Por Todd McGowan, via Capitalism and Desire, traduzido por Matheus Cornely
O seguinte texto serve de introdução para Capitalism and Desire (2016), obra na qual Todd McGowan tenta articular conceitos da psicanálise lacaniana e freudiana para refletir de que modo o capitalismo poderia se utilizar da economia psíquica como forma de sustentação. Neste texto, McGowan realiza uma breve história geral das relações entre psicanálise e marxismo.
Psicanálise e Capitalismo
Podemos psicanalisar o capitalismo? Freud ele mesmo provavelmente teria suas dúvidas. No final de “O Mal-Estar na Civilização”, ele questiona se é possível ou não psicanalisar uma sociedade inteira e conclui que não se pode. O problema não é prático. Mesmo que não possamos submeter uma sociedade inteira ou um sistema econômico a uma série de sessões psicanalíticas, toda ordem social e todo sistema econômico se expressam através de articulações que traem suas ressonâncias psíquicas, e podemos analisar essas articulações a partir da perspectiva da teoria psicanalítica. Para Freud, a barreira para psicanalisar uma sociedade é teórica. O psicanalista não pode, por exemplo, condenar uma sociedade inteira como neurótica, porque esse diagnóstico depende de um padrão de normalidade com o qual contrastar a neurose. Mas a ironia dessa conclusão presente em um livro que psicanalisa a ordem social em si deve ter escapado de Freud. Ele é capaz de realizar esse ato porque nenhuma ordem social é completa e perfeitamente auto-identificável. Em vez de ser auto contida e, portanto, impenetrável à análise crítica, toda sociedade abre um espaço fora de si mesmo a partir do qual se pode analisá-la e julgá-la. O mesmo vale para o capitalismo como estrutura socioeconômica. O espaço para a psicanálise do capitalismo existe dentro da incompletude do sistema capitalista.
Se aceitarmos o veredito de que não podemos psicanalisar o capitalismo como um sistema socioeconômico, então implicitamente concordamos com os argumentos dos apologistas do capitalismo. Defensores do sistema afirmam que o capitalismo é uma função da natureza humana – que há uma sobreposição perfeita entre o capitalismo e a natureza humana – e que, portanto, não existe nenhum espaço a partir do qual se possa criticá-lo. Sob essa perspectiva, qualquer crítica fundamental é intrinsecamente fantasiosa e utópica. No entanto, muito mais do que outros sistemas socioeconômicos, o capitalismo depende necessariamente de sua incompletude e de sua abertura para o exterior para funcionar. Pode-se psicanalisar o capitalismo por meio das próprias lacunas que o sistema produz e por meio de sua dependência disso que à ele excede. No entanto, é verdade que a prática da psicanálise nem sempre esteve à altura dessa tarefa.
Muitos críticos do capitalismo associam a psicanálise ao capitalismo. Segundo essa crítica, ela funciona como uma das criadas ideológicas do capitalismo. Tem o efeito de fortalecer dissidentes potenciais e transformar sujeitos rebeldes em sujeitos mais dóceis. Essa compreensão tendenciosa da psicanálise não é totalmente injustificada. Na prática (especialmente em regiões do mundo mais fervorosamente comprometidas com o capitalismo, como os Estados Unidos), a psicanálise certamente desempenhou um papel em aumentar a docilidade de seus pacientes em vez de liberar sua paixão revolucionária. Mas o veredito sobre a prática psicanalítica é decididamente misto. A teoria psicanalítica desempenhou um papel fundamental na crítica ao sistema capitalista, embora nunca tenha desempenhado um papel decisivo.
A maioria das tentativas de entender como o capitalismo funciona se concentrou em sua estrutura econômica ou nos efeitos sociais que ele produz. Embora importantes, essas abordagens inevitavelmente deixam passar a fonte primária do poder de permanência do capitalismo. A resiliência do capitalismo como forma econômica ou social deriva de sua relação com a psique e com a forma como os sujeitos se relacionam com sua própria satisfação. É por isso que a psicanálise é requisito para entender o apelo do capitalismo. A psicanálise investiga a satisfação dos sujeitos e tenta entender por que essa satisfação assume as formas que assume. Ela não transforma a insatisfação em satisfação; analisa por que certas estruturas proporcionam satisfação apesar das aparências. Nesse sentido, representa uma nova maneira de abordar o capitalismo e entender seu poder de permanência.
Realizar uma psicanálise de um sistema é inerentemente criticá-lo. No entanto, esforços anteriores para mobilizar a psicanálise para a crítica do capitalismo têm consistentemente colocado a psicanálise em uma posição secundária. A crítica tem sido primária, e os críticos têm utilizado a psicanálise para servir a crítica. Nos capítulos que se seguem, farei o contrário: a psicanálise do capitalismo permanecerá como o motor da análise, e se uma crítica ao capitalismo emergir dessa psicanálise, ela nunca se tornará a força motriz da análise. Claro, ninguém é um analista neutro do capitalismo. Mas é minha opinião que se imergir em sua estrutura e em seu apelo psíquico deve funcionar como o prelúdio para qualquer crítica ou defesa efetiva do sistema.
A Injustiça da Igualdade
Quando a crítica ao capitalismo começou a sério no século XIX, o foco era na injustiça do sistema. O capitalismo pode ter liberado forças produtivas da sociedade em um nível até então imprevisível, mas essa expansão da produtividade trouxe consigo enormes diferenças de riqueza. Era um sistema em que os benefícios materiais não enriqueciam aqueles que os tornavam diretamente possíveis. O simples investimento de capital recebia uma recompensa quase infinitamente maior do que as horas de trabalho que produziam essa recompensa. A própria configuração parecia injusta e deu origem a uma série de possíveis remédios para essa injustiça – desde retiros comunitários radicalmente igualitários até a transformação total da sociedade.
