Star trek e além: a imaginação colonizada pelo capital

Por Philippe Augusto Carvalho Campos.

A ideia do trabalho é apresentar dois conceitos de um autor americano, o Frederic Jameson, e daí vou fazer uma breve análise da série Star Trek à luz desses conceitos e depois eu vou dar uma varrida sobre o que veio depois do Star Trek, também, tendo como filtro esses conceitos. O primeiro deles é o de ideologema.


Ideologema

Ideologema é um termo inventado por um linguista soviético chamado Bakhtin pra falar das unidades ideológicas mínimas em operação num romance ou numa narrativa. Nessa linha, na linguística nós temos o fonema que são as unidades mínimas operando na fala, nós temos os morfemas que são as unidades mínimas de sentido nas palavras – por exemplo, a palavra “refez”, você tem o prefixo “re”, o radical “fazer” e “ez” que dá a temporalidade do verbo “fazer”, no caso, o pretérito perfeito – e nós teríamos também, além de unidades como o fonema e o morfema, o ideologema, que são as unidades ideológicas mínimas agindo num discurso.

Por exemplo, vocês já notaram que todo super-herói é órfão? Super-homem, Batman, Homem-aranha… todos eles, em certa medida são órfãos. Então, a gente pode dizer que o ideologema da orfandade é um ideologema sempre presente nas histórias de super-heróis, ou, pelo menos, muito presente. (Sem me estender sobre esse tema, o psicanalista francês, Jacques Lacan, vai dizer em seu Seminário 5 que o homem, na medida em que é viril, é uma metáfora de si mesmo (Lacan, 1999). Enquanto há a figura do pai, ou equivalente, como Ideal do eu, o garoto vai se medir por essa figura, quando não há, podemos dizer que ele é forçado a constituir uma figura de si mesmo desde a qual se mede. Por meio dessa chave podemos entender o motivo da orfandade das histórias de heróis).

Depois do Bakhtin o Frederic Jameson (1992) também vai usar o conceito de ideologema, mas, digamos, ele vai dar uma incrementada no conceito. O Jameson vai usar o conceito de ideologema como a menor unidade inteligível de discursos coletivos num plano antagônico. Ele vai dizer que o ideologema funciona como uma pseudo-ideia ou uma protonarrativa, uma matéria-bruta por vezes inconsciente sobre a qual a narrativa ou a ideia vão se depositar, mas essa pseudo-ideia tem como raiz uma contradição social, um antagonismo social fundamental, ou mesmo a luta de classes como constituindo o núcleo da sociedade. Por luta de classes, estamos entendendo, aqui, simplesmente a existência de personagens coletivos com interesses diversos, porém, antagônicos – a gente não tem luta de classes só com interesses diversos, “eu gosto de lasanha e o meu inimigo de classe gosta de peixe”; o antagonismo social começa quando uma prática social, um interesse ou um gosto conflita com uma prática social, interesse ou gosto outro. O fato de eu gostar de lasanha e ser dono da empresa faz com que eu coloque no cardápio da empresa lasanha várias vezes na semana e como eu não gosto de peixe, nunca sirvo peixe, contrariando aquelas pessoas que gostam de peixe, daí, nesse momento, digamos, surge um antagonismo social. Então, voltando, um ideologema é uma protoideia de uma narrativa e essa protonarrativa tem como cerne o antagonismo social. Vamos supor que os meus funcionários, apaixonados por peixe comecem a reclamar e essa reclamação chegue aos meus ouvidos, e eu penso, “que bando de folgado, se querem comer peixe, eles que comprem uma fábrica pra eles”, daí o ideologema agindo aí seria o ideologema do poder do dinheiro ou do contraste de classe; por outro lado, eu poderia pensar, “poxa, já que eles gostam de peixe, vou servir peixe às vezes”, nesse caso, o ideologema operando aí é o de conciliação de classe ou um ideologema comunitarista. Então, a matéria-bruta da matéria-bruta do discurso é a contradição social, ou ainda, se o ideologema é a matéira-prima do discurso, o antagonismo social é a matéria-prima do ideologema.

