontramos o calor envolvido em ambas.

Como resultado, não podemos concluir, como nosso camarada diz no artigo, que a temperatura nunca é a força motriz do processo da dissolução do sal em água. Ela deve, na sua conexão com o lado atrativo do movimento na dissolução, servir como fator propulsor.

Além disso, a eletricidade, como o calor, mas de jeitos distintos, está ligada a quase todas as mudanças na Terra. Processos elétricos acontecem simultaneamente com fenômenos físicos e químicos. Esse é o caso do exemplo do sal, um composto iônico, dissolvendo em água, que é controlado por uma ligação covalente polar.

Refletir sobre tudo isso é importante para não esquecermos o que Engels concluiu sobre as formas do movimento trocando de lugares umas com as outras:

De forma alguma, essas diversas formas de aparência são apenas compreendidas em nossas mentes sob uma única expressão de movimento. Pelo contrário, elas próprias provam, na ação, que são formas de um mesmo movimento ao trocar de lugar uma com a outra, sob determinadas condições.
O movimento mecânico das massas transforma-se em calor, em eletricidade, em magnetismo; o calor e a eletricidade transformam-se na decomposição química; a decomposição química, por sua vez, desenvolve calor e eletricidade e, por meio da última, magnetismo; e, finalmente, calor e eletricidade produzem mais um movimento mecânico de massas.
Ademais, essas mudanças ocorrem de tal maneira que uma certa quantidade de movimento de uma dessas formas, sempre tem como correspondente uma quantidade exata de outra forma.Dialética da Natureza. Formas Básicas do Movimento. P.362-377. F.Engels. (24)

Foi a partir daqui que Engels mostrou como a mudança na forma do movimento, em seu aspecto quantitativo foi chamado de “trabalho”, comprovando ainda mais a lei da dialética da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa. Ele afirmou que o “trabalho” era definido por unidades de calor que, curiosamente, nos traz de volta para o conceito normalmente mistificado da entropia (joules por Kelvin) como uma “medida de desordem” e sua relação com a entalpia.

O que isso significa? De acordo com Engels, todas as mudanças qualitativas na natureza dependem de diferenças na composição química ou em quantidades diferentes, ou em formas de movimento.

Como é quase sempre o caso, elas dependem da primeira e da última. Não é possível alterar a qualidade de um corpo sem adicionar ou subtrair a matéria ou movimento – sem alterações quantitativas do corpo em questão.

A mudança na forma do movimento sempre é um processo que acontece entre pelo menos dois corpos, dos quais, um perde uma quantidade definida do movimento de uma qualidade (como por exemplo, o calor) enquanto a outra, ganha uma quantidade correspondente do movimento de outra qualidade (movimento mecânico, eletricidade, decomposição química)(25) Dialética da Natureza. Dialética. P. 358 F Engels.

Isso parece ser explicado, embora que de uma maneira enigmática, por nosso camarada em seu artigo pelas as medidas quantitativas derivadas da equação associada à energia livre de Gibbs. A medida expressa a lei de conexão entre quantidade e qualidade.

Para não nos emaranharmos em uma característica da dialética, é importante pontuar que a dissolução do sal em água como algo que ocorre naturalmente, também deve incorporar o conflito e unidade dos opostos, a sua penetração mútua.

A dissolução química de átomos está insoluvelmente ligada à sua união, e a energia elétrica, contida ao sal e a água, se manifesta na forma de cargas opostas e negativas. A interação entre essas cargas opostas nos elementos que constituem a água e o sal em sua união, dá espaço para que fluam juntas para uma nova categoria: a água salgada.

A manifestação de união dá lugar à negação da negação. A expressão qualitativa anterior do composto NaCl como um cristal unidos por cargas elétricas, um estado relativo e temporário, não pode ser fisicamente observado, mas ainda existe de certa forma, depois de passar para a água salgada como Na+ e Cl-.

A água, anteriormente expressando a união entre H+ e O2-, é idêntica a si mesma e, ainda assim, tornou-se diferente de si mesma.

A atração é transformada em calor e vice-versa. A água salgada representa um novo estágio de desenvolvimento; um eletrólito que serve como um ótimo condutor de eletricidade, assim como um composto necessário do corpo humano.

Daqui, surge a possibilidade de novos processos com várias aplicações científicas, como por exemplo, o oceano como fonte de energia renovável.

Tendo em conta tudo que foi dito acima, feito de uma forma reconhecidamente simplificada, por que a contradição entre baixa e alta entropia, a principal contradição? Como pode a presença de todas essas formas de movimento, sua ligação e sua transformação em outras formas, ser reduzida a contradições primárias e secundárias? Como é que a quantidade e qualidade, mutuamente correspondentes nesse exemplo, são reduzidas a um isolamento subjetivo de contradições? Como é que a interpenetração de opostos ocorre nesse processo? Como se dá a negação da negação nesse processo com o resultado da substância qualitativamente distinta da água salgada?

