‘A esquerda deveria tomar cuidado com amigos que temem confrontar os ricos’

Por Yanis Varoufakis, via Socialista Worker, traduzido e comentado por Gabriel Landi Fazzio.

O ex-ministro das finanças grego Yanis Varoufakis está entre os que se rebelaram contra o apoio parlamentar do Syriza à austeridade. Ele falou ao Socialist Worker:

“Tenho certeza de que Jeremy Corbyn entende que ele se deparará com uma feroz resistência. Haverá todo o tipo de estratégia desleal para puxar o tapete sob seus pés.

A difamação já começou, e se intensificará se o sistema começar temer que ele os atinja.

Mas meu conselho para Jeremy é: cuidado com seus amigos – aqueles que têm medo de levar as coisas longe demais no confronto com os poderes estabelecidos. Esse medo pode ser convertido em algo muito mais sinistro.

Veja nossa experiência. O Syriza sempre oscilou ao redor de 4% das intenções de voto. Então, subitamente, fomos impulsionados a alturas vertiginosas. Esse foi um importante momento histórico.

Os governantes da Europa viram este fenômeno e, bastante racionalmente, se preocuparam. Eu tinha uma taxa de aprovação de 75% porque eu estava enfrentando efetivamente uma guerra de classes.

Então eles decidiram que tinham de nos exterminar utilizando qualquer arma que pudessem – e assim o fizeram.

No referendo, mesmo com os bancos fechados e as pessoas sendo bombardeadas com ameaças, 62% votaram “não” ao invés de aceitar que nosso governo tivesse sido esvaziado. Mas nós fomos anulados por dentro.

Arma

A austeridade é uma arma importante na guerra de classes, mas não é tudo. O cerne da questão é o poder – e a austeridade é usada pela classe dominantes para minimizar o poder do trabalho.

A traição aos 62% causou imensurável tristeza e rejeição.

As pessoas que foram às ruas protestar e então votaram “não” estão em um estado de profunda depressão.

Meus amigos não querem votar, e o partido rachou em três.

O grupo presidencial vendeu sua alma e cada vez mais se torna parte do sistema.

Eles dizem às pessoas: “Nós torturaremos vocês, mas com menos entusiasmo que os outros”. Não é um bom motivo para se animar.

Os que racharam para criar a Unidade Popular são bons camaradas e amigos. Mas estão olhando para o passado em busca de uma solução para o futuro. Estão caindo na certeza do isolacionismo na Europa.

Mas há um grupo maior de pessoas desapontadas, que estão buscando novas formas de se engajar politicamente. E eu sou uma delas.”

Comentário do tradutor:

Não podemos responsabilizar Varoufakis pela tragédia grega – as falas do ex-ministro nunca esconderam sua oposição intransigente à austeridade, (o que levou a seu afastamento do cargo por Tsipras logo após o referendo, e antes da capitulação do governo ao Eurogrupo), e toda a sua trajetória acadêmica consistiu em denunciar as contradições das teses econômicas neoliberais endossadas pelo Syriza.

Porém, essa trajetória fez de Varoufakis um marxista errático, como ele assume – o que pode ser positivo em seu estudo das teorias neoliberais, mas se torna bastante problemático quando o economista passa a debater as lutas de classes.

Por que Varoufakis fala reiteradamente em “guerra”, e não em “luta” de classes? Essa opção põe a perder precisamente a distinção entre a luta de classes velada e a guerra de classes aberta. A diferença parecerá um pormenor se, já desde o princípio, abandonarmos o entendimento de que, em alguns momentos, a luta de classes pode converter-se em guerra civil, e abrirmos mão de qualquer violência revolucionária[1]. Qualquer dúvida sobre ser apenas uma questão terminológica se dissipa quando vemos sua consequência: na “guerra de classes” de Varoufakis ainda há espaço para o sonho de uma “democratização do Eurogrupo”. Isso fica mais evidente ainda em sua “Confissão“: “o dever histórico da esquerda é, nesta conjuntura particular, estabilizar o capitalismo; salvar o capitalismo europeu de si mesmo e dos ilógicos gestores da inevitável crise da Eurozona”. Como falar em “guerra” nesses termos, senão em um tom retórico incisivo, mas vazio? Não seria este o caso, infelizmente, de entender Varoufakis como um amigo do movimento dos trabalhadores, mas indisposto a “levar as coisas longe demais no confronto com os poderes estabelecidos”?

Varoufakis também nos deixa confusos em suas declarações sobre a Unidade Popular. Qual exatamente a crítica a olhar “para o passado em busca de uma solução para o futuro?”. Seria isso uma crítica às concepções marxistas da Unidade Popular, que afirmam a necessidade de ruptura com o capitalismo para superar a austeridade? Ou seria uma crítica a algum resquício da época de Syriza? Ao menos neste texto, a crítica não é nítida.

Por um lado, os revolucionários de cada país da Europa pouco farão mantendo-se atados à unidade europeia a qualquer custo. Por outro lado, parece haver uma lacuna da direção geral das lutas de classes europeias, cujo preenchimento pode ser questão urgente do movimento revolucionário no “velho mundo” – como condição para que, com o desenvolvimento das lutas em cada país, fazer avançar como um todo a revolução europeia. Aqui, não basta o discurso quase liberal-humanista sobre não se deixar cair no euroceticismo de direita – é preciso apresentar a possibilidade de uma outra Europa, socialista, ou então parece inevitável a guinada da classe trabalhadora rumo ao nacionalismo, na luta contra a hegemonia financeira expressa no imperialismo alemão.

De todo modo, a lição maior da presente fala de Yanis Varoufakis não requer maiores explicações: “cuidado com seus amigos – aqueles que têm medo de levar as coisas longe demais no confronto com os poderes estabelecidos. Esse medo pode ser convertido em algo muito mais sinistro.” Assim como a ameaça da catástrofe econômica, da greve de investimentos e créditos e do desmanche da democracia foram suficientes para encurralar e fazer ceder esses “amigos” da revolução grega, seria por acaso tão diferente o caso brasileiro? Há meses (talvez aprendendo com a experiência europeia) a burguesia brasileira põe Dilma contra a parede – e, sistematicamente, a presidenta recua e atende aos ultimatos da mídia e do empresariado. A que pode levar tal tática, senão permitir aos inimigos da classe trabalhadora que eles próprios levem o conflito longe demais?

CORBYN

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