Por Jürgen Habermas e Thomas Assheuer, via Die Zeit, traduzido por Ivan Pinheiro de Figueiredo
Núcleo da Europa ao resgate: uma conversa com Jürgen Habermas sobre Brexit e a crise da UE.
Thomas Asshauer: Sr. Habermas, o senhor alguma vez pensou que o Brexit seria possível? O que pensou quando ouviu sobre a saída?
Jürgen Habermas: Nunca entrou em minha cabeça que o populismo derrotaria o capitalismo em seu país de origem. Dada a importância existencial do setor bancário para a Grã-Bretanha o poder midiático e a influência política da cidade de Londres, não era esperado que questões de identidade prevalecessem sobre interesses.
TA: Muitas pessoas estão requerendo referendos em outros países. Um referendo na Alemanha produziria um resultado diferente daquele da Grã-Bretanha?
JH: Bem, suponho que sim. A integração europeia estava – e ainda está – nos interesses da república federal da Alemanha. Nas primeiras décadas do pós-guerra, foi agindo como “bons europeus” que fomos capazes de restabelecer, passo a passo, uma reputação nacional completamente devastada. Eventualmente pudemos contar com o suporte da UE para a reunificação. Retrospectivamente também, a Alemanha tem sido a grande beneficiária da união monetária europeia – e isso também no curso mesmo da crise do euro. E por a Alemanha ter sido capaz, desde 2010, de prevalecer no Conselho Europeu com sua visão ortoliberal contra a França e o sul europeu, é bem fácil para Angela Merkel e Wolfgang Schäuble atuarem no papel de verdadeiros defensores da ideia europeia de volta para a casa. É claro, essa é uma maneira muito nacional de olhar para as coisas. Mas esse governo não precisaria temer que a imprensa tomasse um caminho diferente e informasse a população sobre as boas razões para que outros países enxergassem as coisas em sentido completamente oposto.
TA: Então o senhor acusa a imprensa de negligentemente reverenciar o governo? De fato, a senhora Merkel dificilmente pode reclamar sobre a quantidade de críticos a ela. Ao menos no que concerne sua política para refugiados.
JH: Na verdade, não é sobre isso que falamos. Mas eu não me importo… A política para refugiados também dividiu a opinião pública alemã e as atitudes da imprensa. Ela pôs termo a longos anos de uma paralisia sem precedentes do debate público político. Eu me refiro a esse anterior, altamente carregado de conteúdo político, período da crise do euro. Foi quando se poderia esperar uma controvérsia igualmente tumultuada sobre os rumos da política do governo federal diante da crise. A abordagem tecnocrática que posterga decisões críticas é atacada como contraproducente em toda a Europa.[1] Mas não nas duas publicações diárias e nas duas publicações semanais de ponta que leio regularmente. Se essa observação é correta, então, como sociólogo, alguém pode olhar para as explicações. Mas a minha perspectiva é a de um engajado leitor de jornais e me pergunto se a política de Merkel de pôr todos para dormir poderia ter varrido o país sem alguma cumplicidade da imprensa. Horizontes de pensamento encolhem se não são há oferta de visões alternativas. No momento posso ver similar distribuição de tranquilizantes. Como no relatório que acabo de ler sobre a última conferência do SPD,[2] onde a presunção do partido governante diante do enorme evento do Brexit, que objetivamente deve ser de grande interesse para todo mundo é reduzido – em o que Hegel chamaria de uma perspectiva do vallet – para a próxima eleição geral e as relações pessoais entre o sr. Gabriel e o sr. Schulz.
TA: Mas o desejo britânico de sair a UE não era devido a razões nacionais, caseiras? Ou é sintomático de uma crise na União Europeia?