Nenhuma dessas questões são suficientemente respondidas, levando em consideração tudo dito acima em relação ao exemplo dado. Como Engels diz:

Se, entretanto, aderirmos unilateralmente a um único ponto de vista em contraste ao outro, ou se nós pularmos arbitrariamente de um ao outro, de acordo com as necessidades momentâneas do nosso acordo, devemos permanecer presos em uma maneira unilateral de pensamento metafísico; a interconexão nos escapa, e nos tornamos envolvidos em uma contradição atrás da outra. Dialética da Natureza. P.450. F.Engels.(26)

Para entender um processo, e expor totalmente a fonte de seu auto movimento, não é suficiente estabelecer a variedade de contradições. Contudo, é necessário, entre todas essas contradições, revelar as contradições fundamentais básicas que definem o movimento do processo, que por sua vez, determina todas as outras contradições.

Mas o que é uma contradição fundamental e como difere da “principal contradição” de Mao? Uma contradição principal é compreendida como a interação entre aspectos opostos da absoluta essência de algo. Por exemplo, a contradição entre o proletariado e a burguesia é uma contradição fundamental dentro do capitalismo, ou seja, nenhuma quantidade de alterações pode ser feita ao capitalismo que será capaz de negar tal contradição; não sem que o capitalismo faça uma mudança qualitativa em seus modos de produção.

Quando Mao identifica uma contradição como principal, e a contradição também já é conhecida como fundamental, a análise científica já foi concluída, e a principal de Mao pode ser reconhecida como uma leve reformulação. Mas quando a contradição principal é diferente da contradição fundamental, a causa da divergência é atribuída à circunstância relativa, porém, com essa reformulação, a subjetividade pode ser mascarada como linguagem científica.

O erro da parte de Mao decorre de sua insistência inicial em incluir duas leis da dialética em uma terceira lei, a da união de opostos, e dessa forma, alterando a lei suprema para se adequar a uma utilidade mais ampla. Essa convergência de leis, permite que a dialética explique todos os fenômenos como o único conflito de opostos, e assim, escondendo o uso subjetivo da lei por qualquer um.

A ideia de contradições principais e secundárias conceitua a noção de contradições dentro do materialismo dialético como meros problemas a serem resolvidos, quando a principal contradição precisa ser resolvida antes, e as secundas contradições, conseguem ser resolvidas posteriormente. É uma lente subjetiva colocada sobre o materialismo dialético, reduzindo sua natureza científica para favorecer uma utilidade retórica. Qualquer pessoa pode afirmar que devemos fazer x antes de y, ou que a≠b é mais importante do que b≠c, mas essa não é uma demonstração da lei da natureza; é apenas uma argumentação, uma estratégia, uma fórmula retórica.

Conclusão

Nossa resposta aqui não demonstra, de forma alguma, um conhecimento exaustivo ou descrição das leis da dialética. Ela tem como objetivo guiar uma discussão e enraizá-la na concepção do materialismo dialético da realidade. Isso é feito para evitar a imposição de regras às ciências isoladas e prevenir a atribuição de tarefas da dialética para investigar as leis particulares de vários domínios da realidade.

O materialismo dialético não é um método de imposição à natureza, mas um método baseado nas descobertas das ciências naturais.(27)

A dialética serve como uma lógica e metodologia nas ciências isoladas, como uma guia para o uso de todos os métodos, para a generalização científica e de mundo dos resultados de suas investigações.

Ela torna possível a síntese das conclusões das ciências naturais e sociais e da experiência do ato social da luta revolucionária, para a representação científica do mundo do Marxismo-Leninismo com o objetivo de equipar a massa trabalhadora com o conhecimento científico necessário na construção da sociedade socialista.

Em contraste ao Marxismo-Leninismo, o Maoísmo, tanto historicamente como em suas várias formas atuais, é uma ferramenta para o capitalismo-imperialismo e um obstáculo no caminho à construção socialista.

Isso é demonstrado pelo conflito nacionalista reacionário Sino-Soviete, uma estratégia literal de “dividir para conquistar”, e sua consequência direta sendo a divisão do mundo em três campos, estabelecendo um campo mais benéfico para o campo ainda dominante do capitalismo-imperialismo.

Até mesmo na atualidade, a China é contra o capitalismo-imperialismo em sua retórica, mas é contra a construção socialista em prática.

Lembrem-se: A aliança social na qual a revolução chinesa foi baseada, ainda está intacta, e existem apenas algumas alusões longínquas a sua eventual dissolução. E apesar da confusão de muitos, tanto a China revolucionária e a China atual são um resultado direto dos ensinamentos filosóficos de Mao, ou seja, do Maoísmo, ou pensamento de Mao Zedong, como é rotulado algumas vezes.

Pois está de acordo com a dialética de Mao que a contradição entre trabalho e capital é descartada a favor do interesse “nacional” de fortalecer forças produtivas, as mesmas que são exploradas abertamente pela “burguesia nacional” que disputa um lugar mais alto dentro da pirâmide capitalista-imperialista. Essa forma mistificada de democracia social é justificada usando a ideia de Mao de contradição primária e secundária. E é a dialética de Mao, uma revisão da dialética Marxista, que tem proporcionado um caminho fácil ao oportunismo, não apenas no CPC, mas dentro de movimentos comunistas no mundo inteiro.