Mas, como os defensores do capitalismo observaram, o simples fato dessa crítica é, por si só, um testemunho da justiça do sistema. É somente após a introdução da economia capitalista que se pode reconhecer a injustiça perpetuada pelas relações desiguais. Nesse sentido, o capitalismo tem apenas a si mesmo a culpar pelas críticas dirigidas contra ele. A ideia de equivalência está presente nas relações de produção capitalistas: qualquer mercadoria pode ser trocada por outra, e até mesmo o tempo, o único recurso que não podemos repor ou substituir, adquire um preço e se torna um fator de equivalência. O trabalhador troca o tempo de trabalho por salário e, com isso, fica claro que o tempo se relaciona com a forma geral da mercadoria, tal como qualquer outra mercadoria. O fato de que tudo pode ser igual revela que tudo não é, e isso torna possível uma resposta crítica.
Antes da época capitalista, a desigualdade estava presente intrinsecamente nos sistemas econômicos, e não em sua falha em realizar alguma igualdade promovida (como é o caso do capitalismo). Em uma sociedade em que os escravos realizam o trabalho, não há senso de igualdade sequer disfarçada entre o trabalhador e o mestre que se beneficia desse trabalho. A mesma desigualdade continua no feudalismo, em que o senhor feudal oferece aos servos sustento em troca de seu trabalho. A natureza desigual dessa troca é admitida desde o início. O senhor detém todas as cartas, e os servos só podem tentar se tornar úteis para o senhor. Em qualquer sistema envolvendo mestres e servos ou cidadãos e escravos, a revolta é possível – Espártaco, por exemplo, não é impensável – mas suas chances de sucesso são limitadas porque desafiam não apenas a estrutura do sistema, mas também sua base filosófica. Conceder liberdade a Espártaco equivaleria a uma admissão de igualdade que teria minado todo o mundo romano.
Com o capitalismo, a relação econômica deixa de ser inerentemente injusta, o que explica por que a persistência flagrante da injustiça dá origem a vozes críticas apenas após o surgimento do capitalismo. Ver o maior filósofo de sua época, como Aristóteles, não só permitir, mas também justificar a escravidão, torna-se impossível de imaginar na época do capitalismo[1]. Embora a crítica à injustiça seja mais frequentemente uma crítica ao capitalismo, é ao próprio capitalismo que devemos o surgimento dessa crítica. Não é por acaso que Karl Marx se educou lendo os primeiros teóricos e defensores do capitalismo. Eles ajudam a tornar possível a crítica ao sistema que se propuseram a justificar. Embora o capitalismo não tenha inventado o conceito de igualdade, foi o primeiro sistema econômico a incluir este conceito em seu mecanismo de produção.
Desde o início até o fim de sua análise, Marx toma a injustiça do sistema capitalista como ponto de partida. Nos primeiros Manuscritos Econômico-Filosóficos, ele lamenta o beco sem saída impossível que confronta o trabalhador, para quem nenhuma quantidade de trabalho compensará. Ele escreve: “O trabalhador se torna cada vez mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e tamanho. O trabalhador se torna uma mercadoria cada vez mais barata quanto mais mercadorias ele cria.”[2] O sistema é manipulado contra o trabalhador: ele recompensa o capitalista, não o trabalhador, pela produtividade extra que este último alcança. A teorização dessa injustiça se torna a base da análise plenamente desenvolvida de Marx sobre o capitalismo.
Em sua obra madura, Marx especifica mais claramente o local da injustiça – a apropriação da mais-valia. A troca entre o capitalista e o trabalhador é igual até certo ponto. O capitalista fornece um salário em troca do tempo de trabalho do trabalhador. Mas a injustiça vem do poder criativo do próprio trabalho. No ato de trabalhar, os trabalhadores não produzem apenas o suficiente para sustentar a si mesmos, mas sim um excedente, e o capitalista capitaliza esse excedente na forma de mais-valia, que se traduz em lucro. Sem a produtividade excessiva do trabalho que fica fora do âmbito de uma troca igual, o capitalista ficaria sem nenhum lucro. Como Marx passa a reconhecer, o lucro é roubo. Esse é o ápice da crítica igualitária ao capitalismo, e essa crítica predomina até o início do século XX.
De acordo com essa crítica, o capitalismo é um sistema econômico injusto porque priva aqueles que produzem valor do valor que produzem. Ele reduz a classe trabalhadora – isto é, a classe produtiva – à mera reprodução. Os trabalhadores recebem um salário necessário, um salário necessário para sua reprodução como trabalhadores produtivos, e não um salário necessário para o desfrute da vida. Marx acredita que o capitalista não pagará aos trabalhadores mais do que esse salário necessário e, portanto, eles não podem desfrutar da mais-valia que eles próprios produzem. Esse excedente pertence, em vez disso, ao capitalista, que organiza a produção, mas não gera valor. Um sistema como esse não pode ser justo.
Do ponto de vista dessa crítica igualitária, o capitalismo funciona bem para os capitalistas e mal para os trabalhadores. O incentivo para mudá-lo repousa inteiramente nos trabalhadores, cujos interesses são dramaticamente opostos aos dos capitalistas. Marx nunca pensou em dirigir sua crítica aos capitalistas, porque eles acham o sistema, como ele vê, perfeitamente satisfatório. Embora estejam no lado errado da história, eles querem preservar as relações capitalistas de produção intactas e lutam para mantê-las assim. No século XX, no entanto, essa compreensão do capitalista sofre uma transformação radical à medida que a crítica fundamental do capitalismo se desloca para um novo território.
O repressivo aparato econômico
É difícil superestimar o impacto de Freud na crítica ao capitalismo. Mas mobilizar seu pensamento para a política emancipatória significava encontrar a possibilidade de esperança em meio ao mais profundo desespero. Como Michel Onfray observa com razão em seu relato mordaz sobre Freud, ele criou “uma filosofia visceralmente pessimista em virtude da qual o pior é sempre certo”[3]. Apesar da convicção de Freud de que o pior é certo, que nunca seremos capazes de superar a repressão e realizar nossos desejos, sua compreensão da repressão permitiu o desenvolvimento da crítica esquerdista do capitalismo em uma direção totalmente inesperada. Nenhum pensador anticapitalista do século XIX pensou em criticar a natureza repressiva do sistema capitalista, mas no século XX, graças a Freud e aos críticos que assumiram seu manto, tornou-se quase impossível evitá-la.[4]
A crítica ao capitalismo na maior parte do século XX foi uma crítica à sua repressão, embora, é claro, a crítica à desigualdade nunca tenha desaparecido. A mudança da igualdade como o principal fundamento de contestação para a repressão resultou em uma expansão do desafio ao sistema. O capitalismo tornou-se um problema não apenas para os trabalhadores que labutavam sem uma remuneração justa por seu trabalho, mas também para os próprios exploradores. Mesmo o capitalista desfrutando dos lucros derivados da apropriação da mais-valia permanece preso sob o feitiço da repressão. Os proprietários de fábricas que podem comprar o que quiserem ainda sofrem sob um sistema que proíbe qualquer satisfação adequada do desejo. O problema com o sucesso capitalista não é tanto a desigualdade que produz quanto sua inabalável vacuidade. Esse desenvolvimento da crítica exigiu que a revolução fizesse um trabalho mais pesado: ela prometeria não apenas equidade, mas também libertação da repressão.
