Por Vladímir Ilitch Uliánov, via marxists.org, traduzido por João Oliveira Nunes
“De acordo com os autores da resolução, se existe uma “medida de liberdade”, então é um “parlamento”; caso contrário, é uma “fraude”. Esta é uma visão democrática vulgar, digna de um Cadete, mas não de um marxista. Sob a Terceira Duma há muito menos liberdade do que sob a Segunda; mas a Terceira Duma é um parlamento menos fictício, porque reflete mais verdadeiramente a relação real entre a autoridade do Estado e as classes dominantes atuais. Enquanto o poder estiver nas mãos do czar e dos proprietários feudais, não pode haver outro parlamento na Rússia burguesa. Pode caber aos Cadetes tentar varrer essa verdade nua e crua para debaixo do tapete, mas não os social-democratas.”
Nós já oferecemos uma apreciação geral do “otzovismo” [1] e do “ultimatismo” no número 42 do jornal Proletarii. [2] No que se refere à resolução dos otzovistas de São Petersburgo (reproduzida nesta edição), que serviu como sua plataforma durante a eleição dos delegados para a Conferência de Dezembro do Partido Operário Social-Democrata Russo (e que, infelizmente, não foi comunicado ao Proletarii até depois da conferência), temos que repetir muito do que foi dito lá.
Esta resolução simplesmente está repleta de argumentos falaciosos e não-marxistas. Praticamente todos os pontos são evidências da imaturidade das ideias de seus autores ou de seu esquecimento do ABC da social-democracia. Ponto 1: “A primeira etapa da revolução está concluída…” O que isso significa? Que uma etapa de desenvolvimento social e econômico está concluída? Provavelmente não. Os autores têm em mente o fim da etapa da luta revolucionária direta das massas. Devemos supor que os otzovistas querem dizer isso, se não quisermos imputar a eles algo totalmente absurdo. Se for esse o caso, então eles admitem que as condições atuais são desfavoráveis para a luta revolucionária direta das massas. Mas, embora compelidos pela força das circunstâncias a admitir isso, os otzovistas são incapazes de raciocinar as conclusões que decorrem, e não podem, portanto, fazer com que seus argumentos se encaixem. “A Rússia … está caminhando para um novo levante revolucionário”… Muito bem! Ela está apenas se movendo em direção a uma ascensão, ou seja, ainda não há uma ascensão – é isso que isso significa, tanto na lógica quanto na gramática! Parece, no entanto, que esta retomada ainda inexistente é “caracterizada por um conflito agudo” etc. O resultado é um total absurdo. Os otzovistas são incapazes de caracterizar o presente. Eles “caracterizam” o futuro, para o qual “caminhamos”, de forma a encobrir a falta de compreensão do presente. Por exemplo, a “pequena burguesia urbana empobrecida” salta para o quadro sabe Deus de onde, e a referência a eles não é apoiada nem mesmo por uma tentativa de análise. Por que a ascensão futura deve ser “caracterizada” por um conflito agudo de pequeno-burgueses empobrecidos não é de todo evidente. Nem parece haver qualquer razão para que a pequena burguesia urbana empobrecida deva ser mencionada exatamente neste momento. Os lumpen-proletários se distinguem, às vezes, por seus conflitos agudos, e às vezes por sua incrível instabilidade e incapacidade de lutar. As ideias dos otzovistas são totalmente confusas, e não nos surpreendemos que na conferência do POSDR apenas dois bundistas [3] votaram com os dois otzovistas para a inserção da referência à “pequena burguesia urbana empobrecida”. Nossa opinião de que o otzovismo é um oportunismo às avessas foi magnificamente confirmada.
Com quem ocorrerá o conflito agudo? “Com o bloco dominante da grande burguesia e senhores de terras feudais.” E não com a autocracia? Os otzovistas não conseguem distinguir o absolutismo, que está manobrando entre essas duas classes, do governo direto das duas classes; com o resultado absurdo de que a luta contra a autocracia sai totalmente de cena.
