Por Isadora Gomes
A ecologia marxista, nos últimos anos, tem voltado aos debates na forma de uma corrente da ecologia, e não do marxismo. Isso é um mérito, entre outras coisas, do avanço da formulação teórica e da prática militante em torno de debates essenciais aos países do capitalismo dependente: o ecofascismo, as condições de vida das populações tradicionais (particularmente indígenas e ribeirinhas), a privatização de recursos essenciais à vida, a saúde pública, a jornada de trabalho e a própria estrutura agrária brasileira.
A ecologia política tem caminhado (a passos lentos) para ser um pilar da práxis revolucionária no Brasil e em toda a América Latina. O resgate, entre os comunistas, da teoria marxista da dependência e da categoria de sociometabolismo1 são parte desse processo.
Sabe-se que a ecologia burguesa, desde Malthus até o atual ecofascismo, inverte a lógica da destruição ambiental para culpabilizar não apenas o indivíduo, mas os setores da classe trabalhadora mais pauperizados, que são jogados (também pelo racismo ambiental) nas piores condições de vida e passam a carregar a culpa pela contaminação da água, pelo desmatamento, pela produção de lixo. Mas é preciso ir além, também, do questionamento sobre a condição econômica dos países dependentes: sabendo não apenas que o processo de ocupação de terras e industrialização gera efeitos ecossistêmicos nefastos, mas que o imperialismo atua como determinante da degradação ambiental, como se desenvolvem as relações sociometabólicas nos países dependentes – ou melhor, como elas são rompidas? O que leva fenômenos como as queimadas no Pantanal, as tragédias de Brumadinho e Mariana, o assassinato de indígenas, ribeirinhos e sem-terra, a serem fenômenos sistemáticos no Brasil (ainda que escalando em momentos de fortalecimento do fascismo)?
Esse texto se pretende, no máximo, um ponto de partida para se pensar a realidade da ecologia nos países do capitalismo dependente – ecologia sendo compreendida como a relação de metabolismo social com a natureza, envolvendo aspectos essenciais da agricultura, matriz energética, condições de trabalho, habitação, alimentação e saúde da classe trabalhadora, produção e descarte de resíduos, relação cidade-campo, enfim, a situação concreta da biosfera sob a qual nossa classe produz e reproduz sua força-de-trabalho e as condições materiais que levam à sua degradação. Nem todos os pontos serão esgotados ou sequer desenvolvidos aqui.
Partimos da premissa que países do capitalismo dependente não tem a mesma formação histórico-econômica dos países do capitalismo central. Deve se esclarecer, primeiro, que um país na condição de dependência não é um país que está sujeito à leis diferentes das leis gerais do capitalismo mundial, mas que apresenta particularidades históricas em sua formação que determinam leis particulares de reprodução do capital. Tais particularidades não são resultado direto da forma de colonização que nos foi imposta. Isto é relevante pois, observando o discurso pautado na historiografia burguesa, é comum que se recorra à explicação do tipo de colônia para se explicar o presente: países como o Brasil tiveram uma colônia de exploração, ao passo que países como os Estados Unidos tiveram uma colônia de povoamento, e isso delimitaria os rumos nos quais o desenvolvimento capitalista (e sua suposta “humanização”) ocorre em cada local. Entretanto, o que determina a exploração do trabalho e da natureza – ou seja, nossa relação com o imperialismo ecológico – é o local que ocupamos na divisão internacional do trabalho. Ou melhor, o local que nos foi designado. Para compreender a forma como avança e se organiza a destruição de recursos naturais, o caminho que escolhemos é partir dos processos econômicos do trabalho no campo.
A estrutura fundiária é determinante para a configuração do poder político brasileiro, mas o poder político democrático-burguês e suas disputas institucionais estão longe de conseguir modificar a estrutura fundiária de volta. Para pensar um pouco sobre o poder político da burguesia latifundiária e onde ele se alicerça, é essencial pensar as formas de apropriação de renda, de expropriação e de exploração que a constituem.