A mudança da crítica à desigualdade para a crítica à repressão se manifesta de forma mais clara no caso da Escola de Frankfurt. Enquanto Marx vê a desigualdade capitalista como o problema fundamental que confronta o crítico do capitalismo, a Escola de Frankfurt, em uma virada surpreendente, vê a igualdade que o capitalismo produz como seu principal perigo. Em vez de falhar em engendrar a igualdade, a forma capitalista de injustiça é uma igualdade forçada. A repressão do capitalismo funciona por meio da eliminação de toda diferença genuína, e assim até mesmo o ataque comunista ao capitalismo cai em sua armadilha ao nivelar toda diferença por meio da igualdade econômica e social imposta.
A crítica da igualdade capitalista atinge seu ápice na obra Minima Moralia de Theodor Adorno, membro da Escola de Frankfurt. Aqui, Adorno oferece uma afirmação reveladora que incorpora tanto uma acusação implacável da eliminação da diferença pelo capitalismo quanto uma de suas poucas proclamações positivas sobre uma alternativa anticapitalista. Ele começa dizendo: “Que todos os homens sejam iguais é justamente o que a ela se ajusta. Considera ela as diferenças reais ou imaginárias como estigmas que testemunham que as coisas ainda não se levaram demasiado longe; que há algo subtraído à maquinaria, algo não inteiramente determinado pela totalidade”[5]. Como Adorno vê, a vitória do capitalismo não consiste em deixar o proletariado de fora, mas em sua inclusão dentro de um sistema repressivo no qual nada único ou singular pode persistir. Esta é uma linha de pensamento que não se poderia imaginar a partir de Karl Marx, embora Adorno se situe claramente na tradição marxista, assim como os outros membros da Escola de Frankfurt. Seu marxismo, porém, encontrou o pensamento de Sigmund Freud.
Adorno apresenta uma visão de emancipação que se afasta daquela de Marx. Não se trata de uma sociedade em que os trabalhadores se apropriam do valor que produzem, mas sim de uma em que a singularidade possa permanecer intacta. Adorno afirma: “Uma sociedade emancipada, por outro lado, não seria um estado unitário, mas a realização da universalidade na reconciliação das diferenças”[6]. Essa ideia de sociedade emancipada tem como ponto de partida tanto a análise da repressão de Freud quanto a do capitalismo de Marx. Para a Escola de Frankfurt, a repressão é o esquecimento do que não se encaixa no sistema capitalista, e a tarefa crítica passa a ser chamar a atenção para esse material reprimido. Essa repressão não é, no entanto, sempre repressão sexual, como seria para outros teóricos que tentam unir Marx e Freud.
Vários teóricos anticapitalistas seguindo os passos de Freud equipararam a destruição do capitalismo com a eliminação completa da repressão sexual. Eles trabalhavam para promover a libertação sexual acreditando que isso iria antecipar o fim do capitalismo, ou combatiam o capitalismo acreditando que isso libertaria a sexualidade reprimida. Otto Gross e Wilhelm Reich foram os principais defensores dessa posição, mas ela ganhou apoio popular nos movimentos estudantis dos anos 1960, nos quais a ideia de que revolução política e sexual eram interligadas se tornou um dogma aceito. Tanto Gross quanto Reich acreditavam que a revolução política e sexual seriam mutuamente reforçadoras. Se uma produzisse revolução sexual, isso levaria a uma revolução política, e vice-versa. Assim, muitas vezes teorizavam sobre como mudanças no âmbito político ou sexual poderiam levar à eliminação da repressão em ambos.
Pode-se ver essa interconexão entre o político e o sexual em grande parte do trabalho tardio de Gross. O título de seu ensaio “Zur funktionellen Geistesbildung des Revolutionärs” (Sobre a formação intelectual funcional do revolucionário) torna evidente suas aspirações políticas. Aí, o vínculo entre essas aspirações e seu investimento na psicanálise vem à tona. No final do ensaio, ele diz: “Como pré-condição para cada renovação moral e espiritual da humanidade, está a necessidade de uma libertação total da próxima geração da violência da família burguesa – e até a família proletária patriarcal e burguesa!”[7] Contra Freud, Gross vê a neurose não como resultado dos antagonismos fundamentais da sexualidade humana, mas da força repressiva da família burguesa e das restrições que ela impõe à livre expressão da sexualidade. Gross concebe a sexualidade livre – o slogan dos anos 60 – como o desejo humano básico. A revolução proletária não apenas libertaria os trabalhadores de suas correntes, mas também a sexualidade da repressão burguesa.[8]
Nos anos após a morte prematura de Gross aos quarenta e dois anos em 1920, Wilhelm Reich assumiu o manto do psicanalista revolucionário. Como Gross, Reich vincula a neurose à repressão social e, também como Gross, acredita que a revolução política é inseparável da revolução sexual. Seu ataque à repressão da sociedade capitalista encontra sua expressão mais coerente em A Revolução Sexual, obra que ataca o casamento burguês e as restrições às formas de sexualidade anormal.[9] Enquanto Gross em grande parte desapareceu na história, Reich se tornou um ponto de referência teórico para a revolução contracultural dos anos 1960.[10] O relativo sucesso da revolução sexual e o fracasso da revolução política tiveram o efeito de acalmar o sonho de que poderíamos superar completamente a repressão. Hoje há poucos seguidores de Reich.