Produção cultural

Antes de inserir o segundo conceito, vou tentar explicar como que a gente vai entender uma produção cultural por meio de uma tautologia, é a seguinte, em se tratando de cultura, “tudo que existe, existe”. O que que significa dizer que algo que existe, existe? Significa que, em se tratando de uma produção da cultura, seja uma obra de arte, seja uma religião florescente, seja um comportamento odioso, qualquer coisa desse tipo, quaisquer dessas coisas elas existem por uma razão, ou respondem a alguma questão ou conflito; a gente não pode simplesmente dizer, “ah! tal coisa não devia existir”, porque qualquer produto da cultura que exista, ele existe porque responde a algo. Mas responde a quê? Dentre algumas repostas possíveis, a que nos interessa aqui é a que ele reponde a antagonismos e tensões sociais.

Essa característica, o Jameson (1992) baseia na leitura que o antropólogo Lèvi-Strauss faz das obras da cultura. Para o antropólogo, todo produto da cultura visa resolver certas contradições sociais, de uma maneira, digamos, imaginária ou simbólica. Assim, um discurso de ódio, uma obra de arte ou uma religião, teriam como finalidade a resolução de uma contradição social.

Na linha de raciocínio que eu acabei de propor, a gente pode ver que uma religião surge porque alguma insatisfação, alguma tensão social encontra-se presente no meio social. Por exemplo, um dos elementos prioritários pra religião é a justiça, grande parte das religiões vai dizer que se você fizer tais e quais coisas, você será recompensado no além-vida, nesse sentido, se você pensa ou sente que o mundo é injusto – por exemplo, você pode morar numa área de risco e a qualquer momento tomar um tiro e morrer e você pode também não ter nada a fazer quanto a isso, de certo modo, a sua vida está à mercê de um poder maior e totalmente aleatório – daí, pra não ter que lidar com a dureza que é levar uma vida nesses moldes, a religião é uma maneira de resolver uma contradição social. No caso, a existência da justiça como ideia ou ideologema e sua inexistência como efetividade, como princípio de ordenamento do mundo, como não existindo de fato e somente nesse imaginário religioso.

Nesse sentido a gente pode ler com mais propriedade aquela famosa vulgata do Marx: “a religião é o ópio do povo”. Essa comparação entre religião e ópio, era uma comparação que já aparecia em um monte de gente na Alemanha, por exemplo um poeta chamado Novalis, que escreveu:  “Sua suposta religião age simplesmente como um ópio: excitante, estonteante, acalmando os sofrimentos dos fracos” (Wikipedia, s/d) E até o Marques de Sade, que escreveu: “É ópio que você faz seu povo tomar, para que, anestesiado por esse sonífero, ele não sinta as feridas que você lhe rasga”. Se o Marx quisesse dizer isso, ele estaria somente em concordância com um monte de gente que veio antes, mas como ele era um cara que não aceitava que a gente pode simplesmente dizer que algo que existe não devia existir, essa citação do Marx, ela continua com… o Marx vai dizer lá na crítica da filosofia do direito do Hegel:

“A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo.

A supressão [Aufhebung] da religião como felicidade ilusória do povo é a exigência da sua felicidade real. A exigência de que abandonem as ilusões acerca de uma condição é a exigência de que abandonem uma condição que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe, a crítica do vale de lágrimas, cuja auréola é a religião.” (Marx, 2010, pp. 145-146)

Ou seja, se a gente tem ilusões, é porque precisamos delas, se a religião, em um de seus aspectos apela à justiça é porque a justiça não está no mundo, então, pra abandonar uma condição que precisa de ilusão, só com a efetivação daquilo que o homem só consegue alcançar por meio da ilusão, por meio imaginário.