Para Marx, há algumas formas de apropriação da renda da terra2 que dependem de condições materiais específicas.No Brasil, pode-se identificar que a renda diferencial II passa a ser a base da apropriação da renda da terra a partir do uso sistemático de insumos agrícolas e maquinaria – isto é, em um processo que é ampliado na década de 1950 e se intensifica a partir de 1960 com a Revolução Verde. A renda diferencial II, tal como a I, tem como critério de comparabilidade uma terra marginal (menos fértil); no caso da II, uma riqueza superior em comparação é gerada por uma aplicação de capital constante que potencializa a extração da fertilidade da terra.3 É uma forma de se obter lucro e/ou mais-valia extraordinários, junto à aceleração do tempo de rotação do capital4 – de forma simples, se pode aumentar a mais-valia extraordinária aumentando a produtividade do capital, mas isso não é comum em toda a indústria dos países dependentes.
Quando se pretende compreender a dinâmica da agropecuária brasileira (ou pelo menos parte dela), é essencial que se coloque que a renda diferencial não é valor em sua origem, mas na medida em que é uma riqueza capitalista, que é convertida em mais-dinheiro, em capital. Como explica Luxemburgo, a transformação do capital em mercadorias por meio do processo de trabalho (vivo) e depois novamente em dinheiro mediante a circulação é necessária não apenas para produzir e acumular mais-valia, mas para o processo de expansão do capital, isto é, pela obtenção ilimitada e incessante de mais-valia em quantidades sempre maiores. Na produção capitalista de estágio imperialista não são as necessidades de consumo da sociedade que determinam a produção, mas a própria dinâmica da reprodução ampliada de mais-valia. Sendo a propriedade privada da terra fonte de mais-valor quando produtivo e a acumulação cada vez maior de mais-valor o motor propulsor da economia capitalista, os limites territoriais e da natureza ficam explícitos. Vergopoulos, nesse ponto, argumenta que o simples funcionamento das leis de reprodução já não é suficiente para que se assegure a acumulação, e a partir daí o capital progride apoiando-se em pilhagem. Porém, consideramos que o processo é precisamente assentado na pilhagem: a pilhagem (seja na forma institucionalizada de colonização ou na grilagem em sentido vulgar) já é a condição básica para a reprodução ampliada e acumulação – não é uma consequência de uma contradição anterior, mas a condição de existência dessa contradição. A contradição, na realidade, se encontra precisamente nos limites naturais de expansão do capital que o imperialismo escancara – tanto porque, nas palavras de Vergopoulos, a terra “não é nem livremente extensível ou reprodutível, nem acumulável ou inesgotável”, quanto porque existe um limite ecológico de sobrevivência do ser humano.
Para Saito, o desenvolvimento capitalista ameaça a continuidade do sociometabolismo pois é neste modo-de-produção específico que o valor deixa de ser apenas a mediação da produção social e passa a ser o objetivo maior da produção – dessa forma, o trabalho é reorganizado na perspectiva da maior quantidade possível de mais-valia extraída. Tanto o trabalho quanto os recursos naturais são meros suportes para a autovalorização do capital mediante sua reprodução e expansão, ao ponto de negligenciar a própria continuidade de ambos.
Observando-se a disputa histórica de estratégias que surgem das análises da formação social brasileira5, e compreendendo que a teoria marxista da dependência se debruçou e se debruça de forma minuciosa sobre os fenômenos da troca desigual e da superexploração do trabalho, partimos da premissa que é o capitalismo dependente que, sendo gestado como dependente, deu as bases para a industrialização dos países do capitalismo central e, na reprodução de sua dependência, assegura a crescente taxa de acumulação daqueles países. É importante se postular isso quando se fala de estrutura fundiária e agropecuária, pois quem se apropria da renda diferencial (e também da renda absoluta de monopólio) gerada nos países dependentes não é sua burguesia nacional, mas a burguesia imperialista, por mecanismos sistemáticos de transferência de valor que configuram a troca desigual.
