O Socialismo Africano revisitado

Por Kwame Nkrumah, via Marxists.org, traduzido por Gabriel Landi Fazzio

Nascido em 21 de setembro de 1909, Kwane Nkrumah foi o grande líder da independência de Ghana e um dos mais influentes pensadores do chamado ‘socialismo africano’. Influenciado pelas ideias de Marcus Garvey, do marxista C.L.R. James, do exilado russo Raya Dunayevskaya e do sino-americano Grace Lee Boggs, Nkrumah desenvolveu sua obra em constante relação com os desenvolvimentos da luta independentista na África.

O texto abaixo foi originalmente lido no Seminário Africano que ocorreu no Cairo, sob o convite de dois órgãos, o “At-Talia” e o “Problemas da Paz e Socialismo”.


O termo “socialismo” tornou-se uma necessidade nos discursos de palanque e escritos políticos de líderes africanos. É um termo que nos une no reconhecimento de que a restauração dos princípios sociais humanistas e igualitários da África demandam o socialismo. Todos nós, portanto, embora seguindo políticas bastante contrastantes na tarefa de reconstruir nossos vários Estados-nações, ainda usamos o “socialismo” para descrever nossos respectivos esforços. “A questão deve, portanto, ser enfrentada : que significado real o termo retêm no contexto da política africana contemporânea?” Eu alertei sobre isso em meu livro Consciencism (Londres e Nova York, 1964, p. 105).

E, no entanto, o socialismo na África de hoje tende a perder seu conteúdo objetivo em favor de uma terminologia diversionista e em favor de uma confusão geral. A discussão centra-se mais sobre os vários tipos possíveis de socialismo do que sobre a necessidade de desenvolvimento socialista.

Alguns líderes políticos africanos e pensadores certamente usam o termo “socialismo” como deveria, em minha opinião, ser utilizado: para descrever um conjunto de propósitos sociais e as políticas econômicas, padrões de organização, estruturas do estatais e ideologias que podem levar à concretização esses propósitos. Para tais líderes, o objetivo é remodelar a sociedade africana na direção do socialismo; repensar a sociedade africana de tal maneira que o humanismo da vida tradicional Africano reafirme a si próprio em uma comunidade tecnicamente moderna.

Consequentemente, o socialismo na África introduz uma nova síntese social em que a tecnologia moderna é reconciliada com os valores humanos, na qual a sociedade tecnicamente avançada é realizada sem os espantosos malefícios sociais e profundas cisões da sociedade capitalista industrial. Isso porque um verdadeiro desenvolvimento econômico e social não pode ser promovido sem a socialização real dos processos produtivos e distributivos. Os líderes africanos que acreditam nestes princípios são os socialistas na África.

Há, no entanto, outros líderes políticos africanos e os pensadores que usam o termo “socialismo” porque acreditam que o socialismo, nas palavras de Chandler Morse, iria “suavizar o caminho para o desenvolvimento econômico”. Torna-se necessário para eles empregar o termo em um “esforço carismático para conseguir apoio” para políticas que não promovem realmente o desenvolvimento econômico e social. Os líderes africanos que acreditam nestes princípios, são, supostamente, os “Socialistas Africanos”.

