Por Ian Birchall, via marxists.org, traduzido por Jaqueline Tavares [1]
O que é chamada de revolução perdida – e essa expressão é puramente relativa, porque uma revolução nunca é perdida; foi, serviu – essa revolução, nós dizemos, torna-se a melhor garantia de uma futura revolução. [2]
O trabalho de um historiador socialista é tentar restaurar a verdade, contra todas as mentiras impostas pelos representantes da ordem vigente. Quando em Paris recentemente, eu vi um anúncio oficialmente posto pelo prefeito de Paris, que informava os passantes que o trabalho de restauração da Pont-Neuf começara em 1848, sob as ordens de Napoleão III! Felizmente, um historiador socialista de passagem com um grosso canetão preto escrevera nele “Isso foi a Segunda República!”. Esse artigo foi concebido no mesmo espírito de fazer o registro correto.
O Levante de Junho dos trabalhadores de Paris em 1848 foi um ponto de virada crucial na história da França, e na realidade de toda classe trabalhadora europeia. Em fevereiro daquele ano, uma aliança de várias classes uniu-se para derrubar a monarquia de Luis Filipe e estabelecer a Segunda República. Mas em Junho os conflitos entre as diferentes classes vieram à superfície; quando o governo decidiu fechar os Ateliers Nationaux (Oficinas Nacionais), que forneciam um suporte mínimo para os desempregados de Paris, os bairros da classe trabalhadora da cidade estouraram em um levante que foi reprimido pelo governo com máxima brutalidade. O povo trabalhador [3] de Paris foi forçado a lutar por si por suas próprias demandas contra a aliança de todas as outras classes.
Marx justapôs as duas revoluções em parágrafo memorável; na tradução com a qual muitos de nós crescemos, a Revolução de Fevereiro era a “revolução bela”, mas nas traduções mais recentes – talvez de maneira mais precisa – a revolução “agradável”:
A Revolução de Fevereiro foi a revolução agradável, a revolução das simpatias universais, porque as contradições que nela irromperam contra a monarquia ainda eram subdesenvolvidas e pacificamente dormentes, porque a luta social que forjou seu plano de fundo atingira ainda somente uma existência nebulosa, uma existência em frases, em palavras. A Revolução de Junho é a revolução feia, a revolução sórdida, porque as frases deram lugar a coisa real, porque a republica descobriu a cabeça do mostro derrubando a coroa que o protegia e o ocultava. [4]
O Levante de Junho foi também um ponto crucial de virada para Marx e Engels, e um evento vital no processo através do qual eles formularam sua doutrina madura. Durante as Jornadas de Junho, Marx e Engels estavam em Colonia, onde eles começaram a publicar na Nova Gazeta Renânia, no começo de Junho. Suas estratégia, dado o pequeno tamanho do proletariado alemão e a virtual ausência de qualquer organização independente da classe, era estabelecer-se como a extrema esquerda do movimento democrático burguês na Alemanha. O objetivo era conseguir a circulação em massa do jornal; cartazes de publicidade eram pregados em paredes ao longo de Colonia, e as listas de assinaturas eram colocadas em dispensários de vinho e cerveja. [5]
As Jornadas de Junho não eram, portanto, particularmente convenientes para eles, uma vez que os obrigou a aparecer como Comunistas ao invés de democratas radicais. Contudo, não houve hesitação da sua parte; desde os primeiros relatos dos levantes de Paris, ele expressaram total e entusiasmático suporte pelos trabalhadores franceses. De fato, o NGR, juntamente com o britânico Northern Star [6], foram os únicos jornais da Europa a dar total apoio ao levante. Isso, é claro, não tornou Marx e Engels queridos por seus aliados burgueses, e levou a uma considerável perda de suporte ao jornal. A maioria dos acionistas do jornal desapareceu; para poder sobreviver, a equipe editoral concordou em não receber seus salários, e Marx usou o restante de suas pequenas economias pessoais para pagar as dividas do jornal. [7]. Não obstante, a questão em jogo era bastante clara para eles; pela primeira vez o proletariado forçara a luta por si, por seus próprios interesses de classe, e a defesa baseada em princípio dos trabalhadores de Paris sobrepôs-se a qualquer outra possível consideração tática.
Marx, e principalmente Engels, escreveram vários artigos seguindo o curso de eventos em Paris tão próximos quanto as fontes de suas informações permitiam. Edições 31 e 32 da NGR, publicados em 1 e 2 de Julho de 1848, possuíam uma análise dos aspectos militares da insurreição escritos por Engels. [8] A despeito de outros detalhes, eles faziam várias referências ao papel organizativo de um tal Kersausie:
O plano de ação dos trabalhadores, o qual Kersausie, um amigo de Raspail e ex-oficial, disse ter desenhado, foi o seguinte… O sucesso do levante dependeu dos insurgentes chegarem ao centro de Paris tão rápido quanto possível e cercarem o Hotel de Ville. Nós não podemos saber o que impediu Kersausie de organizar uma ação insurgente neste distrito.
O artigo se encerra com esse comovente tributo:
Kersausie foi capturado e provavelmente já foi baleado. A burguesia pode matá-lo, mas não pode tirar dele a fama de ter sido o primeiro a organizar uma batalha de rua. Eles podem matá-lo, mas nenhum poder na terra pode impedir suas técnicas de serem usadas em todas as futuras batalhas de rua. Eles podem matá-lo, mas não podem impedir seu nome de ser apagado da história como o primeiro comandante-chefe de uma batalha de barricadas. [9]
Infelizmente, esses textos nos deixam com um problema. Talvez a melhor introdução seja explicar a rota que me conduziu à pesquisa e à escrita desse artigo. Quando eu li pela primeira vez o artigo de Engels 20 anos atrás, minha reação imediata foi a prazerosa excitação que qualquer historiador socialista sentiria descobrindo uma figura que foi “escondida da história”. Eu tinha uma fé subjacente na precisão de Engels e assumi o fato de que não encontrei Kersausie poderia ser explicado por uma conspiração de historiadores burgueses que excluíram esse herói revolucionário do registro histórico. Eu vagamente resolvi pesquisar mais no tema e refleti mais sobre.
Então, dois ou três anos atrás, quando eu trabalhava no meu livro sobre Babeuf, eu estava olhando para os os círculos influenciados por Buonarroti em 1830 e novamente encontrei o nome de Kersausie. Mais uma vez isso me provocou uma empolgação inicial, porque me pareceu que eu caíra em um exemplo de sucessão apostólica. A conexão Buonarroti-Kersausie pareceu fornecer o “elo perdido” entre a Conspiração de Bebeuf em 1796 e as Jornadas de Junho, um fio vermelho da revolução proletária. Quando eu comecei a investigar, contudo, as coisas se mostraram ser consideravelmente complexas do que eu havia imaginado.
O artigo de Engels havia sido reimpresso várias vezes em diferentes línguas. A primeira tradução para o inglês apareceu na coleção Marx e Engels, Artigos da Nova Gazeta Renânia 1848-49. Nem a introdução nem as notas faziam qualquer comentário sobre as referências de Engels a Kersausie. Até onde eu saiba, a primeira publicação do artigo em francês veio em um jornal chamado Le Militant Rouge (O Militante Vermelho), obviamente produzido por membros ou aproximados do Partido Comunista Francês, que buscava usar estudos históricos para ajudar os militantes comunistas com as lutas porvir. [12] (Eu suspeito fortemente que o historiador Maurice Dommanget pode ter desempenhado um papel no jornal, que posteriormente publicou os textos de Blanqui sobre as Jornadas de Junho). Não havia introdução ou notas, nem mesmo uma indicação de fonte, e o nome de Kersausie aparecera como “Kerkausie” ao longo do texto. Duas compilações publicadas pela editora do Partido Comunista Francês, Les Éditions Sociales (As Edições Sociais), também publicadas em textos nos anos 1960, mas além de uma breve menção no índice biográfico para um volume, que meramente cita que Kersausie “participou da insurreição de Junho de 1848”, nenhum volume oferecia nenhum comentário crítico sobre a consideração de Engels sobre o papel de Kersausie. [13]
Se tivermos esperança de um tratamento melhor das Obras Escolhidas de Marx e Engels, editadas sob a orientação de comissões de acadêmicos britânicos, americanos e russos, incluindo o próprio Eric Hobsbawm, então nós estamos destinados ao desapontamento. A Introdução ao Volume 7 nos conta que todo o conjunto de artigos sobre as Jornadas de Junho estão “imbuídos com o espírito de luta e ao mesmo tempo contém profundas análises das causas do levante e seu significado histórico.” De fato, mas eles estão nos contando a verdade? As referencias de Engels não estão anotadas, enquanto o “Índex de Nomes” nos diz piamente que Kersausie era “autor de um plano militar implementado pelos participantes do Levante de Junho em Paris”[14]. Obviamente, o Professor Hobsbawm e seus colegas comissionários não estavam preparados para aceitar a sugestão de que Engels poderia estar errado, mesmo que o que ele colocava aqui estivesse em flagrante contradição com o que lemos em outros pontos das Obras Escolhidas. Talvez essa abjeta diferença não deveria nos surpreender; o mesmo time editorial que alegremente reimprimiu o obituário escrito por Engels sobre Helene Demuth sem informar o mundo que ela era mãe do filho bastardo de Karl Marx. [15] Talvez seja assim que as vidas de santos são escritas, mas esse não é o caminho para apresentar os trabalhos de revolucionários. Eu estava tentado a descrever a abordagem dos comissionários do Professor Hobsbawm como “bíblica”. Contudo, eu então lembrei que tinha em posse uma edição da Bíblia editada com uma coluna central que escrupulosamente cruzava referências para cada contradição e inconsistência no Livro Sagrado. Uma edição e Marx e Engels construída sobre os mesmos princípios seria um distinto passo adiante.
Não surpreendentemente, uma abordagem similar é seguida pelos editores da Grande Enciclopédia Soviética, que serenamente nos informa que Kersausie “trabalhou em um plano para os Jornadas de Junho de 1848 que foi muito considerado por F.Engels”, e repete a promessa de Engels que o nome de Kersausie “desapareceria na história”. [16] Ao menos Engels não pode ser culpado de ignorar a vantagem de retrospectiva. Através de sua breve introdução, os editores da Grande Enciclopédia Soviética claramente admitiram que Kersausie, diferentemente de Rudolf Reindeer Nariz Vermelho, não “desapareceria na história”.