JHs: Os dois. Os britânicos têm uma história diferente por trás deles do que aquela do continente. A consciência política de um grande poder, duas vezes vitorioso no Século XX, mas globalmente em decadência, hesita para vir a termos com a mudança na situação. Com essa noção nacional sobre si, a Grã-Bretanha caiu numa situação estranha depois de se juntar à Comunidade Econômica Europeia puramente por razões econômicas em 1973. As elites políticas, de Thatcher via Blair até Cameron, não tinham em mente abandonar sua visão distanciada do continente europeu. Essa era já a perspectiva de Churchill quando, em seu merecidamente famoso discurso de Zurique de 1946, viu no Império o papel de um benevolente padrinho de uma Europa unida – mas certamente não tomando parte dela. A política britânica em Bruxelas foi sempre um impasse tratado de acordo com a máxima: “tomem nosso bolo e comam”.
TA: Você fala sobre a política econômica britânica?
JH: Os britânicos têm decididamente uma visão liberal da União Europeia como uma área de livre comércio e isso foi expresso na política de alargar a UE sem qualquer aprofundamento simultâneo de cooperação. Sem Schegen, sem euro. A postura exclusivamente instrumental da elite política frente a UE refletiu sobre a campanha do Fica. Os que defendiam sem entusiasmo a permanência na UE se aferraram ao projeto (?) de uma campanha de medo armada com argumentos econômicos. Como uma postura pró-Europa poderia ganhar sobre a população em geral com os líderes políticos se comportando por décadas como se a busca estratégica impiedosa de interesses nacionais fosse suficiente para se manter dentro de uma comunidade supranacional de estados. Visto à distância, essa falha das elites se incorporou, muito diferente e cheia de nuances como eles são, nos dois tipos de egoístas conhecidos como Cameron e Johnson.
TA: Nesse esquema não havia somente a impressionante divisão jovens-velhos, mas uma forte cisão urbano-rural. A cidade multicultural perdeu. Por que há essa repentina separação entre identidade nacional e integração europeia? Os políticos europeus subestimaram o puro e persistente poder da autodeterminação nacional e cultural?
JH: Você está certo, o voto britânico reflete também um estado geral de crise na Europa e seus estados membros. A análise dos votos aponta para a mesma espécie de padrão que vimos na eleição para a presidência da Áustria e em nossas recentes eleições parlamentares. O índice relativamente alto de comparecimento sugere que o campo populista obteve sucesso em mobilizar seções prévias de não-votantes. Isso pode ser encontrado de forma esmagadora entre os grupos marginalizados que se sentiram abandonados à própria sorte.[3] E isso junto às descobertas de que os mais pobres, os estratos socialmente desfavorecidos e menos educados votaram mais frequentemente para a saída. Assim, não só os padrões de voto contrários no país e nas cidades, mas a distribuição geográfica dos votos pela saída, acumulados nas Midlands e partes do País de Gales – incluindo os antigos territórios industriais baldios que não conseguiram se recuperar economicamente – apontam para as razões sociais e econômicas do Brexit. A percepção do aumento drástico da desigualdade social e a sensação de impotência, de que os seus próprios interesses não são mais representados no nível político, tudo isso forma o fundo para a mobilização contra os estrangeiros, para deixar a Europa para trás, para odiar Bruxelas. Em uma vida diária insegura “um sentido nacional e cultural de pertencimento” é na verdade um elemento estabilizador.
TA: Mas são esses apenas problemas sociais? Há também uma tendência histórica bem definida rumo à salvação nacional e desistência da cooperação. Supranacionalidade significa, para pessoas normais, perda de controle. Eles pensam: apenas a nação provê a rocha sobre a qual ainda podem construir. Isso não mostra que a transformação da democracia, de nacional para transnacional, ruiu?