É interessante lembrar que antes da cisão na Segunda Internacional, o marxismo era quase indistinguível da social-democracia. Na verdade, o Partido Social-Democrata alemão era mais ou menos o guardião da doutrina do marxismo, e tanto Marx quanto Engels apoiaram esse partido. Lenin, também, tornou-se membro do Partido Social Democrata. Após a ruptura da Segunda Internacional, no entanto, o significado do termo “social-democracia” foi alterado e tornou-se possível traçar uma distinção real entre socialismo e social-democracia. Uma situação semelhante ocorre na África. Alguns anos atrás, os líderes políticos africanos e escritores usaram o termo “Socialismo Africano” a fim de rotular as formas concretas que o socialismo poderia assumir na África. Mas a realidade das diferentes e inconciliáveis propostas políticas, sociais e econômicas sendo almejadas pelos estados africanos fizeram do termo “Socialismo Africano”, hoje, algo sem sentido e irrelevante. Parece ser muito mais intimamente associada com a antropologia do que com a economia política. “Socialismo Africano” já chegou a adquirir alguns dos seus maiores divulgadores na Europa e América do Norte precisamente por causa de seu charme predominantemente antropológico. Seus publicistas estrangeiros incluem não só os social-democratas remanescentes da Europa e da América do Norte, mas outros intelectuais e liberais que se encontram mergulhados eles próprios na ideologia da social-democracia.

Não foi por acaso, deixe-me acrescentar, que o Colóquio de Dakar, em 1962, valorizou tanto o “Socialismo Africano”, mas as incertezas quanto ao significado e políticas específicas do “Socialismo Africano” levaram alguns de nós a abandonar o termo, porque ele falha em expressar o seu significado original e porque tende a obscurecer o nosso compromisso socialista fundamental.

Hoje, a expressão ” Socialismo Africano” parece se alinhar à visão de que a sociedade tradicional africana era uma sociedade sem classes, imbuída do espírito de humanismo, e expressa uma nostalgia por esse espírito. Tal concepção do socialismo produz uma imagem fetichista a sociedade comunal africana. Mas essa idílica sociedade sem classes africana (em que não havia ricos nem pobres) que desfrutaria de uma anestesiada serenidade, é certamente uma simplificação fácil; não há nenhuma evidência histórica ou mesmo antropológica da existência de tal sociedade. Temo que a realidade das sociedades africanos fosse um pouco mais sórdida.

Todas as evidências disponíveis da história da África até a véspera da colonização europeia mostram que a sociedade africana não era nem “sem classes” nem desprovida de uma hierarquia social. O feudalismo existia em algumas partes da África antes da colonização; e o feudalismo envolve uma estratificação social profunda e exploradora, fundada sobre a propriedade da terra. Também deve-se notar que a escravidão existiu na África antes da colonização europeia, embora o contato anterior com os europeus tenha dado à escravidão na África algumas de suas características mais cruéis. A verdade permanece, no entanto, que antes da colonização, que se tornou difundida na África apenas no século XIX, os africanos estavam dispostos a vender, muitas vezes por não mais de trinta moedas de prata, companheiros de tribo e até mesmo membros da mesma “família alargada” e clã. O colonialismo merece ser responsabilizado por muitos dos males da África, mas certamente não foi precedida de uma Idade de Ouro africana ou de um paraíso. Um retorno às sociedades africanas pré-coloniais não é, evidentemente, algo digno da criatividade e dos esforços de nosso povo.

Não obstante, ainda se poderia argumentar que a organização básica de muitas sociedades africanas em diferentes períodos da história manifesta um certo comunalismo e que a filosofia e os propósitos humanistas por trás dessa organização são dignos de serem retomados. A comunidade em que cada um via o seu bem-estar no bem-estar do grupo certamente foi louvável, mesmo que a maneira pela qual o bem-estar do grupo fosse perseguido não contribua para os nossos propósitos. Assim, o que o pensamento socialista na África deve retomar não é a estrutura da “sociedade tradicional africana”, mas o seu espírito, porque o espírito do comunitarismo está cristalizado em seu humanismo e em sua reconciliação do progresso individual com o bem-estar do grupo. Mesmo se houver escassas evidências antropológicas para reconstituir a “sociedade tradicional africana” com precisão, ainda podemos recuperar os ricos valores humanos desta sociedade. Em suma, uma abordagem antropológica da “sociedade tradicional africana” carece demais de comprovação; mas uma abordagem filosófica está em um terreno muito mais firme, e torna viável a generalização.