Só um punhado de historiadores trabalhando fora da tradição hagiográfica Stalinista abordaram o artigo de Engels com o espírito crítico que um grande revolucionário merece. Maurice Dommanget contrastou o registro de Engels, baseado em “relatórios desconhecidos” com a avaliação de Blanqui que faltava uma necessária liderança, e concluiu que Blanqui estava mais próximo da verdade, pois “se os insurgentes tivessem combinado sua força numérica e seu espírito de luta com os fatores técnicos sobre os quais Engels falava, então eles teriam vencido. [17] Bernard Moss, em um relato heterodoxo das ideias de Engels em 1848, afirma claramente que “com base em falsas esperanças e desinformação, Engels relatou um grau de planejamento e estratégia ofensiva entre os insurgentes que sugerem uma direção política e uma emergente consciência de classe.” [18] Mas tal disposição para criticar Engels pertence a uma minoria da esquerda. Já para os críticos de direita, que poderiam ficar feliz de pegar Engels errando, eles parecem ter sido muito estúpidos ou ignorantes para perceber a questão.
Então quem foi Kersausie? Que papel ele desempenhou, se desempenhou, em 1848, e por que Engels imaginou que ele pode ter desempenhado um importante papel? Não há, ao menos até onde sei, biografias sobre Kersausie ou estudos substanciais sobre sua vida. Ele aparece com bastante frequência, embora muitas vezes de forma marginais, em relatos da corrente revolucionária da política francesa nas décadas de 1830 e 1840. Como muito de sua vida foi passada em atividades de natureza conspiratória, ele não deixou muitas pistas sobre essas atividades. Porém, ao mesmo tempo, ele adquiriu um certo status legendário nos anos 1830, tendo como resultado uma série de anedotas de duvidável confiabilidade associadas ao seu nome.
Há dois rascunhos biográficos válidos que fornecem ao menos um esboço das atividades de Kersausie. Um deles é o verbete no inestimável dicionário biográfico do Movimento Trabalhista Francês de Jean Maitron. [19] O outro, que complementa esse perfeitamente, foi publicado em 1906 por J.Trévédy, um historiador local de Finistère, de onde era Kersausie. [20]Trévédy claramente não tinha nenhuma simpatia pela esquerda republicana, e se baseou em documentos de família. Portanto, na medida que seu relato confirma o de Maitron, podemos considerá-lo como uma espécie de corroboração independente.
Théophile Joachim René Guillard de Kersausie nasceu em Guingamp in Côtes-du-Nord em 1798. Sua mãe era sobrinha de um famoso soldado aristocrata que lutara na Guerra da Independência Americana, La Tour d’Auvergne. O nome de Kersausie derivou de um pedaço de terra possuído pela família, originalmente chamado de Kersauzic.
Vindo de uma família militar, não é surpreendente que Kersausie decidira seguir carreira militar, e em 1815 tornou-se um hussardo. Ele serviu com distinção na Espanha, e atingiu o posto da capitão. Contudo, suas simpatias políticas já eram com a esquerda republicana, e em 1820 ele tornou-se membro dos Carbonari, uma sociedade secreta radical ativa na Itália e na França.
Em 1830, quando os Burbons foram destronados, ele apoiou a revolução, mas foi rapidamente desiludido quando a república não foi proclamada e Luis Filipe chegou ao trono. Ele demitiu-se do exército em protesto, e devotou-se daquele momento em diante totalmente às atividades revolucionários na França e além. Há uma pintura dele pintada por Larpenteur em 1832, mostrando-o com Raspail na prisão em Versailles [21]. Ele tinha amplas costeletas, mas nenhuma barba. De acordo com os relatórios da polícia, ele tinha cabelo castanho e 1.65m de altura (5 pés e 5 polegadas).
Em particular, Kersausie se envolveu rapidamente em uma das novas organizações que emergiu em oposição a Luis Felipe, a Société des droits de l’homme (SDH). O nome da organização claramente ecoava a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de Robespierre de Março de 1793. Ela seguia muito a tradição jacobina, e as seções locais adotaram nomes como Robespierre, Saint-Just e Montagne.
Mas se a SDH olhava para trás, para os anos dourados do Jacobinismo, também apontava para o futuro, para o emergente movimento francês da classe trabalhadora. Dos seus 765 membros em 1832, cerca de ¾ eram trabalhadores manuais assalariados, concentrados especialmente na metalurgia, construção civil, indústria de couros e têxtil. A SDH representa então um elo vital entre o republicanismo de 1893 e o socialismo de 1848. O aristocrático Kersausie rompera suficientemente as conexões com sua própria classe para colocar-se a serviço dos trabalhadores parisienses.
Mas justamente porque a SDH pertencia a um movimento social em processo de evolução, divergências políticas começaram a emergir entre seus membros, e no outono de 1832 uma maior cisão era aparente. Do lado dos moderados estavam Raspail e Trélat; no lado radical havia uma variedade de nomes, alguns dos quais iriam reaparecer em 1848 – Lebon, Vignerte, Caussidière, Lagrange – e Kersausie. A certo nível, as duas facções pareciam estar reacendendo as disputas de 1790 – a facção de Raspail era conhecida como “girondina”, e a de Lebon como “montagnarda.” Sua questão principal parece ter sido a construção de alianças políticas. Raspail estava disposto a aliar o SDH com setores da burguesia, na qual Alain Faure tinha alguma legitimidade pela chamada “Frente Popular Estratégica”. O grupo de Lebon insistiu na linha dura republicana e se recusava a quaisquer conexões com Bonapartista ou Legitimistas. No decurso da disputa, Kersausie pareceu ter formado sua própria organização militar, a Société d’action, formada por 400 trabalhadores armados, junto a SDH. Obviamente isso levou a um conflito de autoridade entre Kersausie e o Comite Central da SDH. A situação levou a renuncia de Kersausie e, rapidamente, a desintegração da SDH no decorrer de 1834.
Contudo, as divisões políticas desse período parecem ter sido bastante fluídas; indivíduos não permaneciam presos à posições faccionais claramente definidas. Na disputa no SDH, Kersausie foi oposição a Raspail, mas a partir desse ponto seus destinos estavam intimamente ligados.
François-Vincent Raspail (1794-1878), cientista, médico popular e jornalista revolucionário, foi uma figura central da esquerda francesa nos anos 1830 e 1840. Ele fora ativo com os carbonari nos anos 1820, e fora preso mais de uma ocasião. Ele era também amigo da irmã de Kersausie, Madame de Pontavice, para quem (sem nomeá-la) dedicou seu livro sobre a reforma prisional de 1839, baseado nas cartas que ele enviava a ela quando preso. [25]
Raspail conhecia Kersausie desde antes de 1830; em uma dedicatória datada de setembro de 1839, referiu-se a ele como “seu companheiro de acusação em 1833, seu colaborador em 1834, seu camarada de armas desde 1829”. [26] Obviamente a disputa de facção na SDH não deixara nenhuma marca profunda.
Depois da desintegração da SDH, Raspail parece ter se decidido abandonar a política conspiratória das sociedades secretas em favor da atividade de propaganda legal. Isso tomou a forma de um novo jornal, Le Réformateur. Enquanto muito do conteúdo político e jornalístico parece ter vindo de Raspail, Kersausie desempenhou um papel central em fornecer os fundos necessários. Obviamente retirando da riqueza de sua família, ele disponibilizou para Raspail a quantia de 100.000 francos (Em 1830, o salário médio do trabalhador era 1,5 francos por dia, ainda que o de trabalhadores da construção civil fosse o dobro disso. Portanto, a contribuição de Kersausie era um enorme montante, em uma estimativa aproximada em torno de 2.5 milhões de libras nos valores de hoje).
O primeiro número do Lé Réformateur apareceu em 9 de outubro de 1834, e entre esse e sua última aparição em 27 de outubro de 1835, cerca de 383 números foras publicados. No primeiro número, o periódico descreveu-se como um “jornal diário dos novos interesses materiais e morais, industriais e políticos, literários e científicos. Publicado por MM. Raspail e Kersausie”. A taxa era de 18 francos por três meses e 70 francos por um ano, o que iria além do bolso da maioria dos trabalhadores, ainda que esses pudessem ter sido lidos coletivamente em cafés operários e outros lugares. O periódico possuía uma ampla gama de artigos, de natureza cultural e educativa, bem como política – por exemplo, artigos de divulgação sobre geografia, fisiologia, etc, o que provavelmente refletiam os interesses científicos de Raspail.
Mas as intenções radicais do jornal não eram ocultas; o Prospectus anunciou que o surgimento do novo jornal lançou uma diatribe contra as classes privilegiadas. Proclamando o comprometimento dos editores com a “felicidade de todos”, prosseguia:
Felicidade para vocês, gente rica, que aceitaram os favores do séculos com presunçosa indiferença; e felicidade para o homem pobre, que até agora teve que suportar todos os seus rigores! Porque nós não nos cansamos de lembrá-los dessas verdades, que sempre deixara-os indiferentes, mas que para nós ainda têm a capacidade de quebrar nossos corações como tiveram da primeira vez, e de nos fazer tremer pelo destino da França. Enquanto vocês deitam-se esparramados em seus caros divãs, vocês abençoam um estado de coisas que os banha em ouro sem exigir talento, em condecorações sem perigo e em títulos sem mérito; enquanto isso, a massa da humanidade é afligida por dores ardentes; ainda há hoje pessoas famintas, próximas às suas mesas; ainda há aqueles congelando em sótãos sobre os seus painéis bem aquecidos; ainda há crianças que caem ao nascer na via pública, porque o capricho de seu pai levou-o a outro lugar; ainda há jovem mulheres pagando o preço da degradação que vocês impuseram à elas; ainda há talentos sufocados no nascimento por intrigas; ainda há outros que são desgastados pelo constante movimento; ainda há trabalho que requer opressivo esforço, e é escassamente capaz de prover sustento; há acordos feitos no momento que são capazes de flagelar uma vida inteira; há um povo inteiro de 20 milhões de pessoas definhando na ignorância e no desemprego; e a felicidade que nos é contada em belos versos e bela prosa no dia de seu nascimento, e mesmo na sua morte, essa felicidade não existe em lugar nenhum, nem para você nem para nós, graças a essas antigas instituições que te agarram com ambas as mãos como se fossem a tua melhor herança.
