Via SolidNet, traduzido por Luma Cortegoso
“… defender o regime teocrático do Irã como uma força antiimperialista é, no melhor, ingênuo e, no pior, deliberadamente relega a repressão brutal, a pobreza devastadora, e a miséria socioeconômica sofrida pela maioria absoluta das pessoas do Irã como insignificante ou indigna de consideração…”
O mundo de fato entrou numa época perigosa, com a humanidade atualmente enfrentando uma série de ameaças existenciais interconectadas. Uma situação aguda deteriorando pelo mundo da pobreza, exploração, e injustiça social; conflitos “eternos” que podem facilmente escalar para guerra nuclear; uma iminente catástrofe climática até 2030; junto com um aumento exponencial do ultranacionalismo e sectarismo étnico e o inevitável crescimento do fascismo novamente, representa uma mera captura rápida da crise multidimensional que a humanidade enfrenta agora.
O absoluto nível de brutalidade imposto sobre indefesos – e de fato inocentes – civis Palestinos pela máquina de guerra Israelense, junto com a propensão de vários governos e instituições dos EUA, Reino Unido e União Europeia, aliados a narrativa da mídia convencional que impõe no Oeste tentativas vergonhosas de justificar ou normalizar a campanha genocida de Israel, é o exemplo mais nítido da terrível ameaça imposta ao futuro da humanidade e as regras e direitos internacionais baseados no consenso que seguiu o fim da Segunda Guerra Mundial.
Nós testemunhamos alarmados a suposta democracia liberal e as “livres” agencias de mídia conscientemente se alinhando com forças ultradireitas nos círculos dominantes de Israel, que abertamente professam apartheid, e até políticas fascistas.
As ameaças citadas acima são quase todas enraizadas no aprofundamento eterno da crise capitalista, composta por quatro décadas de imposição do neoliberalismo e seu fracasso retumbante, e as tentativas desesperadas do imperialismo norte americano de perpetuar sua hegemonia enfraquecida desconsiderando o que isso pode acarretar à humanidade.
Portanto, é agora vital para a esquerda e todo o amplo espectro de forças progressivas domésticas e internacionais, formar alianças que efetivamente mobilizem para contrapor a ameaça do imperialismo dos EUA e seus aliados. Essas alianças dependem do estabelecimento de objetivos progressistas claros e alcançáveis, baseados na consciência de classe política em nível local, nacional e internacional.
Uma aliança tão vital não pode simplesmente ceder à arbitrariedade e ad hoc coletivo dos regimes, forças políticas e organizações paramilitares unidas apenas pelo oportunismo – e frequentemente superficial – antagonismo à Washington. Um exemplo brilhante dessa equação defeituosa é o processo de confundir as forças do “Islamismo Político” no Oriente Médio, que surgem de uma assustadora perspectiva reacionária contra a cultura e modernidade do Ocidente, como aliados por princípios antiimperialistas.
E principalmente dentro dessas forças do “Islamismo Político” falsamente considerado antiimperialista pela esquerda e círculos progressistas, existe o regime da República Islâmica do Irã (IRI – Islamic Republic regime in Iran). Chegar nessa conclusão profundamente imperfeita envolve ignorar por conveniência ou deixar de lado a natureza material déspota do regime e seu terrível histórico, enquanto fundamentalmente mal interpreta ou mal representa sua desestabilizante, malevolente e sectária postura regional e internacionalmente.
É importante notar que a política externa do IRI na região do Oriente Médio, e consequentemente sua atividade militar extraterritorial através de milícias são previstas no sectarismo da Shia e no encorajamento do Ayatollah Khomeini em “exportar a Revolução Islâmica”. Além de se opor contrária aos interesses nacionais do Irã e colocar a população em risco intencionalmente, essa manobra política se provou bastante dividida e impopular pela região e sempre se manifestou em detrimento das forças seculares, principalmente de esquerda e progressivas.
Em cada conjuntura crítica na história da região pelos últimos 40 anos, o IRI esteve ativamente colaborando com o imperialismo dos EUA – incluindo Afeganistão e Iraque. A postura vazia do regime teocrático e suas lágrimas de crocodilos derramadas pelo sofrimento dos Palestinos é exposta ao levar em consideração como a República Islâmica do Irã trabalhou constantemente para destruir as forças Palestinas seculares, de esquerda e progressivas que lutam contra a ocupação de Israel.