Pra retomar. Nós temos então o ideologema, que é uma protoideia ou uma protorarrativa em operação num discurso ou numa produção cultural qualquer e, por sua vez, essa produção cultural é calcada nas contradições sociais, nas palavras do Jameson, na luta de classes. Mas não só, essas produções culturais são uma forma de resolver essas contradições sociais por uma via imaginária e por isso, a gente não pode dizer, no campo da cultura, que algo não devia existir, pois, tudo que existe, existe.

Utopia e Enclave

Agora eu vou passar pra mais uma ferramenta que nós vamos usar. A utopia. A utopia é um tipo de produção cultural, é um produto cultural específico. O Jameson (1992) vai dizer que o espaço utópico é um enclave imaginário dentro do espaço social. Enclave é o nosso segundo conceito. Um enclave na geografia é um território cujas fronteiras estão todas dentro de um outro território (por exemplo, o Vaticano, que se encontra todo contido em Roma).  Basicamente, a utopia surge no interior de certos espaços que são estranhos a uma determinada sociedade e por serem estranhos, são passíveis de serem preenchidos com imaginação. No livro que lança essa coisa da utopia, o livro Utopia do Thomas Morus, o lugar onde ele constrói o reino de Utopia fica numa ilha perto de Cabo Frio aqui no Rio de Janeiro, portanto uma região estranha à Europa, há outros enclaves operando em Utopia, primeiro há o enclave do dinheiro, que está banido de Utopia, a gente tem que sacar que a forma-dinheiro era uma coisa nascente ainda na época que a obra foi escrita, portanto, o Morus podia fantasiar que a retirada do dinheiro, desse corpo estranho era como a resolução de vários problemas… Pra encurtar, a Utopia é como um norte ou um farol que ilumina nossa imaginação sobre o futuro do mundo, sobre um futuro promissor, ela como que é a construção de uma narrativa desejante cujo espaço tem a forma do enclave, um corpo estranho. Então, a gente pode dizer que há, digamos assim, o ideologema mor espaço de enclave, mais vários outros ideologemas que visam resolver as contradições ou os antagonismos sociais. Por exemplo na Utopia do Morus, há o ideologema da ausência da propriedade privada, da igualdade, também o de uma diferença reduzida entre os gêneros, a mulher tem um papel social mais semelhante ao do homem, que na Europa da época, 1516, também o do controle de população, da tolerância religiosa etc. Apenas pra citar outros enclaves utópicos, o Jameson vai dizer que a psicologia, o nascimento do indivíduo, é o enclave daquele socialista utópico, o Fourrier e vai dizer que o enclave do marxismo ou da modernidade é a revolução… A gente pode dizer, portanto, que o enclave é o ideologema fundamental que media outros ideologemas pra operar uma espécie de síntese pra onde convergem nossos desejos de transformação social, de felicidade social ou de realização social.

Star-Trek – uma utopia espacial

Agora a gente chegou ao que interessa: Star-Trek.

O Jameson (2014) vai propor uma separação entre filmes de fantasia e filmes de ficção científica. A diferença entre os dois é: a) nas narrativas de fantasia a mágica opera como um enclave, o poder dos personagens, um poder secreto capaz de livrar o mundo das forças do mal e que desperta por treinamento, ou, no caso do protagonista, devido ao personagem ser “o escolhido”; além disso, o animismo do mundo da magia (o dragão, o animal falante, a árvore assombrada) também nos remete a um mundo repleto de mistérios mágicos, no sentido de que a mágica é aquele termo associado ao inexplicável. b) Por outro lado, as narrativas de ficção científica têm na ciência um substituto da magia, para esse segundo caso, é a ciência que opera como um enclave; aquela potencialidade que era realizada pela magia, nas narrativas de sci-fi, é realizada pela ciência (por exemplo, num filme de magia, vemos um mago dando vida a uma árvore ou a um goblin de pedra, num filme de sci-fi, o que observamos é a construção de um robô). Por esse motivo, é mais comum termos filmes de fantasia ambientados no passado e de sci-fi orientados ao futuro. Por essa via podemos ver que pelas potencialidades de resolver problemas que outrora a mágica (ou religião) resolvia, a ciência parece ser um bom enclave para operar sonhos, desejos ou utopia. Contudo, a ciência também guarda consigo um impulso destrutivo, ao mesmo tempo em que ela tem o potencial de resolver conflitos sociais, abundância e administração de sistemas complexos, ela traz consigo o velho dilema do aprendiz de feiticeiro, é uma criação que atravessa seu criador, cujos efeitos não podiam ser calculados no momento de sua criação; aí observamos os filmes distópicos.