Após esse magnífico discurso contra os ricos, vem como uma surpresa descobrir que Le Réformateur trazia relatórios regulares da Bolsa de Valores! Mas também fez campanha regularmente por uma série de assuntos que foram centrais para a esquerda republicana no curso do século XIX – sufrágio universal, educação gratuita para todos, reforma penais, imposto progressivo, e a abolição da escravidão. Certamente isso foi muito para o regime de Luis Felipe. O jornal foi processado e multado repetidamente; em uma ano ele sofreu multas que somavam 115 000 francos, então a contribuição inicial de Kersausie foi mais do que consumida. O jornal desapareceu.
Kersausie foi levado a julgamento em mais de uma ocasião por suas atividades revolucionárias. Em maio de 1835, ele estava entre o 164 acusados de um grande julgamento em Paris, cujos réus estavam inclusos aqueles envolvidos no levante de Lion em 1834. Kersausie foi sentenciado à prisão em janeiro de 1836, mas foi anistiado em maio de 1837.
A essa altura ele parecia ter decidido deixar a França, consciente que a polícia tornaria impossível que ele atuasse efetivamente. É difícil rastrear seus movimento da década até 1848; mas ele parece ter se envolvido em várias lutas nacionais. O ano de 1848 foi a primeira verdadeira onda revolucionária internacional, e Kersausie não viu fronteiras para a causa da emancipação humana. Em 1839, Raspail dedicou um livro a “Kersausie, voluntário polonês”, e descreveu-o como um “cidadão polonês, pelo seu alistamento sob as bandeiras da revolução polonesa”.[28] Outros relatos o colocam em Londres, Suíça, Nápoles e Messina. [29] Ele manteve contato, porém, com seu velho camarada Raspail. Quando Raspail passou pela dolorosa experiência de ter de amputar a perna do próprio filho, Kersausie retornou a França sem conhecimento da polícia e permaneceu por uma semana, confortando seu velho camarada. [30] Ainda assim ele é considerado uma ameaça; quando ele visitou Finistère em 1842, a polícia de Le Havre o colocou sob vigilância secreta. [31]
A partir do esboço biográfico acima e de várias outras referencias em registros contemporâneos, é possível adquirir uma certa noção do caráter de Kersausie; coragem, honestidade, dedicação, auto sacrifício são termos que imediatamente vem à mente. Mas onde está sua política? Ele era em algum sentido um socialista, ou simples um republicano na tradição jacobina? Essa é uma questão muito mais difícil de responder, não somente graças às poucas evidências, mas por causa da fluída natureza da esquerda francesa nesse período. Contrariando os althusserianos, o socialismo moderno não emergiu de uma “ruptura epistemológica” dentro do crânio de Karl Marx. Contrariando Jean Jaurès, não é verdade que “a Revolução Francesa contém o todo do socialismo… o socialismo foi contido desde o início dentro da ideia republicana” [32] O socialismo emergiu do meio republicano de maneira lenta, bagunçada e contraditória. As contradições não haviam sido resolvidas em Fevereiro de 1848, o que é precisamente porque a “revolução agradável” foi possível; foi a “revolução feia” que desenhou a linha entre republicanismo e socialismo – e a desenhou com sangue.
Como assinalado por Maurice Agulhon, para um militante comum por volta de 1840, “uma questão como ‘você é um republicano ou um comunista?’ seria completamente absurda ou incoerente” [33]. Kersausie provavelmente acharia a questão igualmente absurda. Assim, foi sugerido que o subtítulo de Le Reformateur (ver acima) pode ter sido inspirado pelo “entendimento do Saint-Simonismo em um sentido muito literal” [34] Sem dúvida Kersausie estava ciente de tais ideias, ainda que Georges Duveau tenha argumentado que “grandes sistemas tais como os de Saint-Simon e Fourier tiveram pouca penetração em sociedade republicanas.” A SDH não possuía uma orientação política homogênea; como posto por Alain Faure, no começo dos anos 1830 republicanismo e bonapartismo frequentemente se sobrepunham, com demonstrações nas quais as mesmas pessoas declamariam “Vida longa à Napoleão II” e “Vida longa à Republica!” Onde as demandas políticas gerais eram populares entre os trabalhadores, o eram em geral por razões econômicas. A intervenção militar na Polônia era popular entre os trabalhadores, não tanto por razões de abstrato internacionalismo, mas porque a guerra forneceu um remédio para o desemprego, criando vagas no exército e na área de suprimentos de guerra. [35] Quando diferenças politicas emergiam, elas eram mais frenquentemente sobre táticas do que sobre filosofia política. Então, depois do colapso do SDH, Raspail (e aparentemente Kersausie) chegaram à conclusão que propaganda aberta era necessária, enquanto Blanqui tirou como lição a necessidade de uma organização militar mais efetiva. [36] Não há indicação que eles diferenciam significativa sobre o tipo de mudança social que buscavam.
Uma importante influência política sobre Kersausie deve, porém, ser mencionada, a saber, Filippo Buonarroti. Buonarroti fora um dos principais lideres da Conspiração dos Iguais de Babeuf em 1796, e foi posto em julgamento juntamente com Babeuf em Vendôme em 1797. O lugar de Babeuf na história do socialismo é crucial, pois ele foi o primeiro a ir além da mera utopia especulativa sobre a possibilidade ou desejabilidade de uma sociedade comunista, e reconheceu a necessidade de uma organização revolucionária para atingir esse fim. [37] Apartado dos associados de Babeuf, Buonarroti nunca esqueceu seu princípio, e até sua morte em 1837 ele continuou tentando construir organizações clandestinas. Ele passou muitos anos em Genebra, buscando coordenar tal atividade e trabalhando próximo aos carbonari. Em 1828, ele publicou sua história da Conspiração de Babeuf, um trabalho que foi largamente estudado nos círculos republicanos nos anos seguintes, e que teve grande influência em figuras tão diversas quanto Cabet, Bronterre O’Brien, Mosses Hess, Marx e Engels. Ainda que Buonarroti tenha sido mais simpático a Robespierre do Babeuf, sua história escrupulosamente reproduz a documentação que releva a natureza socialista das intenções de Babeuf.
Buonarroti retornou a França depois da Revolução de 1830. Como Arthur Lehning nos lembra, ele “participou ativamente da propaganda política e da elaboração de políticas da ala revolucionária da oposição republicana à monarquia orleanista, enquanto matinha sua organização internacional secreta e criava novas, com constante atenção às possibilidades de uma revolução europeia”. [38]
Sua reputação era enorme. Como um dos historiadores do babouvismo apontou, “ele era tido como o herdeiro das ideias da grande era revolucionária, como o apóstolo que possuía a verdadeira tradição democrática; como o alto sacerdote de uma religião proscrita que a mantinha quase que sozinho e um refúgio misterioso para a chama sagrada da Igualdade. [39]
Buonarroti tomou um particular interesse na SDH, ainda que Robiquet nos conte que ele desconfiava dela pela sua imprudência de recrutar abertamente, ao invés de obedecer os requerimentos de uma organização clandestina. [40] Mas como Elizabeth Eisenstein demonstrou, baseando-se nas pesquisas de Armanda Saitta, Buonarroti desempenhou um papel considerável nas disputas internas da SDH. Seu prestígio era considerável – dois dos 163 setores parisienses da SDH receberam o nome de “Buonarroti”. Ela afirma que a disputa entre as facções de Raspail e Lebon “foram provavelmente precipitadas pela tentativa de Buonarroti de explorar essa organização chave para seus próprios fins e, após temporário revés, ele eventualmente teve sucesso.”
Em particular, Buonarroti parece ter sido alinhado com a fração na qual Kersausie desempenhou papel de liderança. “Ao fim de 1833, Buonarroti obteve controle efetivo através de novas eleições que colocaram d’Argenson, Lebon, Kersausie e Vignerte no renovado comitê central da sociedade original.” Contudo, não parece ter havido completa polarização fracional, desde que ela nos garante que Raspail era “um amigo e admirador de Buonarroti”.[41] Há talvez um eco do babouvismo no Prospectus para Le Réformateur, onde Raspail e Kersausie declaram que seu objetivo é “a felicidade de todos” (le bonheur de tous), uma frase que se assemelha muito ao termo que Babeuf cunhou para descrever sua visão socialista “felicidade comum” (le bonheur commun).
Há também uma possível continuidade a ser observada em Babeuf nos vários julgamentos políticos da década de 1830. Buonarroti foi posto em julgamento junto com Babeuf em Vendôme durante 14 semanas em 1797, quando a defesa fez da corte uma plataforma para suas ideias, e teve sucesso em reduzir o número de sentença de morte para duas, e a absolvição da maioria dos réus. [42]
Em dezembro de 1833, Raspail, Kersausie e outros foram postos sob julgamento em Paris – o chamado Julgamento dos Vinte e Sete. Eles usaram o tribunal como uma plataforma para as ideias republicanas, insultando o promotor, e conseguindo absolver os réus das acusações. [43] Há um eco obvio aqui à tática de Vendôme, e os advogados provavelmente receberam conselhos de Buonarroti. Em maio de 1835, Kersausie foi posto em julgamento novamente, junto com outros acusados de participarem das insurreições de 1834 em Paris e Lion. Alguns dos réus escaparam da prisão, mas Kersausie se recusou a tal, tomando como seu dever usar o julgamento como plataforma política. [44] Há um registro impressionante do dia de abertura do julgamento por Frances Trollope (mãe do novelista) que estava em Paris à época:
Essa troca de hostilidades começou com alguns do acusados se recusando a responder seus nomes quando chamados – seguida pela demanda da livre admissão à câmara, durante o julgamento, de suas mães, esposas e outras mulheres pertencentes às respectivas famílias dos prisioneiros – e então, uma demanda um tanto barulhenta por um conselho de sua própria escolha; o corpo de advogados legais, os quais, por regra geral e costume, estavam sempre em cargo da defesa dos prisoneiros, não possuía, como parecia, oradores suficientes de sua própria linha para contê-los.
