Gramsci, herdeiro de Lenin: o problema da relação entre teoria e paixão

Por Eduardo Granja Coutinho*

E o incêndio revolucionário se propaga, incendeia novos corações e cérebros, transformando-os em tochas ardentes de nova luz, de novas chamas. [antonio gramsci

Sabe-se que a Revolução Russa marcou profundamente a prática e a teoria  revolucionária nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. Ao  mesmo tempo em que galvanizou a paixão insurgente das massas no  mundo inteiro, a experiência bolchevique estimulou novas formas de  consciência e de organização proletária. A teoria política de Lenin, submetida à prova da história, estimulou a renovação do marxismo e apontou  novos caminhos para uma jovem geração de intelectuais revolucionários  que recusaram a visão fatalista e mecanicista do marxismo da época da II Internacional. Dentre esses intelectuais que se reivindicaram herdeiros  do leninismo, ocupa um lugar de destaque o italiano Antonio Gramsci.  Na esteira da revolução de outubro, Gramsci abandonaria suas posições  tendencialmente idealistas em favor de uma concepção materialista e  dialética da história. Como observou Palmiro Togliatti, o leninismo foi,  de fato, o fator decisivo de toda a evolução de Gramsci como pensador  e como homem político de ação” (2014, p. 1146). 

A assimilação de Lenin por Gramci não se limita, no entanto, a uma  simples tradução italiana do leninismo. Gramsci desenvolve de forma  original conceitos fundamentais do teórico russo, como, por exemplo,  o conceito de “hegemonia”. Pode-se dizer, como o fez Carlos Nelson  Coutinho (1992), que se estabelece uma relação de conservação e renovação entre esses dois grandes representantes do pensamento político  marxista do século XX. O presente ensaio tem como objetivo mostrar  como se desenvolve, sob a influência do líder bolchevique, um tema  fundamental da teoria política gramsciana: o da relação entre paixão e  consciência teórica revolucionária. Veremos que, ao apropriar-se com  o auxílio de Lenin do método dialético marxiano, Gramsci foi capaz de  equacionar questões teóricas herdadas da filosofia neo-hegeliana, notadamente as questões da “paixão” (Croce) e da “vontade” (Gentile), que  jamais deixarão de ter importância em seu pensamento. 

Parte-se do reconhecimento de que a interpretação da Revolução Russa  por Gramsci não é a mesma ao longo de sua trajetória política e intelectual.  Em um primeiro momento, a defesa apaixonada da Revolução retoma o  léxico e os esquemas interpretativos do neo-idealismo italiano. “Há toda  uma série de artigos de 1917-1918 em que Lenin, como líder do bolchevismo,  é interpretado através das categorias de criação e vontade” (Vanzulli,  2015, p. 346). Porém, a partir de 1918-19, quando toma conhecimento  efetivo dos textos teóricos de Lenin, Gramsci supera progressivamente  essa concepção voluntarista e espontaneísta, passando a compreender  a revolução como algo condicionado por processos históricos objetivos.  Desse modo, a vontade revolucionária vai deixando de ser concebida  abstratamente como mera subjetividade apaixonada para ser pensada  como algo indissociável da “consciência da necessidade histórica”.  

Note-se que a superação do voluntarismo abstrato não significa de  modo algum a negação da importância política fundamental da vontade,  da espontaneidade e das iniciativas subjetivas, mas a necessidade de articulá-las ao conhecimento do real histórico. À medida que se aproxima de  Lenin — a quem se refere nos Cadernos como “o maior teórico moderno  da filosofia da práxis” —, Gramsci compreende que a vontade política,  para não ser mera veleidade, deve possuir um fundamento racional e que  esse fundamento só pode ser desenvolvido junto às camadas populares por uma forte organização dos trabalhadores: o partido político. Cabe a  esse intelectual coletivo articular o elemento espontâneo ao elemento  consciente. Dessa mediação realizada pelo partido entre a paixão das  massas e a teoria revolucionária, diz Gramsci, depende a criação de uma  “vontade coletiva nacional-popular”. 

Do voluntarismo abstrato à práxis revolucionária 

Em 1917, quando eclodiu a Revolução bolchevique, Gramsci tinha 25  anos e, como diria mais tarde, ainda era “tendencialmente crociano”. Sua  relação com Marx era mediada pelo revisionismo italiano, que naquele  momento não havia ainda revelado o seu caráter abertamente antidemocrático. Essa inclinação pelo marxismo de viés idealista era, como  se sabe, uma reação ao economicismo positivista dominante nos meios  político-culturais socialistas no início do século XX.  

