O movimento proletário na Rússia

Por Vera Zasúlich, via marxists.org, traduzido por Aline Recalcatti de Andrade

Escrito em 8 de fevereiro de 1897. Publicado em Justice, 1 de maio de 1897, p. 12-13

O movimento operário russo é o mais jovem e o mais fraco da Europa. Há apenas um ano, sua própria existência foi negada pelo governo russo, e por toda imprensa russa, e toda a sociedade russa. Apenas alguns social-democratas trabalharam pacientemente para libertar esse movimento, há muito tempo nascido, mas ainda em sua infância. E ai está! Atualmente o governo alemão está quase mais amedrontado do grande partido social-democrata alemão que o governo russo do nosso jovem movimento. No primeiro rumor sobre a última grave, durante começo de janeiro, e que afetou mais de 5.000 fiandeiros e tecedores de algodão, foram chamados Conselhos de gabinete extraordinários, e estiveram durante vários dias. Não é fácil dizer o que disseram essas reuniões de gabinete. Na fábrica dos inspetores foi recebida algumas instruções por um memorando, então a decisão que tinha sido notificada foi revogada, o memorando foi retirado, e foi emitido outro memorando – diametralmente oposto ao primeiro. Lembrava a fortificação dos Conselhos do gabinete francês durante as jornadas de fevereiro de 1848.  E tudo isso por causa de uma greve bem feita e ordenada, perfeitamente tranquila. Entretanto, existem motivos para a apreensão dos ministros. O movimento operário russo não evita qualquer discordância aos interesses industriais do país. Pelo contrário, o que as demandas operárias – jornadas de trabalho menos extensas e salários mais elevados – obrigaria aos empregadores que ponham fim à concorrência, hoje, sem sentido, que arrasa uma competição baseada em uma jornada de quatorze horas, e as reduções de salários que aumentam em média 30 anos em um mês, e os obrigaria a competir entre eles através da melhora do maquinário, melhores métodos de produção e uma maior qualidade do preço dos produtos – nos quais todos estão longe do crescimento do capitalismo. Mas o movimento operário é antagônico à autocracia, por mais modesta que sejam suas demandas imediatas. 

Tente e imagine como foi a situação durante a grande greve do verão passado.Nos últimos anos nossa imprensa proibiu que se fale dos conflitos trabalhistas, e foi isso que aconteceu quando a paralisação da indústria de algodão de São Petersburgo, que toda a imprensa da Europa estava discutindo, nunca foi sequer mencionada dos jornais e revistas da Rússia! Para o centro da cidade, o próprio fato que havia uma greve que acontecia em seus subúrbios só foi conhecida pelas pessoas que, por causalidade, estiveram nos subúrbios. Em Moscou, uma semana depois que o movimento tinha começado houve vagos rumores que se espalharam de boca em boca que alguma coisa estava acontecendo, e somente a Liga de Moscou “recebeu” a notícia detalhada.  Em outras cidades, onde não havia uma organização trabalhista bem definida, a notícia da grande greve provavelmente chegou muito depois que tinha terminado. Não é provável que essa proibição de falar da greve fosse feita em relação aos sentimentos de nossa burguesia, ou de nossa nobreza, ou de nosso clero, mas sim que se dirige contra o conjunto do proletariado. E, entretanto, foi nos bairros operários que os folhetos da “União da luta pela emancipação do proletariado” tinham uma imensa circulação, não só entre os que estavam diretamente envolvidos, mas também entre os trabalhadores de outras indústrias. A greve, que não existia na imprensa “legalizada”, foi o tema principal de debate entre a imprensa clandestina, imprensa livre do proletariado. E os panfletos folhetos emitidos pela Liga sem dúvidas tinham mais influência do que os jornais ordinários poderiam ter tido, sobretudo porque a greve era conhecida por ser algo proibido. Logo, os operários começaram a receber esses panfletos, que lhes inspiram confiança, e toda a população operária começou a estar familiarizada com aqueles que podiam ler os artigos dos jornais aos analfabetos. E assim, a greve se converteu em um assunto de profundo interesse não só para os tecedores e aqueles que hesitam, mas também ao proletariado em seu conjunto, de São Petersburgo e depois o de Moscou.