Em geral, os críticos do capitalismo aceitaram a alegação de Freud de que nenhuma sociedade poderia existir sem algum grau de repressão. Mas eles adicionaram um codicilo a essa afirmação que a torna menos politicamente estagnante. A ideia predominante entre os críticos de esquerda do capitalismo é que o sistema exige muita repressão. Se toda sociedade exige alguma repressão para funcionar, o capitalismo exige o que Herbert Marcuse em Eros e Civilização chama de “mais-repressão”. Enquanto Marx enfoca a mais-valia como a encarnação do problema com o capitalismo, Marcuse coloca a mais-repressão nesse papel. Essa mudança nos diz tudo o que precisamos saber sobre a transformação da crítica ao capitalismo. Agora, podemos exigir uma alternativa socialista com base nesta repressão adicional no capitalismo que uma sociedade socialista eliminaria. O problema não é a desigualdade envolvida na apropriação de mais-valia, mas a demanda desnecessária por mais-repressão que cria uma sociedade de iguais unidimensionais.[11]
Mesmo quando a sociedade capitalista parece permitir a realização do desejo, o regime repressivo continua a funcionar. A felicidade sob o capitalismo não é um índice de uma quebra da repressão. Como Marcuse coloca, “o indivíduo vive sua repressão ‘livremente’ como sua própria vida: ele deseja o que se supõe que deseje; suas gratificações são rentáveis para ele e para outros; ele é razoável e muitas vezes exuberantemente feliz”.[12] Enquanto o desejo permanecer dentro dos canais que o capitalismo fornece, não há possibilidade de satisfação, apenas uma falsa felicidade que serve como forma de aparência para uma insatisfação profunda. O desejo direcionado para as mercadorias é um desejo inerentemente reprimido. A satisfação requer a quebra da lógica da mercadoria completamente, e isso se torna a esperança da revolução.
Uma vez que a ideia de repressão entra na crítica do capitalismo, a ideia de revolução em si passa por uma revolução completa. Marx investe a revolução com a promessa de igualdade: ela criaria um mundo em que todos teriam acesso aos frutos de seu próprio trabalho e em que ninguém seria excluído. Depois de Freud, no entanto, a igualdade não é mais suficiente; a revolução deve fazer mais. Uma revolução comunista libertaria o desejo da armadilha da repressão. Haveria igualdade, mas também haveria uma eliminação da mais-repressão que a economia de troca exige. Isso não implica necessariamente uma completa liberação sexual, como Gross e Reich defenderam. Em vez disso, a revolução inauguraria uma sociedade em que a sublimação substituiria a repressão ou em que a repressão não seria mais onipresente.[13] Esta imagem de revolução depende da identificação da economia capitalista com uma forma de repressão que vai além do necessário. Mas talvez seja hora de revisitar essa identificação de longa data e questionar se a essência do capitalismo reside em sua repressão.
Claro, a colocação em questão da relação entre capitalismo e repressão já havia sido feita. No primeiro volume da História da Sexualidade e em algumas de suas séries de palestras no Collège de France, Michel Foucault desafia a hipótese repressiva e até nomeia Reich como alvo específico de crítica. Ele começa o primeiro volume de sua História da Sexualidade com uma resposta direta à identificação do capitalismo com a repressão. Ele afirma: “pondo a origem da Idade da Repressão no século XVII, após centenas de anos de arejamento e de expressão livre, faz-se com que coincida com o desenvolvimento do capitalismo: ela faria parte da ordem burguesa”.[14] Para Foucault, o poder no sistema capitalista não funciona por meio da repressão, nem da negação ou proibição, mas de uma maneira positiva. O poder produz o desejo em vez de apenas restringi-lo. A redefinição de Foucault do poder e a rejeição categórica da hipótese repressiva tentam apontar para uma terceira versão da crítica ao capitalismo – além da injustiça e além da repressão.
Mas ao mesmo tempo em que Foucault zomba da associação do capitalismo com a repressão sexual, sua crítica adota a mesma perspectiva dos marxistas freudianos dos quais se distancia. Em outras palavras, Foucault abandona a ideia de que o capitalismo exige a repressão do desejo, mas ele ainda acredita que o capitalismo bloqueia ou represa o que fluiria livremente. Seu vitalismo – sua insistência no poder espontâneo da vida em si – o impede de abandonar completamente a imagem do capitalismo como um sistema de restrição. Embora o capitalismo não restrinja o desejo, seu regime discursivo da sexualidade, que força o sexo a se expressar e os corpos a se tornarem sexualizados, age como uma barreira para o fluxo de corpos e prazeres. A política de Foucault consiste em liberar esse fluxo, e é por isso que ele se sentiria tão confortável escrevendo um prefácio para Anti-Édipo, panegírico de Gilles Deleuze e Félix Guattari aos fluxos corporais decodificados.
Por mais irônico que seja, a crítica feita por Foucault é apenas mais uma versão do ataque à repressão. Apesar do que Foucault mesmo diz, o modelo para a libertação dos corpos e prazeres – a ética que ele declara ao final do primeiro volume de História da Sexualidade – é a libertação do desejo que se encontra claramente articulada no pensamento de Gross e Reich. Corpos e prazeres não sofrem de repressão, segundo Foucault, mas o poder os sufoca. Esse é o ponto-chave: o poder não permite o livre movimento dos corpos e os priva do prazer que são capazes de experimentar. A crítica ou a revolução, portanto, luta contra essa restrição. Embora Foucault rejeite os termos repressão e desejo, suas substituições – poder e corpos – desempenham exatamente os mesmos papéis. Nesse sentido, ele não marca uma nova época na história da crítica ao capitalismo.
Mesmo que Foucault se diferencie claramente dos Marxistas Freudianos tradicionais em sua análise sobre o que acontece com o capitalismo, sua resposta é homóloga. Ele é um Marxista Freudiano, ele é Otto Gross disfarçado. A vida deve ser desembaraçada do poder para descobrir o prazer que o capitalismo bloqueia. Apesar do seu forte desdém pela contraprodutividade da hipótese repressiva, Foucault permanece dentro da visão de emancipação oferecida pelos seus defensores.