“Um trabalho secreto está em andamento para organizar as forças…” O trabalho de aprender as lições da experiência, de digerir novas lições, de acumular força pode ser, e frequentemente é, realizada em segredo; mas a organização das forças não pode ser realizada em segredo, mesmo quando todo o trabalho é realizado na clandestinidade. Em 1901-03, a organização das forças prosseguiu ilegalmente, mas não secretamente. Os otzovistas estão apenas repetindo fragmentos de frases de papagaio e distorcendo-os no processo.
Ponto 2: “A solução deste conflito, tendo em vista os antagonismos de classe fortemente desenvolvidos na Rússia, assumirá a forma de uma revolução”…. Os antagonismos de classe na Rússia são menos desenvolvidos do que na Europa, que não enfrenta a tarefa de combater a autocracia. Os otzovistas não percebem que, ao tentar ampliar seus pontos de vista, estão se aproximando de seus antípodas, os oportunistas.
“… uma revolução que levará a um levante armado…” Os otzovistas ainda não nos disseram nada distintivo sobre o objetivo da luta, ou sobre o atual estágio de desenvolvimento da autocracia; mas se apressam em nos falar sobre os meios de luta para se proclamarem “revolucionários”. Isso é infantil, queridos camaradas, pois vocês estão nos mostrando mais uma vez que aprenderam de cor fragmentos de boas frases, sem entender o que eles querem dizer. A atitude dos social-democratas revolucionários em relação à insurreição foi diferente em 1897, 1901 e 1905. Foi somente depois de 9 de janeiro de 1905 que eles a tornaram uma questão fundamental – embora a Rússia, em 1897 e em 1901, estivesse indubitavelmente “em movimento para o levante”, para um “conflito agudo” e para a “revolução”. Não basta decorar as palavras de ordem; é preciso também aprender a julgar o momento oportuno para emiti-las. Advogar por um dos meios de luta em um momento em que a “ascensão” não começou e a “revolução”, no sentido mais estrito e direto do termo, ainda é uma questão de futuro (e os otzovistas falam disso no futuro: “assumirá a forma de uma revolução”) significa apenas fazer-se em uma caricatura de social-democrata revolucionário. A resolução adotada pela conferência fala de uma crise revolucionária em desenvolvimento e do objetivo da luta (conquista do poder pelas classes revolucionárias); mais do que isso não pode e não deve ser dito no momento.
Como as misteriosas “reformas municipais” chegaram aqui, e representadas como “reformas radicais”, só Deus sabe. Aparentemente, os próprios otzovistas não sabem o que isso significa.
Ponto 3: “Em vista disso, a social-democracia, como partido consistentemente revolucionário, deve colocar a ação não-parlamentar em primeiro plano.”…
E, no entanto, existem pessoas (os ultimatistas) que são tão míopes, que nossos desacordos com os otzovistas parecem-lhes diferenças apenas sobre questões práticas, desacordos sobre as formas e meios de aplicar uma linha comum de táticas! No verão de 1907, a divergência sobre o boicote à Terceira Duma pode ter sido considerada meramente como uma discordância sobre métodos, e o erro dos boicotistas apenas como um erro na escolha dos métodos de aplicação de táticas com os quais todos os bolcheviques concordavam. Hoje, em 1909, é ridículo até mesmo sugerir tal coisa. O erro dos otzovistas e ultimatistas evoluiu para um desvio dos princípios do marxismo. Basta pensar: “Em vista disso”, ou seja, tendo em vista que estamos “caminhando para” uma retomada, e que o conflito “assumirá a forma de uma revolução”, “diante disso”, que a ação não-parlamentar seja colocada em primeiro plano! Ora, camaradas, isto é apenas uma confusão de palavras para encobrir uma monstruosa confusão de ideias! Antes mesmo de dizer uma palavra sobre a Duma na sua resolução, já formulou a conclusão: “em vista disso” … “ação não-parlamentar”! Tendo em vista que não entendemos a importância da Duma e as tarefas do Partido em um momento em que a ascensão está amadurecendo, proclamamos que a luta deve ser fora da Duma – esse é o absurdo a que equivale a defesa dos otzovistas. Eles repetiram, sem entendê-los, retalhos de argumentos que os bolcheviques apresentaram numa época em que a luta não-parlamentar não estava apenas sendo proclamada, mas levada a cabo pelas massas; e os repetem em um momento em que eles próprios consideram “a primeira etapa da revolução concluída”, isto é, que por enquanto as condições para a ação direta de massa estão ausentes.