Diante do postulado, podemos compreender como não apenas a estrutura fundiária brasileira mas a agricultura em si (“sistema produtivo”, por assim dizer) funciona como um mecanismo de aprofundamento da dependência – não apesar da agroindústria, mas alicerçado nesta. A industrialização que tem sido promovida pelo agronegócio brasileiro é reconhecida como causa de certos fenômenos da política agropecuária, tanto econômicos – como a dependência dos pequenos agricultores para com grandes empresas6 – quanto da agricultura como um todo de insumos químicos.7 Retornando ao raciocínio de Luce, podemos ir além, passando por examinar a relação de exploração de pequenos proprietários/agricultores familiares e como isso pode contribuir para uma análise das relações metabólicas. Sendo o agronegócio brasileiro alicerçado em latifúndios, proprietários individuais que competem entre si nas condições do mercado capitalista – monopólios – a tendência do capitalista é que se altere a composição orgânica do capital para o trabalho morto em detrimento do trabalho vivo. As taxas de mais-valia tendencialmente caem, pois o trabalho vivo é o que gera o mais-valor; a agricultura capitalista, dessa forma, não pode ser contida em territórios pré-definidos, mas deve avançar sua fronteira para que consiga manter a mais-valia crescendo, ou seja, manter o processo de reprodução do capital, como diz Luxemburgo. O valor pago pelos produtos primários (agropecuários, neste caso, mas de quaisquer natureza) produzidos pelos países dependentes é determinado pelas empresas exportadoras, que ampliam a parcela da renda da terra que se apropriam em detrimento dos proprietários. Para compensar suas perdas, a burguesia agrária utiliza-se do mecanismo de superexploração da força-de-trabalho aliado ao avanço da fronteira agrícola.
Importante que se coloque que a categoria de superexploração da força-de-trabalho não é, de qualquer forma, uma categoria moral, mas um fenômeno material que ocorre com certas particularidades da forma como se apresenta a centralidade do trabalho nos países dependentes. Como analisa Luce, não é por falta de lutas históricas da classe trabalhadora que as jornadas laborais são tendencialmente maiores e os níveis salariais consideravelmente mais baixos nos países da América Latina, mas precisamente pela forma como se expressam as leis particulares de reprodução do capital. O grande exército de reserva que influi na determinação dos salários e da jornada de trabalho, a diferença no papel de consumo das classes trabalhadoras dos países centrais e dependentes, o deslocamento dos fundos de consumo dos trabalhadores para os fundos de acumulação de capital – são elementos que determinam a superexploração do trabalho. Em resumo, para Mariny e a TMD, a superexploração da força-de-trabalho é identificada na tendência sistemática de jornadas de trabalho longas e intensas e de uma menor possibilidade de reposição do desgaste gerado pela força-de-trabalho (tanto pelo menor acesso a consumo de lazer e mercadorias, quanto tempo de descanso).
“O capital que opera abaixo do preço de produção, batendo a taxa de lucro média, apropria-se de lucro extraordinário, que é transferido por outros capitais. Analogamente, a força-de-trabalho que está submetida a um desgaste além do limite normal sofre desgaste da sua corporeidade em uma relação de não-identidade com a reposição de seu valor, mas neste caso a apropriação de valor mediante intercâmbio de não-equivalentes se dá entre capital e trabalho. Esse procedimento, à base de repetição sistemática, acarreta condições de superexploração.” (LUCE, 2018)
A superexploração é a forma de compensação que a burguesia do capitalismo dependente tem para com suas próprias perdas econômicas, que ocorrem pela troca desigual com as economias centrais. “Quando a classe trabalhadora sente os efeitos da crise, é porque ela já foi resolvida para a burguesia.”
Não vamos nos debruçar sobre todas as manifestações de superexploração do trabalho na agricultura brasileira, mas é interessante tratar de duas em particular: o trabalho volante e o trabalho na agricultura familiar. Gonzales e Bastos introduzem o tema do trabalho volante (temporário) na agricultura brasileira como um fenômeno que se torna mais visível a partir da década de 1960 (não atoa com o avanço da Revolução Verde), e que aparece na tendência de substituir outras formas de trabalho:
“O trabalho volante, como uma forma de trabalho assalariado ‘puro’, é uma relação que permite aos empresários agrícolas valorizarem seu capital mais eficazmente, nas condições dadas do processo de produção agrícola no país. A parceria, o colonato e, até mesmo, o trabalho assalariado permanente, tornam-se formas antieconômicas, diante das novas condições materiais, institucionais e legais da produção. Daí a tendência a serem substituídas por relações de trabalho volante.” (SINGER org, 1975).
Esse processo constitui parte do que determina a proletarização dos trabalhadores rurais. As áreas minifundiárias, para os autores, constituem uma grande reserva de força-de-trabalho subocupada, pois a terra disponível não é capaz de absorver a força-de-trabalho familiar, o que torna essas áreas fontes permanentes de força-de-trabalho expropriada dos meios-de-produção, alimentando o exército industrial de reserva (e até o operariado em si) dos centros urbanos e o trabalho volante no campo, servindo à subjugação do trabalho ao capital formal.
