Por Louis Althusser, in PARA UN MATERIALISMO ALEATORIO, traduzido por Jorge Fernando Reis De O. Freitas
A idade desse homem não tem nenhuma importância. Pode ser muito velho ou muito jovem.
O essencial é que não saiba onde está e que tenha o desejo de ir a qualquer parte.
Por isso, da mesma forma que nos westerns americanos, ele sempre toma o trem em
marcha. Sem saber de onde vem (origem) nem aonde vai (fim). E, assim, desce em movimento, numa pequena cidade ao redor de uma estação ridícula.
Saloon, cerveja, whisky.
– De onde você vem?
– De longe.
– Aonde vai?
– Não sei.
– Espero que haja trabalho para ti.
– Ok.
E nosso amigo Nikos se dispõe para trabalhar. É grego de nascimento, imigrou para os Estados Unidos, como tantos outros, mas sem um tostão no bolso.
O trabalho é duro e, depois de um ano, casa-se com a mulher mais bonita do lugar. Ele acumula um pequeno pé de meia e compra o começo do rebanho.
Com sua inteligência, seu sentido (Einsicht) [1] de escolha dos jovens animais (cavalos, vacas), acaba tendo o melhor conjunto de animais da região – depois de dez anos de trabalho.
O melhor conjunto de animais = o melhor conjunto de categorias e conceitos.
Concorrência com os outros proprietários – tranquilo. Todos o reconhecem como o melhor e suas categorias e conceitos (seu rebanho) como os melhores.
Sua reputação se estende por todo o país.
De vez em quando, toma o trem em marcha para ver, conversar, escutar – como faz Gorbatchov nas ruas de Moscou. – Se pode, ainda assim, pegar o trem indo pra lá!
Mais popular que qualquer outro, poderia ser eleito para a Casa Branca, tendo começado do zero. Não. Prefere viajar, abaixar-se no caminho; é assim que se compreende a verdadeira filosofia, que é a que a gente tem na cabeça e que é sempre conflitiva.
Desde já, pode também solucionar uns problemas, apaziguar uns conflitos, porém com a condição absoluta de dominar suas paixões.
É então quando ele lê os Hindus, os Chineses (o Zen) e Maquiavel, Spinoza, Kant, Hegel, Kierkegaard, Cavaillés, Canguilhem, Vuillemin, Heidegger, Derrida, Deleuze, etc.
Converte-se assim, sem querer, em um filósofo materialista quase profissional – não materialista dialético, esse horror, e sim materialista aleatório.
Alcança, então, a sabedoria clássica, o conhecimento do terceiro gênero de Spinoza, o Super-Homem de Nietzsche e a inteligência do eterno retorno: saber que tudo se repete e que não existe mais que a repetição diferencial.
Então pode discutir com os grandes idealistas. Não somente os entende, mas os explica a eles mesmos as razões de suas teses. E os outros, as vezes ficam amargurados, porém e daí?! Então que seja:
amicus Plato, magis árnica Ventas! [amigo de Platão, mais amigo da Verdade!]
Nota:
[1] Discernimento em alemão.