Eles aprenderam de cor a sólida proposição de que o trabalho na Duma deve ser subordinado aos interesses e à direção do movimento operário fora da Duma e a repetir fragmentos do que aprenderam de forma irrelevante e de uma forma distorcida e dificilmente reconhecível.
Em vez de enfatizar a necessidade de continuar – ademais do trabalho na Duma – a dedicar o máximo esforço à organização e agitação persistente, prolongada e meticulosa entre as massas fora da Duma – os otzovistas, em companhia dos Socialistas-Revolucionários, levantam um “revolucionário” grito sobre “ação não-parlamentar”, sobre a violência e assim por diante.
“A ação direta é impossível no presente”, dizem os otzovistas no final da resolução (Ponto 1), embora no início proclamem uma luta não-parlamentar. Se isso não é uma caricatura do bolchevismo, o que é?
“E trabalhar para levar a revolução até a vitória completa”. Primeiro, o retalho de uma ideia sobre os meios de luta, depois seu objetivo! … “e para isso organizar o proletariado e as amplas massas camponesas” …. Numa época como a atual, em que a tarefa principal é fortalecer e reconstruir as organizações partidárias semidestruídas, esta é uma mera frase, camaradas!
O ponto 4 é uma das joias do “otzovismo”. “O Partido pode empregar apenas as formas de ação organizacional e de agitação que não obscureçam ou enfraqueçam a luta revolucionária”.
Esta, de acordo com os ultimatistas “práticos”, é a forma “prática” de expor a questão! Em 1909, os otzovistas são compelidos a buscar uma justificativa teórica e a busca inevitavelmente os paralisa. “Apenas as formas de ação que não obscureçam…” – esta é uma ampla menção indireta ao trabalho dos social-democratas na Duma e de sua utilização de organizações semilegais e legais. Parece, então, que existem algumas “formas de ação” que obscurecem e outras não. Para salvar as pessoas que não conseguem conceber a dificuldade de usar o cérebro, façamos uma lista de “formas de ação” e risquemos aquelas que “obscurecem” – agora as táticas serão verdadeiramente revolucionárias!
Tomem a imprensa legal, por exemplo, caros camaradas. Essa “forma de ação organizacional e agitacional” obscurece ou não? Claro que sim, sob o regime de Stolipin. Então, deve ser eliminada, segundo os otzovistas, que não sabem distinguir as condições em que os social-democratas revolucionários podem recorrer às mais variadas formas de ação e, portanto, falar bobagens. “O partido deve prestar atenção especial à utilização e reforço das organizações existentes e à formação de novas organizações ilegais, semilegais e, quando possível, legais que possam servir de redutos”, declara a resolução da conferência, proposta e realizada pelos bolcheviques. Esta a resolução está tão distante do otzovismo quanto o céu está da terra. “Apenas aquelas formas que não obscurecem” – é apenas uma frase vazia: um mero “uivo”, e não uma declaração revolucionária. A formação de “comitês de operários” ilegais do partido para utilizar “organizações semilegais e, quando possível, legais” – essas são as táticas dos social-democratas revolucionários que levam em consideração quais “formas de ação organizacional e de agitação” são prescritas pela situação atual, e que sejam capazes de mostrar métodos de atividade genuinamente social-democrata nas mais diversas “formas”.