Um dos apuros da abordagem antropológica é que há alguma disparidade de pontos de vista sobre as manifestações da “ausência de classes” na “sociedade tradicional africana”. Enquanto alguns afirmam que a sociedade era baseada na igualdade dos seus membros, outros sustentam que ela continha uma hierarquia e divisão de trabalho na qual a hierarquia – e, portanto, o poder – estava fundado em valores espirituais e democráticas… Claro, nenhuma sociedade pode basear-se na igualdade de seus membros, embora as sociedades possam ser fundadas sobre o igualitarismo, o que é algo bem diferente. Da mesma forma, uma sociedade sem classes que, ao mesmo tempo, se regozija em uma hierarquia de poder (como distinta da autoridade) deve ser contabilizada como uma maravilha de requinte sociopolítico.

Sabemos que a “sociedade tradicional africana” se fundava em princípios de igualitarismo. Em seu funcionamento real, no entanto, tinha várias deficiências. Seu impulso humanista, ainda assim, é algo que continua a exortar-nos para a nosso reconstrução socialista de toda a África. Postulamos que cada homem é um fim em si mesmo, não apenas um meio; e aceitamos a necessidade de garantir a cada um a igualdade de oportunidades para o seu desenvolvimento. As implicações disso para a prática sociopolítica têm que ser trabalhadas cientificamente, e as políticas sociais e econômicas necessárias perseguidas com resolução. Qualquer humanismo significativo deve começar a partir de igualitarismo e deve levar a políticas escolhidas objetivamente para salvaguardar e manter igualitarismo. Por isso o socialismo. Por isso, também, o socialismo científico.

Uma dificuldade adicional que surge da abordagem antropológica para o socialismo, ou “Socialismo Africano”, é a divisão gritante entre as sociedades africanas existentes e a sociedade comunalística que existiu. Eu avisei no meu livro Consciencism que “a nossa sociedade não é a velha sociedade, mas uma nova sociedade alargada por influências islâmicas e euro-cristãos”. Este é um fato que qualquer política socioeconômica deve reconhecer e ter em conta. No entanto, a literatura do “Socialismo Africano” chega perto de sugerir que as sociedades africanas de hoje são comunalística. As duas sociedades não são coincidentes; e tal equação não pode ser sustentada ante qualquer observação atenta. É verdade que essa disparidade é reconhecida em parte da literatura do “Socialismo Africano”; assim, meu amigo e colega Julius Nyerere, ao reconhecer o desequilíbrio entre o que foi e o que é em termos de sociedades africanas, atribui as diferenças às importações de colonialismo europeu.

Sabemos, é claro, que a derrota do colonialismo e até mesmo neocolonialismo não irá resultar no desaparecimento automático dos padrões importados de pensamento e de organização social. Isso porque esses padrões criaram raízes e são, em diferentes graus, características sociológicas de nossa sociedade contemporânea. Nem um simples retorno à sociedade comunalística da África antiga pode oferecer uma solução. Porque defender um retorno, por assim dizer, para a rocha da qual fomos talhados é um pensamento encantador, mas estamos diante de problemas contemporâneos, que surgiram a partir da subjugação política, da exploração econômica, do atraso educacional e social, do aumento da população, do contato com os métodos e produtos industriais, das modernas técnicas agrícolas. Isso – bem como uma série de outras complexidades – não pode ser resolvido por qualquer mera sociedade comunalística, não importa o quão sofisticada, e quem assim defende deve se ver capturado em dilemas insolúveis do tipo mais excruciante. Todas as provas disponíveis da história sociopolítica revelam que tal retorno a um status quo anterior é algo sem qualquer precedente na evolução das sociedades. Não há, de fato, qualquer razão teórica ou histórica para indicar que isso é possível.

Quando uma sociedade se encontra com outra, a tendência histórica observada é que a aculturação resulta em um movimento de saldo progressivo, um movimento no qual cada sociedade assimila certos atributos úteis da outra. A evolução social é um processo dialético; ele tem altos e baixos, mas, no cômputo geral, ele sempre representa uma tendência ascendente.