Achando a satisfação insatisfatória
Tanto a crítica de Marx à injustiça do capitalismo quanto a crítica pseudo-freudiana da repressão do capitalismo se concentram no que o sistema econômico nega aos seus adeptos, em vez do que ele lhes proporciona. Essa ênfase une Marx, Reich e Foucault. Foram principalmente os apologistas do capitalismo que se concentraram no que o sistema oferece, como seria de se esperar. Mas podemos examinar o que o capitalismo fornece a partir da perspectiva da crítica. O capitalismo tem o efeito de manter os sujeitos em um estado constante de desejo. Como sujeitos do capitalismo, estamos constantemente à beira de ter nosso desejo realizado, mas nunca chegamos ao ponto de realização. Isso tem o efeito de produzir uma satisfação que não reconhecemos como tal. Ou seja, os sujeitos capitalistas experimentam a própria satisfação como insatisfatória, o que lhes permite desfrutar a si mesmos e acreditar de todo coração que uma satisfação mais completa existe logo ali na esquina, incorporada no mais novo produto.
Nesta perspectiva, tenta-se uma terceira direção na crítica ao capitalismo. Em vez de tomar a desigualdade ou a repressão como ponto de partida, começa-se com a satisfação que o capitalismo proporciona. O problema, afirmo, não é que o capitalismo não satisfaça, mas que não permite que seus sujeitos reconheçam onde reside sua própria satisfação. O regime capitalista produz sujeitos que se apegam febrilmente à imagem de sua própria insatisfação e, portanto, à promessa, constantemente explícita na sociedade capitalista, de um caminho para escapar dessa insatisfação por meio da acumulação de capital ou da aquisição da mercadoria. O gesto fundamental do capitalismo é a promessa, e a promessa funciona como base da ideologia capitalista. Investe-se dinheiro com a promessa de retornos futuros; começa-se um emprego com a promessa de um salário mais alto; faz-se um cruzeiro com a promessa de prazer inigualável nos trópicos; compra-se o mais novo produto eletrônico com a promessa de acesso mais fácil ao que se deseja. Em todos os casos, o futuro encarna um tipo de satisfação que está vedado ao presente e dependente do investimento no sistema capitalista. A promessa garante um sentimento de insatisfação com o presente em relação ao futuro.
Uma das reclamações constantes dos críticos do capitalismo é que o sistema capitalista tem a capacidade de incorporar qualquer ataque integrando-o ao sistema. A precisão dessa verdade é facilmente aparente na forma como a mercantilização funciona. O capitalismo se apropria de práticas ou figuras aparentemente revolucionárias e as transforma em mercadorias. Conhecer uma camiseta do Che Guevara ou uma caneca de café do Karl Marx, ou ainda ver brinquedos sexuais em um shopping center ou carros ecológicos na concessionária do bairro, parece revelar a verdade disso. Mas o segredo da integração da crítica pelo capitalismo não reside no processo de mercantilização, por mais autoevidente que isso possa parecer. O segredo está na promessa. Se alguém se investe na promessa do futuro, por meio desse gesto, aceita as regras básicas do jogo capitalista.
A promessa de um futuro melhor é o fundamento da estrutura capitalista, a base para todas as três áreas econômicas – produção, distribuição e consumo. Se examinarmos apenas o campo do consumo, a universalização da mercantilização parece ser a chave, enquanto se nos limitarmos ao campo da produção, o imperativo de acumulação aparece como fundamental. No campo da distribuição, é a ideia de velocidade: é preciso movimentar as mercadorias para o mercado no menor tempo possível. Se olharmos para o que esses três campos têm em comum, no entanto, a resposta é a promessa do futuro. Compra-se a mercadoria para descobrir um prazer potencialmente satisfatório, acumula-se mais capital para ter o suficiente algum dia e acelera-se o processo de distribuição para aumentar o lucro futuro.[15] Qualquer sentido de satisfação com a condição presente teria um efeito paralisante em cada uma dessas regiões da economia capitalista.
Este é o problema com a insistência na esperança revolucionária: ela participa da lógica que tenta contestar. A esperança revolucionária representa um investimento na estrutura da promessa que define o capitalismo. Como resultado, nunca é tão revolucionária quanto acredita ser. Embora obviamente o ato de prometer preceda o surgimento de uma economia capitalista, uma vez que essa economia emerge, a promessa entra completamente na lógica capitalista. Tomar consolo na promessa de amanhã é aceitar o senso de insatisfação que o capitalismo vende mais veementemente do que vende qualquer mercadoria. Enquanto alguém permanecer investido na promessa como tal, já sucumbiu à lógica fundamental do capitalismo.
Desde os primórdios de Charles Fourier e Robert Owen até Fredric Jameson e Antonio Negri, a ideia de um futuro melhor impulsionou a Esquerda em sua crítica ao capitalismo. Em sua discussão sobre Marx, Jacques Derrida exemplifica esse tipo de investimento, ao enfatizar a promessa emancipatória no cerne de sua política desconstrutiva. Ele observa: “Seja qual for a promessa que promete isso ou aquilo, seja ela cumprida ou não, ou seja ela incumprível, há necessariamente alguma promessa e, portanto, alguma historicidade como futuro-a-vir.”[16] Enquanto todo outro conceito está sujeito à desconstrução, essa promessa de “justiça-que-vem” funciona como a condição de possibilidade para a desconstrução e, portanto, não pode ser desconstruída. A desconstrução não encapsula toda a política anticapitalista hoje em dia, mas o investimento de Derrida na promessa é representativo. Mas é justamente esse investimento na promessa que deve ser abandonado, juntamente com o sentido de insatisfação inerente a ela. Enquanto a política radical opera com a crença de que a revolução removerá alguma das repressões predominantes, ela aceita a ideia dominante do capitalismo e compra a fantasia fundamental do capitalismo. Nenhuma revolução pode transformar insatisfação em satisfação, mas é assim que a revolução foi concebida ao longo da totalidade da época capitalista. O ato revolucionário tem que ser pensado de maneira diferente. O ato revolucionário é simplesmente o reconhecimento de que o capitalismo já produz a satisfação que promete.