Isso foi, é claro, fortemente recusado pela corte, depois de se retirarem, contudo, por um par de horas para deliberar sobre – uma cerimonia que eu dificilmente consideraria necessária. A companhia das senhoras, também, foi declinada; e como, em um cálculo moderado, sua força numérica não poderia ter somado menos de quinhentas, está falta de bravura dos pares da França deve ser perdoada em favor de sua discrição.
O cavalheiro, entretanto, que foi nomeado, como disse, pelos demais, para solicitar o prazer da sociedade, declarou em voz alta que a demanda por isso deveria ser renovada diariamente…
A seguir veio a demanda por um dos acusados, no nome do restante, pela permissão de comunicação livre e irrestritas entre prisioneiros de Lion, Paris e Marseilles deveria ser permitida. Isso foi respondido apenas pelo anúncio de que “o tribunal foi adiado”; uma sugestão que produziu clamor terrível; e quando os pares abandonaram o tribunal, foram atingidos por gritos veementes de “Protestamos!… Nós protestamos!… Não faremos nenhuma defesa! Nós protestamos!… Nós protestamos”[45]
As táticas aqui – a recusa em ceder nomes, uso de tecnicalidades para adiar procedimentos, tumulto no banco de réus, são grandes remanescentes do Julgamento de Vendôme, e é fácil supor que Buonarroti estava fornecendo conselhos táticos.
Então nós podemos ter considerável certeza que Kersausie conheceu Buonarroti, e que através dele, ele se familiarizou com ao menos o básico do babouvismo. Kersausie então nos fornece um elo vívido entre a conspiração socialista de 1796 e a insurreição de trabalhadores de 1848.
Qual foi então o real papel de Kersausie em 1848? A evidência é frequentemente escassa, mas certos pontos são bastante claros. Não surpreendentemente, Kersausie retornou a Paris no ano da revolução. Um registro afirma que na época da Revolução de Fevereiro, ele estava na prisão em Nápoles, e que Raspail teve que persuadir o Governo Provisório a mandar três navios à Nápoles para garantir a sua soltura. [46] Isso pode muito bem ser apócrifo. Mas certamente ele manteve suas conexões com Raspail, e logo estava ativo no debate político frenético entre Fevereiro e Junho.
Esse período viu a criação de um grande número de clubes políticos, e a Société des droits de l’homme foi revivida. Um número de veteranos da esquerda republicana dos anos 1830 ainda estava ativo, e Kersausie parece ter rapidamente se encaixado no cenário político. Em abril, ele se tornou um candidato à eleição pela Société républicaine centrale em uma lista que também incluía Albert, Louis Blanc, Flocon, Cabet, Raspail e Blanqui, ainda que ele não tenha sido eleito. [47] Ao final de maio, ele foi alocado na Comissão Central para Eleições Democráticas, um corpo dominado pela SDH. [48
Em 15 de maio, uma massiva demonstração popular invadiu a Assembleia Nacional, um evento que levou a prisão de uma quantidade dos mais conhecidos líderes da esquerda. Raspail estava presente e foi um dos presos, ainda que ele tenha parecido estar pouco entusiasmado sobre o evento e tenha tentado exortar os manifestantes a abandonarem o edifício. [49] Raspail foi então para a casa doe seu filho, mas encontrando-o, foi visitar Kersausie, que vivia no mesmo prédio. Foi na casa de Kersausie que ele foi preso. [50] Isso nos conta que Kersausie e Raspail ainda eram intimamente conectados; também sugere que Kersausie não participou da demonstração. Se isso foi porque ele reconheceu que os eventos eram prováveis de dar ao governo a desculpa ideal para o governo privar a esquerda de suas lideranças, nós não sabemos. [51]
No começo de junho, eleições antecipadas foram chamadas pela Assembleia Nacional. A esquerda, agora bem mais organizada, apresentou uma lista de 11 candidatos. Essa incluía Proudhon, Raspail, Cabet e Kersausie. Estes eram descritos como “candidatos do povo, adotados pelas corporações de trabalhadores; Corporações, As Oficinas Nacionais, os Republicanos, a Guarda Volante [52] e os clubes democráticos unidos.” [53] Os resultados foram razoavelmente satisfatórios para a esquerda; o mesmo jornal descreveu os votos para Proudhon, Thoré, Raspail e Kersausie como “a república social às portas da assembleia; está batendo lá, por assim dizer, e faz a reação empalidecer nos bancos…”[54] De fato, quatro da lista foram eleitor – Caussidière, Leroux, Lagrange e Proudhon. Kersausie, com 71852 votos, tornou-se o terceiro colocado atrás de Proudhon, o candidato eleito com o menor número de votos. [55] Fica claro a partir disso que Kersausie era uma figura conhecida e popular da esquerda republicana, e que ele estava na mesma lista de socialistas como Proudhon e Cabet.
Quanto ao que toca às Jornadas de Junho diretamente, há infelizmente pouco rasto sobre Kersausie. Seu nome não aparece na grande maioria dos relatos de testemunhas oculares que consultei. É claro, há óbvias razões para isso. Dada a descentralizada e muitas vezes caótica natureza do levante, os participantes poderiam ter em geral pouca ideia do que acontecia em setores que não os seus. Do ponto de vista da repressão, escritores contemporâneos não estariam dispostos a nomear aqueles que assumiram a liderança. O único testemunho ocular, escrito por um cristão liberal, que menciona Kersausie, sugere que ele se absteve da luta: “Um insurgente perguntou a um agitador porque Lagrange e Kersausie não estavam em suas fileiras. Esse homem respondeu que eles amavam o povo demais para permitir se exporem sua vida e liberdade em uma insurreição.” [56]
Mas Trévédy, que usou registros de família, e que dificilmente leu Engels, insistiu que Kersausie lutou na insurreição de Junho, uma afirmação que é mais convincente porque ele, sem dúvida, considerou isso como uma mancha no histórico de seu herói. [57]
Depois do levante de Junho foi reprimido, o governo imediatamente lançou uma grande investigação sobre as causas da insurreição. Obviamente o objetivo era encontrar os “agitadores” que estiveram por trás dela, e forneceu base para a perseguição do governo aos inimigos. O relatório completo estendeu-se em três volumes, um total de 967 páginas. As pièces justifcatives incluíam muitas entrevistas, atas formais e relatórios de informantes sobre o que foi ditos nos cafés, etc. Louis Blanc e Caussidière receberam extensa atenção, na tentativa de estabelecer sua culpa.
O nome de Kersausie aparece um punhado de vezes no relatório, e ainda que obviamente os autores quisessem encontrar evidências contra ele, estas não foram suficiente para prendê-lo . (É claro, muitos trabalhadores foram presos e mesmo condenados à morte sob as mais frágeis acusações, mas as autoridades estavam obviamente cientes que era necessário proceder corretamente com um homem como Kersausie, dada sua reputação, suas conexões familiares e seus antecedentes de usar o tribular como plataforma.)
É relatado então que no inicio de abril uma lista de nomes para um novo governo de segurança pública fora redigida, incluindo Kersausie. M. Carteret, do Ministério do Interior, relatou que a Société des droit de l’homme desempenhara um papel nos eventos de 15 de maio. Foi especulado que essa tivera 2000 membros armados, mas isso foi um exagero. Mais tarde, M. Panisse, da polícia, foi questionado se Kersausie se tornara presidente da SDH, mas ele afirmou não saber. M.Rocher da Britânia foi questionado quanto aos seus negócios financeiros com Kersausie. M. Trouve-Chauvel, também da polícia, foi questionado entre 3 e 4 de Julho quanto a Kersausie – que se dizia ter menos cérebro que Esquiros – tinha sido preso, mas ficou claro que não.
Um documento do préfet de police afirmava que SDH desempenhara um papel central na insurreição, e que um grande número de sues membros haviam sido mortos ou presos. Documentos de SDH foram reproduzidos, incluindo condições para entrada que impunha estrita disciplina militar, e um relatório de uma reunião em 30 de abril em que um orador foi aplaudido quando apresentou as ideias de Louis Blanc e defendeu a igualdade de salários. Dois documentos assinados por Kersausie foram também reproduzidos: uma carta a Barbès dos membros do bureau do Club de la révolution, e o texto do règlement da Société des représentants républicains. [58]
Em resumo, parece claro que a Commission d’enquête gostaria muito de mostrar que Kersausie era culpado de alguma coisa, mas foi incapaz de atribuir alguma coisa a ele, ainda que seja bastante provável, através da SDH, que ele foi ativo suporte para a insurreição.
Engels estava claramente errado em sua afirmação que Kersausie fora preso e provavelmente executado. Kersausie permaneceu em Paris, em liberdade, até o ano seguinte. Ele provavelmente esteve envolvido no comício de 13 de junho de 1849 [59], e seu nome apareceu em uma nota alegadamente escrita por Charles Deslescluze em Junho de 1849. [60] A esse ponto, ele parece ter decidido que o jogo havia acabado, e deixou o país; ele foi julgado e sentenciado in absentia por seu papel em Junho de 1849.[61] Nós temos apenas vagos indícios do restante da sua vida. É dito que ele fugiu para Londres com Delescluze, o futuro communard, e outros, e mais tarde viveu na Suíça sob o pseudônimo de Quercy. [62] Ele parece ter mantido contato com o movimento revolucionário internacional; Trévédy demonstrou profundo choque com o fato de que ele aparentemente presenteou Garibaldi com uma espada de honra pertencente ao seu tio o grande La Tour d’Auvergne. Garibaldi a aceitou como “um sinal da simpatia da França humanitária pelas nações oprimidas”. Trévédy foi claramente ultrajado que uma herança de família tenha sido tratada dessa forma. [63]
A última descrição que nós temos do veterano revolucionário é uma carta de Proudhon, escrita de Bruxelas em 4 de fevereiro de 1860. Ele relata ter visto Kersausie pela primeira vez em 12 anos. Ele o descreve como um “magro e curvado velho, que já caminhava devagar; o pobre camarada esta com mais de 60”, e nota que Kersausie recomendou com insistência que ele não atacasse Napoleão III no presente momento. Proudhon o descreveu como “outra ruína”, mas conclui que “ ao menos nós tivemos a satisfação de dizer a nós mesmos que esse estava cheio de esperança e não deprimido”[ 64]. Ele morreu, ainda no exílio, em 24 de agosto de 1874. [65]
Portanto, não há dúvidas que Kersausie estava ativamente envolvido nos eventos de 1848. Se sua posição política estava mais claramente definida do que havias sido nos anos 1830 é muito mais difícil de estabelecer. Algumas fontes se referem a ele como um socialista, mas é difícil definir exatamente qual sentido essa palavra tinha. Como nós vimos, as ideias de Louis Blanc eram circulantes na SDH, mas seria difícil descrevê-la como uma organização socialista.