Tanto a civilização islâmica quanto o colonialismo europeu são experiências históricas da sociedade tradicional africana, profundas experiências que mudaram permanentemente a tez da sociedade tradicional africana. Eles introduziram novos valores e uma organização social, cultural e econômica na vida africana. As sociedades africanas modernas não são as tradicionais, mesmo se foram retrógradas, e elas estão claramente em um estado de desequilíbrio socioeconômico. Elas estão neste estado porque não são ancoradas a uma ideologia estabilizadora.

A saída não é, certamente, regurgitar todas as influências islâmicas ou euro-coloniais em uma tentativa fútil de recriar um passado que não pode ser ressuscitado. A saída é só para a frente, para a frente para uma forma mais elevada e reconciliada de sociedade, na qual a quintessência dos propósitos humanos da sociedade tradicional africana reafirmem-se em um moderno contexto progressivo, em suma, rumo ao socialismo, por meio de políticas que sejam cientificamente concebidas e corretamente aplicadas. A inevitabilidade buscar uma rota de saída é sentida por todos; assim, Leopold Sedor Senghor, apesar de favorecer algum tipo de retorno ao comunitarismo africano, insiste em que a sociedade africana remodelada deve acomodar a “contribuição positiva” do domínio colonial, “como a infraestrutura econômica e técnica e o sistema educacional francês”. A infraestrutura econômica e técnica, mesmo a do colonialismo francês e do sistema educacional francês, deve ser apropriada, embora ela possa se apresentar imbuída de uma filosofia sociopolítica particular. Esta filosofia, como deve ser sabido, não é compatível com a filosofia subjacente ao comunalismo e o acomodamento desejado provaria ser apenas uma miragem sociopolítica.

Senghor tem, em verdade, dado um panorama da natureza do retorno à África. Sua posição é destacada por declarações, usando algumas de suas próprias palavras: de que o africano é “um campo de sensações puras”; que ele não mede ou observa, mas “vive” as situações; e que esta forma de aquisição de “conhecimento” por confrontação e intuição é “negro-africana”; a aquisição de conhecimento pela razão, “helênica”. Em “Socialismo Africano” [Londres e Nova York, 1964, pp.72-3], ele propõe:

“Que nós consideramos o negro-africano como ele se defronta com o Outro: Deus, homem, animal, árvore ou seixo, fenômeno natural ou social. Em contraste com o europeu clássico, o negro-africano não desenha uma linha entre ele e o objeto, ele não prende pô-lo à distância, nem apenas olha para ele e o analisa. Depois de segurá-lo à distância, após examiná-lo sem analisá-lo, ele o toma vibrante em suas mãos, cuidando para não matá-lo ou corrigi-lo. Ele o toca, o sente, o cheira. O negro-africano é como um daqueles Vermes do Terceiro Dia, um campo de sensações  puras… Assim, o negro-africano se solidariza, abandona a sua personalidade para se identificar com o Outro, morre para renascer no Outro. Ele não assimila; ele é assimilado. Ele vive uma vida comum com o outro; ele vive em uma simbiose “.

É claro que o socialismo não pode ser fundado sobre este tipo de metafísica do conhecimento. Para elucidar, existe uma ligação entre o comunitarismo e do socialismo. O socialismo está para comunitarismo como o capitalismo está para a escravidão. No socialismo, os princípios inerentes ao comunalismo são expressados em circunstâncias modernas. Assim, enquanto o comunalismo em uma sociedade não-técnica pode ser laissez-faire, deixado livremente a se fazer, em uma sociedade técnica onde sofisticados meios de produção estão à mão a situação é diferente; pois se os princípios inerentes ao comunitarismo não recebem uma expressão correlacionada, clivagens de classe surgirão, que estão relacionadas com as disparidades econômicas e, assim, com as desigualdades políticas. O socialismo, por conseguinte, pode ser, e é, a defesa dos princípios do comunalismo em um ambiente moderno; é uma forma de organização social que, guiada pelos princípios inerente aos comunalismo, adota procedimentos e medidas tornadas necessárias pela evolução demográfica e tecnológica. Somente no socialismo pode se desenvolver de forma confiável as forças produtivas dais quais precisamos para o nosso desenvolvimento e ao mesmo tempo garantir que os ganhos de tais investimentos sejam aplicados para o bem-estar geral.