Há também uma exploração sistemática e aguda dos recursos naturais dos países do capitalismo dependente – uma superexploração, por assim dizer. Sendo a América Latina, por condições naturais geográficas8, uma reserva de renda diferencial e sujeita à leis particulares dessa formação econômica, podemos observar, a partir da condição de dependência, as determinações econômicas para a superexploração da natureza que aqui existe e como se apresenta. Falamos um tanto da expansão da fronteira agrícola, a extração de renda da terra e a expropriação do trabalho. A expropriação da natureza (em relação à humanidade no geral, isto é, o divórcio entre o metabolismo social e a natureza) e a relação de superexploração com ela estabelecida são determinadas precisamente pelas particularidades da formação econômica latinoamericana.
Uma das formas mais evidentes de se ver, por exemplo, o fenômeno da troca desigual entre economias formalmente independentes, é a balança comercial, sempre desigual, de exportação e importação de comoddities. Produtos com baixo valor agregado, produzidos com força-de-trabalho superexplorada, em indústrias de baixo custo para a burguesia e alto custo ecológico e que não são simplesmente expressões de momentos econômicos, mas o próprio pilar da exportação. Para Luxemburgo, o auge da conjuntura de crise é o ciclo periódico de conjuntura recessiva, correspondendo ao momento de contração ou interrupção parcial da reprodução capitalista entre momentos de maior expansão. Esse fenômeno determina certos termos de troca entre países centrais e dependentes, sendo:
“Finalmente, cumpre sublinhar que inclusive quando os termos de intercâmbio são favoráveis ou menos desfavoráveis, a dependência se reforça ao desatar uma corrida pela expansão da produção de matérias-primas com os preços na alta – com todas as implicações agudizando a expropriação de territórios indígenas, grilagem de terras, assassinatos no campo e destruição ecológica. Por outro lado, quando os termos são desfavoráveis, as consequências, ademais, implicam na ocorrência de crises no balanço de pagamentos. De uma maneira ou de outra, temos a reprodução ampliada da dependência através da esfera comercial”. (LUCE, 2018)
Da mesma forma como o avanço da fronteira agrícola é determinado pela maior composição do trabalho morto em detrimento do vivo na forma orgânica do capital, a expropriação de territórios de comunidades tradicionais aparece como uma necessidade da reprodução capitalista. A destruição ecológica não é, então, meramente uma consequência secundária do avanço do capital nem só um processo intrínseco ao seu avanço, mas precisamente só pode ocorrer acúmulo e reprodução ampliada quando existe mais um território com recursos naturais sob os quais avançar. Essa é a dinâmica do imperialismo ecológico. A ruptura sociometabólica não é um problema que deve ser analisado apenas nas suas consequências quantitativas, mas na forma qualitativa: o desempenho concreto do trabalho humano assume impactos que variam com as relações sociais de produção e do próprio modo de produção e reprodução em cada momento da história; ou seja, o sociometabolismo é um processo transistórico.
Saito explica que o desenvolvimento do pensamento ecológico de Marx é indissociável da análise do próprio processo de trabalho. O processo de trabalho, para Marx (e cabe indicar a importância de Engels no desenvolvimento desse ponto teórico), é o que diferencia o ser humano de outros animais, um processo teleologicamente sensível que humaniza a natureza e naturaliza a humanidade. A ruptura desse processo começa com a separação do ser humano das condições objetivas de produção, e só é feita por completo na relação entre o trabalho assalariado e o capital, no qual a força-de-trabalho, a corporeidade do trabalhador em si é a mercadoria, e o que é produzido pelo seu próprio processo de trabalho se torna não apenas estranho, mas hostil a ele.
Se o trabalho alienado na sociedade capitalista é o ponto disruptivo do sociometabolismo pois ilustra a separação do ser humano de seus meios de sobrevivência, retornamos à realidade latinoamericana. Nas palavras de Luce:
“(…) as contradições em tela estão contidas numa relação que passou a ser caracterizada pela categoria cisão nas fases do ciclo do capital. (…) Trata-se de uma contradição antagônica que gera uma cisão que se cristaliza sob o caráter de uma lei tendencial nas formações econômico-sociais do capitalismo dependente. A anatomia de nossas sociedades tem nesta cisão um de seus traços mais distintivos, que nossas populações – mas, sobretudo, a classe trabalhadora – sentem pesadamente no seu dia a dia: ‘o traço característico da economia dependente é sua tendência a divorciar a produção das necessidades de consumo das amplas massas.” (LUCE, 2018)
Ou seja, o que Marx identificou como uma ruptura do sociometabolismo já nas sociedades capitalistas do século XIX, se intensifica nas sociedades do capitalismo dependente latinoamericano: não apenas a produção (e o processo de trabalho) é determinado pela acumulação do capital e separa o ser humano de seus meios de sobrevivência, mas a divisão internacional do trabalho sob a égide do imperialismo nos coloca na posição de total divórcio até mesmo da nossa própria demanda. Nosso capitalismo é gestado e se desenvolve para atender às necessidades de expansão do capitalismo central, sendo, tanto a nossa força-de-trabalho quanto os nossos recursos naturais, explorados como de praxe para a reprodução da acumulação capitalista, e superexplorados como forma de compensação da nossa burguesia por suas perdas.
