Por Ben Davis, traduzido por Bruno Trochmann
Ben Davis é um crítico de arte estadunidense. Em 2009 ele publicou o seguinte texto em forma de panfleto para acompanhar sua fala sobre o tema de classe em uma exibição na galeria Winkleman, em Nova Iorque. Em 2013 o panfleto foi reeditado como parte do livro com o mesmo nome, onde Davis junta outros textos e ensaios sobre o tema. A seguinte tradução foi retirada do livro.
1.0 A classe é uma questão de importância fundamental para a arte.
1.1 Na medida em que a arte faz parte e não é independente da sociedade, e a sociedade é marcada por divisões de classe, estas também afetarão o funcionamento e o caráter da esfera de as artes visuais.
1.2 Como diferentes classes têm interesses diferentes e a “arte” é afetada por esses interesses diferentes, a arte tem valores diferentes, dependendo de qual ponto de vista da classe é abordado.
1.3 Compreender a arte significa entender as relações de classe fora da esfera das artes visuais e como elas afetam essa esfera, bem como entender as relações de classe dentro da esfera das próprias artes visuais
1.4 Em geral, a ideia do “mundo da arte” serve como uma maneira de evitar a consideração deste conjunto de relações.
1.5 A noção de um “mundo da arte” implica uma esfera separada, ou que é separada, das questões do mundo não artístico (e assim a separa das questões de classe fora dessa esfera).
1.6 A noção de um “mundo da arte” também visualiza a esfera das artes visuais não como um conjunto de interesses conflitantes, mas como uma confluência de profissionais com um interesse comum: “arte” (e assim nega as relações de classe dentro dessa esfera).
1.7 A ansiedade sobre a classe na esfera das artes visuais se manifesta nas críticas ao “mercado de arte”; no entanto, uma crítica ao mercado da arte não é a mesma coisa que uma crítica de classe na esfera das artes visuais. A classe é uma questão mais fundamental e determinada do que o mercado.
1.8 O “mercado de arte” é abordado de maneira diferente por diferentes classes; discutir o mercado de arte na ausência de entendimento dos interesses de classe serve para obscurecer as forças reais que determinam a situação da arte.
1.9 Como a classe é uma questão fundamental para a arte, a arte não pode ter uma ideia clara de sua própria natureza, a menos que tenha uma ideia clara dos interesses de diferentes classes.
2.0 Hoje, a classe dominante, que é capitalista, domina a esfera das artes visuais.
2.1 Faz parte da definição de classe dominante que esta controla os recursos materiais da sociedade.
2.2 As ideologias dominantes da sociedade, que servem para reproduzir essa situação material, também representam os interesses da classe dominante.
2.3 Os valores dominantes dados à arte, portanto, serão aqueles que atendem aos interesses da atual classe dominante.
2.4 Concretamente, no âmbito das artes visuais contemporâneas, os agentes cujos interesses determinam os valores dominantes da arte são: grandes corporações, incluindo casas de leilão e colecionadores corporativos; investidores de arte, colecionadores particulares e clientes; e curadores e administradores de grandes instituições culturais e universidades.
2.5 Um papel da arte, portanto, é como um bem de luxo, cujo refinamento técnico ou prestígio intelectual indica status social superior.
2.6 Outro papel da arte é servir como instrumento financeiro ou repositório de valor negociável.
2.7 Outro papel da arte é como uma forma de “retribuir” à comunidade, para anular ganhos ilícitos.
2.8 Outro papel da arte é como uma válvula de escape simbólica de impulsos radicais, para servir como um lugar para isolar e conter a energia social que é contrária à ideologia dominante.
2.9 Um papel final para a arte é a autorreplicação da ideologia da classe dominante sobre a própria arte – os valores dominantes dados à arte servem não apenas para representar diretamente os valores da classe dominante, mas também para subjugar, dentro da esfera das artes, outras possíveis valores da arte.
3.0 Embora a ideologia da classe dominante seja finalmente dominante na esfera das artes, o caráter predominante dessa esfera é a classe média.
3.1 “Classe média” neste contexto não indica nível de renda. Indica um modo de se relacionar com o trabalho e os meios de produção. “Classe média” aqui indica ter um relacionamento individual e autodirigido com a produção, em vez de administrar e maximizar o lucro produzido pelo trabalho de outras pessoas (classe capitalista) ou vender a força de trabalho de alguém (classe trabalhadora).