Os principais ideólogos do PSI entendiam a revolução proletária  como o resultado de uma inexorável lei do desenvolvimento  econômico: o progresso das forças produtivas, aguçando a polarização de classe e conduzindo a crises de tipo catastrófico, levaria  fatalmente, em dado momento, a um colapso do capitalismo,  com a consequente irrupção da insurreição proletária. (…) O  marxismo era interpretado como uma defesa dos fatos contra a  vontade, da objetividade “natural” contra a subjetividade criadora  (Coutinho, 1992, p. 4). 

Contra o materialismo evolucionista, Croce e Gentile defendiam o  valor do espírito, da vontade e da ação. E é precisamente esse o aspecto  do idealismo italiano que interessava ao jovem socialista: o elemento  liberador que acentua o papel do sujeito na transformação do real, “a  recusa do fetichismo dos fatos e dos mitos cientificistas” (ibid., p. 3). Em  sua crítica à prática política imobilista dos maximalistas, ao reformismo,  ao burocratismo sindical, Gramsci fazia uma leitura revolucionária do  marxismo neo-hegeliano sem, no entanto, sair do solo ideológico idealista.

É assim que, diferentemente de Croce e Gentile, que em 1917 já não nutriam qualquer simpatia pelo marxismo [1], Gramsci defendia entusiasticamente o caráter proletário da Revolução, conservando, entretanto,  daqueles filósofos, o subjetivismo a partir do qual compreendia a revolução  bolchevique como um ato de vontade livre de qualquer determinação  objetiva. Suas “Notas sobre a Revolução Russa”, de abril de 1917, expressam  essa compreensão da revolução como um “fato moral”, “espiritual”, uma  “mudança de mentalidade” que ocorria sob “uma atmosfera de paixão  social” (2004, p. 104). Aqui, “a libertação dos espíritos” nada tem a ver com  a práxis revolucionária de sujeitos que se orientam pelo conhecimento  objetivo que possuem sobre sua própria realidade. Para ele, bastaria “a  instauração de uma nova consciência moral” (ibid.) para que a velha ordem  caísse por terra. Essa crença no poder absoluto da vontade, da realidade  do pensamento isolado da práxis, se evidencia particularmente no artigo  “Os maximalistas russos”, publicado em julho de 1917. Nesse artigo, contra  a ideia marxiana, segundo ele evolucionista, de que a revolução socialista  só poderia ocorrer numa sociedade que já houvesse feito sua transição  para o capitalismo, Gramsci afirmava ser possível realizar o socialismo  a qualquer momento. “Basta que tais experiências [no caso, a revolução  burguesa] se realizem no pensamento para que sejam superadas e se  possa seguir em frente” (2004, p. 106). Sua resposta à tese das condições  objetivas da revolução proletária era, naquele momento, a valorização  das condições subjetivas: a vontade, a moral, a paixão revolucionária. “É  preciso (…) encorajar as consciências e conquistá-las” (ibid.). 

A recusa de Gramsci do determinismo estrutural em nome de uma  vontade abstrata é retomada em um de seus artigos mais importantes  do período: A Revolução contra O Capital”, publicação de dezembro  de 1917. Nesse ensaio, o jovem socialista volta-se mais uma vez contra a fatal necessidade de que na Rússia se formasse uma burguesia,  se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de  tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar  em sua desforra, em suas reivindicações de classe, em sua revolução (2004, p. 126). 

A experiência russa, pensava ele, vinha mostrar que O Capital de  Marx estava equivocado. “Os fatos fizeram explodir os esquemas críticos  dentro dos quais a história da Rússia deveria se desenvolver segundo os  cânones do materialismo histórico” (ibid.). Os bolcheviques mostraram  que esses cânones “não são tão férreos como se poderia pensar e se  pensou” (ibid.). “A pregação socialista criou a vontade social do povo  russo. Por que deveria ele esperar que a história da Inglaterra se repetisse  na Rússia?” (2004, p. 128). 

