Por Gabriel Landi Fazzio
“As ondas sossegaram, eles se alegraram, e Deus os guiou ao porto desejado”. Salmos 107:30
O novo romance do comunista português Daniel Vaz de Carvalho produz no leitor brasileiro uma feliz impressão, que torna a leitura especialmente intrigante e divertida. Não apenas o autor demonstra uma fina sensibilidade às marcas e contradições da colonização portuguesa: além de forjar esse país imaginário, Porto Desejado, em uma intrigante síntese de diversos traços da história brasileira (e mesmo de outros países originados da colonização espanhola); Carvalho nos oferece um romance militante, ambientado em plena Guerra Fria – com todos seus personagens mais característicos.
Primeiro volume da trilogia “Despertar em Porto Desejado”, o livro narra as desventuras do país ao longo de parte dos anos 70. Colonizada em 1508, pelo acaso de uma forte temporal que empurrou as naus portuguesas para a ilha, localizada a cerca de 900 quilômetros do Rio de Janeiro, conhecemos sua história brevemente logo de início, até a deposição do regime do “não-alinhado” Coronel Justino França (1930-1955).
“Justino não fez como Getúlio, seu ‘irmão’ brasileiro que não há muito se suicidara. Entre ele e a sua querida ilha, pôs a Amazônia e os Andes, refugiou-se no Peru”.
Assim, somos desde partida deixados em Porto Desejado sob o regime de uma década e meia do general entreguista Laurentino Quadros, que “amava o seu país e odiava seus habitantes”. Desembarcamos no país ao lado de Bruno Vilar Pinheiro, cuja evolução política servirá de fio condutor para nossa trajetória pela vida cotidiana na ilha.
Filho de Alfredo Vilar Pinheiro, burguês industrial do setor metalúrgico-metalomecânico, Bruno retorna de seu intercâmbio na Europa para os braços de Helena Dumont, sua prometida, herdeira do Banco Dumont. Exultantes com tão bem-afortunada união, as famílias passarão pelo tempestuoso turbilhão da luta de classes.
Em um plano da narrativa, o livro nos introduz às aflições de Henrique Dumont, pai de Helena, em sua delicada e questionável fusão com o Banco Atlântico, do grupo Patrício Alves – um monopolista ferino, com tentáculos que se estendem desde as repartições públicas até os prostíbulos de Porto Desejado.
Em paralelo, acompanhamos Bruno Vilar Pinheiro em sua trajetória de radicalização (primeiro pela ação de seu antigo colega Gustavo, e depois especialmente pelo contato com a militante clandestina Elsa, uma personagem envolvente e admirável), se aproximando cada vez mais do Movimento de União Democrática e Renovação Nacional, do General Garcia Dubré – uma frente ampla de oposição ao regime, abarcando desde os comunistas até a intelectualidade liberal.
Atravessando a ilha desde os escritórios das classes dominantes, passando pelos bastidores do governo até a vida subterrânea da massa pobre e explorada de Porto Desejado, o leitor oscilará entre o tragicômico asco que as personagens poderosas trazem à tona, e a louvável admiração pelas figuras combatentes, que lançam luz, na forma de ficção, sobre a histórica resiliência dos povos explorados e oprimidos da América do Sul.
“Amanhecer em Porto Desejado” é um romance político, que, como sintetiza Sofia Fonseca Costa, da Emporium Editora, é “uma obra cheia de surpresas, muito bem estruturada, onde cabem histórias de amor, de união e de resistência. É capaz de despertar e captar a atenção do leitor, capítulo após capítulo, com o suspense que é subtilmente criado.”
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