Colocando de maneira simples, uma verdadeira aliança antiimperialista não pode ser forjada na lógica disfuncional que segue a linha “o inimigo do meu inimigo é, portanto, meu amigo!”
De uma perspectiva de esquerda, com raízes nas obras de Marx e Lênin sobre análises de classes e imperialismo, o regime da República Islâmica do Irã não chega nem perto de ser classificado como antiimperialista – a não ser que um fique feliz em omitir esse eterno decrescimento da base da classe social dentro do Irã, a economia exploratória neoliberal que apresenta, e seu total desrespeito pelos direitos humanos e liberdade, junto com um histórico contínuo de abusos horríveis dos direitos humanos e brutal opressão (direcionada particularmente às várias forças que compõem a esquerda Iraniana).
As forças de esquerda no Oriente Médio, especialmente no Irã, nos últimos 40 anos desde a derrota da popular e antiimperialista Revolução de 1979, tem sentido em primeira mão as amargas experiências do “Islamismo Político” e seu impacto devastador.
Com os corações pesados, nós lembramos como a Revolução Popular de 1979 foi cooptada e deturpada pela nascente teocracia e a demanda do povo por verdadeira emancipação e justiça social foram traídas em favor de uma classe capitalista parasita apoiada por forças Islâmicas…
Nós lembramos como os direitos básicos das mulheres foram pisoteados pelo regime teocrático e como as mulheres e garotas do Irã foram consignadas, no máximo, a cidadãs de segunda classe e colocadas à mercê de uma destruidora misoginia…
E lembramos que enquanto Ayatollah Khomeini declarou que a devastadora Guerra Irã-Iraque era uma “benção”, o Partido Tudeh do Irã se opôs a sua continuação para além da libertação da soberania do território do Irã, considerando ser uma manobra imperialista para subverter a Revolução Iraniana. Como punição por isso – e para mostrar suas credenciais anticomunistas para todo mundo ver – o regime lançou um ataque sanguinário sem precedentes sobre o Partido baseado na falsa premissa de que eram espiões da URSS e “evidências” fabricadas entregues pela CIA, MI6 e a ISI do Paquistão. Khomeni depois se referiu a essa ajuda como “um ato divino”.
Sob qual lógica distorcida pode uma viciosa e anticomunista ditadura teocrata que destruiu partidos de esquerda, baniu sindicatos, e brutalmente assassinou e desapareceu com milhares de militantes e ativistas Iranianos – os verdadeiros antiimperialistas do Irã – ser considerada um bastião do antiimperialismo e da resistência?!
Mais de quatro décadas de dominação do “Islamismo Político” sob o poder absoluto do ‘Líder Supremo’ (o suposto “representante de Deus na terra”) junto com três décadas de programas neoliberais formaram a economia Iraniana em acordo com o “Consenso de Washington” e os interesses do imperialismo Ocidental. Isso significou que o equilíbrio de forças políticas no Irã teve uma inclinação a favor da poderosa classe capitalista financeira-comercial, das quais os interesses estão atrelados àqueles do capitalismo global, e seguem sendo um crucial centro de equilíbrio do IRI – ambos sendo intrinsecamente codependentes.
São por essas razões que qualquer aparente ato progressista ou aliança por parte do regime IRI – incluindo a recente adesão ao BRICS – deve ser olhado pelo prisma da realpolitik e não interpretado como uma representação genuína de uma intenção antiimperialista da sua parte.
Defender o regime teocrático do Irã como uma força antiimperialista é, no melhor, ingênuo, e no pior, deliberadamente relega a repressão brutal, a pobreza devastadora, e a miséria socioeconômica sofrida pela maioria absoluta das pessoas do Irã como insignificante ou indigna de consideração. É também uma afronta às forças esquerdistas e progressistas que continuam a lutar bravamente pela transição do seu país de uma situação de ditadura, para uma em que seja possível a transformação nacional à democracia.
As lutas por democracia, direitos humanos, justiça social, e contra a ditadura vão lado a lado com aquelas por paz, soberania, e contra o imperialismo… Elas são interdependentes e inseparáveis!