Talvez algumas indicações do meio político de Kersausie podem ser obtidas examinando um dos jornais radicais de vida curta que apoiou sua campanha eleitoral em 1848. Laimable Faubourien (O adorável morador suburbano) [66] retirou seu nome de uma irônica referência a frase de Luis Filipe sobre os subúrbios de Paris, ou seja, os principais distritos da classe trabalhadora (notadamente aquele a leste da cidade que foram o principal teatro do levante de Junho). Seu subtítulo era “Journal de la Canielle” (Jornal da Ralé), e custava 5 cêntimos (a sou) por exemplar (trabalhadores das oficinas nacionais ganhavam 23 sous por dia.)
Um editorial na primeira edição afirma: “Nós somos socialistas republicanos, e é por isso que nós devemos votar em socialistas republicanos.” [67] Uma edição posterior declarou que “nós aprovamos totalmente o plano para um Banco de Câmbio proposto e desenvolvido pelo cidadão Proudhon”. [68] Ele acompanhou de perto a situação dos ateliês nacionais, levando a carta de um marceneiro desempregado reclamando da má gestão dos ateliês e alertando sobre o perigo de fechamento. [69] Curiosamente, publicou-se um relatório sobre o pouco discutido tema dos ateliês femininos, demonstrando não ser afetado pela misoginia tão característica da esquerda republicana francesa e nos séculos XIX (e XX). Deve-se lembrar que os ateliês masculinos elegeram oficiais de baixo escalão:
O seguinte fato nos foi relatado: um grande número de mulheres trabalhadoras, ao colocarem seus nomes na prefeitura do décimo arrondissement, demandaram o direito de escolher e eleger seus líderes, argumentando que em outros ateliês, líderes trazidos de conventos haviam causado desordem pela sua conduta não fraternal. O direito foi garantido. Como resultado, na última segunda-feira, essas mulheres dirigiam-se a onde iriam trabalhar, para logo começarem a escolher as lideranças. A eleição estava prestes a se concluir, quando MR…, enviando pelo cidadão Pagnerre, irrompeu na sala e mandou expulsar as mulheres que a ocupavam, a fim de substituí-las por freiras. [70]
Mas o traço mais marcado do l’Aimable fauborien foi o editorial que apareceu na primeira página da primeira edição sob o título de Ao povo, e claramente preparou terreno para o levante três semanas depois. Isso precedeu imediatamente as eleições citadas acima:
Ó povo dos subúrbios adoráveis! Vocês sabem quantos generosos corações batem nos robustos peitos de suas crianças, quantas mentes nobres brilham por trás das testas queimadas de seus filhos – Ó povo, vocês sabem onde vocês tem sido conduzidos, sabem? Você sabe em qual armadilha eles querem fazer vocês caírem? Vocês sabem que tramas tem sido tramadas nas sombras contra as suas liberdades, heroico povo das barricadas? Não, vocês não sabem! Vocês que sofrem, para viver na esperança, como todos os que sofrem! Vocês estão contando com os melhores dias, e calmos como a força, firmes como a justiça, vocês esperam o futuro que consertará tantos dias ruins, o futuro sonhado pelos nossos poetas e proclamado pelos nossos profetas!
Vocês estão esperando! E abandonaram suas armas em favor das ferramentas de trabalho! Suas armas! Ó! Esconda-a, por hoje, quando a lei contra os suspeitos foi decretada, você pode ser tomado como um conspirador! Esconda-a, mas ao mesmo tempo não a deixe fora de sua vista, por quando ao primeiro sinal ela será segurada em suas mãos viris!
Pelos seus novecentos representantes, ó povo, estão preparando para vocês uma surpresa que vocês não esperam! A assembleia está grávida com os planos para a reforma, e isso dará a luz a uma farsa! Sim, a palavra está escrita, e eu não a riscarei. A Revolução de Fevereiro, com sua irmã, a Revolução de Julho, é uma revolução que foi ROUBADA! [71]
Esses sentimentos podem não ecoar o próprio Kersausie, mas refletem as pessoas em campanha pela sua vitória eleitoral.
No que diz respeito à verdadeira liderança da insurreição, nós já vimos que as afirmações de Engels não se sustentam, e que não há evidência de nenhum papel de liderança desempenhado por Kersausie. A maioria dos registros contemporâneos e análises históricas subsequentes concordam com Albert Soboul que “Qualquer que tenha sido o papel desempenhado pelas sociedades secretas, especialmente aquela chamada “Os direitos do homem”, a insurreição não teve uma liderança geral. Um historiador do final do século XX, examinando as evidências, concluí em termos agnósticos:
Se as jornadas de Junho tenha sido precedidos por sistemáticas considerações de estratégias militar e política pelos revolucionários que esperavam tomar o poder é uma questão tão obscura hoje quanto era em 1848. É difícil acreditar que ninguém falou sobre os prospectos de uma revolução que todos sentiam chegar. A União dos Brigadeiros das Oficinas Nacionais, que emergiram como genuínos porta-vozes dos trabalhadores em relevo, ou a paramilitar Sociedade dos Direitos do Homem deveriam ao menos prometer alternativas… Não há solida evidência de uma disciplinada, hierarquizada organização revolucionária com uma devota massa à segui-la. Em 1848 nós não conhecemos nenhum partido Bolchevique tramando uma Revolução de Outubro…
A aparente ausência de qualquer plano principal não impediu a preparação tática para o esperado confronto. Quando, onde e como a insurreição irromperia permaneceu imprevisível, mas qualquer um poderia prever alguns problemas práticos e realistas. A democratizada Guarda Nacional de Paris havia fornecido um rifle para todo homem saudável. Balas e cartuchos eram estocadas nos arsenais distritais municipais. Nesse nível, preparações foram feitas, ainda que nós saibamos menos sobre elas do que gostaríamos. [73]
Certamente os principais líderes radicais foram presos após 15 de maio, mas muitas figuras de segundo escalão – incluindo Kersausie, permanecerem em liberdade. Como François Pardigon, um participante da insurreição, colocou:
A Insurreição de Junho foi levada a cabo, é verdade, sem um plano geral, sem conspiração no sentido pleno do termo, sem uma equipe geral, mas não foi levada sem o povo trabalhando por si, sem um acordo prévio. [74]
Obviamente algumas referências devem ser feitas a Louis Ferdinand Pujol, o trabalhador dos ateliês nacionais que primeiro agitou e inspiração seus colegas de trabalho a resistir, e que é tido ter chamado a construção da primeira barricada, perto da porte Saint-Denis. [75] Pujol é uma figura estranha; tendo sido seminarista, ele registrou sua profissão como “mercador” (négociant). [76]
Mas Pujol parece ter desempenhado pouco papel na organização da verdadeira luta, e indivíduos são difíceis de identificar; por razões óbvias, aqueles que sabiam os nomes daqueles que desempenharam um papel central não iriam tornar tal informação pública. Victor Marouck, um antigo communard, deu a completa lista de nomes em sua história das Jornadas de Junho publicada em 1880, quando o perigo da repressão havia passado. Ele dá cerca de uma dúzia de nomes, e relaciona cada um a cada particular rua na qual ele era responsável pelas barricadas. Os nomes são de figuras desconhecidas, e não há a corroboração independente desse registro. [77] Dommanget identificou um certo número de blanquistas que desempenharam um papel de direção na insurreição, notadamente o antigo oficial naval Paul de Flotte. [78]
Certamente não faltou liderança militar entre os trabalhadores insurgentes. Como apontado por Charles Schmidt, havia experiência suficiente de construção de barricadas entre os trabalhadores parisienses. A maioria deve ter ser envolvido com as barricadas erguidas quatro meses antes, na Revolução de Fevereiro; alguns teriam memória de 1830, apenas 18 anos antes. [79] E como Tocqueville apontou, metade dos trabalhadores de Paris haviam servido no exército, e seriam capazes de colocar seu treino a serviço da insurreição. [80]
Mas se é verdade que a liderança militar emergiu no curso da luta, também é verdade que a insurreição revelou genuíno envolvimento das massas. Milhares de trabalhadores e suas famílias contribuíram com suas habilidades e engenhosidade para a causa de sua classe. Letras de chumbos de prensas foram derretidos para fazer balas; farmacêuticos foram recrutados para manufaturar pólvora. Em uma fábrica em faubourg du Temple, a um canhão foi construído no curso da insurreição; mulheres e crianças locais jogaram areia úmida sobre ele para resfriar o metal mais rapidamente. [81] Mulheres contrabandearam munições de uma área pra outra, ocultando-a sob suas roupas, passando-se por grávidas. [82] Tal iniciativa não poderia ter sido produto de um único plano principal; é evidência da criatividade manifestada pelo povo trabalhador quando estes sentiam a possibilidade de sua libertação.
Quando à crítica de Engels que a insurreição deveria ter tentado capturar o Hôtel de Ville, parece claro que não havia coordenação central capaz de colocar-se tal objetivo. Contudo, o Marques de Normanby, o Embaixador Britânico em Paris, relatou que tal captura foi seriamente temida pelo governo; às 8h e 30min da manhã de 24 de Junho, a Assembleia Nacional foi avisada que o Hôtel de Ville poderia cair em uma hora, e que esse resultado foi evitado por pouco mais tarde naquela manhã. [83]
Fica claro, portanto, que a insurreição de junho não foi produto de uma liderança centralizada individual; mas tampouco foi o fruto da espontaneidade. Havia uma complexa configuração de liderança local sobre a qual nós ainda sabemos relativamente pouco. A questão permanece: por que Engels atribuiu tamanha importância à figura de Kersausie?