3.2 A posição do artista profissional é caracteristicamente de classe média em relação ao trabalho: o sonho de ser artista é o sonho de ganhar a vida com os produtos do próprio trabalho mental ou físico, ao mesmo tempo em que é capaz de controlar e se identificar com esse trabalho.
3.3 Uma característica distintiva da esfera das artes visuais é, portanto, que é uma esfera na qual a ideologia da classe dominante domina e, no entanto, é permitido que ela tenha um caráter incomum de classe média (na verdade, é por definição classe média – o “mundo da arte” é definido como a esfera que comercializa produtos individuais da criatividade, e não a criatividade produzida em massa).
3.4 Em parte, o caráter de classe média das artes visuais se refere a 2.5-2.8 acima. Na perspectiva da classe dominante, é benéfico promover o exemplo do trabalho criativo da classe média por várias razões.
3.5 No entanto, a perspectiva da classe média sobre o valor e o papel da arte não é idêntica à da classe dominante; os artistas têm sua própria maneira de se relacionar com seu trabalho e, consequentemente, com seu próprio valor para a “arte”.
3.6 O valor da arte da classe média é duplo: por um lado, a “arte” é identificada como uma profissão, como um meio desejável de se sustentar financeiramente.
3.7 Por outro lado, “arte” é identificada como autoexpressão, como uma manifestação da individualidade criativa (seja expressa através de um estilo específico de técnica ou como um programa intelectual original; debates da teoria da arte sobre a importância da mão do artista ou “estúdio” na produção versus produção “pós-estúdio” substitui esse sentido mais fundamental e estrutural em que a esfera das artes visuais preserva a individualidade).
3.8 Duas contradições permanentes dominam, portanto, a esfera das artes visuais. A primeira contradição está entre o fato de as artes visuais serem dominadas por valores da classe dominante, mas definidas por seu caráter de classe média.
3.9 A segunda contradição é interna à definição de classe média de “arte”, que é dividida entre noções de arte como profissão e como vocação e, portanto, entra em contradição consigo mesma a todo momento em que o que um artista deseja expressar se opõe com as demandas de ganhar a vida (em uma situação em que uma minoria domina a maioria dos recursos da sociedade, isso geralmente ocorre).
4.0 A esfera das artes visuais tem relações fracas com a classe trabalhadora.
4.1 A classe trabalhadora aqui é definida como composta pelos trabalhadores que são obrigados a vender sua força de trabalho como uma mercadoria para ganhar a vida e, portanto, não têm participação individual em seu trabalho.
4.2 Existem muitos links para a classe trabalhadora nas artes visuais: trabalhadores de galerias, fabricantes anônimos de componentes artísticos, trabalhadores de museus não profissionais e assim por diante. Muitos artistas são empregados dessa forma, por fora do “mundo da arte” – o sonho de ter realizado plenamente o status de classe média permanece uma aspiração para a maioria das pessoas que se identificam como “artistas”.
4.3 Ainda assim, a forma de trabalho no cerne da esfera das artes visuais, a produção de obras de arte, permanece na classe média – muito mais do que na maioria das outras chamadas indústrias criativas.
4.4 Uma consequência desse caráter predominantemente de classe média é a abordagem das artes visuais para lidar com as contradições sociais e econômicas que ela enfrenta. Uma relação individualizada com o trabalho significa que os agentes da classe média tendem a conceber sua capacidade de alcançar objetivos políticos em termos individualistas, com seu poder social derivado da capacidade intelectual, personalidade ou retórica (é essa realidade que está por trás do deslocamento da discussão sobre as contradições da arte para considerações do “mercado” – um construto no qual indivíduos livres entram em relações econômicas entre si – do que considerações de “classe”, um conceito que implica interesses opostos e fundamentais que vão além do indivíduo)
4.5 Por outro lado, porque ser membro da classe trabalhadora envolve ser tratado como uma fonte abstrata e intercambiável de trabalho, a capacidade da classe trabalhadora de alcançar seus objetivos depende muito mais da sua capacidade de organização coletiva. Essa é uma forma de resistência difícil de ser alcançada no âmbito das artes (toda a conversa sobre uma “greve de artistas” permanece satírica fora de uma situação como a do apoio artístico do governo dos Estados Unidos na década de 1930, onde artistas são empregados como um bloco).
