Por Vladímir Ilitch Lênin, via marxists.org, traduzido por Daniel de Aquino
Publicado no Social-Democrata, nº43, em 26 de julho de 1915.
Durante uma guerra reacionária uma classe revolucionária não pode deixar de ansiar pela derrota de seu governo.
Isso é axiomático e contestado apenas pelos partidários conscientes ou indefesos satélites dos social-chauvinistas. Entre os primeiros, por exemplo, está Semkovsky, do Comitê Organizador (N° 2 do seu Izvestia), e entre os últimos estão Trotsky e Bukvoyedi, e Kautsky na Alemanha. Ansiar pela derrota da Russa, escreve Trotsky, é “uma inoportuna e absolutamente injustificável concessão à metodologia política do social-patriotismo, o que substituiria a luta revolucionária contra a guerra e as condições que lhe dão causa, por uma orientação – altamente arbitrária nas presentes condições – em direção ao mal menor” (Nossa Palavra, nº 105).
Esse é um exemplo de fraseologia eloquente pela qual Trotsky sempre justifica o oportunismo. Uma “luta revolucionária contra a guerra” é meramente uma exclamação vazia e sem sentido, coisa na qual se destacam os heróis da Segunda Internacional, a não ser que isso signifique ação revolucionária contra seu próprio governo, mesmo em tempos de guerra. Basta apenas pensar um pouco para entender isso. A ação revolucionária em tempo de guerra contra seu próprio governo quer dizer, indubitavelmente, não apenas ansiar a sua derrota, mas realmente facilitar tal derrota. (“Perspicaz leitor”: note que isso não significa “explodir pontes”, organizar greves malsucedidas nas indústria de guerra e, em geral, ajudar o governo a derrotar os revolucionários.)
O referido Trotsky perdeu completamente a sua orientação em uma questão simples. Parece que, para ele, ansiar a derrota da Rússia significa desejar a vitória da Alemanha. (Bukvoyed e Semkovsky dão expressão mais direta ao pensamento, ou antes, à falta de pensamento, que compartilham com Trotsky). Mas Trotsky considera isso como a “metodologia do social patriotismo”! Para ajudar pessoas que são incapazes de pensar por si mesmas, a resolução de Berne (Social Democrata, N°40)ii deixou claro que em todos países imperialistas o proletariado deve agora almejar a derrota de seu próprio governo. Bukvoyed e Trotsky preferem evitar essa verdade, enquanto Semkovsky (um oportunista que é mais útil para a classe trabalhadora do que todos os outros graças a sua ingenuamente franca reiteração das sabedorias burguesas) deixou escapar o seguinte: “Isso é um absurdo, porque tanto a Alemanha quanto a Rússia podem vencer” (Izvestia, nº 2).
Pegue como exemplo a Comuna de Paris. A França foi derrotada pela Alemanha, mas os trabalhadores foram derrotados por Bismarck e Thiers! Tivessem Bukvoyed e Trotsky pensado um pouco, teriam percebido que eles adotaram o ponto de vista sobre a guerra sustentado pelos governos e pela burguesia, isto é, que eles se apegaram à “metodologia política do social patriotismo”, para usar a linguagem pretenciosa de Trotsky.
Uma revolução em tempo de guerra quer dizer guerra civil; a conversão de uma guerra entre governos em uma guerra civil é, de um lado, facilitada pelos reveses militares (“derrotas”) dos governos; pelo outro lado, não se pode realmente lutar por tal conversão sem, com isso, facilitar a derrota.
A razão pela qual os chauvinistas (incluindo o Comitê Organizador e o grupo Chkheidze) repudiam a “palavra de ordem” da derrota é que essa palavra de ordem por si só implica um apelo consistente pela ação revolucionária contra o seu próprio governo em tempo de guerra. Sem tal ação, milhões de frases ultrarrevolucionárias, como uma guerra contra “a guerra e as condições, etc.” não valem um tostão.
Qualquer um que, com toda seriedade, refutar a “palavra de ordem” da derrota do seu próprio governo na guerra imperialista deve provar uma das três coisas: (1) que a guerra de 1914-15 não é reacionária, ou (2) que uma revolução decorrente dessa guerra é impossível, ou (3) que coordenação e a ajuda mútua são possíveis entre movimentos revolucionários em todos os países beligerantes. O terceiro ponto é particularmente importante para a Rússia, um país extremamente atrasado, onde uma imediata revolução socialista é impossível. É por isso que os social democratas russos tem que ser os primeiros a avançar a “teoria e prática” da “palavra de ordem” da derrota. O governo czarista estava perfeitamente certo em afirmar que a agitação conduzida pelo grupo operário social-democrata russo na Duma – a única instância na Internacional, não apenas de oposição parlamentar, mas de genuína agitação revolucionária antigovernamental entre as massas – que essa agitação enfraqueceu o “poder militar” da Rússia e que provavelmente levará à sua derrota. Este é um fato para o qual é tolice fechar os olhos.