A criação dessa liberdade de imprensa considero que é o principal mérito da Liga Social-democrata para a luta (pela emancipação do proletariado), que foi fundada no outono de 1895. O movimento operário na Rússia sim existiu durante anos anteriores até essa data, e há cada ano aumenta uma sede de conhecimento entre os assalariados. Os círculos de leitura, principalmente com o objetivo de estudar os problemas sociais e trabalhistas, se multiplicaram. Por outro lado, os ataques foram se tornando mais e mais frequentes, mas tudo isso era algo vago, não havia um caráter definitivo de objetivo, nem unidade. Pouco a pouco a influência daqueles trabalhadores cujas mentes, no qual as ideias claras e definidas foram compartilhadas entre seus companheiros, estavam certamente descontentes, mas ainda não tinham um interesse no maior e mais geral, os problemas da vida do trabalho e política. E as próprias greves permaneceram em tentativas isoladas, desconhecidas pelas massas trabalhadoras, ignoradas pela imprensa, e, portanto, não podem exercer um efeito tão educativo como os últimos dezoito meses. A Liga se configurou com diversos elementos em um grande todo, que fez sentir seu poder, não só entre os próprios trabalhadores, mas também nas filas dos inimigos dos trabalhadores.

A Liga começou seu trabalho bastando com formular todas as demandas e queixas dos empregados e, seguiu, com a difusão transmitindo esses simples panfletos nas fábricas e oficinas, que eram mais avançados para eles. Esses panfletos, que estabelecem as condições de trabalho nessa ou em outra fábrica, é escrito normalmente por parte dos trabalhadores da fábrica, particularmente em como são tratados ou como os fatos aconteceram por ali. Portanto, sempre havia uma quantidade de detalhes, em termos atuais, palavras próprias do comércio, etc. Os leitores encontram nesses fatos, exatamente com os quais eles estavam falando, mas quando essas demandas e reclamações se formulam com clareza na escrita se tornam uma revelação, em um programa de luta. As reivindicações e os detalhes sobre a condição das distintas fábricas e empresas industriais cresceram desse modo pouco a pouco, em uma imagem completa da situação de toda a classe assalariada de São Petersburgo. As características mais destacadas dessa imagem são de uma jornada de trabalho anormalmente extensa, salários ruins que constantemente se tornam ainda mais baixos pela imposição de multas tirânicas, os salários pagos irregularmente, as deduções impiedosas de reprovação, puramente arbitrárias, do trabalho realizado. Alguns desses abusos foram proibidos faz algum tempo por parte de leis trabalhistas, mas os trabalhadores não sabem disso, os abusos continuam, não só nas empresas privadas, mas também nas fábricas do governo. A mera aparição desses panfletos, que denunciam esses abusos, e apontam o texto das leis que os proíbem, foi, durante algum tempo, suficiente para colocar fim a essas práticas indevidas. Nsse trabalho de apontar esses abusos ilegais e a formulação de exigências mínimas, direto dos distintos ramos industriais, a Liga, no começo, somente acrescentou algumas declarações gerais de princípios, repetindo as declarações em todas as publicações, como por exemplo: 

“A classe operária não tem nada que esperar de ninguém mais do que de si mesma, os trabalhadores não podem melhorar sua posição social, exceto pelos esforços energéticos e combinados para seus próprios interesses”.

Além desses panfletos sobre as reivindicações mínimas e imediatas dos trabalhadores, a Liga, de vez em quando, publica outros de caráter mais geral. O panfleto publicado sobre o Primeiro de Maio de 1896, que trata das lutas e das vitórias de seus irmãos ocidentais, junto com outros grandes acontecimentos – e os trabalhadores disseram que o debate e o interesse que evocava pouco contribuíram para a grande atividade que expandiu durante a greve de julho. Ao mesmo tempo que foi perseguida furiosamente, o governo, entretanto, está obrigado a reconhecer o enorme poder da imprensa do proletariado.  Durante as greves do verão passado, quando o ministro da fazendo Witte quis responder aos panfletos da Liga, teve suas alegações impressas para os grevistas no mesmo jornal, no mesmo tamanho e na configuração geral, de fonte, já que as publicações da Liga, evidentemente, sabiam que era sua única oportunidade de chegar para os trabalhadores lerem. Desde o começo, a Liga tem sido implacavelmente perseguida pelo governo. Nunca antes as prisões de São Petersburgo e Moscou estavam tão cheias como têm sido no último ano. Nunca antes foram feitas guardas, e a polícia faz com que essas incursões sejam frequentes, aprisionando moradores pacíficos, frequentemente centenas de pessoas em uma só noite. Mas tudo isso não serviu para nada contra a força e crescimento da Liga de São Petersburgo, e durante os últimos dez meses contra a Liga de Moscou. Toda a imprensa de nossa classe burguesa disse que com a permissão do governo, ficou em silêncio diante do menor movimento de cabeça. Hoje, toda a imprensa russa está proibida pelo governo não só de dialogar sobre o problema trabalhista, mas também que inclusive sejam publicadas palavras tais como “problemática trabalhista” nem “proletariado”. A classe operária só utiliza a liberdade de imprensa que ela mesma criou, considerando-a suficientemente valiosa para correr o risco de pena de prisão.