O socialismo não é espontâneo. Ele não surge por si só. Ele tem princípios palpáveis segundo os quais os grandes meios de produção e distribuição devem ser socializados se queremos evitar a exploração de muitos por poucos; isto é, se o igualitarismo na economia deve ser preservado. Países socialistas na África podem diferir neste ou naquele detalhe das suas políticas, mas essas mesmas diferenças não devem ser arbitrárias ou sujeitas a caprichos de preferências. Elas devem ser explicadas cientificamente, como necessidades decorrentes das diferenças nas circunstâncias particulares dos próprios países.

Existe apenas uma forma de atingir o socialismo: pela elaboração de políticas voltadas para os objetivos socialistas gerais, cada uma das quais demandando uma forma particular nas circunstâncias específicas de um determinado estado em um período histórico definido. O socialismo depende do materialismo dialético e histórico, na visão de que há apenas uma natureza, sujeita em todas as suas manifestações às leis naturais e que a sociedade humana é, nesse sentido, parte da natureza e sujeita às suas próprias leis de desenvolvimento.
É a eliminação das fantasias de cada ação socialista que faz do socialismo científico. Supor que existem socialismos tribais, nacionais ou raciais é abandonar a objetividade em favor do chauvinismo.

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2 comentários em “O Socialismo Africano revisitado”