A despeito de sua crítica às supostas incrustações evolucionistas e  naturalistas em O Capital, Gramsci já é nessa época, à sua maneira, um  marxista. Mas o “nosso Marx”, dizia ele, não é “nem um místico nem  um metafísico positivista”. O marxismo não é uma doutrina rígida, feita  de afirmações dogmáticas indiscutíveis. O marxismo põe sempre como  agentes da história não os fatos econômicos, brutos, mas os homens que  se relacionam entre si e desenvolvem uma vontade social, coletiva, e compreendem os fatos econômicos,  e os julgam e os adequam à sua vontade, até que essa vontade  seja o motor da economia, a plasmadora da realidade objetiva, a  qual vive, e se move, e adquire o caráter de matéria telúrica em  ebulição, que pode ser dirigida para onde a vontade quiser, do  modo como a vontade quiser (2004, p. 127). 

Observando na ação dos bolcheviques a “confirmação da onipotência  miraculosa e criacionista da subjetividade” (Marramao apud Vanzulli, p.  347), Gramsci é nesse momento um metafísico. Todavia, é importante  notar que, a despeito de seu idealismo, o pensamento juvenil de Gramsci  não era destituído de traços materialistas, oriundos da leitura direta da  obra de Marx. Nesse momento, Gramsci já era capaz de compreender  os fenômenos ideológicos — a teoria, a filosofia, a moral — como uma  força material. Isso se evidencia, por exemplo, quando afirma que “Lenin pôde converter seu pensamento em força atuante na história” (2004, p.  106). Porém, ainda não estava claro para ele que esses fenômenos não são  absolutamente autônomos em relação à realidade e que eles só podem ser  entendidos plenamente quando aparecem relacionados dialeticamente  com a totalidade social. Mais tarde, nos Cadernos, retomará repetidas  vezes a célebre passagem do “Prefácio” à Contribuição à crítica da economia  política, onde Marx afirma que:

Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam  todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações  de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as  condições materiais de existência dessas relações se produzam  no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade  só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa  observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só  surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam  ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer (1977, p. 25). 

A ideologia socialista que efetivamente se transformava em realidade  material na Rússia não era produto de uma subjetividade capaz de dirigir a  realidade objetiva para onde quisesse: era “orgânica”, como dirá Gramsci  na prisão, nascida das contradições e voltada para a superação dessas. Em  sua formação juvenil, entretanto, a estratégia gramsciana da luta cultural  carecia de uma percepção da relação dialética entre o homem e seu mundo.  Faltava-lhe ainda incorporar a categoria de práxis. Eis o fundamento  marxista/ leninista da noção gramsciana de “vontade coletiva”.  

Na obra de Lenin, notadamente em Que fazer?, Gramsci encontra uma  justa colocação do problema da relação entre teoria e prática. Nesse livro,  que tem como tema central a divergência no seio da social-democracia  russa sobre a importância relativa do elemento espontâneo e do elemento  teórico, Lenin denuncia o espontaneísmo presente na ala reformista do  partido. Para ele, a submissão da consciência à espontaneidade resultava  necessariamente no reformismo, no trade-unionismo “dos social-democratas que se deixavam levar pelo argumento de que um aumento de um copeque por rublo valia mais que todo o socialismo e toda a política” (2015,  p. 87). Mas Lenin não vê a espontaneidade como algo essencialmente negativo. Pelo contrário: o sentimento e o entusiasmo populares são,  para ele, imprescindíveis ao movimento revolucionário. Na verdade, diz  ele, “o ‘elemento espontâneo’ não é mais do que a forma embrionária do  consciente” [2] (ibid., p. 78). Os motins primitivos já expressavam um relativo despertar do consciente. Os operários  deixavam a crença tradicional na perpetuidade do regime que  os oprimia; começavam… não diria a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistência mais coletiva e rompiam deliberadamente com a submissão servil às autoridades” (ibid.; grifo meu). 

A discussão gramsciana sobre a relação dialética entre o sentir e o  saber, isto é, sobre a elaboração da paixão popular pela consciência política dirigente — discussão que ocupa um lugar central em sua reflexão  sobre o papel do intelectual como organizador da vontade coletiva —  tem nesse texto sua influência mais evidente. Nele, o autor de Que fazer? ensina que a luta espontânea do proletariado não se transformará numa  verdadeira luta de classes enquanto não for dirigida por uma organização  de revolucionários capaz de realizar a mediação entre a teoria e a prática  política das massas. [3] Chegamos aqui à contribuição política decisiva  do líder bolchevique para a superação do voluntarismo neo-hegeliano  do jovem Gramsci: a compreensão do partido de vanguarda como organizador da vontade coletiva, responsável por concentrar os arroios da  ebulição popular numa única torrente gigantesca. Essa, dirá Gramsci  nos Cadernos, é a principal tarefa do partido como intelectual orgânico  coletivo: relacionar dialeticamente as “paixões elementares do povo” com  uma “concepção de mundo superior, científica e coerentemente elaborada” (1999, v. 1, pp. 221-222), transformando o sentimento de revolta,  que se expressa no “subversivismo esporádico” das classes subalternas,  em projeto revolucionário. 