Toda a ação coletiva, como as declarações ou inclusive petições, estão proibidas na Rússia, e o governo acredita por uma ficção oficial que sabe de todas as necessidades de seus súditos. Os trabalhadores, dando corda solta a suas demandas coletivas, fazem serem cumpridas, por greves gigantescas, e foi durante a greve de junho passado que o governo, pela primeira vez na pessoa do chefe da polícia, logo na do ministro da fazenda, que se comprometeu em satisfazer as demandas apresentadas ilegalmente! Os trabalhadores deram tempo ao governo de cumprir suas promessas de ano novo. Através de seus espiões se deram conta de que outra greve estava sendo gestada, e foi enviada uma mensagem aos empregados para reprimi-la no início. A greve estourou no tempo apontado – e o governo perdeu a cabeça, não sabia o que fazer, primeiro decidiu reconhecer a greve como legal, então se assustou com sua própria decisão, e finalmente deu um formal compromisso de introduzir, na primeira quinzena de abril, uma jornada de trabalho menos extensa, enquanto que antes da greve explodiu a ideia de lei reduzindo as horas de trabalho, que ainda não haviam se introduzido no Conselho de Estado. O proletariado recém havia aparecido em cena e obrigou o governo a jogar fora seus princípios mais prezados, mostrando dessa maneira, na cara de toda Rússia, a impotência absoluta de que esse governo se cure antes da força coletiva dessas massas unificadas cansadas, o que nos países despóticos se chama “lei vigente”.

Fiel a si, o governo agora somente permanece na pessoa de seus guardas e polícia. Mas, sem embargo, as prisões russas por grandes que sejam, já estão cheias, e todo o proletariado não pode ser encarcerado. Por outra parte, a experiência demonstrou que a detenção de até 1.500 pessoas de uma vez, não intimida os trabalhadores.

Essencialmente de caráter sindicalista, se existisse a liberdade política na Rússia, esse movimento de massas teria dado lugar à formação de poderosos sindicatos – os sindicatos, mais que necessários na Rússia, com o numeroso e cada vez maior proletariado agrário, está, em todo nível, constantemente pressionando a subsistência do proletariado da cidade. Mas, graças ao czarismo, o movimento sindical assumiu um caráter político claramente definido, e qualquer que seja o que o governo possa fazer, esse movimento continuará se opondo firmemente à autocracia.

Vai ser o Primeiro de Maio celebrado em São Petersburgo esse ano? Durante os últimos anos, quando o movimento foi um movimento de propagando, ainda não adquirido o caráter de agitação de massas, pequenos grupos de trabalhadores – 200 ou 300 – se reuniam para a celebração desse dia, em algum lugar fora da cidade, no qual os discursos eram pronunciados sobretudo sobre a luta dos irmãos assalariados ocidentais. Agora o movimento superou as comemorações desse tipo. O desejo de celebrar o Primeiro de Maio sem dúvida existe em milhares e inclusive dezenas de milhares de operários de São Petersburgo. Entretanto, se cumprirá esse desejo? Segundo informado por parte dos oficiais, os soldados derrubaram os bairros do proletariado, que simpatizavam com as graves, durante essas, o que fez com que os comerciantes dessem comida aos grevistas, apesar das ordens da polícia. As greves, de fato, são inteligíveis para a grande massa da população, exceto se não é uma manifestação de Primeiro de Maio. Ela é compreendida só por parte dos trabalhadores e por parte dos estudantes e classes educadas, e pelo governo em condições de usar a força das armas com bastante facilidade. A celebração tem lugar por um preço muito alto. Entretanto, 15 de abril, dia que o governo havia se comprometido em estabelecer, por via legislativa, uma jornada de trabalho menor, coincide com o 28 de abril. Se o governo não mantém sua palavra, o início de maio coincide com o início de uma nova greve de massas em São Petersburgo e Moscou.

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