  1. Mas a disparidade de civilizações africanas, por exemplo, para com as civilizações europeias, são nítidas enfatizadas pelo próprio Marx em sua obra grundrisse. Ao que marxistas se referem ao “modo de produção asiático”, onde de fato não existia propriedade privada das terras e a servidão era coletiva aos moldes do estado soberano. Alias, aparentemente, não há mesmo nem bases científicas para se afirmar que – diferente do modo de produção escravista europeu – existia algum tipo de escravidão. Como também não há bases para se afirmar que o mesmo progresso da passagem da pré-história para a história escrita europeu, aconteceu exatamente – ou ao menos com algumas semelhanças – com outras gamas civilizatórias. O que pan-africanistas comunalistas defendem, é que simplesmente não houve uma passagem “universal” de um comunismo primitivo matriarcal ‘inferior’ à um modo de produção pautado na propriedade privada e no patriarcado, ‘superior’. O que, segundo os mesmos, de acordo com próprias definições marxistas, se é creditado à essas civilizações (africanas, pré-colombianas e asiáticas) um ‘caráter’ primitivo e puras ‘exceções’ históricas, sendo a regra os rumos “progressistas” que aconteceram em solos europeus, que devem ser aceitos como ‘universais’, mesmo – segundo perspectivas pan-africanas – não sendo de fato universal, muito menos sendo condições ‘inferiores’. A que muitos chamam de ‘evolucionismo’ nas teses marxistas. Por muito tempo defendi as noções de progresso histórico como uma determinante, mas, qual o risco que não corro de creditar como uma “verdade universal” algo preconcebido à condição do nomadismo e da necessidade de invadir por conta da escassez de seus recursos? A África, por exemplo, é o continente mais rico do mundo em riquezas naturais. Enquanto em solos Europeus, muito pelo contrário, de acordo com seu próprio ambiente escasso e de pouca produtividade, ‘inimigos’ de qualquer fixação e, em contraste ao sedentarismo, invadiam, saqueavam, e etc. Ainda sim, compreendo que não existe voltar de “ré” para a história, sendo o progresso sempre a ‘última’ cartada. Mas, ainda assim, não sei se ainda deposito toda a universalidade europeia à uma vasta gama de civilizações que experienciavam condições quase que totalmente opostas. Nkrumah, por exemplo, foi um líder que não necessariamente abdicou do pan-africanismo ou do materialismo histórico-dialético. Inclusive diz que, antes do colonialismo, não havia propriedade privada em terras Africanas (além de teses ainda mais “ortodoxas” do marxismo afirmam a mesma coisa) e de acordo com outros historiadores, não há evidências alguma de feudos em terras Africanas, sendo – logicamente – impossível a existência de um modo de produção feudal. Talvez não sei só a existência de uma hierarquia social, seja o suficiente para a corroborar com a existência de uma luta de de classes, sendo os próprios estudos em torno do ‘modo de produção asiático’, indicam que não existia uma luta de classes, com tanto que fora depositado tão caráter de “exceção histórica” e primitivo às civilizações onde não existia propriedade privada e luta de classes. Sendo o contexto europeu (de propriedade privada dos meios e das terras, da luta de classes, da escravidão, das invasões, dos saques, das guerras em torno da produção) uma ‘universalidade’ que deveria ser seguida por todos, se quiserem chegar a um patamar evoluído de sociedade (?) A lógica aplicada ao materialismo histórico-dialético, por exemplo, no caso (de que, para alcançarmos o ápice da humanidade, deveríamos, de algum modo, passar por males estratosféricos) seria perfeitamente compreensível se se aplicasse ao menos à diversificadas civilizações… Sendo um caso um tanto quanto específico e marcante das civilizações europeias, uma não-contextualização do marxismo acaba deixando talvez um eurocentrismo escancarado. Enfim, as gritantes diferenças dos modos de produção escravista e asiático, por exemplo, existiam e não há duvidas alguma nisso. Agora, a respeito desse total contraste aos povos europeus, é instigador e nos convida a outros tipos de reflexões. Mas, antes de mais nada, deixo bem exposto: ainda assim, se o materialismo histórico-dialético posto sob a mesma e que contrastes raciais são tão reais quanto contrastes classistas, não significa necessariamente uma “natureza cruel” dos povos europeus. O próprio antropólogo Cheikh Anta Diop ao formular as disparidades do berço ‘meridional e setentrional’, parte das CONDIÇÕES CONCRETAS dos povos. Ou seja, não há nada de raças biologicamente distintas e consequentemente com outro uma economia e uma sociedade também contraditória. Ele parte cientificamente do ambiente aos quais esses povos estavam inseridos; leva em consideração a escassez e o papel banalizado ou fundamental da agricultura, ou seja, ao ambiente rico em recursos naturais, favoráveis à produtividade e ao sedentarismo. Em contraste ao um ambiente frio, desfavorável à necessária agricultura e produtividade no geral, que acarretou – dialeticamente – economias, sociedades e culturas um tanto quanto distintas. Ainda assim, uma transformação radical sócio-econômica e cultural (rumo ao socialismo) não deixa de ser o progresso mais palpável possível, já que – de acordo com as definições pan-africanas – todo o comportamento egoísta e individualista branco teve seu início de acordo com uma relação dialética entre o homem e o ambiente (condições concretas) poderá ter seu fim concretamente, também. A verdade é que, ao conhecer a fonte do pan-africanismo, é de se duvidar de muitas verdades tidas como absolutas e universais pelo marxismo.

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  2. Marcus Garvey era profundamente anticomunista. Inclusive elogiava Hitler por suas posições sobre pureza racial e se punha ao lado da Klu Klux Klan e contra os comunistas, como W. E. B. DuBois, comunista negro estado-unidense. Como Nkrumah conseguia conciliar uma visão marxista com a visão de Garvey?

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