JH: Não se pode dizer que ruiu um esforço que sequer começou. É claro que a chamada para “retomar o controle”, atuante na campanha britânica, é um sintoma a ser levado a sério. O que realmente dá uma pancada[4] nos observadores é a óbvia irracionalidade não apenas do resultado, mas da campanha inteira. As campanhas de ódio estão também crescendo no continente. Os traços sócio-patológicos da agressividade politicamente desinibida apontam para o fato de que as compulsões sistêmicas de uma sociedade global economicamente não gerenciada e digitalmente coalescente, que a tudo permeiam, simplesmente esgarçam as formas de integração social obtidas democraticamente no estado nação. Isso desencadeia comportamentos regressivos. Um exemplo são as fantasias de Wilhelmine[5] de, digamos, Jaroslav Kaczinski,[6] mentor do atual governo polonês. Depois do referendo britânico ele propôs o desmembramento da UE para uma associação frouxa de Estados-nação soberanos, que então se aglutinem prontamente em uma ameaçadora potência militar.[7]
TA: Você também poderia dizer: Kaczinski está apenas reagindo à perda de controle do estado nação.
JH: Como todos os sintomas, esse sentimento de perda de controle tem um núcleo real – o esvaziamento das democracias nacionais que, até agora, tinham dado aos cidadãos o direito de co-determinar condições importantes de sua existência social. O referendo no Reino Unido provê evidência vívida sobre a palavra-chave “pós-democracia”. Obviamente, a infraestrutura sem a qual não pode haver esfera pública sólida e competição partidária ruiu. Depois das análises iniciais a mídia e os partidos políticos adversários falharam ao informar a população sobre questões relevantes e fatos elementares, deixando-a sozinha para traçar argumentos diferenciados em favor ou contra visões políticas opostas. A taxa muito baixa de comparecimento de jovens de 18-24 anos, supostamente em desvantagem com relação aos idosos, é outra informação reveladora.
TA: Soa novamente como se fosse a imprensa a culpada…
JH: Não, mas o comportamento dessa faixa etária destaca o modo como as pessoas jovens usam a mídia na era digital e as mudanças de atitude com relação à política. Na ideologia do Vale do Silício, o mercado e a tecnologia iram resgatar a sociedade e então fazer uma moda tão antiga como a democracia supérflua. A esse respeito, um fator a ser levado a sério é a tendência geral para uma inclusão cada vez mais restrita dos partidos políticos dentro do complexo organizacional do estado. E, é claro, não se trata de coincidência que a política europeia não esteja enraizada na sociedade civil. A União é conformada de tal maneira que decisões econômicas básicas que afetam a sociedade como um todo são removidas da escolha democrática. Esse esvaziamento tecnocrático da agenda diária com o qual os cidadãos são confrontados não é destino da natureza, mas consequência de um projeto definido nos tratados. Nesse contexto a politicamente pretendida divisão de poder entre os níveis nacional e europeu também desempenha um papel: o poder da União está concentrado lá, onde os interesses dos estados-nação mutuamente se bloqueiam. A transnacionalização da democracia seria a resposta certa a isso. Não há outro caminho, em uma sociedade global altamente interdependente, de compensar a perda de controle que os cidadãos sentem e reclamam sobre, e que, de fato, ocorreu.
TA: Mas quase ninguém mais acredita nessa transnacionalização da democracia. Para o sociólogo Wolfgang Streeck a UE é uma máquina de desregulamentação. Não protegeu as nações do capitalismo enlouquecido, em vez disso as deixou à sua mercê.[8] Por que não se deveria retornar ao velho capitalismo do welfare-state?
JH: A análise da crise de Streek se baseia em material empírico convincente. Eu também partilho de seu diagnóstico sobre o estado de atrofia da substância democrática, que até hoje tomou forma institucional quase que exclusivamente nos estados-nação. E também partilho muitos diagnósticos similares com cientistas políticos e advogados que se referem à des-democratização como consequência da “administração”[9] – as novas formas política e legal de “administração para além do estado-nação”. Mas o caso em favor do retorno ao formato de pequenos estados-nação não é evidente para mim. Pois estes precisariam operar em mercados globalizados nas mesmas linhas de conglomerados globais. O que significaria a completa abdicação da política em face aos imperativos de mercados desregulamentados.
