Por Aaron Leonard, via Rabble.ca, traduzido por Daniel Alves Teixeira.
O crítico literário e cientista político marxista norte-americano, Fredric Jameson, é autor de Representing Capital: A Reading of Volume One, um livro que revisita o trabalho mais importante de Marx, O Capital.
Em um certo nível pode parecer estranho avaliar um livro de quase 150 anos de idade. Quanta relevância e aplicabilidade prática ele poderia ter para o mundo em que atualmente habitamos? No entanto, ignorar o Capital – como muitas vezes é o caso – é perder sua crítica escaldante e sua aguda percepção da realidade.
Não é coincidência que ele aborde elementos-chave da situação em que nos encontramos hoje: como os ricos ficaram tão ricos, como os pobres ficaram tão pobres e como todas as várias correções e soluções propostas baseiam-se na ilusão de que o capitalismo pode de alguma forma ser feito para atender às necessidades da maioria das pessoas e continuar a ser o capitalismo.
Sucintamente, Marx e O Capital é algo que ainda vale a pena explorar. Eu conversei com Jameson por telefone recentemente sobre isso:
Aaron Leonard: Você escreve, “O Capital não é um livro sobre política, e nem mesmo um livro sobre trabalho: ele é um livro sobre desemprego”. Você pode falar sobre porque você pensa que isso é verdade?
Frederic Jameson: Eu sei que isso é provavelmente uma surpresa para as pessoas que sempre pensam Marx em termos políticos, mas realmente existem poucas menções de qualquer ação política no O Capital. Existe certamente a implicação do tipo de sociedade que poderia sair do capitalismo e também das contradições que poderiam levar ao fim do capitalismo e eu não estou dizendo que Marx não era político ou não pensava constantemente em estratégias políticas, mas O Capital não é um livro sobre isso. É um livro sobre essa máquina infernal que é o capitalismo.
É um livro sobre o desemprego no sentido que a lei geral absoluta do capitalismo, como ele anuncia, é aumentar a produtividade – como resultado, como ele escreve, “A massa relativa do exército industrial de reserva (o desempregado) aumenta, portanto, com a energia potencial de riqueza”. Eu acho que isso corresponde bastante ao que está acontecendo hoje. Eu escutei a coisa mais reveladora recentemente de um capitalista de risco, obviamente irritado com a conversa constante de ambos, Republicanos e Democratas, sobre dar suporte aos negócios para que este possa “criar empregos.”
Ele disse, veja, “Ninguém acorda de manhã e diz ‘Eu quero aumentar minha folha de pagamento porque eu acho que isso é bom para a economia Americana.” Essa é uma maneira bem direta de dizer que negócios não existem para criar empregos; eles existem para fazer dinheiro. Isso é exatamente o que Marx coloca no capital. Não existe conexão direta entre produtividade e criar empregos.
Isso não estava muito claro enquanto políticas keynesianas estavam sendo aplicadas em certos países – Keynes entendeu que deveria haver trabalhadores com dinheiro suficiente para comprar todos esses bens sendo produzidos. Desde Reagan e Thatcher, de qualquer forma, nós temos algo mais parecido com a lógica fundamental do capital que Marx descreveu. Não é somente o voo do emprego para outros países; isso é parte de um processo global.
Você quer trazer fábricas de volta para os Estados Unidos mas, de outro lado você quer que elas sejam produtivas? Bem, isso significa mais e mais automação e cada vez menos trabalhadores, isso é óbvio. Então eu acho que existe realmente uma profunda contradição entre o emprego e o que o sistema faz. Nesse sentido, isso me parece, uma demanda política do tipo que era usada por pleno emprego é uma demanda que o sistema não pode possivelmente prover.
Aaron Leonard: Você pontua neste livro, e em “Valence of Dialectic” que “O Marx do Grundrisse (talvez mais do que em qualquer passagem triunfante do Capital) insistiuincansavelmente no significado do mercado global como o último horizonte no capitalismo”. Como ele expressou isso e como você vê isso atualmente?
Frederic Jameson: Isso não toma muito espaço nesse trabalho, mas o ponto é a universalização da mercantilização – em todo lugar o trabalho assalariado começa a substituir todos os outros tipos de trabalho, seja ele escravo ou feudal. É somente quando você vê a predominância do trabalho assalariado em uma área, como a Europa Ocidental por exemplo, que você percebe que tipo de máquina o capitalismo é, que tipo de processo ele é, como ele é universal.