Primeiramente, é claro que Engels tinha restrições quanto à informação. Isso é claro nas duas sentenças no artigo original em alemão: ‘Der Schlachtplan der Arbeiter, der von Kersausie, einem Freund Raspails und ehemaligem Offizier gemacht sein soll, was folgender.’ Aqui o verbo sollen tem o sentido de “é dito que” ou “é relatado que” (equivalente ao uso francês da condicional); Engels está transmitindo relatórios que ele ouvira, mais que assegurando sua veracidade. Na segunda se lê: ‘Kersausie ist gefangen und id diesem Augenblick wohl schon ersschossen.’ Novamente o uso do wohl – provavelmente – indica que Engels não garante a precisão dos relatórios que ele está citando. [84]
Mas quais eram as fontes de Engels? Ainda que a luta em Paris tenha inicialmente atrasado a chegada de jornais franceses (que normalmente chegavam à Colônia na manhã do dia seguinte á publicação), à altura que o artigo sobre Kersausie foi escrito, Engels estudara os relatórios da insurreição das imprensas da França, Alemanha, Bélgica e Inglaterra. No mesmo dia que ele começou o artigo sobre Kersausie, Engels publicou um devastador ataque no registro do Kölnische Zeitung sobre a insurreição, comparando-o aos relatos publicados pela imprensa francesa. [85] Mas é improvável que Engels coletara qualquer informação sobre o papel de Kersausie da imprensa pública. Uma fonte mais provável é a correspondência privada. Novamente, nós sabemos que Engels esperava receber correspondências de Paris diariamente, e que essa correspondência se rompeu com a eclosão da insurreição. [86] Engels passara muito tempo em Paris nos anos 1840, mais recentemente no outono de 1847 e nos primeiros meses de 1848. Ele esteve em contato com uma série de figuras conhecidas da esquerda francesa – Blanc, Flocon, Cabet, Imbert – bem como, sem dúvida, com vários outros indivíduos menos conhecidos, tanto da esquerda francesa quanto da comunidade alemã. [87] Correspondências de Paris sem dúvida refletiam os vários rumores que eram abundantes durante e imediatamente após a insurreição. [88]
É importante também lembrar que quando Engels escreveu seu artigo, ele acreditava que Kersausie provavelmente estava morto, e portando julgou não poderia prejudicá-lo nomeando-o como líder da insurreição. Ele poderia presumir que se ele soubesse depois que Kersausie estava não apenas vivo, mas que ainda não havia sido preso, ele teria decidido o que a prudência fraternal ditava que ele deveria omitir futuras referências ao seu nome.
Mais interessante, contudo, que as possíveis fontes desse Engels é a questão das razões políticas que o levaram a escrever o artigo. Quaisquer relatórios que ela tenha recebido, é significativo que Engels aproveitou o suposto papel de liderança de Kersausie porque ele estava lutando contra certos problemas sobre a natureza revolucionária da liderança. Isso pode ser iluminado comparando os registros de Engels das Jornadas de Junho com aqueles de Blanqui e Karl Marx.
Em 1849, Blanqui escreveu um artigo curto intitulado Military Lessons of the Street Warfare in 1848 (Lições Militares da Guerra de Rua em 1848). [89] Este é de muitas formas um documento notável. Blanqui estava, é claro, na cadeia durante a a insurreição, mas ele claramente recebera detalhados relatórios dos membros de sua organização, e ele começou a examinar as causas da derrota.
Ele começou argumentando que em 1830 fora possível pela espontânea “élan populaire”, sem organização, derrubar os Burbons. Desde então, contudo, a classe dominante aprender a experiência muito mais que as forças populares. De fato, ele afirmou, a Revolução de Fevereiro havia sido uma “sorte sortuda”; se Luis Filipe tivesse tentado seriamente se defender, ele poderia ter permanecido no poder.
Em Junho, o governo estava em desordem, e os trabalhadores “quase certos da vitória”. Por que eles perderam? A resposta de Blanqui era simples – “por falta de organização”. Assim as barricadas havia sido colocadas aleatoriamente, muitas vezes no lugar errado, e sem plano geral. Das 600 barricadas construídas em Junho, somente 30 haviam sido sérios obstáculos ao inimigo; a maioria do restante foi desmontada sem que um tiro tenha sido disparado.
A fraqueza generalizada foi resumida por Blanqui na frase: “Nenhum comando geral, portanto, nenhuma liderança.” Havia pouca comunicação entre uma barricada e a próxima, e pouca disciplina. Aqueles defendendo as barricadas iam e vinham conforme sua vontade, e a noite eles voltavam para casa para cama, deixando forças inadequadas para resistir a qualquer ataque.
Blanqui viu isso como uma fraqueza que os insurgentes lutaram em seus próprios quarteis e, portanto, eram muito mais sujeitos a denúncia após a derrota. Ele não deu então pouca ou nenhuma importância para o fato de que a insurgências estava profundamente enraizada nas comunidades locais. Ele considerou granadas como armas inferiores que desperdiçavam pólvora e não causava mais danos do que pedras de calçamento.
Em conflitos civis, Blanqui argumentou, o povo tem enorme vantagem sobre o exército. Os soldados profissionais lutavam relutantemente, que continuavam só “por obrigação e conhaque”. As forças populares eram moralmente superiores, intelectualmente e mesmo fisicamente. Mas para a vitória “eles precisam de organização. Sem ela eles não tem chance. Organização é vitória, dispersão é morte.”
A análise de Blanqui enfatizou fatores militares, em oposição aos sociais e políticos, mas representou uma série tentativa de analisar as causas da derrota. Interessantemente, a posição de Blanqui começou de premissas bastante opostas àquelas de Engels, e ainda sim eles convergiram. Para Blanqui não havia plano geral, portanto os trabalhadores perderam. Engels também viu o plano geral como crucial, mas afirmou que esse existiu, e que os trabalhadores perderam a despeito da sua presença, não por causa de sua ausência.
O escritos de Marx à época da insurreição são menos detalhados que os de Engels, e por vez descem a um estranho triunfalismo. Em 26 de Junho, ele escreveu:
Paris se banhou em sangue; a insurreição cresceu até a maior revolução que jamais ocorrera, em uma revolução do proletariado contra a burguesia. Três dias que bastaram para a Revolução de Julho e a Revolução de Fevereiro são insuficientes para os contornos colossais desta Revolução de Junho. [90]
O ponto forte de Marx é, é claro, reconhecer o significado das Jornadas de Junho como o primeiro levante independente do proletariado, mas em termos de circunstâncias concreta do levante, é menos do que adequado. Sua análise mais longa, A Revolução de Junho, escrita em 28 de Junho, é de algumas formas pior:
Os trabalhadores de Paris foram esmagados por uma força superior, mas eles não foram subjugados. Eles foram derrotados mas seus inimigos foram subjugados. O momentâneo triunfo da força bruta foi comprado com a destruição de todas as desilusões da Revolução de Fevereiro, a dissolução de todo partido republicano moderado e divisão da nação francesa em duas nações, a nação dos proprietários e a nação dos trabalhadores. [91]
Obviamente seria muito severo comparar isso a forma que o Partido Comunista Alemão viu a vitória de Hitler como um passo a frente para a classe trabalhadora; mas há um certo triunfalismo perigoso que falha em reconhecer que a classe trabalhadora da França sofrera uma derrota da qual não poderia se recuperar por 20 anos.
Quando Marx retornou ao assunto em 1850 em um dos melhores escritos históricos, A Luta de Classes na França, ele teve uma visão bastante distanciada. A questão da organização proletária foi deixada de lado, porque então Marx simplesmente assumiu que essa não existira:
É bem conhecido como os trabalhadores, com um uma coragem e ingenuidade sem precedentes, sem líderes, sem um plano comum, sem os meios e, de maneira geral, sem armas, manteve em cheque por cinco dias o exército, a Guarda Móvel, a Guarda Nacional de Paris, e a Guarda Nacional que fluiu da províncias.
Mas nas análises revisadas de Marx, a questão da organização tem de qualquer forma pouca relevância, desde que a derrota dos trabalhadores agora é vista como inevitável:
O proletariado de Paris foi forçado à insurreição de Junho pela burguesia. Isso bastou para marcar sua condenação. Suas necessidades imediatas e confessadas não o levaram a lutar pela derrubada pela força da burguesia, nem estava à altura da tarefa. [92]
Em 1895, no ano de sua morte, Engels retornou mais uma vez para a experiência de 1848 escrevendo uma nova introdução para A Luta de Classes na França de Marx. Como um revolucionário honesto, Engels não fez nenhuma tentativa de afirmar consistente seus escritos anteriores. Em 1848, ele e Marx estiveram absortos demais no curso cotidiano dos eventos políticos para analisar o contexto econômico de longo prazo. Como resultado: “ A História nos provou errados, e todos aqueles que pensaram como nós. Isso tornou claro que o nível de desenvolvimento econômico do continente àquela época não estava, de longe, maduro para eliminação da produção capitalista…” [93]
Engels reafirmou os aspectos militares de 1848, argumentando que os subsequentes desenvolvimentos do períodos significavam que as táticas específicas de 1848 estava declinando de relevância. Já em 1849 “a barricada perdera sua mágica”. [94] No contexto de tamanha reavaliação, a contribuição de Kersausie deve ter parecido de pequena ou nenhuma importância.
Mas no verão de 1848, as prioridades de Engels eram bastante diferentes. Bernard Moss argumentou que entre 1848 e 1850 Marx e Engels se voltaram para “uma posição mais sectária e ultra revolucionária”.[95] Há um elemento de verdade nisso, mas a mudança deve ser vista no contexto de mudança da situação. Em Junho de 1848, o processo revolucionário na Europa ainda estava ainda avançando, e era dever de todos os revolucionários encorajar tal avanço; somente quando o movimento foi derrotado seria tempo de analisar as causas do fracasso.