E ainda assim, este ato revolucionário é muito mais difícil do que tomar a Bastilha ou o Palácio de Inverno. Nestes últimos casos, tudo o que é necessário é força política suficiente. Mas a ruptura com a promessa de um futuro melhor parece teoricamente insustentável ao lado de uma posição crítica. A crítica parece implicar um ideal futuro a partir do qual se lança o ataque ao presente capitalista. A tarefa é, portanto, libertar a crítica da promessa de um futuro melhor. Por que alguém seria crítico sem tal promessa? Qual poderia ser o possível fundamento para a crítica?
Este trabalho tenta responder a essas perguntas ao situar o futuro não como uma possibilidade no horizonte, mas como a estrutura implícita do presente. Em outras palavras, não há futuro a se realizar, exceto para atender às exigências que já estão inscritas no sistema capitalista dominante. O objetivo da crítica não é promissório, não é futurista, mas totalmente imanente.
Claramente, uma crítica que não é futural ainda aponta para um futuro que é melhor em algum sentido do termo. Não se pode evitar implicitamente colocar alguma versão de um futuro melhor quando se analisa o presente – caso contrário, simplesmente se aceitaria o presente em vez de analisá-lo. Mas o ponto é que não se deve imaginar um futuro que produziria um nível de satisfação que a história até agora nos negou. Não há satisfação mais profunda ou autêntica que superará os antagonismos da sociedade ou as falhas da subjetividade, apesar do que os revolucionários anticapitalistas tradicionalmente prometeram. Não precisamos da crença em um futuro repleto de uma satisfação mais profunda para rejeitar o capitalismo, se isso é o que decidirmos fazer.
A alternativa ao capitalismo reside dentro do próprio capitalismo, e o ato revolucionário é o reconhecimento do futuro interno e presente do capitalismo. O critério de avaliação para a crítica não é a promessa de um futuro melhor, mas a estrutura subjacente do capitalismo. A identificação ou reconhecimento dessa estrutura fornece a chave para a emergência de uma alternativa. O domínio do capitalismo sobre nós depende do nosso fracasso em reconhecer a natureza do seu poder.
O capitalismo funciona tão bem porque fornece satisfação para seus sujeitos ao mesmo tempo em que esconde da consciência essa satisfação. Se reconhecêssemos que obtemos satisfação a partir da falha em obter a mercadoria perfeita em vez de uma compra completamente bem-sucedida, seríamos libertados do apelo psíquico do capitalismo. Isso não quer dizer que nunca compraríamos outra mercadoria, senão que o faríamos sem um investimento psíquico na promessa da mercadoria, o que já é, em certo sentido, uma revolução. Essa mudança eliminaria a barreira para mudanças estruturais em nosso sistema socioeconômico e criaria um sistema diferente. Os problemas de organização e luta política são difíceis, mas empalidecem em comparação com o problema do apelo psíquico do capitalismo. Compreender a importância do investimento psíquico na economia capitalista e a necessidade de romper com ele é o legado de Freud para a crítica contemporânea do capitalismo.
Uma grande tarefa para o pensamento crítico do século XX foi a de unir Marx e Freud, repensando a análise do capitalismo à luz da descoberta do inconsciente feita por Freud. Para realizar essa tarefa, os pensadores se concentraram no papel que o capitalismo desempenhava na repressão. Mas a repressão não foi a última palavra de Freud sobre o inconsciente. Ela se tornou cada vez menos importante à medida que seu pensamento mudou no final de sua vida. Essa mudança na importância da repressão ocorreu à medida que a estrutura do sistema de Freud passou por uma reformulação. Enquanto o Freud mais antigo associava a repressão a desejos sexuais inaceitáveis, o Freud posterior a vinculava ao apego intratável do sujeito à perda.
Com a descoberta de Freud, em 1920, da tendência do sujeito em repetir perda e fracasso, o edifício da psicanálise sofreu um reajuste profundo. Em vez de se concentrar na repressão sexual, Freud voltou sua atenção para a satisfação que o sujeito obtém ao repetir experiências que não proporcionam prazer. Isso forçou Freud a distinguir entre prazer e satisfação, e ele concluiu que a satisfação supera o prazer. A repetição passa a definir a subjetividade para Freud: o inconsciente não apenas esconde ideias sexuais perturbadoras da consciência do sujeito, mas o impulsiona a agir de maneiras que subvertem seus próprios interesses, e o sujeito encontra satisfação nessas ações porque elas produzem um objeto perdido para o sujeito desejar e desfrutar. A satisfação do sujeito é inextricável da perda autodestrutiva, e mesmo que se reprimisse sua autodestrutividade, levantar essa repressão não proporcionaria alívio. Depois de 1920, Freud descobre um sujeito que incessantemente se sabota, e essa sabotagem se estende a todas as tentativas de cura.
Do modo segundo o qual Freud enxerga, a prova fundamental de uma afeição à perda e ao fracasso é a recusa à cura que os pacientes demonstram. Freud chama essa recusa de “reação terapêutica negativa” e sua emergência sugere que os indivíduos encontram satisfação em seu sofrimento. Se a terapia ameaça aliviar esse sofrimento, os pacientes muitas vezes respondem encontrando maneiras de piorar novamente. Freud não descarta esse comportamento como uma função da neurose, mas vê nele um veredicto sobre o sujeito em si. Isso se manifesta mais claramente na incapacidade de qualquer sujeito de viver uma existência harmoniosa. Freud conclui que a satisfação dos sujeitos depende de uma perturbação em seu equilíbrio psíquico, na ausência do que desejam em vez de sua presença. A presença de um objeto revela suas limitações e imperfeições, enquanto a ausência do objeto permite que o sujeito o preencha com seus próprios desejos e fantasias, criando um ideal que nunca pode ser totalmente realizado. Isso cria um mundo no qual os sujeitos subvertem sua própria felicidade para sustentar a satisfação.
Freud mesmo tem dificuldade em formular as implicações da nova teoria da subjetividade e integrá-la em sua teoria existente, e no entanto ela representa o momento mais radical do pensamento de Freud, porque nos permite entender por que os sujeitos tantas vezes falham em agir de maneiras que obviamente lhes beneficiariam. Dito isto, muitos se recusaram a seguir Freud nessa descoberta, e aqueles que tentaram combinar Marx e Freud frequentemente aderiram ao Freud inicial, o Freud da sexualidade reprimida. Isso faz sentido para o revolucionário: o modelo inicial de Freud fornece um alvo mais claro para a política emancipatória do que seu modelo posterior, que parece difícil de conciliar com qualquer forma de política que não seja o completo conservadorismo. O Freud posterior é um pensador muito mais politicamente pessimista.