TA: Há uma formação de campo interessante em cena. Para um lado, a UE sobreviveu ao seu propósito como um projeto político e o Brexit é um claro sinal para demolir a Europa. O outro lado, como Martin Schulz, diz: Não podemos continuar assim. A crise na UE é devida à falta de aprofundamento – há o euro, é verdade, mas não governo europeu nem política econômica e social. Quem está certo?
JH: Quando Frank-Walter Steinmeier, na manhã seguinte ao Brexit, tomou como iniciativa um convite para os chanceleres dos seis estados fundadores da UE, Angela Merkel percebeu o perigo de imediato. Essa constelação poderia ter sugerido para alguns que o desejo real era reconstruir a Europa desde seu núcleo depois de uma série de tremores. Ao contrário, ela insistiu antes em perseguir um acordo entre os 27 estados-membros restantes. Sabido que um acordo construtivo nesse círculo e com nacionalistas autoritários como Orban ou Kaczinski seria impossível, Angela Merkel quis matar na origem qualquer pensamento de uma maior integração.[10] Em Bruxelas ela prometeu ao conselho manter-se firme. Talvez ela tenha esperança de que as consequências comerciais e econômicas do Brexit possam ser amplamente neutralizadas ou desfeitas.
TA: Sua crítica soa antiquada. Você tem, mais frequentemente do que não, acusado a sra. Merkel de perseguir uma política de abaixar a cabeça e seguir em frente.[11] Ao menos na política europeia.
JH: Temo que esta familiar política de abaixar a cabeça e seguir em frente permanecerá – sem perspectivas aqui, por favor! O argumento é: Não se emocionem, a UE sempre esteve em mudança. Na verdade, esse patinar na lama sem fim em vista, a ainda fervilhante crise do euro na UE, resultam na impossibilidade de se levar adiante “como antes”. Mas se adiantar e adaptar à normalidade do “impasse dinâmico” se paga com a desistência a qualquer tentativa de modelar eventos politicamente. E foi precisamente essa Angela Merkel que duas vezes recusou enfaticamente a noção vastamente sustentada por cientistas sociais de uma falta generalizada de espaço de manobra política – nas mudanças climáticas e na recepção de refugiados. Sigmar Gabriel e Martin Schulz são aqui as únicas vozes proeminentes com algum traço de temperamento político e a se recusarem a admitir a retração tímida da classe política para pensar três ou quatro anos à frente. Esse não é sinal de realismo se a liderança política deixa a regra de ferro da história assumir. “No perigo e na extrema emergência o caminho médio leva à morte” – Recentemente, penso sempre no filme do meu amigo Alexander Kluge. Claro, é só retrospectivamente que se percebe que poderia ter sido de outra maneira. Mas antes de jogar fora uma alternativa que não foi tentada, devemos tentar imaginar a nossa situação atual como o presente do passado para um historiador futuro.
TA: Como se pode imaginar o aprofundamento da UE sem que os cidadãos sejam forçados a temer a perda do controle democrático? Até agora, cada aprofundamento aumentou o euroceticismo. Anos atrás, Wolfgang Schäuble e Karl Lamers falaram de uma Europa de duas velocidades, de um núcleo europeu – e você concordou com eles. Então, como isso funciona? Os tratados não deveriam ser alterados nesse caso?
JH: A convocação de uma convenção que levaria a grandes alterações em tratados somente passaria se a UE tivesse feito tentativas perceptíveis e convincentes de resolver seus problemas mais urgentes. A ainda não resolvida crise do euro, o problema de longo prazo dos refugiados e as questões de segurança são agora chamados de problemas urgentes. Mas a mera descrição desses fatos não é ainda um consenso no círculo cacófano dos 27 membros do Conselho Europeu. Compromissos só podem ser alcançados se os parceiros estão prontos para se comprometer e isso significa que seus interesses não devem ser muito divergentes. Este mínimo de convergência de interesses é o que se pode esperar, na melhor hipótese, dos membros da zona euro. A história de crises da moeda comum, cujas origens foram exaustivamente analisadas por especialistas, criou laços estreitos entre esses países ao longo dos anos – embora de forma assimétrica. Portanto, a zona do euro delimitaria o tamanho natural de um futuro núcleo da Europa. Se estes países tivessem a vontade política, então o princípio básico da “estreita cooperação” previsto nos tratados permitiria que os primeiros passos para se separar um tal núcleo – e, com ele, a formação em grande atraso de uma contrapartida ao grupo ministerial do Eurogrup dentro do Parlamento Europeu.