4.6 Como a estrutura dominante da sociedade é capitalista – isto é, a exploração do trabalho assalariado para maximizar o lucro – a posição da classe trabalhadora está realmente mais próxima do núcleo do funcionamento da sociedade do que a da classe média; trabalhadores de classe média, pela própria natureza de sua semi-independência, têm apenas a capacidade de encerrar sua própria produção, enquanto uma classe trabalhadora organizada pode afetar diretamente os interesses da classe dominante.
4.7 A natureza específica da classe trabalhadora sugere sua própria relação com o conceito de “arte”, distinta das noções capitalistas ou da classe média.
4.8 Por um lado, um valor de classe trabalhadora da arte é determinado pela realidade das “indústrias criativas”, nas quais são empregados trabalhadores criativos que têm uma relação da classe trabalhadora com os produtos de sua expressão; isto é, eles produzem criativamente produtos não como uma expressão de sua individualidade, mas simplesmente como uma tarefa. Visto desse ângulo, a “arte” é desmistificada – não é uma forma de expressão única e exaltada, mas apenas mais um processo humano que é objeto de trabalho.
4.9 Por outro lado, na medida em que o trabalho da classe trabalhadora é controlado de cima, o ideal da “arte” também pode representar uma forma de trabalho que se opõe às demandas do trabalho, como expressão livremente determinada, seja privada ou política. Visto desse ângulo, a arte é desprofissionalizada e, nesse sentido, é realmente mais “livre” do que o ideal da classe média de expressão pessoal como carreira.
5.0 A ideia de “arte” tem um senso humano básico e geral sobre o qual nenhuma profissão ou classe específica detêm o monopólio.
5.1 “Arte”, concebida como expressão criativa em geral, pode ser vista como representando uma função tão básica quanto o exercício físico ou o diálogo e uma necessidade apenas um pouco menos fundamental do que comer ou sexo (“um pouco menos fundamental” porque a questão da expressão criativa surge após uma sobrevivência simples – você deve primeiro garantir a comida antes de pensar em culinária).
5.2 Concebida dessa maneira, toda atividade humana tem um componente artístico, um aspecto sob o qual pode ser vista como “criativa”.
5.3 No entanto, em qualquer situação histórica, algumas formas de trabalho criativo são valorizadas em detrimento de outras; alguns tipos de trabalho são considerados mais exaltados, outros menos.
5.4 Qual das várias formas de trabalho são consideradas verdadeiramente “artísticas” por si só é decidido pela atual classe dominante [2.2], que preside as relações dominantes de produção e, por esse meio, exerce influência sobre o caráter do “trabalho” não-artístico e o valor da “arte”, bem como as interseções entre eles.
5.5 No entanto, o impulso artístico entendido de forma geral não desaparece simplesmente diante de suas determinações históricas específicas; na medida em que exista um sentido básico da arte, como a expressão criativa existe, os seres humanos também têm um certo investimento criativo cotidiano em seu trabalho, uma vez que todo trabalho é a transformação criativa da matéria ou da vida.
5.6 Por outro lado, na medida em que o impulso generalizado para a criatividade é limitado e frustrado pelas demandas de um cenário histórico específico, existe o impulso de escapar a elas e expressar livremente fora delas.
5.7 Como “arte”, no sentido da expressão criativa geral, é um impulso básico, nenhuma classe tem o monopólio; no entanto, as visões de mundo orgânicas de diferentes classes podem estar mais próximas ou mais longe de expressar as possibilidades de sua realização geral.
5.8 As visões de mundo da classe dominante e da classe média impedem a ideia de “arte” como expressão humana geral: a classe dominante porque define o valor da arte de acordo com os interesses de uma minoria estreita; a classe média, porque seu interesse envolve definir a criatividade como expressão profissional, o que a restringe a especialistas em criação.
5.9 A perspectiva da classe trabalhadora, portanto, pode ser vista como refletindo a concepção contemporânea mais orgânica da expressão criativa generalizada (mesmo que as circunstâncias nem sempre permitam que essa concepção seja desenvolvida ou expressa) – “arte”, sob essa luz, é ao mesmo tempo um assunto de trabalho como qualquer outro [4.8] e oposto à alienação do processo de trabalho atual [4.9]. Portanto, é implicitamente livre de qualquer determinação profissional e comum a todos (embora esse aspecto, no atual cenário ideológico, seja frequentemente canalizado para as aspirações criativas da classe média- que podem ser vistas como um dos usos do “mundo da arte” para a classe dominante [2.8 e, a partir disso, 2.9]).