Os oponentes da palavra de ordem da derrota simplesmente temem a si mesmos quando se recusam a reconhecer o fato muito óbvio do vínculo inseparável entre agitação revolucionária contra o governo e a ajuda para trazer sua derrota.
São possíveis coordenação e ajuda mútua entre o movimento Russo, que é revolucionário no sentido democrático-burguês, e os movimentos socialistas no ocidente? Nenhum socialista que falou publicamente sobre o assunto durante a última década duvidou disso, o movimento entre o proletariado austríaco depois de 17 de Outubro de 1905iii, na verdade, provou que isso era possível.
Pergunte a qualquer social democrata que se diga um internacionalista se ele aprova ou não um entendimento entre os social democratas dos vários países beligerantes quanto à uma ação revolucionária conjunta contra todos os governos beligerantes. Muitos deles responderão que isso é impossível, como Kautsky fez (Os Novos Tempos, 2 de Outubro de 1914), deste modo provando de vez o seu social-chauvinismo. Isso, por um lado, é uma deliberada e cruel mentira que se choca com os fatos em geral conhecidos e com o Manifesto da Basiléia. Por outro lado, se fosse verdade, os oportunistas estariam certos em muitos aspectos!
Muitos vão manifestar sua aprovação sobre tal entendimento. Para isso nós diremos: se esta aprovação não é hipócrita, é ridículo pensar que, em tempo de guerra e para a condução de uma guerra, seja necessário algum entendimento “formal”, como a eleição de representantes, o agendamento de uma reunião, a assinatura de um acordo e a escolha de um dia e hora. Somente os Semkovskys são capazes de pensar assim. Um entendimento sobre a ação revolucionária, mesmo em um único país, para não falar de vários países, pode ser alcançado apenas pela força do exemplo da ação revolucionária séria, lançando tal ação e desenvolvendo-a. No entanto, tal ação não pode ser lançada sem que se deseje a derrota do governo e sem que se contribua para tal derrota. A conversão da guerra imperialista em guerra civil não pode ser “feita” mais do que que uma revolução pode ser “feita”. Ela se desenvolve a partir de uma série de fenômenos diversos, aspectos, funções, características e consequências da guerra imperialista. Esse desenvolvimento é impossível sem uma série de reveses militares e derrotas de governos que recebam golpes de suas próprias classes oprimidas.
Repudiar a palavra de ordem da derrota significa permitir que o próprio ardor revolucionário degenere em uma frase vazia, ou em pura hipocrisia.
Qual é o substitutivo proposto para a palavra de ordem da derrota? É “nem vitória nem derrota” (Semkovsjy em Izvestia, nº 2; também a totalidade do Comitê Organizador no n°1). Isso, no entanto, não é nada mais do que uma paráfrase da palavra de ordem da “defesa da terra natal”. Significa mudar o problema para o nível de uma guerra entre governos (que, em acordo com o conteúdo dessa palavra de ordem, devem manter seus velhos entendimentos, “reter suas posições”), e não ao nível da luta das classes oprimidas contra seus governos! Significa justificar o chauvinismo de todas nações imperialistas, cujas burguesias estão sempre prontas para dizer – e efetivamente dizem ao povo – que estão “apenas” lutando “contra a derrota”. “A justificativa do nosso voto de 4 de Agosto foi que nós não somos pela guerra, mas contra a derrota”, David, um líder dos oportunistas, escreve em seu livro. O Comitê Organizador, junto de Bukvoyed e Trotsky, estão no mesmo terreno de David quando defendem a palavra de ordem “nem vitória nem derrota”.
Em um exame mais atento, descobrir-se-á que essa palavra de ordem significa uma “trégua de classes”, a renúncia à luta de classes pelas classes oprimidas de todas as nações beligerantes, já que a luta de classes é impossível sem golpear a sua “própria” burguesia, seu “próprio” governo, enquanto que golpear o seu próprio governo em tempos de guerra é (para conhecimento de Bukvoyed) alta traição, que significa contribuir para a derrota do seu próprio país. Aqueles que aceitam a palavra de ordem “nem vitória nem derrota” só podem ser hipocritamente à favor da luta de classes, da “ruptura da trégua de classes”; na prática, tais pessoas estão renunciando uma política proletária independente porque subordinam o proletariado de todos os países beligerantes à tarefa absolutamente burguesa de salvaguardar os governos imperialistas contra a derrota. A única política de ruptura real, e não verbal, da “trégua de classes”, de aceitação da luta de classes, é que o proletariado tome proveito das dificuldades experimentadas pelo seu governo e sua burguesia a fim de destruí-los. Isso, no entanto, não pode ser alcançado ou almejado sem que se deseje a derrota de seu próprio governo e sem que se contribua para essa derrota.