TA: Isso cindiria a UE.
JH: Verdade, o argumento contra esse plano é o da “cisão”. Supondo que realmente se queira a integração europeia, contudo, esse argumento não procede. Pois apenas um núcleo funcional da Europa poderia convencer as populações de todos os estados membros, atualmente polarizadas, de que o projeto faz sentido. Somente nessa base aquelas populações que por ora preferem agarrar-se à sua soberania podem ser gradualmente vencidas em favor da junção – uma decisão sempre aberta (!) a elas. Nessa perspectiva deve haver de saída uma tentativa de fazer com que os governos que esperam de fora se mantenham tolerantes a tal projeto. O primeiro passo para um compromisso dentro da zona do euro é bastante óbvio: a Alemanha terá de desistir de sua resistência à mais estreita cooperação fiscal, econômica e de política social e a França estar pronta para renunciar à sua soberania nas áreas correspondentes.
TA: E quem impediria isso?
JH: Minha impressão foi durante muito tempo de que a oposição provavelmente seria maior no lado francês. Mas hoje isso não é mais verdade. Cada ato de aprofundamento colapsa hoje pela resistência obstinada da governante CDU/CSU,[12] que há anos optaram por poupar seus eleitores de um mínimo de solidariedade para com os cidadãos de outros países europeus. Sempre que a próxima eleição está no horizonte eles jogam o jogo egoísta do nacionalismo econômico – e sistematicamente subestimam a disponibilidade da maioria dos cidadãos alemães a fazer concessões sobre seus próprios interesses de longo prazo. Deve-se energicamente oferecer-lhes uma alternativa prospectiva, bem fundamentada, à continuação degenerativa do curso de ação atual.
TA: O Brexit reforça a influência alemã. E a Alemanha há muito é vista como uma hegemonia. Como essa percepção surgiu?
JH: A suposta recuperação de um estado-nação “normal” levou a uma mudança na mentalidade que em nosso país tinha se desenvolvido por décadas na velha Alemanha Ocidental. Isso veio à tona com um estilo auto-confiante e na insistência mais franca pela orientação “realista” das atitudes políticas para com o mundo exterior da nova República de Berlim. Desde 2010 temos visto como o governo alemão exerce seu indesejado papel de maior liderança na Europa menos em vista do interesse geral do que de seu interesse nacional. Mesmo um editorial do Frankfurter Allgemeine Zeitung critica o efeito contraproducente da política alemã “porque confunde a liderança europeia cada vez mais com o forçar de suas próprias ideias sobre a ordem política”. A Alemanha é uma hegemonia relutante, mas insensível e incapaz que ao mesmo tempo utiliza e ignora o desequilibrado balanço de forças europeu. Isso provoca ressentimentos, especialmente em outros países da zona do euro. Como deve se sentir um espanhol, português ou grego que perdeu o emprego como resultado da política de cortes de gastos decidida pelo Conselho Europeu? Ele não pode responsabilizar os ministros alemães que se arranjaram com esta política em Bruxelas: não pode votar para colocá-los para dentro ou para fora dos gabinetes. Em vez disso, ele podia ler durante a crise grega que esses mesmos políticos negaram com raiva qualquer responsabilidade pelas consequências sociais desastrosas que tinham sido casualmente causadas por tais programas de cortes. Enquanto não se livra desta estrutura antidemocrática e defeituosa dificilmente se poderá surpreender com campanhas de difamação anti-europeias. A única maneira de obter a democracia na Europa é através de um aprofundamento da cooperação europeia.