“Abaixo a literatura legal social-democrata” é uma frase vazia, impraticável e, portanto, apenas pode favorecer aos oportunistas – que estão perfeitamente cientes de que ela é impraticável. É difícil traçar uma linha entre os social-democratas que estão prontos para responder ao partido por meio de seus escritos na imprensa legal e os literatos infiltrados não-partidários; mas isso é possível e proporciona uma verdadeira linha de ação para quem quer trabalhar com o partido. “Abaixo o grupo legal da Duma, abaixo as organizações legais” – essas são frases vazias que só beneficiam aos oportunistas, que ficariam contentes em se livrar do controle do partido. Continuar exercendo esse controle, “utilizando” órgãos legais, retificando cada erro e asneira tática cometidos pelos social-democratas – isso é trabalho do partido, que nós e todos aqueles que desejem executar as decisões da conferência continuaremos a empreender.
O final do ponto 4: “tenazmente opondo todos os acordos entre a burguesia contrarrevolucionária e a autocracia”.
Ugh! Os otzovistas insistirão em repetir inadequadamente fragmentos de ideias extraídas da literatura bolchevique. Francamente, camaradas, vocês devem tentar descobrir o que é o quê! No período da Primeira e da Segunda Dumas, o governo ainda estava tateando em direção a esses acordos, enquanto os Cadetes recomendavam ao povo a reconciliação como palavra de ordem de “luta” (palavras de ordem que enganavam até os social-democratas mencheviques). Naquela época, uma luta decidida contra quaisquer acordos era realmente a palavra de ordem do dia, a tarefa do momento, a exposição da fraude. Hoje o czarismo encontrou o caminho para fechar o acordo, e já o fez, com aquelas classes que os próprios otzovistas chamam de “bloco”; e, além disso, ninguém se deixa enganar pelo acordo que foi concluído na Terceira Duma. Fazer da tarefa de “opor-se tenazmente a todos os acordos” o pivô de nossa agitação hoje significa fazer-se uma caricatura do bolchevismo.
Ponto 5: “A nossa Duma não pode ser considerada como um parlamento que trabalha num ambiente de liberdade política e com uma certa liberdade para a luta de classes do proletariado, mas é apenas um acordo entre o czarismo e a grande burguesia”… Aqui há dois erros. É errado dizer “não um parlamento, mas um acordo”, uma vez que muitos dos parlamentos do mundo nada mais são do que um acordo entre a burguesia (em vários estágios de desenvolvimento) e vários resquícios do medievalismo. Tínhamos que lutar, e lutamos, para evitar que o primeiro parlamento da Rússia fosse um parlamento das Centenas Negras e dos Outubristas; mas uma vez que se tornou assim, apesar de nossos esforços – e a história nos obrigou a passar por essa fase -, é infantil tentar exorcizar essa realidade desagradável com exclamações e declamações. Em segundo lugar: de acordo com os autores da resolução, se existe uma “medida de liberdade”, então é um “parlamento”; caso contrário, é uma “fraude”. Esta é uma visão democrática vulgar, digna de um Cadete, mas não de um marxista. Sob a Terceira Duma há muito menos liberdade do que sob a Segunda; mas a Terceira Duma é um parlamento menos fictício, porque reflete mais verdadeiramente a relação real entre a autoridade do Estado e as classes dominantes atuais. Enquanto o poder estiver nas mãos do czar e dos proprietários feudais, não pode haver outro parlamento na Rússia burguesa. Pode caber aos Cadetes tentar varrer essa verdade nua e crua para debaixo do tapete, mas não os social-democratas.
O ponto 6, a título de exceção, está correto. Mas esta é precisamente uma exceção que prova a regra inversa, porque… porque neste ponto os otzovistas estão expondo, não suas próprias ideias, mas as ideias dos anti-otzovistas que formaram as resoluções da conferência.