6.0 Como a arte faz parte da sociedade [1.1] e porque nenhuma profissão tem o monopólio da expressão criativa [5.0], os valores dados à arte no âmbito das artes visuais contemporâneas também serão determinados em relação à forma como a “criatividade” se manifesta em outras esferas da sociedade contemporânea.
6.1 “Arte” na linguagem comum tem um duplo significado: designa a atividade criativa em geral e representa o trabalho que circula dentro da tradição específica e conjunto de instituições das artes visuais; portanto, algo pode ser “arte” (isto é, criativo), mas não ser “Arte” (isto é, não se encaixa na esfera das artes visuais), ou algo pode ser “Arte” (isto é, pode ser facilmente classificado dentro da esfera das artes visuais) mas não ser “arte” (isto é, não ser particularmente criativo).
6.2 As artes visuais contemporânea, portanto, tem um caráter paradoxal: é uma disciplina criativa específica que se arrogou com o status de representar “criatividade” em geral (quando alguém diz que é profissionalmente um “artista”, ele geralmente tenta indicar que ele trabalha dentro de um certo conjunto de tradições e instituições e implica que seu trabalho tem um certo caráter especialmente criativo).
6.3 Essa sobreposição deriva do caráter de classe média das artes visuais contemporâneas – a perspectiva da classe média é precisamente aquela em que o investimento em criatividade em geral se sobrepõe à identidade profissional.
6.4 No entanto, de forma igualmente paradoxal, a arte visual contemporânea, em oposição a qualquer outro tipo de trabalho criativo (música, filme, atuação, design gráfico, decoração de bolos), não possui um meio específico – isto é, nenhuma forma específica de trabalho – a ele ligada; quando você diz que é um “artista”, não implica nada sobre o caráter específico de sua obra (a arte contemporânea, dessa maneira, é uma espécie de reductio ad absurdum da ideia de individualidade criativa).
6.5 Essa falta de definição é inversamente proporcional à extrema hiperdefinição do trabalho em uma variedade de outras indústrias criativas contemporâneas – videogames, filmes e televisão envolvem trabalho criativo empregado em um nível massivo, impessoal e muito especializado.
6.6 Como as relações capitalistas de produção são as relações dominantes de produção e essas outras “indústrias criativas” são mais organizadas em torno da produção capitalista, elas também têm uma importância mais central para a sociedade contemporânea – elas estão no centro da inovação, do investimento e da atenção do publico em um nível em que a esfera das artes visuais não possa por si só competir.
6.7 Não obstante, embora não possa competir com essas indústrias, a arte contemporânea assume seu significado em relação a elas – enquanto elas representam a criatividade adaptada às especificações capitalistas, a esfera das artes visuais gera seu cachê exatamente como a esfera em que a qualidade individual e a independência intelectual são preservadas (da mesma maneira que os políticos evitam falar sobre a classe trabalhadora, falando incessantemente sobre a importância da classe média, é dada uma importância intelectual exagerada ao “mundo da arte” da classe média para escapar da realidade na medida em que a criatividade contemporânea é dominada pela indústria impessoal).
6.8 As artes visuais, em relação à cultura visual ou à cultura em geral, encontram-se assim com poucos caminhos estáveis. Ele pode tentar se fundir com essas outras esferas criativas totalmente capitalistas, mas apenas como parceiro júnior – e o faz à custa de desistir de sua razão de existir como uma esfera privilegiada separada, que representa a criatividade autônoma não-dirigida pelo puro motivo de lucro.
6.9 Por outro lado, a arte visual contemporânea também enfrenta um dilema se não se envolver com outras indústrias criativas mais dominantes; nesse caso, seu público se restringe apenas aos muito ricos e àqueles que têm o privilégio de serem educados em suas tradições, o que deixa claro o horizonte estreito e, consequentemente, a falta de liberdade dentro da qual essa forma de expressão supostamente livre manobra .
7.0 A crítica de arte, para ser relevante, deve basear-se em uma análise da situação atual da arte e dos diferentes valores em jogo, relacionados a diferentes classes [este ponto simplesmente tira a conclusão, para crítica, de 1,9].