Dos Conselhos de Fábrica ao partido político 

Gramsci foi um dos líderes e principais teóricos do movimento turinês dos Conselhos de Fábrica que, durante o biennio rosso (1919-1920),  colocou em xeque o Estado burguês, lutando pela criação de uma nova  ordem política, fundada diretamente no trabalho coletivo. Inspirados  nos sovietes, os Conselhos — ou Comissões Internas de Fábrica — eram  tidos por Gramsci como o “germe do governo operário”, “o início de um  grande processo histórico, no qual a massa trabalhadora adquire consciência de sua inseparável unidade baseada na produção e no ato concreto  do trabalho” (2004, p. 302). Em abril de 1920, 500 mil operários e campo nesses entraram em greve durante dez dias no Norte da Itália. Sem o apoio  do Partido Socialista Italiano e da central sindical (CGL), a greve não se  ampliou em escala nacional e foi derrotada. Meses depois, sentindo-se  ameaçados pelo fortalecimento dos Conselhos, os industriais realizaram um  lock-out patronal. Nesse momento, os trabalhadores ocuparam as fábricas  durante mais de 15 dias e revelaram-se capazes de geri-las, provando a  viabilidade da autogestão operária, mas logo sofreram nova derrota. Os  limites da concepção ordinovista tornavam-se evidentes. [4]

Tendo como expressão teórica um pensamento que ainda não realizara o seu ajuste de contas com o neoidealismo italiano, a experiência  dos Conselhos refletia aquela crença na autonomia criativa da vontade  que caracterizava a ideologia política do semanário L’Ordine NuovoGramsci, secretário de redação do jornal, compreendia o movimento dos  comissários como uma manifestação da espontaneidade da consciência  do operariado. Segundo ele, “a força do Conselho consiste no fato de  que ele adere à consciência da massa operária, é a própria consciência  da massa operária que quer se emancipar de modo autônomo, que quer  afirmar sua liberdade de iniciativa na criação da história” (2004, p. 370). 

Por seu espontaneísmo, o movimento dos Conselhos é duramente  criticado por Lenin, que o considera uma forma de luta não marxista:  

Durante a ocupação das fábricas foi talvez revelado um único  comunista? Não, na época o comunismo não existia na Itália.  Se poderia falar de uma certa anarquia, mas, certamente não de  comunismo marxista. Este último deveria ser criado, absorvido  pelos trabalhadores, somente através da experiência da luta  revolucionária (Lenin apud Vanzulli, 2015, p. 355). 

De fato, o ordinovismo havia subestimado, até então, a importância  do partido como forma de organização popular. No entanto, em junho de  1919, no momento em que colocava o problema das Comissões  Internas de Fábrica, Gramsci já era capaz de ressaltar o significado histórico do Partido Bolchevique. No artigo “Tributo à história”, ele afirmava  que o Estado dos soviets tornara-se possível pela tenaz perseverança do Partido Comunista, pela fé e pela lealdade entusiásticas dos operários, pela assídua e incessante obra de  propaganda, de esclarecimento, de educação promovida pelos  homens excepcionais do comunismo russo, dirigidos pela vontade clara e retilínea do maior de todos eles, Nicolau Lenin (2004, p.  242; grifo meu). 

Nos meses que se seguiram à derrota dos Conselhos, Gramsci reconheceu os limites políticos do movimento e a necessidade de se criar  um partido de tipo novo, um partido comunista que, a partir de objetivos estratégicos, operasse a construção da unidade ideológica entre os  diversos movimentos da classe trabalhadora italiana. Já em setembro de  1920, pouco antes da fundação do PCI (janeiro de 1921), Gramsci publica  em L’Ordine Nuovo um artigo intitulado “O partido comunista”, no qual  revela haver superado aquela concepção idealista e abstrata da vontade.  Nesse escrito, o comunista italiano sustenta que os traços característicos  do movimento operário, em sua fase atual, não podem ser os sentimentos e as paixões difundidos na massa  e que estão na base da vontade desta massa. Os traços característicos da revolução proletária só podem ser buscados no  Partido Comunista, que existe e se desenvolve na medida em  que é a organização disciplinada da vontade de fundar o Estado, da vontade de dar uma organização proletária ao ordenamento  das forças físicas existentes e de lançar as bases da liberdade  popular (2004, p. 417). 