Em uma nota de rodapé no Grundrisse (as anotações que precederam o volume um do Capital) Marx diz que somente quando alcançarmos os confins do mercado mundial que uma revolução mundial, uma revolução socialista, se torna visível. Por isso ele entende que quando, gradualmente, em todo o mundo essas formas de trabalho tiverem sido substituídas pelo trabalho assalariado, então os lucros terão sido substituídos por capital (por mais-valia).
O que acontece quando o capital encontra uma contradição ou uma crise? Existe um movimento de ruptura. No livro eu escrevo que o capitalismo é “uma máquina peculiar cuja evolução vai junto com seu colapso, sua expansão com seu mal funcionamento, ele cresce com seu colapso.” A quebra do sistema se dá na expansão do sistema. Você já usou o seu campesinato e transformou-os em agricultores, então eles se tornam desempregados, o sistema se move ao longo disso para tentar obter um trabalho cada vez mais barato, mas ao mesmo tempo não há ninguém para comprar todos esses produtos.
Eu acho que nós estamos agora em uma posição muito melhor para ver isso do que estávamos no século 20. Uma vez que tocadas as fronteiras do mercado mundial, então o capitalismo não pode mais se expandir. Agora nós não estamos nesse ponto. Porém, melhor que nos tempos de Marx nós podemos ver os limites da situação se aproximando. Esse é o momento em que o sistema se torna intolerável e se faz claro que ele vai quebrar ou será substituído por outra coisa.
É claro que as pessoas costumavam pensar que Marx estava dizendo que o socialismo era inevitável, mas bem para trás, como no Manifesto Comunista, ele escreve tanto sobre uma reconstituição revolucionária, como sobre “a ruína comum das classes em luta” – então não, não é inevitável, mas é onde a ação humana e a prática política entram em jogo.
Aaron Leonard: No livro você escreve, “Marx sozinho tentou combinar uma política de revolta com uma ‘poesia do futuro’ e se empenhou em demonstrar que o socialismo era mais moderno que o capitalismo e mais produtivo. Recuperar esse futurismo e a excitação é certamente a tarefa fundamental de qualquer “discurso de luta” da esquerda. Você poderia falar mais sobre isso, e como se pode começar a conceber um socialismo futurista?
Frederic Jameson: O próprio Marx estava sempre bastante excitado sobre novas descobertas – coisas como fertilizantes químicos (que não parecem tão bons hoje, mas levou a uma revolução verde em seu tempo), cabos submarinos, e outras descobertas na ordem do dia. É muito claro que ele pensou o socialismo como mais avançado tecnologicamente e em todos os outros caminhos. Raymond Willians escreveu sobre como as pessoas pensam que o socialismo é um retorno nostálgico, um retorno para uma sociedade mais simples. Willians contesta que o socialismo não será mais simples, ele será muito mais complicado.
Existe uma tendência entre a Esquerda hoje – e eu quero dizer todas as variedades de Esquerda – de se reduzir a proteger coisas. É um tipo de conservadorismo; salvar todas as coisas que o capitalismo destrói, como a natureza, as cidades, a cultura e etc. A esquerda é colocada em uma posição nostálgica auto-derrotista, somente tentando retardar o movimento da história. Existe um escrito de Walter Benjamin que epitomiza isso – apesar de eu não saber o que ele mesmo pensava disso – as revoluções estão “apertando o alarme de emergência”, parando a investida do trem. Eu realmente não acho que Marx pensava assim. Me parece que Marx pensava que a produtividade poderia aumentar se livrando do capitalismo. No nível da organização, tecnologia e produção, Marx não queria um retorno para o trabalho manufatureiro, mas ir adiante em todo tipo de formas complexas de automatização e computadorização (uma vez que isso surgiria) e tudo mais.
O advento histórico de algo como o socialismo ou o comunismo aconteceu em um lugar que era essencialmente um país do terceiro mundo, a Rússia, um país subdesenvolvido, isso nos fez pensar o socialismo de uma forma que não era a maneira de Marx imaginá-lo. O Movimento socialista tem ele próprio de ser inspirado por este outro tipo de visão.
Extraído do original no link