Pois bem, voltemos a Star-Trek.

Star-Trek é aquela série de televisão do Spock, ela foi ao ar em 1966 e ela narra as aventuras da galera de uma nave espacial, a USS Enterprise, numa missão de cinco anos, de exploração de lugares desconhecidos do universo.

Eu escolhi o Star-Trek porque, porque quando eu fui pensar em ficção científica, o Star Trek me pareceu ser a última ou uma das últimas utopias que eu conheço, ou, pelo menos, a última novela utópica (lembremos que a utopia, nem sempre precisa ser um livro ou um filme). A primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que na época do lançamento da série rolava a guerra fria, em 1967, o negros nos EUA tinham acabado de conseguir o direito ao voto… então o que os caras fazem, na ponte de comando da USS Enterprise, eles colocam o capitão Kirk, um americano branco de Iowa, a tenente chefe de comunicações Uhura, uma mulher negra dos estados unidos da África (inclusive tem um caso interessante, a atriz que interpretava a Uhura, Nichelle Nichols, planejava deixar a série depois da primeira temporada, quando o Martin Luther King pediu que ela não o fizesse pela importância de ter uma pessoa negra num posto de alto comando e pelo que a série representava, uma harmonia racial), um primeiro oficial navegador russo chamado Checov, um japonês, o comandante Sulu e um cara meio humano meio Vulcano o Spock. O que é doido a gente pensar nesse arranjo é que, apesar das tensões sociopolíticas da época, no enclave dos caras, que é o espaço e a tecnologia espacial, eles realizaram meio que um sonho multicultural ou resolveram as tensões sociais da época, ou, apesar do clima da época, os roteiristas construíram uma utopia que sintetizava os conflitos da época, que neutralizava as tensões da época.

A gente vê, no Star-Trek alguns ideologemas operando, a ausência de dinheiro, o fim da ganância humana – tem um episódio em que um cara da nossa época é ressuscitado e ele tem sede de poder e os cara dizem pra ele algo como, “meu amigo, nós estamos em outro tempo, essa coisa de poder e ganância já ficou pra trás” –, o fim do preconceito, existe uma lenda sobre o primeiro beijo inter-racial da televisão entre o capitão Kirk e a tenente Uhura, só que é só uma lenda, porque parece haver uns 5 outros beijos antes desse –, a gente vê também o ideologema do militarismo operando – a maioria dos tripulantes da Enterprise tem uma patente militar. Enfim, por agora, basta a gente sacar que o corpo estranho na sociedade da época, o espaço, o espaço sideral exatamente como aquele espaço não colonizado, foi um lugar propício para a construção de uma utopia – tenhamos em mente aqui que a série rolava no momento da corrida espacial.

… e além

Depois do Star Trek, se a gente for andando pelas ficções científicas a gente vai vendo cada vez mais brotarem futuros distópicos ou anti-utópicos. O Jameson (2005) vai fazer essa distinção, entre distopia e anti-utopia. Enquanto as anti-utopias se preocupam em fazer uma crítica à utopia, as distopias mostram como as coisas deram errado, como as promessas do tempo, ou a sequência do tempo culminou em catástrofe. Enquanto as anti-utopias fazem a crítica com aquele sujeito que não se encaixou no sistema, a gente pode ver isso operando por exemplo no Admirável Mundo Novo do Huxley ou no 1984 do Orwell ou no filme Equilibrium, as distopias mostram a dissociação, a perda da síntese de um mundo interligado ou a fragmentação de um mundo que existia antes.