Quando, antes da guerra, os Social Democratas italianos levantaram a questão de uma greve de massas, a burguesia respondeu, sem dúvidas corretos do seu ponto de vista, que isso seria alta traição e que os Social Democratas seriam tratados como traidores. Isso é verdade, tanto quanto é verdade que confraternização nas trincheiras é alta traição. Aqueles que escrevem contra a “alta traição”, como Bukvoyed faz, ou contra a “desintegração da Rússia”, como Semkovsky faz, estão adotando o ponto de vista burguês, não o proletário. Um proletário não pode deferir um golpe de classe em seu governo ou estender (de falto) uma mão para o seu irmão, o proletário do país “estrangeiro” que está em guerra com o “nosso lado”, sem cometer “alta traição”, sem contribuir para a derrota, para a desintegração da sua “própria” “Grande” Potência imperialista.
Quem quer que seja a favor da palavra de ordem “nem vitória nem derrota” é consciente ou inconscientemente um chauvinista; na melhor das hipóteses, um pequeno conciliador burguês, mas em todo caso é um inimigo da política proletária, um partidário dos governos existentes, das classes dominantes atuais.
Examinemos a questão de outro ângulo. A guerra não pode deixar de invocar entre as massas os sentimentos mais turbulentos, o que incomoda o estado habitual de apatia da mentalidade das massas. As táticas revolucionárias são irrealizáveis se não estiverem ajustadas a esses novos sentimentos turbulentos.
Quais são as principais correntes desses sentimentos turbulentos? Elas são: (1) Horror e desespero. Daí, um crescimento do sentimento religioso. Novamente as igrejas estão lotadas, os reacionários alegremente declaram. “Onde quer que haja sofrimento, há religião”, diz o arqui-reacionário Barres. Ele está certo também. (2) Ódio do “inimigo”, um sentimento que é cuidadosamente cultivado pela burguesia (não tanto pelos sacerdotes), e que tem valor econômico e político apenas para a burguesia. (3) Ódio ao seu próprio governo e à sua própria burguesa – o sentimento de todos trabalhadores com consciência de classe que entendem, por um lado, que a guerra é a “continuação da política” do imperialismo, que eles contrapõem com uma “continuação” de seu ódio ao inimigo de classe, e, pelo outro lado, que “a guerra contra a guerra” é uma frase banal, a menos que signifique a revolução contra seu próprio governo. O ódio ao seu próprio governo e à sua própria burguesia não pode ser despertado a menos que a sua derrota seja desejada; não é possível ser um oponente sincero da trégua civil (isto é, de classe) sem despertar o ódio ao seu próprio governo e burguesia!
Aqueles que defendem a palavra de ordem “nem vitória nem derrota” estão de fato do lado da burguesia e dos oportunistas, pois eles não acreditam na possibilidade de uma ação revolucionária internacional da classe trabalhadora contra seus próprios governos, e não desejam ajudar a desenvolver tal ação, que, embora indubitavelmente difícil, é a única tarefa digna de um proletário, a única tarefa socialista. É o proletariado da mais atrasada das Grandes Potências que, por meio de seu partido, teve que adotar – especialmente em vista da vergonhosa traição dos social democratas alemães e franceses – táticas revolucionárias que são totalmente inviáveis a menos que “contribuam para a derrota” do seu próprio governo, mas que sozinhas levaram a uma revolução europeia, à paz permanente do socialismo, à libertação da humanidade dos horrores, miséria, selvageria e brutalidade que agora prevalecem.
i Bukvoyed-D. Ryazanov.
ii Ver p.163 deste volume [Lenin Collected Works, Vol. 21]. – Ed [1].
iii Isso se refere ao manifesto do czar promulgado em 17 (30) de outubro de 1905. Ele prometeu “liberdades civis” e uma “Duma legislativa”. O manifesto foi uma concessão arrancada do regime czarista pela revolução, mas essa concessão de modo algum decidiu o destino da revolução como os liberais e Mencheviques alegaram. Os Bolcheviques expuseram o real significado do Manifesto e conclamaram as massas a continuar a luta e derrubar a autocracia.
A primeira revolução Russa exerceu grande influência revolucionária no movimento da classe trabalhadora de outros países, em particular na Áustria-Hungria. Lênin destacou que as notícias sobre a concessão do Czar e seu manifesto, com sua promessa de “liberdades”, “desempenharam um papel decisivo na vitória final do sufrágio universal na Áustria”.
Manifestações de massa ocorreram em Viena e outras cidades industriais na Áustria-Hungria. Em Praga, barricadas foram levantadas. Como resultado, o sufrágio universal foi introduzido na Áustria.
[1] A Conferência dos Grupos do P.O.S.D.R no Exterior. P. 158-164