7.1 A crítica de arte é ela própria uma disciplina de classe média, baseada em normas de expressão intelectual individual; como a crítica de arte relevante envolve a análise da situação real da arte relação a classe, ela transcende a opinião profissional puramente subjetiva, individual.
7.2 No entanto, transcender a crítica puramente “subjetiva” não implica a falsa “objetividade” da crítica de arte que impõe um programa filosófico ou político à arte; esse tipo de crítica escolástica implica igualmente uma perspectiva de classe média (geralmente baseada na academia), na medida em que avança um programa intelectual puramente abstrato e falha em abordar a situação social real das artes visuais (por exemplo, simplesmente insistindo que a arte “seja política” sem analisar seriamente para quem ou para que finalidade a “arte política” é direcionada, na verdade, reforça quadro de expressão individualista e profissional).
7.3 Reconhecer que a arte contemporânea tem um caráter de classe média não é o mesmo que denunciar a esfera das artes visuais por “decadência pequeno-burguesa”; é preciso julgar a arte em termos dos valores contraditórios que lhe são conferidos pelos interesses de classe concorrentes, o que em parte significa reconhecer a esfera das artes visuais como um repositório significativo de esperanças legítimas de autoexpressão. Na medida em que a sociedade contemporânea frustra ou distorce a autoexpressão, o desejo de seguir o próprio caminho criativo pode ser um impulso político.
7.4 No entanto, o caráter de classe média das artes visuais significa que essa esfera se depara com certos dilemas [ver, por exemplo, 3.8, 3.9, 6.8, 6.9] que não podem ser resolvidos dentro dessa própria esfera, da forma que é atualmente constituída [ 4,5, 4,6]; uma visão de mundo crítica realista e eficaz começa desse ponto de vista.
7.5 A qualidade artística não é algo que possa ser julgado independentemente das questões de classe e do atual equilíbrio de forças de classe, porque classes diferentes têm valores diferentes para a arte que implicam diferentes critérios de sucesso [ver teses 2, 3, 4].
7.6 Na medida em que diferentes influências de classe estão em jogo nas artes visuais, uma obra de arte nunca é reduzida a um significado; com bastante frequência, as obras de arte representam comprometimentos, tentando resolver várias influências diferentes em uma única fórmula artística (uma obra pode, por exemplo, ser executada em um estilo atraente para os colecionadores de arte, mas também tentar colocar uma assinatura profissional original nele e ao mesmo tempo expressar algum tipo de solidariedade política sincera).
7.7 Afirmar que toda obra de arte contemporânea será, por definição, um produto da sociedade contemporânea e, portanto, carrega as marcas das contradições de sua real situação material, não implica que toda arte possa ser reduzida ao mesmo problema. A crítica eficaz da arte implica ter uma análise dinâmica de como valores estéticos específicos estão relacionados ao atual equilíbrio de forças e fazer um julgamento em relação a quais fatores estão desempenhando o papel mais crucial a qualquer momento e com um determinado trabalho.
7.8 Há um aspecto do gosto que não implica nada político e é simplesmente o produto da experiência pessoal e da história (isto é, não há contradição se duas pessoas têm a mesma análise política do mundo, mas preferências estéticas diferentes). Mas esses julgamentos são de importância secundária aqui. “Gostei disso” é uma opinião legítima, mas não são críticas sérias, interessantes ou úteis.
7.9 A crítica de arte não é política porque impõe uma estrutura política à arte contemporânea, mas por representar com precisão a situação real da arte implica entender os dilemas do trabalho criativo de classe média em um mundo capitalista [ver 3.8, 3.9] e, portanto, implica uma crítica política dessa configuração.
8.0 A força relativa de diferentes valores da arte na esfera das artes visuais é o produto de um equilíbrio específico de forças de classe; pode haver situações mais ou menos progressistas para a arte contemporânea, mesmo em um mundo capitalista, dependendo dos pontos fortes dessas diferentes classes e de quais demandas eles são capazes de avançar.
8.1 Essas demandas, para serem efetivas, devem estar organicamente ligadas à luta real – elas não podem ser um programa abstrato elaborado por poucos e imposto como um programa de arte sem nenhuma conexão com os movimentos reais dentro dessa esfera. No entanto, algumas sugestões provisórias podem ser adiantadas, decorrentes da análise das teses anteriores. Todas as ideias a seguir têm algum suporte e expressão atualmente – o truque é estender essas iniciativas ao ponto em que elas se tornam gestos mais do que puramente simbólicos [encaixando-se nos critérios de 2,8] e são fortes o suficiente para mudar os valores dominantes da arte.