Então nós vamos ter narrativas anti-utópicas (aqui entra toda aquela crítica de que o socialismo é muito bom no papel, mas na prática…), e, me parece, uma hegemonia de filmes distópicos, aí entram o Mad Max, o Garoto e Seu Cão, a série Beatlle Star Gallactica, uma mais recente, The Expanse.

Qual o porquê de tantas narrativas pessimistas surgindo nesse nosso tempo? A hipótese do Jameson (2004) é que houve um fechamento dos enclaves, em suma, todo espaço, simbólico, geográfico, ideológico, temporal, foi colonizado pelo capital, ou, no capitalismo tardio, no mundo globalizado, não há nada não esteja já impregnado pela dinâmica capitalista. Até nossa imaginação foi colonizada pelo Capital. O que a gente pode notar com essas narrativas distópicas é uma espécie de simplificação de um sistema predatório, uma dissociação de um arranjo complexo na nossa sociedade por meio de um evento apocalíptico ou por meio de uma dinâmica de intensificação das contradições sociais no tempo. Aqui, além dos filmes que narram o além de um evento catastrófico, vão entrar aquele filmes em que não houve propriamente um evento desse tipo, mas que, o contraste de classe só se intensificou com passar do tempo, daí nós teremos, aquele filme Demolidor do Stalone, Blade Runner, a série The Expanse. Grosso modo, o que essa série mostra é que o aparelho repressor do Estado, os militares, foram pra Marte, a burguesia e o lúpem ficaram na Terra e a classe trabalhadora foi pro espaço, ficam vivendo em naves em lugares de extração de bens de ordem primária, tipo, minerais e água. O que acontece aqui é que não há enclave, o futuro é simplesmente um presente potencializado, com os mesmos ideologemas agindo, porém, e aqui talvez o conceito de ideologema na concepção do Jameson não seja tão operável, porque a proto-ideia agindo nas distopias é que, numa época futura, as tensões não serão resolvidas, mas se recrudescerão. Ou então, temos agora ideologemas que resolvem a tensão social por meio da própria afirmação dessa tensão.

O prognóstico das distopias é que não há como deter o capital. Mesmo em filmes de catástrofe natural, como Happen e Interestelar, o que parece estar dito ali é que a gente vai esgotar o mundo, a gente simplesmente não consegue não esgotar.

O Marx falava da ausência de fronteira do Capital, dizia que “A mercadoria em si e por si é superior a qualquer barreira religiosa, política e linguística” (Marx, 1982). E dizia que “coisas que em si mesmas não são mercadorias, como a consciência, a honra etc. podem ser compradas de seus possuidores com dinheiro” (Marx, 2013), parece, portanto, que o Capital é tão sem fronteiras, que colonizou até a nossa imaginação.

E agora?

Mas o que que o Jameson tá querendo com isso?

Me apropriando bem toscamente de vários diagnósticos de outros autores, o Marcuse (1973) com a sociedade unidimensional, o Mark Fischer (2009) com o realismo capitalista, o Paulo Arantes (2014), pra quem vivemos numa época de baixa expectativa política etc., o que essa galera vai dizer é que a gente espera pouco do futuro, na verdade, o que a gente espera do futuro segundo o Paulo Arantes, é uma grande catástrofe, uma tempestade perfeita. Se formos pela linha do Paulo Arantes, não há nada a ser feito, exceto políticas de reparação, direitos humanos e gerência da crise perpétua no atual estágio do capitalismo.