Conclusões. Ponto (a) “A Duma sendo… um acordo… e uma arma da contrarrevolução” …. Isso mesmo! … “só serve para fortalecer a autocracia”… Esse “só” está errado. A autocracia evitou sua queda organizando essa Duma a tempo: mas ela não se fortaleceu assim, ao contrário, avançou em sua decadência. A Duma, como “tela”, é mais eficaz do que muitas “exposições”, porque pela primeira vez, em mil e um questões, revela a dependência do czarismo em relação aos setores contrarrevolucionários da sociedade; é pela primeira vez demonstrando amplamente o quão próxima é a aliança entre Romanov e Purishkevich, entre o czarismo e a “União do Povo Russo”, entre a autocracia e os Dubrovins, os Iliodors e os Polovniovs.
Que a Duma sanciona os crimes do czarismo está fora de dúvida; mas essa é a sanção de classes particulares, em nome de interesses de classe particulares, e é dever dos social-democratas justamente usar a tribuna da Duma para revelar essas verdades instrutivas da luta de classes.
“Os procedimentos de oito meses da Terceira Duma mostraram que os social-democratas não podem fazer uso dela.”
Aqui está a própria essência do otzovismo, cujo erro nossos “ultimatistas” estão apenas encobrindo, confundindo a questão com seu equívoco ridículo – uma vez que gastamos tanta energia na criação de um grupo na Duma, não deveríamos revogá-lo levianamente!
Há uma questão direta, e a evasiva não adianta de nada: esses oito meses de trâmite provaram que é possível fazer uso da tribuna da Duma, ou não? A resposta dos otzovistas está errada. Apesar das imensas dificuldades envolvidas na orientação do grupo partidário na Duma, sem dúvida provou-se a possibilidade de fazer uso da Duma como plataforma. Ficar intimidado pelas dificuldades e erros é timidez; é um “uivo” intelectual, enquanto o que queremos é um esforço proletário paciente, consistente e persistente. Outros partidos socialistas na Europa encontraram dificuldades ainda maiores no início de sua atividade parlamentar e cometeram muitos mais erros, mas não se esquivaram de seu dever. Eles conseguiram superar as dificuldades e corrigir seus erros.
(b) “Nosso grupo na Duma … perseguindo persistentemente táticas oportunistas, não poderia e não pode ser um representante leal e consistente do proletariado revolucionário.”
As mais grandiosas verdades podem ser vulgarizadas, camaradas otzovistas, os objetivos mais nobres podem ser reduzidos a mera fraseologia – e é isso que vocês estão fazendo. Vocês rebaixaram a luta contra o oportunismo a uma mera fraseologia e, portanto, estão apenas fazendo o jogo dos oportunistas. Nosso grupo na Duma cometeu e está cometendo erros, mas pelo seu próprio trabalho provou que “podia e pode” representar o proletariado de maneira firme e consistente – poderia e pode, quando nós, o partido, os orientamos, ajudamos, nomeamos nosso melhores quadros para liderá-los, redigir diretrizes e redigir discursos, e explicar os efeitos nocivos e fatais de receber conselhos da intelectualidade pequeno-burguesa que, não apenas na Rússia, mas em todo o mundo, sempre obter acesso fácil a todos os tipos de instituições na periferia parlamentar.
Tenham a coragem de admitir, camaradas, que até agora pouco fizemos para dar esta verdadeira orientação ao trabalho do grupo na Duma, para o ajudar nos deveres. Tenhamos a coragem de admitir que podemos fazer dez vezes mais nessa direção, se conseguirmos fortalecer nossas organizações, consolidando nosso partido, aproximando-o das massas, criando meios de o partido exercer uma influência constante sobre grandes seções dos proletários. É para isso que trabalhamos, é para isso que todos devem trabalhar, quem quer combater o oportunismo com obras e não com palavras.