TA: Então, o que você está dizendo é que os movimentos de direita só vão desaparecer quando houver mais Europa e a UE tornar-se mais profundamente democrática?
JH: Não, eu esperaria que eles estivessem perdendo terreno durante o processo. Se o meu ponto de vista está certo, então hoje todos os lados assumem que a União tem de recuperar a confiança para cortar o chão de baixo dos pés dos populistas de direita. Um campo quer jogar-se à sua capacidade de impressionar os partidários da direita flexionando seus músculos. O slogan diz: “sem mais visões elevadas, mas soluções práticas”. Este ponto de vista está por trás da renúncia pública de Wolfgang Schäuble à sua própria ideia de um núcleo da Europa. Ele agora conta inteiramente com o intergovernamentalismo ou com a capacidade de estados e governos resolverem as coisas entre si. Ele está contando com a aparência de sucesso da cooperação entre estados-nação fortes. Mas os exemplos que dá – união digital da Oettinger, a europeização dos orçamentos de armas ou de uma união de energia – dificilmente cumpririam a meta desejada de impressionar as pessoas. E, quando se trata de problemas que realmente pressionam – ele próprio fala da política de refugiados e da criação de um direito europeu de asilo, mas sempre dispensa o dramático desemprego juvenil nos países do sul – então os custos de cooperação são tão elevados como eles sempre foram. Portanto, o lado oposto recomenda a alternativa de uma cooperação aprofundada e vincuante dentro de um círculo menor de estados dispostos a cooperar. Tal Euro-União não tem necessidade de procurar problemas só para provar a sua própria capacidade de agir. E, no caminho para isto, os cidadãos vão perceber que tal núcleo da Europa vai lidar com os problemas sociais e econômicos que estão por trás da insegurança, o medo do declínio da sociedade e a sensação de perda de controle. Welfare state e democracia em conjunto formam um nexo interno que, numa união monetária, não pode mais ser assegurado pelo estado-nação sozinho.
[1] No original: “A technocratic approach that kicks the can down the road is attacked as counter-productive all over Europe”. A expressão “kick the can down the road” foi traduzida como “postergar decisões críticas” à falta de melhor terminologia. Seria referente à prática de chutar uma lata à frente de si mesmo, enquanto se caminha por uma estrada. Assim, metaforicamente, a frase significaria adiar a ação conclusiva com uma inócua solução de curto prazo. [N.T]
[2] Partido Social-Democrata da Alemanha. [N.T.]
[3] No original: “hung out to dry” [N.T.]
[4] No original: “What really hit home with observers” [N.T.]
[5] No original: “One example is the Wilhelmine fantasies of, say, Jaroslav Kaczinski, mentor of the current Polish government”. Seria referência à megalomania da “era Wilhelm” – império de Guilherme II, último rei da Prússia, que governou de 1888 até abdicar, em 1918. [N.T.]
[6] Grafado como consta do original. [N.T.]
[7] No original: “After the British referendum he proposed the break-up of the EU into a loose association of sovereign nation states so that these promptly coalesce into a sabre-rattling big power militarily.” [N.T.]
[8] No original: “It failed to protect the nations from a capitalism gone wild but, rather, exposed them to it lock, stock and barrel. Now, nation states should take matters in hand again.” [N.T.]
[9] No original: “governance”. [N.T.]
[10] No original: “Aware that a constructive agreement in this circle and with authoritarian nationalists such as Orban or Kaszinski is impossible, Angela Merkel wanted to kill any thought of further integration stone dead.” [N.T.]
[11] No original: “You’ve more often than not accused Ms Merkel of pursuing a policy of heads down and carry on”. [N.T.]
[12] Se referiria à aliança política entre os partidos União Cristã-Democrática da Alemanha (CDU) e União Cristã-Social na Bavária (CSU). [N.T.]
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