Durante e imediatamente a insurreição de Junho, houve um fluxo de calúnias da direita e de setores da esquerda, acusando os trabalhadores de Paris de terem sido enganados por agitadores estrangeiros e subornados por dinheiro estrangeiro. O jornal de Leipzig Der Leuchtturm, mais de 50 anos antes da revolução bolchevique, culpou a ascensão do “ouro russo”. [96] Na própria Colônia, o Kölnische Zeitung disseminou e exagerou os relatos franceses da quantidade de dinheiro encontrada entre os insurgentes. [97] Na França, relatos ainda mais bizarros circularam. Marouck nos conta que o jornal chamado La Lampion afirmava que no cadáver de um dos insurgentes fora encontrado um bilhete com as palavras: “Isso dá ao portador o direito à três damas do faubourg Saint-Germain” (Marouck, que não estava livre dos preconceitos do meio republicano, retrucou que os homens socialistas eram felizes com suas próprias mulheres e não queriam “nobres damas… gangrenadas com as práticas de Lesbos”) [98]
O Marques de Normanby relatou um discurso na Assembleia Nacional, onde Ferdinand Flocon, agora Ministro da Agricultura (que havia discutido cordialmente com Engels no outubro anterior)[99], acusou o levante de receber dinheiro de países vizinhos (uma acusação que Normanby, como Embaixador Britânico, ficou ansioso por negar). [100] O mesmo tema, de agitação conspirativas contra o governo, correu no relatório do inquérito oficial sobre o levante.
Obviamente era dever dos revolucionários refutar tais acusações, e mostrar que o levante teve como sua causa a opressão social do povo trabalhador. No mesmo volume do Neue Rhenische Zeitung como na primeira parte do artigo de Kersausie, Engels publicou uma réplica às acusações do Kölnische Zeitung. Aqui, ele citou como apoio M.Payer, um membro conservador da Assembleia Nacional que passou 12 horas como prisioneiro entre os insurgentes: “A maioria deles eram trabalhadores que haviam sido levados ao desespero por quatro meses de miséria. Eles disseram: melhor morrer de uma bala do que de fome.”[101]
Mas ainda que esse fosse um importante argumento a ser levado pela esquerda, não foi o suficiente. De fato, alguns dos representantes inteligentes da direita – aqueles concentrados em entender, mais do que em provar algum ponto político – reconheceram que o levante teve suas bases nas condições sociais e não em agitadores estrangeiros. Alexis de Tocqueville escreveu: “… essa formidável insurreição não foi empreendida por um pequeno número de conspiradores, mas o levante de um todo da população contra outro. As mulheres tomaram parte tanto quanto os homens.”[102]
Engels estavam bastante ciente que a invocação de “espontaneidade” não resolvia os reais problemas da liderança revolucionária. De fato, antes naquele mesmo ano em Colônia ele observara os tristes resultados da excessiva esperança na espontaneidade. Em 3 de março, um ato chamado pela Liga dos Comunistas na Prefeitura de Colônia fora dispersada por tropas e seus líderes presos; como Engels lamentou em uma carta à Marx:
O negócio em Colônia está ruim. Nos três melhores homens estão na cadeia. Eu tenho falado com alguns que tiveram parte ativa no assunto. Eles queriam ir para ao ataque, mas invés de se abastecerem de armas, que eram facilmente conseguíveis, eles foram à prefeitura desarmados e deixaram-se ser cercados. Foi dito que a maioria das tropas estavam do seu lado. A coisa começou sem rima ou razão; se os relatórios do companheiro são críveis, eles poderiam muito bem ter atacado e em duas horas tudo teria acabado. Mas tudo foi organizado com uma estupidez terrível. [103]
Para Engels, a questão da liderança revolucionária foi além da dicotomia abstrata dos “agitadores estrangeiros” ou “espontaneidade”. Então, baseado em alguns tênues relatórios de Paris – que devem ter sido bastante tênues, pois não apareceram em nenhum outro lugar – Engels parece ter feito de Kersausie uma liderança central que ele reconhecia que a insurreição precisara. Kersausie então tornou-se uma representação simbólica da liderança revolucionária ausente. De fato, se Kersausie não existisse, Engels talvez achasse necessário inventá-lo. O artigo sobre Kersausie é ruim em história, mas bom em política.
Kersausie encaixou na conta em dois aspectos. Primeiramente, ele era um veterano da oposição à Monarquia de Julho. Ele era um republicano, um internacionalista e, de uma certa maneira, um socialista. Ele apoiara a Revolução de 1830, participara tanto de sociedades secretas quanto da imprensa radical nos anos 1830, e se associara com a maioria das correntes de esquerda da Segunda República. Através de sua conexão com Buonarroti ele estava ligado à corrente revolucionária que remontava ao Jacobinismo e a Babeuf. Consequentemente, ele veio a simbolizar a necessidade de uma organização revolucionária a ser implantadas bem antes do levante revolucionário.
Em segundo lugar, Kersausie era um militar. Ele servira, com notável sucesso, sob os Burbons antes de 1830. Engels tivera um longo interesse em questões militares [104], e ele reconhecia a necessidade da classe trabalhadora insurgente de levar as questões militares a sério. Quaisquer que fossem as relações de forças das classes, trabalhadores precisavam ter armas na hora certa, e armas com balas nelas. Para desafiar o poder da classe dominante, os trabalhadores precisavam recorrer ao melhor e mais avançado conhecimento militar. Nesse sentido, Kersausie tornou-se um símbolo percursor dos oficias czaristas que Trotsky chamara para o Exército Vermelho com a justificativa”: “Como a indústria precisa de engenheiros, como a agricultura precisa de agrônomos qualificados, os especialistas militares são indispensáveis na defesa.”[105]
Engels deu importância ao papel de um indivíduo nas Jornadas de Junho porque ele viu que era uma situação onde a história estava no fio da navalha. Suas formulações desse período são otimistas e voluntaristas: “Os insurgentes…teriam triunfados se tivessem usados os mesmos meio violentos empresados pela burguesia…Os trabalhadores de Paris…estavam a um fio da vitória… A guarda móvel…só precisava de um leve ímpeto para fazê-los passar para o lado deles “(Historiadores posteriores foram particularmente críticos dessa crença que a guarda móvel poderia ter mudado de lado). [106]
Bernard Moss afirma que “o trabalho de Engels é marcado por uma dicotomia entre um determinismo histórico exagerado e traços de um voluntarismo político.”[107] Essa é uma forma muito melhor de colocar do que a comum, mas implausível tentativa de justapor o alegado determinismo de Engels ao “humanismo” de Marx. [108] Mas de fato Engels não vi determinismo e voluntarismo como uma dicotomia. Ao contrário, ele reconhecia que a história era feita por forças históricas que transcendia indivíduos; diferentemente de Blanqui, ele não acreditava que um pequeno grupo poderia impor sua vontade à história. Mas em certos pontos de virada históricos, Engels percebeu que a intervenção individual poderia pender a balança e decidir entre dois possíveis futuros. Consequentemente a importância atribuída à figura simbólica de Kersausie.
Como Lenin escreveu em dezembro de 1906, quando a onda revolucionária estava em declínio: “O marxista é o último a deixar o caminho da luta diretamente revolucionária, ele o deixa apenas quando todas as possibilidades foram esgotadas, quando não há sombra de esperança por uma caminho mais curto.” [109]
No mesmo espírito, Engels se agarrou á esperança de vitória em 1848 até quando todas as possibilidades de sucesso tivessem acabado. É fácil criticar seu voluntarismo em retrospecto, mas o problema de quando dar prioridade ao ativismo e quando à análise sempre foi difícil. [110]
Nós não prestamos nenhum serviço a Engels deixando de criticar seus erros. Seu artigo sobre Kersausie era historicamente falso, e deve ser reconhecido como tal. Somente por tal crítica nós podemos começar a apreciar verdadeiramente os acertos de Engels, seu reconhecimento pela necessidade de efetiva organização política e militar. Engels tivera muitas diferenças com Blanqui, mas quando ele depois escreveu “Organização é vitória”, Engels não teria contestado sua aplicabilidade às Jornadas de Junho. Isso continua sendo verdade hoje.
Notas:
1. Este artigo foi originalmente apresentado a uma conferência organizada em Manchester em setembro de 1998 pelo Grupo de Historiadores Marxistas do Norte para comemorar o 150º aniversário das revoluções de 1848.
2. F. Pardigon, Episodes des journées de juin 1848, London and Brussels 1852, p. 64.
3. Uso essa frase para incluir tanto artesãos quanto proletários em sentido estrito. Ambos os grupos estavam envolvidos no levante; as proporções permanecem uma questão de debate histórico.
4. K. Marx and F. Engels, Collected Works, London and Moscow 1975ff., Volume 7, p. 147.
5. T. Carver, Friedrich Engels, Basingstoke and London 1991, p. 223.
6. A. Cornu, Karl Marx et la révolution de 1848, Paris 1948, p. 27.
7. G. Mayer, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlin 1920, p. 323.
8. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp. 157–164.
9. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp. 157, 158, 164.
10. Não pretendo, obviamente, ter consultado mais do que uma pequena fração da vasta literatura sobre 1848. Mas tentei examinar os principais relatos de testemunhas oculares e as sínteses históricas mais recentes em inglês e francês.
11. K. Marx and F. Engels, Articles from the Neue Rheinische Zeitung 1848–49, London, 1972.
12. Le Militant Rouge, no. 1, November 1925, pp. 14–20.
13. K. Marx, Les Luttes de classes en France (1848–1850) suivi de Les Journées de juin 1848 par Friedrich Engels, Paris, 1967; K. Marx and F. Engels, La Nouvelle Gazette rhénane, tome 1 (ed. Lucienne Netter, Paris 1963), p. 481. It can also been found in various other anthologies, such as Antimilitarisme et révolution (ed. A. Brossat and J.-Y. Potel, Paris 1975), Volume 1, and F. Engels, Théorie de la violence (ed. G Mury, Paris 1972). Nem o primeiro, de inspiração trotskista, nem o segundo, editado sobre princípios maoístas, oferece qualquer tentativa de explicar o papel de Kersausie.
14. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp xx-xxi, 620, 666.
15. Marx and Engels, Collected Works, Volume 27, pp. 529, 634, 642.
16. Great Soviet Encyclopaedia, English version, New York and London 1976, third edition, Volume 12, p. 424.
17. M. Dommanget, Auguste Blanqui et la révolution de 1848, Paris and The Hague 1972, p. 199.
18. B.H. Moss, Marx and Engels on French Social Democracy: Historians or Revolutionaries?, Journal of the History of Ideas, Volume 46, no. 4, October–December 1985, pp. 539–57.