Porém, se o Jameson, endossa esse diagnóstico, não endossa o desenlace. Num certo artigo o Jameson (2010) propõe a Utopia como método. Basicamente, me parece que todo o esforço dele com esse estudo da Utopia é fornecer uma chave, um jeito, uma saída, um desfechamento da zona de enclave tal como ela se encontra atualmente. Então, se estamos numa era baixa expectativa política, o que o Jameson quer fazer é nos ensinar a criar expectativas. Como que ele faz isso? Com uma ferramenta velha que anda meio sumida, a dialética.

Ele vai dizer que a dialética é a arte de pensar o lado ruim e o lado bom ao mesmo tempo. É a arte de ver o objeto sob perspectiva, sob perspectivas que são conflitantes, contraditórias ou antagônicas num mesmo discurso. Daí, parece que ele usa esse poder da dialética pra enxergar o lado bom de uma coisa percebida como ruim.

“A operação em si, no entanto, consiste em um esforço prodigioso para mudar as valências de fenômenos que até agora existem apenas em nosso próprio presente e experimentalmente declarar coisas positivas que são claramente negativas em nosso próprio mundo, para afirmar que a distopia é na verdade utopia se examinada mais de perto, para isolar características específicas em nosso presente empírico, de modo a lê-las como componentes de um sistema diferente (…).

Esse tipo de hermenêutica prospectiva é um ato político apenas em um sentido específico: como uma contribuição para o despertar da imaginação de futuros possíveis e alternados, um ressurgimento dessa historicidade que nosso sistema – oferecendo-se como o fim da história – necessariamente reprime e paralisa. Esse é o sentido em que a utopologia revive partes da mente há muito adormecidas, órgãos não utilizados da imaginação política, histórica e social que virtualmente atrapalharam por falta de uso, músculos da práxis que há muito deixamos de exercer, gestos revolucionários que perderam o hábito de se apresentar, mesmo subliminarmente. Tal reavivamento do futuro e da proposição de futuros alternativos não é um programa político ou mesmo uma prática política, mas é difícil ver como uma ação política duradoura ou efetiva poderia surgir sem ela.” (Jameson, 2010, pp. 42-43)

E pasmem, o exemplo de mudança de valência que o Jameson (2010) dá é o do Wall Mart, ele vai dizer que o Wall Mart tem trabalho escravo, destrói os negócios locais e tal, mas o Wall Mart tem uma virtude, a logística exemplar e daí ele diz, só dá pra termos uma sociedade complexa como a nossa com uma logística ótima como a do Wall Mart… vimos o padecimento do Brasil com a greve dos caminhoneiros, que foi uma crise logística, então, a logística poderia ser uma Utopia pra investirmos.


Bibliografia

Arantes, P. (2014). O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo.

Fisher, M. (2009). Capitalist realism: Is there no alternative?. John Hunt Publishing.

Jameson, F. (1992). O inconsciente político. A narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução de Valter Lelis Siqueira. São Paulo: Ática.

Jameson, F. (2005). Archaeologies of the future: The desire called utopia and other science fictions. Verso.

Jameson, F. (2010). Utopia as Method, or the Uses of the Future. Utopia/dystopia: Conditions of historical possibility, 21-44.

Lacan, J. (1999). O seminário: livro 5-as formações do inconsciente. Jorge Zahar.

Marcuse, H. (1973). A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Tradução Giasone Rebuá.

Marx, K. (1982). Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural.

Marx, K. (2010). Crítica da filosofia do direito de Hegel. Boitempo Editorial.

Marx, K. (2013). O Capital: crítica da economia política–Livro I: O processo de produção do capital (Rubens Enderle, Trad.). São Paulo, SP: Boitempo.

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1 comentário em “Star trek e além: a imaginação colonizada pelo capital”

  1. Rapaziada, acompanho o site há bastante tempo e nunca comentei aqui antes. Mas… não que eu seja um ás, um prodígio da escrita, porém, esse texto foi redigido com uma linguagem bastante estranha – parece uma fala de palestra – o que, apesar do bom insight do tema, deixa a leitura bastante comprometida.
    Enfim, sem intenção de ofender o autor, fica apenas a observação.

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