Por Evguiéni Pachukanis, via Dinheiro e formas sociais, traduzido por Pedro Davoglio e revisado por Romulo Cassi S. de Melo.
O texto que ora se apresenta foi publicado originalmente por Evguiéni Pachukanis como verbete na “Enciclopédia do Estado e do direito” (Moscou, Editora da Academia Comunista, 1925-1926, v. 1, p. 810-812). Atualmente, o verbete também consta como anexo do livro “Dinheiro e formas sociais”, de Romulo Cassi S. de Melo (São Paulo, LavraPalavra, 2023, p. 186-189).
DINHEIRO (Essência e funções). Com o desenvolvimento da troca e a transição de atos de troca singulares e ocasionais para a circulação mais ou menos massiva e constante de mercadorias, uma dessas mercadorias assume uma função especial de expressar o valor de todas as outras. Esse é o processo puramente econômico, espontâneo, do surgimento do dinheiro.
“A expansão e o aprofundamento históricos da troca desenvolvem a oposição entre valor de uso e valor que jaz latente na natureza das mercadorias. A necessidade de expressar externamente essa oposição para o intercâmbio impele a uma forma independente do valor da mercadoria e não descansa enquanto não chega a seu objetivo final por meio da duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro. Portanto, na mesma medida em que se opera a metamorfose dos produtos do trabalho em mercadorias, opera-se também a metamorfose da mercadoria em dinheiro.” (Karl Marx, O capital, Livro I, Boitempo, 2013, p. 161-162)
“Em que tipo de mercadoria ela [forma-dinheiro] permanece colada é, de início, algo acidental.” (Karl Marx, O capital, Livro I, Boitempo, 2013, p. 163)
O emprego de um material monetário específico – metais preciosos e ouro – se dá de modo puramente espontâneo. Sua grande concentração de trabalho, durabilidade, divisibilidade e fundibilidade garantiram ao ouro a vitória sobre outras mercadorias-dinheiro (peles, gado, ferro, cobre).
Sendo o produto final do desenvolvimento e da produção de mercadorias, o dinheiro obscurece o caráter social do trabalho privado, a conexão social entre produtores individuais. O dinheiro incorpora um poder social que, nas mãos de um indivíduo, lhe confere poder sobre o trabalho dos demais, poder sobre a sociedade. A economia monetária é uma das condições essenciais para a centralização política e a criação de um aparato de Estado sólido (exército e burocracia). Ao mesmo tempo, ao incorporar e concentrar em si poder econômico e dominação econômica, o dinheiro contribui para a separação da forma política da dominação de classe, isto é, do Estado como uma força especial.
Analisando as funções econômicas do dinheiro, distinguimos como a principal a de expressar e medir o valor das mercadorias. Além disso, atuando como intermediário entre mercadorias, o dinheiro desempenha o papel de meio de circulação. Imobilizado e fora do processo de circulação por algum tempo, o dinheiro atua como tesouro. Finalmente, no caso das transações de crédito, o dinheiro serve como um meio de liquidação da obrigação ou meio de pagamento. Esta última função pode ser estabelecida pelo Estado, que declara um certo tipo de dinheiro como de curso legal. Já está implícito, no entanto, que um meio de pagamento serve também como medida de valor e meio de circulação.
No comércio internacional, o dinheiro aparece em sua forma natural como lingote, avaliado em peso. No mercado interno, cada Estado geralmente dá ao dinheiro uma forma de moeda, isto é, de peça de metal estampada. Toda moeda metálica tem algo de condicional, pois o desgaste, a perda de peso até um certo limite, não destrói sua validade. Moedas com pesos diferentes, isto é, com valores diferentes, podem, dentro de certos limites, ter a mesma validade, isto é, desempenhar igualmente a função de circulação, pagamento e tesouro.
Assim como uma moeda defeituosa substitui uma moeda íntegra, um mero certificado – uma cártula, um pedaço de papel impresso – pode substituir o dinheiro de metal, como seu representante. A suspensão do resgate de metal em troca dessas notas e a sua emissão para cobrir o déficit orçamentário as transforma em papel-moeda. O papel-moeda não possui valor próprio e, portanto, sua medida na circulação monetária vem do ouro. Economicamente, o destino do papel-moeda depende do chamado custo de circulação, isto é, da quantidade de ouro que, em dada situação do mercado, é necessária para atender a circulação de mercadorias. Quando a emissão de papel-moeda excede o valor em circulação, ocorre a diminuição de seu poder de compra ou, o que é o mesmo, um aumento geral no nível dos preços das mercadorias (o fenômeno da inflação). Se o papel-moeda deve sua existência ao funcionamento do dinheiro como meio de circulação, que está apoiado na circulação simples de mercadorias, o chamado dinheiro creditício e as notas bancárias dependem da função do dinheiro como meio de pagamento e constituem uma condição para o desenvolvimento da circulação mercantil de crédito. Uma nota bancária é uma obrigação de um banco emitida contra uma garantia em ouro e títulos registrada pelo banco. Historicamente, o dinheiro creditício se transformou muitas vezes em papel-moeda, como no caso do rublo da Rússia pré-revolucionária de 1914, a partir do início da guerra.
Sendo um fenômeno essencialmente econômico que obedece, em seu surgimento e movimento, às leis elementares do mercado, o dinheiro e a circulação monetária sofrem, no entanto, várias influências por parte do poder do Estado. A combinação dessas medidas constitui o conteúdo da política monetária de um dado Estado.