Através de suas fórmulas retóricas, o Maoísmo é equipado para retratar concepções idealistas como lei material. A subjetividade da linguagem de Mao, uma vez dominada, pode ser usada contra a classe trabalhadora, pode dividir partidos comunistas e o movimento global, e pode até (como no caso do “imperialismo social” e “socialismo com características chinesas”) transformar o socialismo em imperialismo e vice-versa.

Notas:

(1) Os artigos seguintes são parte de uma discussão mais ampla dentro da CWPUSA sobre o tema da revisão do Marxismo-Leninismo por Mao Zedong. O primeiro foi escrito pelo camarada “J”, um membro da CWPUSA, no qual ele critica algumas questões expressadas durante uma sessão educacional da CWPUSA, e segundo artigo foi escrito pelo Comitê Executivo Interino como uma resposta direta ao primeiro. O primeiro foi compartilhado internamente em 06/07/2022, e o segundo, em 29/07/2022.

(2) Frederick Engels, Anti-Dühring: A Revolução da Ciência Segundo o Senhor Eugen Duhring; Capítulo 13, Negation of the Negation.

(3) Mao Zedong, Sobre Contradição.

(4) Karl Marx & Frederick Engels, A Ideologia Alemã; Capítulo 1 Feuerbach: Oposição das Concepções Materialista e Idealistas.

(5) Mao Zedong, Sobre Contradição.

(6) Vladimir Lenin, Tendência Nascente do “Economismo Imperialista”

(7) Ibidem

(8) Gelenek. Issue 20. Where Mao Illuminates. Sinan Denizci. https://gelenek.org/mao-nereyi-aydinlatiyor/#easy-footnote-bottom-3-17975

(9) Gelenek. Issue 52. Labor Party from Revolutionary Democracy to Reformism. Footnotes 1-2. Burhan Ocal. https://gelenek.org/devrimci-demokrasiden-reformizme-emek-partisi/#easy-footnote-2-18423

(10) Walters, B., & Castro, F. (1977). Uma Entrevista com Fidel castro. Política Externa, (28), 22. doi:10.2307/1147794

(11) Gelenek. Issue 20. Where Mao Illuminates. Sinan Denizci. https://gelenek.org/mao-nereyi-aydinlatiyor/#easy-footnote-bottom-3-17975

(12) INTERVIEWON A VISIT TO CHINA. KOMEP. 2011. https://www.komep.gr/m-article/SYNENTEYKSI-ME-AFORMI-MIA-EPISKEPSI-STIN-KINA/

(13) Petty-bourgeois revolutionism (anarchism, Trotskyism and Maoism). Leibzon, Boris Moiseevich. Progress Publishers. 1970. https://archive.org/details/pettybourgeoisrevolutionismleibson

(14) INTERVIEW ON A VISIT TO CHINA. KOMEP. 2011. https://www.komep.gr/m-article/SYNENTEYKSI-ME-AFORMI-MIA-EPISKEPSI-STIN-KINA/

(15) Ibidem

(16) Yesterday and Today. Pt. 15. OPPORTUNISM AND ANTI-COMMUNISM. Ideological Committee of the Central Committee of the KKE. https://www.rizospastis.gr/story.do?id=5194222

(17) Petty-bourgeois revolutionism (anarchism, Trotskyism and Maoism). Leibzon, Boris Moiseevich. Progress Publishers. 1970. https://archive.org/details/pettybourgeoisrevolutionismleibson

(18) Marxist-Leninist Philosophy. Categories of materialist dialectics 7. Law. P. 215-216 A.P. Sheptulin

(19) Que é o Marxismo-Leninismo? Materialismo Dialético P. 48-49 V. Buzuev & V. Gorodnov]

(20) Petty-bourgeois revolutionism (anarchism, Trotskyism and Maoism). Leibzon, Boris Moiseevich. Progress Publishers. 1970. https://archive.org/details/pettybourgeoisrevolutionismleibson

(21) Ibidem

(22) Gelenek. Issue 20. Where Mao Illuminates. Sinan Denizci. https://gelenek.org/mao-nereyi-aydinlatiyor/#easy-footnote-bottom-3-17975

(23) Dialética da Natureza. Formas Básicas do Movimento. P.220. F. Engels.

(24) Ibidem

(25) Dialética da Natureza. Dialética. P. 148 F Engels.

(26) Dialética da Natureza. Eletricidade. P. 336 F Engels.

(27) Matter, Dialectics and Society Volume 2 | Number 4. Engels’ Contributions to Modern Physics and Our Understanding of Nature. Hasan Karabıyık https://bilimveaydinlanma-org.translate.goog/engelsin-modern-fizige-ve-doga-anlayisimiza-katkilari/?_x_tr_sch=http&_x_tr_sl=tr&_x_tr_tl=en&_x_tr_hl=en&_x_tr_pto=sc

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