8.2 Acima de tudo, o capital privado tem uma influência desproporcional nas artes visuais; portanto, o aumento do financiamento público para instituições de artes pode ter o efeito de reduzir a intensidade da contradição que as artes visuais enfrentam.
8.3 Tais instituições devem ser democraticamente responsáveis perante as comunidades às quais servem, para não replicar o efeito da influência de cima para baixo na arte através de diretrizes burocráticas; as instituições atualmente existentes devem se tornar mais democráticas; as instituições devem pagar aos artistas que exibem, em vez de explorar as aspirações profissionais dos artistas, extraindo trabalho gratuito deles.
8.4 A definição atual da arte como um bem de luxo ou como a principal preocupação de uma esfera profissional específica limita todo o seu significado. Devem ser lançados e apoiados programas que ofereçam espaços para atividades artísticas que não são necessariamente voltadas para os ricos ou que já foram iniciados.
8.5 Pesquisas e projetos críticos devem ser financiados para investigar, explorar e apoiar, em larga escala, definições alternativas e locais de criatividade; A “arte” nem sempre é produzida pelo ou para o mercado, fato que deve ser um ponto de partida fundamental (isso envolve transcender o paradigma da “crítica ao mercado da arte”, que pressupõe que a solução para o problema esteja simplesmente em tornar o mercado mais democrático).
8.6 A arte contemporânea sofre com uma audiência estreita. O acesso à educação artística é amplamente (e cada vez mais) determinado pelo nível de renda e privilégio; a educação artística deve ser defendida e universalizada (esse ponto em si envolve uma crítica à noção de que a arte é um luxo).
8.7 Não há razão para que a imensa quantidade de talento artístico que existe atualmente, incapaz de encontrar uma venda dentro dos limites do “mundo da arte” profissional, não possa ser empregada para generalizar a educação artística, proporcionando assim um público futuro.
8.8 Esse tipo de identidade comum pode formar a base para a organização de artistas como algo mais do que agentes individuais, cada um trabalhando em um projeto separado; portanto, também estabeleceria as bases para um caráter mais organicamente político da arte contemporânea.
8.9 A expressão criativa precisa ser redefinida. Não deve ser encarado como um privilégio, mas como uma necessidade humana básica. Como a expressão criativa é uma necessidade humana básica, ela deve ser tratada como um direito .
9.0 A esfera das artes visuais é um importante local simbólico de luta; no entanto, devido ao seu caráter de classe média, ele possui relativamente pouco poder social efetivo [4.5].
9.1 A consecução dos objetivos de reforma da tese 8 implica, portanto, que a esfera das artes visuais transcenda a si mesma e puramente preocupações do “mundo da arte”; tais reformas serão melhor alcançadas ao vincular-se a lutas fora da esfera das artes visuais (por exemplo, vincular a luta pela arte à luta pela educação [8.6]).
9.2 Quaisquer que sejam essas lutas específicas, é uma classe trabalhadora organizada que está melhor posicionada para desafiar as relações dominantes da classe dominante [4.6], que é a condição prévia para desafiar os valores dominantes da arte da classe dominante e melhorar a situação da arte.
9.3 Os dois valores da classe trabalhadora para a “arte” [4.8, 4.9] – como tema do trabalho normal e como expressão livre para além das demandas do trabalho cotidiano – parecem implicar uma contradição; essa contradição, no entanto, baseia-se no atual cenário econômico, no qual uma minoria da classe dominante dita as condições de trabalho.
9.4 Essa contradição é transcendida em uma situação em que os trabalhadores controlam democraticamente o caráter de seu próprio trabalho e, consequentemente, os termos de seu próprio lazer; é apenas esse estado de coisas que oferece o potencial para o florescimento máximo do potencial artístico humano.
9.5 É em relação a essa perspectiva, que envolve a mudança da base material da sociedade, que aqueles que se preocupam com a arte devem se virar. Na ausência de tal perspectiva na esfera das artes visuais, seus representantes se revezarão em círculos, respondendo aos mesmos problemas sem nunca chegar a uma solução. A situação da arte permanecerá carregada e contraditória; todo o seu potencial permanecerá não realizado.