Os otzovistas reduziram a luta contra o oportunismo no grupo da Duma a uma mera frase. Eles aprenderam palavras de cor sem entender a diferença entre a crítica anarquista e a social-democrata ao oportunismo. Veja os anarquistas. Todos atacam todos os erros que todo membro social-democrata do parlamento comete. Todos eles gritam: mesmo Bebel uma vez fez um discurso com um espírito quase patriótico, uma vez assumiu uma posição errada sobre o programa agrário, e assim por diante. É verdade que até Bebel cometeu erros oportunistas em sua carreira parlamentar. Mas o que isso prova? Os anarquistas dizem que isso prova que todos os parlamentares operários devem ser revogados. Os anarquistas criticam os membros social-democratas do parlamento e recusam-se a ter qualquer coisa a ver com eles, recusam-se a fazer qualquer coisa para desenvolver um partido proletário, uma política proletária e membros proletários do parlamento. E na prática o fraseado dos anarquistas os converte nos mais verdadeiros cúmplices do oportunismo, no lado avesso do oportunismo.
Os social-democratas tiram uma conclusão bem diferente de seus erros – a conclusão de que mesmo Bebel não poderia se tornar Bebel sem um trabalho prolongado do partido na formação de verdadeiros representantes social-democratas. Eles não precisam nos dizer: “Não temos nenhum Bebel em nosso grupo”. Os Bebel não nascem. Eles têm que ser feitos. Os Bebel não surgem totalmente formados como Minerva da cabeça de Júpiter, mas são criados pelo partido e pela classe trabalhadora. Quem diz que não temos nenhum Bebel não conhece a história do Partido Alemão: não sabe que houve uma época, sob a Lei Anti-Socialista, em que August Bebel cometeu erros oportunistas e que o partido o corrigiu, o Bebel guiado pelo partido. [4]
(c) “A presença contínua do grupo social-democrata na Duma … só pode prejudicar os interesses do proletariado … diminuir a dignidade e a influência dos social-democratas.” Para mostrar como “quantidade se transforma em qualidade” nesses exageros absurdos, e como as frases anarquistas crescem a partir deles (independentemente de nossos camaradas otzovistas desejarem ou não), precisamos apenas nos referir ao discurso de Belousov durante o debate sobre o orçamento de 1909. Se tais discursos forem considerados “prejudiciais”, e não como prova de que a tribuna da Duma pode e deve ser utilizada, então nossa discordância deixa de ser uma mera diferença de opinião sobre o caráter de um discurso, e se torna uma discordância sobre os princípios fundamentais da tática social-democrata.
(I) “Lançar uma ampla campanha … pela palavra de ordem: ‘Abaixo a Terceira Duma’ ‘
Nós já disse no número 39 do jornal Proletarii que esta palavra de ordem, que por um tempo teve apelo para alguns trabalhadores anti-otzovistas, é errada. [5] Ou é uma palavra de ordem de Cadete, pedindo uma reforma eleitoral sob a autocracia, ou uma repetição de palavras aprendidas mecanicamente desde o período em que a Duma liberal era uma tela para o czarismo contrarrevolucionário, projetada para evitar que as pessoas vissem claramente quem era seu verdadeiro inimigo.
(II) “Revogação… do grupo Duma; isso vai enfatizar tanto… o caráter da Duma quanto as táticas revolucionárias dos social-democratas. “
Esta é uma paráfrase da proposição apresentada pelos otzovistas de Moscou, de que a retirada do grupo da Duma enfatizará que a revolução não está morta e enterrada. Tal conclusão – repetimos as palavras do número 39 de Proletarii – “enfatiza” apenas o sepultamento daqueles social-democratas que são capazes de argumentar desta forma. Assim, eles se enterram como social-democratas; eles perdem todo o sentimento pelo genuíno trabalho revolucionário proletário; e por essa razão eles estão se contorcendo tão dolorosamente para “enfatizar” suas frases revolucionárias.
(III) “Dedicar todos os esforços à organização e à preparação para a luta aberta … e, portanto, renunciar à agitação e à propaganda aberta da tribuna da Duma [!]” etc., etc.
Os otzovistas esqueceram que é impróprio para os social-democratas recusar-se a fazer propaganda a partir da tribuna da Duma.