Cada latifúndio, cada barragem de mineração, cada ramo da agroindústria, cada zona de extração de látex, cada caso de trabalho escravizado, volante, precarizado, subremunerado, é uma expressão da ruptura sociometabólica imposta a nós pela formação econômica dependente. Não há, sob a dominação do capitalismo, possibilidade de romper com as condições de superexploração da força-de-trabalho e da natureza. O processo de reprodução ampliada do capital levará, apenas, ao aprofundamento da dependência até que se tornem insustentáveis as condições para o sociometabolismo em si. A única possibilidade de reestruturar nossa relação com nossas condições de vida está na centralidade da ecologia política para a práxis revolucionária – nas palavras de Marx:
“A liberdade (…) só pode consistir nisto, que o homem socializado, os produtores associados, governam racionalmente sua interação metabólica com a natureza, colocando-a sob seu controle coletivo em vez de ser dominado por ela como um poder cego; realizando esse metabolismo com o menor dispêndio de energia e nas condições mais dignas e adequadas à sua natureza humana. Mas esse permanece sempre um reino da necessidade. O verdadeiro reino da liberdade, o desenvolvimento dos poderes humanos como um fim em si mesmo, começa além dele, embora só possa florescer com esse reino da necessidade como base, A redução da jornada de trabalho é o pré-requisito básico.” (MARX, 2004)
Notas
[1] Metabolismo entre o ser humano e a natureza: relação que se estabelece entre a humanidade, em suas formas de produção e reprodução, e as condições naturais de sua sobrevivência. Para Marx, a natureza é o corpo inorgânico da humanidade, da qual não pode se separar, em um processo contínuo.
[2]“São elas: renda absoluta, renda de monopólio, renda diferencial I e renda diferencial II. A renda absoluta diz respeito à propriedade do solo. Ela se expressa como renda absoluta de monopólio quando se dispõe do controle monopolista de determinado terreno ou recurso natural. A renda diferencial consiste daquela forma de renda em comparação à terra marginal, ao terreno menos fértil. Essa forma de renda é observada no âmbito da concorrência intercapitalista e é alcançada quando um terreno opera com produtividade superior à da terra marginal, a qual atua como critério de comparabilidade. A renda diferencial I, quando se gera maior quantum de riqueza com base em uma maior fertilidade natural da terra; e renda diferencial II (…)” (LUCE, 2018). Prado, traz a mesma ideia em relação a estrutura fundiária brasileira: “Uma tal estrutura e distribuição da propriedade fundiária – aliada à circunstância de que em geral é a grande propriedade que ocupa as terras mais favoráveis, seja pelas suas qualidades naturais, seja pela sua localização – faz com que, de um lado, uma considerável parcela da população rural se encontre insuficientemente aquinhoada, e não disponha de terras suficientes para sua manutenção em nível adequado.” Sobre o tema, ver: PRADO JR, 1979.
[3] No campo da ecologia propriamente dita, é importante que se frise que os insumos agropecuários e a maquinaria apenas potencializam a extração da fertilidade da terra. Para Primavesi, a fertilidade é uma condição natural dos solos que se altera conforme a estrutura física e biológica do solo, ou seja, da biocenose.
[4] Há de se colocar: o tempo de rotação do capital é o tempo de produção do capital mais o seu tempo de circulação, isto é, o tempo que se leva da transformação do capital-dinheiro em capital-mercadoria até a efetivação da mais-valia (compra do produto final). Quando pensamos em aceleração da rotação do capital, o aumento da produtividade no geral é um fator determinante; no caso agropecuário, um exemplo pode ser a seleção genética de aves de produção até o ponto de 30 dias de maturidade para comercialização. As tecnologias aplicadas servem a um menor tempo de reinvestimento do capital, gerando, em tempo menor, o mesmo montante ou até maior de capital com seu mais–valor agregado, podendo novamente ser reinvestido no processo de expansão da reprodução.