De acordo com o primeiro modelo, reprimimos uma possibilidade que esperamos realizar. De acordo com o segundo, reprimimos um ato que estamos perpetuamente realizando. Embora Freud localize a fonte da doença neurótica no passado – “As histéricas sofrem principalmente de reminiscências”, como Freud e Josef Breuer colocam no trabalho inaugural da psicanálise – a ênfase muda de um desejo passado por um futuro diferente para a repetição de um trauma passado no presente.[17] Freud enfatiza menos a repressão em seu pensamento posterior porque ela não fornece nenhuma barreira à eficácia da repetição.
Em certo sentido, podemos pensar no Freud inicial, o Freud focado na repressão sexual, como um pensador ainda investido na ideologia capitalista da promessa. Mesmo que ele se recusasse a acreditar na possibilidade de superar completamente a repressão, ele ainda via a psicanálise como uma solução que prometia um futuro melhor. A mudança que o paciente poderia passar era palpável. No entanto, depois de escrever Além do Princípio do Prazer, Freud reconhece que a repetição agiria como uma barreira constante para um futuro melhor, e ele se torna cada vez mais cético em relação a mudanças fundamentais em indivíduos e na sociedade. A atitude que Freud assume em relação à repetição do sujeito torna-se menos futura porque a possibilidade de superar a repressão deixou de desempenhar um papel central.
A repressão dos desejos sexuais parece funcionar: embora os sujeitos possam manifestar esses desejos por meio de rituais obsessivos ou dores histéricas, eles não estão realmente tendo o sexo ilícito de suas fantasias inconscientes. Ajustar repetidamente as luvas de beisebol (como muitos jogadores de beisebol fazem) pode ser um ato totalmente sexual, mas nem todos o reconhecerão prontamente como tal. Pode-se fazer isso em público sem violar as leis contra a indecência pública, enquanto não se poderia se masturbar abertamente na mesma situação sem correr o risco de ser preso. Da mesma forma, ninguém interpreta o silêncio do histérico que não consegue falar como uma performance pública de fellatio. A sexualidade reprimida se manifesta em sintomas – como ajustar as luvas de beisebol – que não parecem sexualmente carregados em si mesmos. A repressão não só traz sofrimento para o sujeito, mas também o abriga das manifestações óbvias de sua sexualidade reprimida. Isso não ocorre com a compulsão de repetir. Embora Freud acredite que o sujeito reprime a ideia de sua repetição, a satisfação que a repetição da perda produz ocorre sem diminuição ou obstrução.
A repressão se torna uma categoria menos importante no pensamento posterior de Freud porque ele passa a aceitar que a repressão não fornece barreira alguma à satisfação que o sujeito obtém da repetição. Enquanto a repressão se referia apenas à sexualidade, Freud podia acreditar no efeito transformador de levantá-la. A psicanálise, de acordo com essa concepção inicial, poderia permitir que o paciente passasse da insatisfação para a satisfação ao descobrir o reprimido. Isso oferece uma ligação amarrada entre a psicanálise e a política revolucionária, entre Otto Gross e Rosa Luxemburgo.
O momento em que a ideia de uma repetição satisfatória se estabelece, porém, essa imagem da psicanálise deixa de ser sustentável. Não há nenhum ganho político claro em levantar a repressão associada à repetição. Tudo o que a psicanálise pode fazer – o alcance de sua intervenção – é ajudar o paciente a reconhecer seu modo de repetir e a satisfação que essa repetição proporciona. O sonho de libertar os pacientes da insatisfação morre com a descoberta de que os pacientes resistem à cura psicanalítica precisamente porque já têm a satisfação que a psicanálise lhes promete.
Os pensadores que trouxeram Freud para a análise do capitalismo recorreram à psicanálise para provar que o capitalismo é ainda mais insatisfatório do que os críticos anteriores pensavam. O problema não é apenas a desigualdade para a classe trabalhadora, mas a repressão para todos. Para alguém como Adorno, isso é evidente no amplo investimento em astrologia entre os sujeitos capitalistas. Embora pareça um interesse inofensivo o suficiente, a astrologia infecta a ordem social, especialmente a classe média (e não necessariamente os economicamente oprimidos), com uma falsa satisfação. Em seu ensaio “As Estrelas Descem à Terra”, Adorno observa: “É como se a astrologia tivesse que oferecer gratificações para impulsos agressivos no nível do imaginário, embora não tenha permissão para interferir de forma patente demais com o funcionamento “normal” do indivíduo na realidade”.[18] A popularidade das colunas de astrologia nos jornais, mesmo que alguém as leia apenas por diversão, sinaliza a existência e repressão de desejos que o sistema não pode satisfazer. As vítimas do capitalismo, aos olhos de Adorno, não são apenas a classe trabalhadora, mas todos os sujeitos submetidos à repressão inerente ao modo de subjetividade que o capitalismo exige.
Essa ampliação da análise do capitalismo levou a insights impressionantes sobre o quão abrangente é o problema do capitalismo, mas, ao mesmo tempo, essa nova crítica compra o sonho capitalista com sua insistência na insatisfação. Isso só poderia acontecer na medida em que aderiu à teoria inicial da psique de Freud e se recusou a integrar seu pensamento posterior. Esse Freud posterior não teve lugar na crítica do capitalismo conforme foi desenvolvida pelo marxismo freudiano tradicional no século XX. Como resultado, a tarefa de unir Marx e Freud permanece para nós hoje. Se o verdadeiro Freud é o Freud da autodestruição do sujeito, então essa não é uma tarefa fácil. A relação entre esse Freud e Marx não é confortável.