19. J. Maitron (ed.), Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, Paris 1964ff., tome 2, p. 319. Note that the entry is given for the name Guillard de Kersausie and appears under the letter G.
20. J. Trévédy, La Famille Limon du Timeur, Bulletin de la société archéologique du Finistère, tome 33, 1906, pp. 222–46.
21. X. Raspail, La Vie et l’oeuvre scientifique de F.-V. Raspail, Paris 1926, p. 43.
22. See B.H. Moss, Parisian Workers and the Origins of Republican Socialism, 1830–1833, in J.M. Merriman (ed.), 1830 in France, New York and London 1975, pp. 203–21.
23. Alain Faure, Mouvements populaires et mouvement ouvrier à Paris (1830–1834), Le Mouvement social, no. 88, July–September 1974, pp. 51–92.
24. On the dispute in the SDH, see Faure, op. cit.; Moss, Parisian Workers …, op. cit.; G. Sencier, Le Babouvisme après Babeuf, Paris 1912, pp. 52–61.
25. F.-V. Raspail, Lettres sur les prisons de Paris, two volumes, Paris 1839.
26. F.-V. Raspail, De la Pologne sur les bords de la Vistule et dans l’émigration, Paris 1839, p. 7.
27. J. Wogue, Raspail, Paris 1939, p. 50.
28. F.-V. Raspail, De la Pologne …, op. cit., pp. 1–2.
29. E. de Mirecourt, Raspail, Paris 1869, p. 27.
30. De Mirecourt, op. cit., p. 52.
31. Maitron, op. cit., p. 319.
32. Cited J. Godechot, Un jury pour la révolution, Paris 1974, p. 245.
33. M. Agulhon, editor’s introduction to Martin Nadaud, Mémoires de Léonard, Paris 1976, p. 28.
34. Maitron, op. cit., p. 319.
35. Faure, op. cit., pp. 74–6.
36. See L.-A. Blanqui, Oeuvres, ed. D. Le Nuz, Nancy 1993, Volume 1, p. 246.
37. See I.H. Birchall, The Spectre of Babeuf, Basingstoke and London 1997.
38. A. Lehning, De Buonarroti à Bakounine, Paris 1977, p. 76.
39. P. Robiquet, Buonarroti et la secte des égaux, Paris 1910, p. 87.
40. Robiquet, op. cit., pp. 220–1; Buonarroti doubtless remembered that Babeuf’s conspiracy had been betrayed by the traitor Grisel, who was allowed easy access to the secret directory.
41. E.L. Eisenstein, The First Professional Revolutionist, Cambridge 1959, pp. 101, 122–4.
42. See the complete stenographic record in Débats du procès instruit par la Haute-Cour de Justice contre Drouet, Baboeuf et autres, Paris 1797, four volumes, or for a brief account, I.H. Birchall, The Vendôme Defence Strategy, British Journal for Eighteenth-Century Studies, Volume 20, no. 2, Autumn 1997, pp. 141–53.
43. G. Perreux, Au Temps des sociétés secrètes, Paris 1931, p. 320.
44. J. Lucas-Dubreton, Louis-Philippe et la machine infernale, Paris 1951, p. 223.
45. F. Trollope, Paris and the Parisians in 1835, London 1836, Volume 1, pp. 141–3.
46. De Mirecourt, op. cit., p. 27.
47. Dommanget, op. cit., p. 144.
48. P.H. Amann, Revolution and Mass Democracy, Princeton NJ 1975, p. 256.
49. L. Ménard, Prologue d’une révolution, Paris 1849, p. 157.
50. Assemblée Nationale, Rapport de la Commission d’enquête sur l’insurrection qui a éclaté dans la journée du 23 juin …, Paris 1848, Volume 1, p. 67.
51. For the not at all implausible argument that 15 May saw the success of a plan designed to facilitate the arrest of the main leaders of the left, see H. Guillemin, La première résurrection de la république, Paris 1967, pp. 327–52.
52. Before the June Days, many observers thought the garde mobile would take the side of the workers; in fact they helped to suppress the rising, which makes this list rather contradictory. See P. Caspard, Aspects de la lutte des classes en 1848; le recrutement de la garde nationale mobile, Revue historique, no. 511, July–September 1974, pp. 81–106.
53. L’Aimable faubourien, no. 2, 4–8 June 1848, p. 1.
54. L’Aimable faubourien, no. 4, 11–15 June 1848, p. 1.
55. S. Wassermann, Les Clubs de Barbès et de Blanqui en 1848, Paris 1913, p. 205; Maitron, op. cit., p. 319.
56. Journées de juin – 1848 écrites devant et derrière les barricades par des témoins oculaires, Paris n.d., pp. 56–7.
57. Trévédy, op. cit., p. 243.
58. Rapport de la Commission d’enquête sur l’insurrection …, Volume 1, pp. 16, 253, 332, 343, 359–61, Volume 2, pp. 84, 105, 94–5, 255–7.
59. Trévédy, op. cit., p. 243.
60. Marcel Dessal, Charles Delescluze (1809–1871), Paris 1952, p. 139.
61. Trévédy, op. cit., p. 243; Maitron, op. cit., p. 319.
62. A. Saint-Ferréol, Les Proscrits français en Belgique, Brussels 1870, Volume 1, p. 47, Volume 2, p. 19.
63. Trévédy, op. cit., pp. 243–4.
64. P.-J. Proudhon, Lettres au citoyen Rolland, Paris 1946, pp. 44–5.
65. Trévédy, op. cit., p. 243.
66. This appeared twice a week, from 1 June 1848 onwards; each issue consisted of a single two-sided sheet. E. Hatin, Bibliographie historique et critique de la presse périodique française, Paris 1866, p. 462, says seven issues appeared, but the British Library at Colindale has only numbers 1–5, covering the period of 1–18 June.
67. L’Aimable faubourien, no. 1, 1–4 June 1848, p. 1.
68. L’Aimable faubourien, no. 4, 11–15 June 1848, p. 2.
69. L’Aimable faubourien, no. 2, 4–8 June 1848, p. 1.
70. L’Aimable faubourien, no. 4, 11–15 June 1848, p. 1.
71. L’Aimable faubourien, no. 1, 1–4 June, 1848, p. 1
72. A. Soboul, The French Revolution of 1848, London 1948, p. 32.
73. Amann, op. cit., pp. 298-9.
74. Pardigon, op. cit., p. 69.
75. D. Stern, Les Journées de juin 1848, Oxford 1907, p. 125.
76. M. Traugott, Armies of the Poor, Princeton NJ 1985, p. 249. According to Dommanget (op. cit., pp. 194-5), his conduct after his arrest was highly questionable. He later served as a colonel on the Northern side in the US Civil War (Maitron, op. cit., Volume 3, 1966, pp. 263–4).
77. V. Marouck, Juin 1848, Paris 1880, pp. 36–7.
78. Dommanget, op. cit., p. 195.
79. C. Schmidt, Des Ateliers nationaux aux barricades de juin, Paris 1948, pp. 44–5.
80. A. de Tocqueville, Souvenirs, Paris 1893, p. 209.
81. C. Schmidt, Les Journées de juin 1848, Paris 1926, p. 70.
82. Marquis de Normanby, Une Année de révolution, Volume 2, Paris 1858, pp. 110–11.
83. Normanby, op. cit., pp. 103, 108.
84. H. Neef, Vier Tage rote Fahnen in den Strassen von Paris, Berlin 1983, pp. 91, 100 (my emphasis – IHB).
85. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp. 121, 123, 135, 150–6, etc.
86. Marx and Engels, Collected Works, Volume 38, pp. 121, 123.
87. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp. 8; Volume 38, pp. 152, 156, 169, etc.
88. Schmidt, Les Journées de juin 1848, op. cit., p. 113.
89. L.A. Blanqui, Les enseignements militaires de la guerre de rues en 1848, Le Militant rouge, no. 11, November 1926, pp. 242–5. This text should be used with some care. As pointed out by Dommanget (op. cit., p. 197), it was subjected to later revisions. The text as published contains a reference to the chassepot rifle, introduced to the French army only in 1866 (I am grateful to Edward Crawford for pointing this out). But the general line of argument represents Blanqui’s considered response to the experience of June 1848.
90. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, p. 128.
91. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, p. 144.
92. Marx and Engels, Collected Works, Volume 10, pp. 67–9.
93. Marx and Engels, Collected Works, Volume 27, p. 512.
94. Marx and Engels, Collected Works, Volume 27, p. 518.
95. Moss, Marx and Engels …, op. cit., p. 555.
96. Neef, op. cit., p. 117.
97. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, p. 155.
98. Marouck, op. cit., p. 70.
99. Marx and Engels, Collected Works, Volume 38, p. 136.
100. Normanby, op. cit., pp. 103–4.
101. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, p. 155.
102. Tocqueville, op. cit., p. 209.
103. Marx and Engels, Collected Works, Volume 38, p. 159.
104. In 1862, in the course of correspondence about the American Civil War, Marx mildly reprimanded Engels, writing: ‘It strikes me that you allow yourself to be influenced by the military aspect of things a little too much.’ Engels had predicted the likelihood of the North getting ‘the terrible thrashing it deserves’. (Marx to Engels, 10 September 1862; Engels to Marx, 30 July 1862, Marx and Engels, Collected Works, Volume 41, pp. 416, 388)
105. I. Deutscher, The Prophet Armed, Oxford 1970, pp. 407–8.
106. Marx and Engels, Collected Works, Volume 7, pp. 139, 164; Traugott, op. cit., pp. 51–2 (see also note 51 above).
107. Moss, ‘Marx and Engels …’, op. cit., p. 552.
108. For a critique of this position see J. Rees, Engels’ Marxism, International Socialism, no. 64, 1994, pp. 47–82.
109. V.I. Lenin, Collected Works, Volume 11, Moscow 1960, p. 351.
110. I personally recall being accused of crowing ‘exultantly and … ignorantly’ for trying to analyse the causes of Allende’s overthrow rather than celebrating those who had resisted Pinochet’s coup. See Jane Scott Paul, letter in Socialist Worker, 6 October 1973, p. 13.