Nesse ponto, eles nos dão o argumento repetido por alguns ultimatistas, de que “não faz sentido desperdiçar energia em um trabalho sem esperança na Duma, usemos todas as nossas forças de forma mais produtiva”. Isso não é raciocínio, mas um sofisma, que – novamente, independentemente de os autores desejarem ou não – leva a conclusões anarquistas. Pois em todos os países os anarquistas, apontando os erros cometidos pelos parlamentares social-democratas, argumentam que é “uma perda de tempo se preocupar com o parlamentarismo burguês” e apelam à concentração de “todas essas forças” na organização da “ação direta”. Mas isso leva à desorganização e à gritaria de “palavras de ordem” que são fúteis porque estão isolados, em vez de realizar trabalhos em todos os campos na escala mais ampla possível. Só parece aos otzovistas e ultimatistas que seu argumento é novo e se aplica apenas à Terceira Duma. Mas eles estão errados. É um argumento comum ouvido por toda a Europa, e não é um argumento social-democrata.
* * *
Assim, otzovismo e ultimatismo são caricaturas do bolchevismo. O que deu origem a essas caricaturas? Claro, as falácias do bolchevismo como um todo, e o menchevique tem dezenas delas a apontar. Tal conclusão, sem dúvida, é muito “proveitosa” para os mencheviques. Infelizmente para eles, no entanto, os fatos objetivos não corroboram, mas os refutam. Os fatos objetivos são que, no desenvolvimento não só do bolchevismo, mas do marxismo russo em geral, houve um período em que o marxismo foi caricaturizado, e que o marxismo russo se fortaleceu e se desenvolveu na luta contra essas dores do crescimento, dores que acompanharam a expansão de sua esfera de influência. O marxismo russo nasceu no início da década de oitenta do século passado nas obras de um grupo de emigrantes políticos (o grupo Emancipação do Trabalho).
Mas o marxismo não se tornou uma tendência do pensamento social russo e parte integrante do movimento operário na Rússia até meados da década de noventa do século passado, quando uma “onda” da literatura marxista e de um movimento operário social-democrata de classe surgiu na Rússia. E o que aconteceu? Essa onda trouxe consigo uma caricatura do marxismo na forma do struvismo [6], por um lado, e do Rabocheie Dielo-ismo e do economismo, por outro. O marxismo cresceu e amadureceu porque não escondeu as divergências em suas fileiras, não bancou o diplomata (como os mencheviques fazem com Maslov, Cherevanin, Kuskova, Prokopovich, Valentinov, Yermansky e Cia.), mas empreendeu uma campanha vitoriosa contra a caricatura, que havia sido engendrada pelas condições deploráveis da vida russa e foi um ponto de inflexão no desenvolvimento histórico do socialismo na Rússia. E o bolchevismo crescerá e se fortalecerá, sem fazer nenhuma tentativa de ocultar a distorção incipiente de seus princípios por uma caricatura engendrada pelas condições deploráveis da vida russa e pelo ponto de inflexão do período contrarrevolucionário, mas explicando abertamente às massas sobre o pântano para o qual os otzovistas e ultimatistas liderariam o grupo da Duma e o partido.
Notas:
[1] N.E. O termo otzovízm provém, em russo, da palavra otzive, que significa “revogação”, “recall“. Remete à defesa que esta tendência fazia de que o partido, se abstendo da Duma, revogasse os mandatos dos deputados social-democratas eleitos para esse órgão.
[2] N.E. Vide https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1909/feb/12.htm
[3] N.E. Referência à organização socialista “indentitária” judaica, o chamado Bund.
[4] Nota de Lênin: Lideremos com esta história esclarecedora e com a condenação de tendências alemãs parecidas com os nossos otzovistas em um artigo separado.
[5] N.E. Vide https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1908/nov/13.htm
[6] N.E. Tendência marxista legal representada pelo mais tarde Cadete, o intelectual Piotr Struve.