O objetivo deste livro não é fornecer outro catálogo dos horrores ou defeitos do capitalismo. Isso é tarefa de outras obras. Em vez disso, o livro tenta entender por que há tanta satisfação associada ao capitalismo e, portanto, o que constitui seu domínio sobre aqueles que vivem dentro de sua estrutura. O ponto de partida desse poder é a relação do capitalismo com a subjetividade desejante, que é investigada no primeiro capítulo. Os capítulos seguintes que compõem o núcleo do livro exploram como o capitalismo nos protege – do encontro com o público, do nosso olhar, do sacrifício, da ausência de garantias, da infinitude, da nossa não produtividade, do amor e até da abundância. Mas ele nos permite experimentar o sublime na vida cotidiana, como mostra o capítulo final. O livro termina com a sublimidade do capitalismo, mas é também onde começa. O poder duradouro do capitalismo, sua resistência à crítica, é inextricável de sua produção de sublimidade, que lhe dá o poder de satisfazer. Os sujeitos capitalistas se agarram firmemente à sua insatisfação, e é isso que os mantém presos ao capitalismo. Não importa o quão atraente pareça, não há nenhuma mercadoria que tenha o apelo de uma insatisfação duradoura.
Notas
[1] Embora frequentemente pensemos em Aristóteles como o pensador mais democrático, porque ele enfatiza a luta política em sua filosofia e, assim, confina a economia à casa de uma maneira que Platão não faz, ele não pode conceber uma sociedade sem escravos, enquanto Platão pode. É indubitavelmente por isso que Alain Badiou decidiu produzir uma versão moderna da República e não da Política.
[2] Karl Marx, Economic and Philosophic Manuscripts of 1844, trans. Martin Milligan (New York: International, 1964), 107.
[3] Michel Onfray, Le crépuscule d’une idole: l’affabulation freudienne (Paris: Grasset, 2010), 479.
[4] Os pensadores frequentemente tentavam encontrar uma conexão constitutiva entre o pensamento de Marx e Freud. Aqui, Erich Fromm fornece um exemplo representativo. Ele afirma: “Freud era um reformador liberal; Marx, um revolucionário radical. Diferentes como eram, eles têm em comum uma vontade intransigente de libertar o homem, uma fé igualmente intransigente na verdade como instrumento de libertação e a crença de que a condição para essa libertação reside na capacidade do homem de quebrar a corrente da ilusão.” Erich Fromm, Beyond the Chains of Illusion: My Encounter with Marx and Freud (New York: Continuum, 2009), p. 18.
[5] Adorno, Theodor W. Minima Moralia: Reflections from Damaged Life. Translated by E. F. N. Jephcott. New York: Verso, 1978. p. 102-103.
[6] Adorno, Minima Moralia, p. 103.
[7] Otto Gross, “Zur funktionellen Geistesbildung des Revolutionärs,” in Werke 1901–1920 (Hamilton, NY: Mindpiece Verlag, 2009), 355–356.
[8] Em Dangerous Method (2011), de David Cronenberg, Otto Gross (Vincent Cassel) tem um papel proeminente ao convencer Carl Jung (Michael Fassbinder) a ter relações sexuais com sua paciente Sabina Spielrein (Keira Knightley). Embora o filme pareça adotar uma visão crítica de Freud (Vigo Mortensen) e oferecer uma representação positiva de Jung (e Gross, em menor medida), o desfecho do filme revela que a ênfase de Freud na distorção incontrolável que a sexualidade produz nos sujeitos triunfa sobre as reivindicações de amor livre de Gross e a crença de Jung em um equilíbrio de impulsos concorrentes.
[9] As obras-chave são The Sexual Revolution: Toward a Self-Governing Character Structure, de Wilhelm Reich, traduzido por Theodore P. Wolfe (Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1963), e The Mass Psychology of Fascism, de Wilhelm Reich, traduzido por Vincent Carfagno (Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1980).
[10] A importância de Reich como figura para o movimento contracultural dos anos 1960 parece seguir implicitamente a partir do título original em alemão de seu livro The Sexual Revolution: Die Sexualität im Kulturkampf.
[11] A alusão aqui é, claro, ao livro de Marcuse “O Homem Unidimensional”, um tratado, como “Mínima Moralia” de Adorno, que critica a eliminação capitalista da diferença através da igualdade imposta.
[12] Herbert Marcuse. Eros and Civilization: A Philosophical Inquiry Into Freud. Routledge, 1987, p. 46.
[13] Ao longo de sua obra, Freud insiste na diferença fundamental entre sublimação e repressão, embora ambas pareçam compartilhar a mesma estrutura. Ele defende a sublimação com a mesma veemência com que critica a repressão. A primeira permite que os sujeitos encontrem satisfação e a última os deixa insatisfeitos com a satisfação que encontram. A distinção fica mais clara no ensaio de Freud sobre Leonardo da Vinci, que alcança a sublimação e escapa da armadilha da repressão, apesar da ausência de qualquer atividade sexual em sua vida.
[14] Michel Foucault, The History of Sexuality, Volume 1: An Introduction, trans. Robert Hurley (New York: Random House, 1978), 5.
[15] Em “Psicose” (1960) de Alfred Hitchcock, Tom Cassidy (Frank Albertson) diz a Marion Crane (Janet Leigh) que está gastando $40.000 em uma casa como presente de casamento para sua filha, não como forma de “comprar felicidade”, mas sim de “comprar a infelicidade”. Isso coloca a promessa em termos negativos, e a inversão atesta a ubiquidade da promessa dentro do domínio capitalista.
[16] Jacques Derrida, Specters of Marx: The State of Debt, the Work of Mourning, and the New International, trans. Peggy Kamuf (New York: Routledge, 1994), 73.
[17] Joseph Breuer and Sigmund Freud, Studies on Hysteria, trans. James Strachey, in The Complete Psychological Works of Sigmund Freud, 24 vols. (London: Hogarth, 1955), 2:7.
[18] Theodor W. Adorno, “The Stars Down to Earth,” in The Stars Down to Earth and Other Essays on the Irrational in Culture, ed. Stephen Cook (New York: Routledge, 1994), 49.
Sobre o autor
Todd McGowan é professor de Inglês na Universidade de Vermont, EUA. Ele é autor de 15 livros, incluindo “Universality and Identity Politics” (2020), “Emancipation After Hegel” (2019) e “Capitalism and Desire” (2016). Ele é o editor da série “Film Theory in Practice” (Bloomsbury) e co-editor da série “Diaeresis” (Northwestern University Press) com Slavoj Žižek e Adrian Johnston. Todd também é o apresentador do podcast “Why Theory” (com Ryan Engley).