A categoria gramsciana de vontade adquire, portanto, um fundamento  material, objetivo a partir da assimilação das reflexões de Lenin sobre o  partido político. Nos Cadernos do cárcere, Gramsci irá mostrar que esse  instrumento de organização da cultura é responsável pela catarse das  paixões, dos sentimentos e dos afetos das grandes massas populares  ainda informes, ainda pulverizados, que obedecem apenas aos estímulos  imediatos. Graças à mediação do “moderno príncipe”, essa paixão se torna  paixão revolucionária ou razão apaixonada. Sem a consciência dirigente  do partido, a classe trabalhadora não é capaz de realizar essa catarse, “não  pode se tornar classe nacional, representante dos interesses de um bloco  histórico majoritário, e, desse modo, não pode conquistar a hegemonia na  sociedade” (Coutinho, 1992, p. 53). 

Por fim, é preciso sublinhar que, para Gramsci, a consciência dirigente  não é uma “ideologia cerebrina”, “arbitrária”, mas um conhecimento que  emana da realidade concreta e orienta a práxis dos homens no sentido de  resolver os problemas colocados pelo desenvolvimento histórico. Ela é,  portanto, uma ideologia orgânica, isto é, necessária ao desenvolvimento  de uma determinada estrutura (1999, v. 1, p. 237). Assim, a vontade coletiva deixa de ser a consciência moral voltada para a construção de uma  abstrata ordem comunista; ela é a apreensão subjetiva da racionalidade  imanente do ser social. Essa consciência se apodera das massas e opera  transformações na medida em que mobiliza e é mobilizada pela paixão.


Notas:

[1] Croce se tornou “uma das maiores figuras da reação italiana”, um eficaz instrumento de hegemonia do bloco agrário, diz Gramsci em “A questão meridional” (1926); e Gentile abraçou entusiasticamente a ideologia fascista, tornando-se ministro da Instrução Pública no Governo Mussolini, a quem permaneceu fiel até o final do regime, quando foi morto por partisans comunistas.

[2] Essa ideia comparece também em seu livro Esquerdismo, a doença infantil do comunismo, no qual afirma que o sentimento, no caso “o nobre ódio proletário aos ‘políticos de classe’ da burguesia (…) é, na verdade, o ‘princípio de toda a sabedoria’, a base de todo movimento socialista e comunista” (Lenin, 2014, p. 125).

[3] Cf. Ronaldo Coutinho, 2015, p. 92.

[4] Para uma análise aprofundada da experiência dos Conselhos de Fábrica, cf. Coutinho, 1992, pp. 13-21.

Referências

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. 2a. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 

COUTINHO, Ronaldo. “O partido revolucionário, vanguarda consciente  do proletariado: a concepção de Lenin”. In: DEL ROIO, Marcos et al.  Lenin: teoria e prática revolucionária. Marília: Oficina Universitária,  2015. 

GRAMSCI, Antonio. Escritos políticos, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização  Brasileira, 2004. 

________. Cadernos do cárcere, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,  1999. 

LENIN, Vladimir Ilitch. Que fazer? Problemas candentes do nosso movimento. 2a. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015. 

________. Esquerdismo: doença infantil do comunismo. São Paulo: Expressão  Popular, 2014. 

LIGUORI, Guido. Gramsci conteso: interpretazioni, dibattiti e polemiche.  Roma: Editori Riuniti, 2012. 

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins  Fontes, 1977. 

TOGLIATTI, Palmiro. “Gramsci e il leninismo”. In: TOGLIATTI, P. La politica nel pensiero e nell’azione: scritti e discorsi, 1917-1964. Milano:  Bompiani, 2014. 

VANZULLI, Marco. “Sobre o leninismo de Gramsci”. In: DEL ROIO, M.  et alli (orgs.) Lenin: teoria e prática revolucionária. Marília: Oficina  Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015.


* ao velho comunista ronaldo coutinhoque apresentou a mim e a mais de uma geração de estudantes a teoria de Marx, Engels e Lenin. 

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