[5] Sobre as disputas programáticas pautadas em certas análises da formação econômica do Brasil em particular e da América-Latina em geral, ver: WASSERMAN, 2017.
[6] Sobre a dependência de pequenos agricultores, ver: MACHADO & FILHO, 2017.
[7] Não se pode confundir, entretanto, as tecnologias utilizadas na agroindústria com os efeitos sociais decorrentes de seu uso na totalidade do modo-de-produção capitalista e nas particularidades dos sistemas e processos produtivos agrícolas. Tecnologias são produtos sociais que resultam dos acúmulos científicos e das necessidades econômicas concretas do modo-de-produção na qual se apresenta e, também, uma síntese do que foi necessário em termos de produtividade nos modos passados, que a gestaram – em resumo, a tecnologia é uma ossificação dos modos de produção que a antecederam. Sendo assim, existem interesses de classe que determinam não apenas a aplicação mas a produção, o objetivo e a constituição da tecnologia. A temática das tecnologias de fertilidade do solo, em particular, tem sido objeto de discussões desde Liebig até Primavesi, tendo sido também objeto de estudo de Marx e por vezes é, não atoa, o ponto central dos debates em torno das políticas do agronegócio no Brasil (sobre o tema, ver: FOSTER, 2005). As tecnologias da agroindústria não são por acaso difundidas, mas são feitas de forma a funcionarem a um tipo específico de sistema produtivo, monocultural, com espaçamentos padrão e formas específicas de utilização da força-de-trabalho – ou seja, a tecnologia enquanto mercadoria passa a determinar um padrão de sistema produtivo no qual as culturas irão ser produzidas.
[8] A natureza é, também, um produto social, resultado da mediação qu e o ser humano realiza com seu ambiente de vida por meio do processo de trabalho. Não existe a natureza por si própria isolada das ações de produção e reprodução da vida dos seres que nela habitam: como explica Saito, esse ponto foi fundamental na crítica de Marx à Feuerbach e para a própria construção do socialismo científico. Feuerbach negligenciava as relações sociais reais para tratar de uma “essência” humana com propriedades universais a-históricas, e fazia o mesmo com a “natureza enquanto tal” – uma construção fantasiosa, completamente separada dos seres humanos, não considerando o processo histórico de formação da natureza por meio da atividade humana produtiva. Sobre o tema, ver: SAITO, 2021.
Referências
AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas (1977). A questão agrária e o capitalismo. Coleção Pensamento Crítico Volume 15. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FOSTER, John Bellamy (2005). A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. (1ª ed). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
LUCE, Mathias Seibel (2018). Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias. Uma visão histórica. (1ª ed.) São Paulo: Expressão Popular.
LUXEMBURGO, Rosa (1984). A Acumulação do Capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo. (Volume 1). São Paulo: Abril Cultural.
MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro; FILHO, Luiz Carlos Pinheiro Machado (2017). Dialética da Agroecologia: contribuição para um mundo com alimentos sem veneno. (2ª ed). São Paulo: Expressão Popular.
MATTEI, Lauro (org; 2013). A Questão Agrária no Desenvolvimento Brasileiro Contemporâneo. (1ª ed.) Florianópolis: Insular.
MARX, Karl (2004). Manuscritos Econômico-filosóficos. (3ª ed.) São Paulo: Boitempo.
SAITO, Kohei (2021). O Ecossocialismo de Karl Marx. (1ª ed.) São Paulo: Boitempo.
SINGER, Paul (org; 1977). Capital e trabalho no campo. Coleção estudos brasileiros (Volume 7). São Paulo: Hucitec.
STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta (org; 2011). Ruy Mauro Marini: vida e obra. (1ª ed.) São Paulo: Expressão Popular.
WASSERMAN, Claudia (2017). A teoria da dependência: do nacional-desenvolvimentismo ao neoliberalismo. (1ª ed.) Rio de Janeiro: FGV editora.
Autora: Isadora Maria Nardes Gomes, militante do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e do Partido Comunista Brasileiro e estudante de Agronomia na Universidade Federal do Paraná.